domingo, 31 de julho de 2022

Os negros ganhadores do canto

 

João José Res mostra como o trabalho realizado pelos negros nagôs na Bahia no século XIX nos chamados “cantos de trabalho” nas ruas da cidade trabalhando como autônomos (artesãos, lavadeiras, alfaiates, vendedores ambulantes, aguadeiros, barbeiros, artistas, pedreiros, carpinteiros, carregadores de carga e de cadeira de arruar), como “escravos de ganho” constitui um locus importante para o redimensionamento das identidades africanas e criação de novos laços de solidariedade, em espacial nas grandes capitais Rio Janeiro, Salvador e Recife.[1] Manuel Querino se refere a expressão bastante comum da época: “vá lá chamar um ganhador no canto “. Entre os diversos ofícios oferecidos destacavam-se a preparação de rosários de coquilhos com borla de retrós de cores; pulseiras de couro, enfeitadas de búzios e outras de marroquim oleado; fabricavam correntes de arame para prender papagaios, esteiras e chapéus de palha de ouricori, e bem assim vassouras de piaçava; lavavam chapéus de Chile e de outra palha qualquer, e, consertavam chapéus de sol[2] No século xix, Charles Darwin, ao visitar uma fazenda de café no Rio de Janeiro, observou que os escravos trabalhavam “para si próprios” aos sábados e domingos. Um negro acusado do assassinato de seu proprietário alega no tribunal como uma das razões que forçado ao crime “pelo mau cativeiro em que vivia” e porque o senhor lhe havia “roubado os domingos e dias santos”. Outro escravo acusa seu proprietário de “ter roubado os domingos e dias santos e mesmo a roça que nas horas vagas fazia, seu senhor a comprava e nunca pagava”[3] O cafeicultor de Paty de Alferes Francisco Peixoto de Lacerda comprava café das roças de escravos[4] o que lhes permitia juntar um pecúlio. Apesar de poderem comprar um calçado tinham de andar descalços como marca de que eram escravos e não forros. Um anúncio de jornal sobre a fuga de um escravo adverte: “anda calçado para fingir que é forro”. Uma exceção foi o surto de cólera de 1850 quando alguns proprietários compraram calçados para seus escravos uma vez que fora apontado esta como uma possível via de contaminação.[5]

[1] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 351, 386; GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.234

[2] QUERINO, Manuel. A raça africana e seus costumes na Bahia, Salvador: P55 Edições, 2021. p.69

[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.318

[4] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.219

[5] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.67; LEITE, Marcelo Eduardo. Typos de pretos: escravos na fotografia de Christiano Jr , VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.1 p. 25-47, jan-jun 2011, p.25-47



sábado, 30 de julho de 2022

A escravidão em Roma

 

Segundo Moses Finley uma proporção significativa da atividade industrial e comercial em Roma era executada por escravos.[1] Embora o cinema em filmes como Espártaco tenha difundido a imagem de rebelião de escravos contra a escravidão, toda a evidência da Roma Antiga sugere que a escravidão era vista como uma instituição aceita como inevitável, até mesmo pelos escravos. Espártaco e seus companheiros possivelmente lutavam pela sua liberdade, mas não pelo fim da escravidão.[2] O exército de Espártaco reuniu por volta de 70 a.c um total de 70 mil homens incluindo uma grande parte de escravos e camponeses pobres. Com a supressão da revolta cerca de seis mil escravos, ao invés de devolvidos a seus donos, foram crucificados ao longo da via Ápia, de Cápua até Roma, seguindo as prescrições da lei romana. [3] Mesmo filósofos como Epiteto não questionariam a escravidão pois era entendida como dentro da ordem racional do universo. [4]



[1] FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga, São Paulo:Martins Fontes, 2013, p.142

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 244

[3] GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2020, p.133

[4] ROUX, Patrick Le. Império Romano, Porto Alegre: L&PM Pocket Ecyclopedia, 2009,p.102


A cidadania romana

 

Tito Lívio destaca que as boas relações com as províncias invadidas foram a chave para a dinâmica da expansão romana em seus primórdios. Tácito observa que a maneira como muitas províncias se aculturavam e adotavam as tradições romanas acaba servindo aos interesses de Roma: “Eles, em sua ignorância, davam a isso o nome de civilização, mas na realidade era parte de sua escravização” (humanitas vocabatur, cum pars servitutis esset).[1] Em muitas províncias eram estendidos os direitos de cidadania romana aos nascidos na região, incluindo o direito de voto: “isso preparou o terreno para um modelo de cidadania e de pertencimento que teve enorme importância para as ideias romanas de governo, direitos políticos e etnicidade e nacionalidade. Esse modelo foi logo estendido ao exterior e acabou sustentando o Império Romano”.[2] Cada cidade possuía uma câmara municipal (ordo decurionum) e diversas magistraturas. Alguns autores chegam a afirmar que o Império Romano nada mais era do que uma imensa federação de cidades autônomas.[3] O imperador Septímio Severo tinha origem no território romano de Leptis Magna no norte da África. Trajano e Adriano eram da província romana da Espanha.[4] Esse processo culminou em 212 quando Caracala transformou todo habitante livre do Império em cidadão romano[5], de modo que mais de 30 milhões de habitantes das províncias tornaram-se legalmente cidadãos romanos.[6] Patrick Le Roux contudo observa que havia uma diferenciação não oficial que concedia aos cidadãos nascidos em Roma primazia sobre os das províncias. O peta Marcial destaca que a concorrência de provincianos era muitas vezes vista como afronta aos cidadãos romanos, pois havia um código social implícito que privilegiava os citadinos dos cidadãos camponeses, ainda que estes representassem quase 80% da população do Império.[7]

[1] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 486

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 163

[3] FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos. In: PINSKY, Jaime. História da cidadania, São Paulo: Contexto, 2021, p. 65

[4] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 69, 515

[5] WOOLF, Greg. Roma: a história de um império,São Paulo: Cultrix, 2017, p.29; FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos. In: PINSKY, Jaime. História da cidadania, São Paulo: Contexto, 2021, p. 75

[6] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 68

[7] ROUX, Patrick Le. Império Romano, Porto Alegre: L&PM Pocket Ecyclopedia, 2009,p.78



O papel da ideologia na Roma Antiga

 

Em 593 a.c Sólon iniciou uma reforma das estruturas social, política e econômica da polis ateniense em que reconhece na Constituição de sua época como “aquela que melhor convém”. Werner Jaeger mostra que Sólon redefine o papel da humanidade e da religião na imputação de responsabilidades “o mundo em que Sólon vive já não deixa ao arbítrio dos deuses a extensão que lhe deixavam as crenças da Ilíada. Impera neste mundo uma ordem jurídica estrita. Assim, Sólon tem de atribuir às culpas dos homens uma boa parte do destino que o homem homérico aceitava passivamente das mãos dos deuses”.[1] As reformas de Sólon proibiram dívidas tendo a pessoa como garantia (seisachtheia)[2], libertando os escravos por dívidas de seu tempo e abolindo esta forma de escravidão em Atenas sem, contudo, abolir todos os privilégios dos aristocratas[3] nem promover qualquer repartição de terras[4]. Muitos credores usavam deste artifício para obter mais mão de obra servil, de tal modo que esta era a função destas dívidas e não o de servir como meio de enriquecimento através de juros.[5] Um homem livre que dava seu trabalho em servidão pelo dinheiro que deve, até que tenha saldado o débito era chamado de nexus. Segundo Moses Finlay: “com Sólon terminaram  com as arbitrariedades na criação e aplicação das leis, de deste modo, deu-se vigor a ideia que chegaria a ser a definição grega da organização política civilizada, mas ainda, aqueles passos foram um avanço em direção a igualdade perante a lei, igualdade que os atenienses da época clássica consideraram com o traço distintivo da democracia”.[6] Moses Finlay é o principal expoente da vertente primitivista dos estudos sobre a economia antiga, que entende que valores como o status e a ideologia cívica governavam a economia antiga ao invés de motivações econômicas racionais. Patrick Le Roux por sua vez entende eu no império romano a autoridade do imperador se impunha sem o recurso de uma ideologia: “ainda que tenham sido empregado algumas vezes dísticos de propaganda, mencionar a existência de ideologias é um anacronismo, já que ela não se destinavam a reforçar a expressão do poder imperial, contido em si mesmo. A superioridade evidente do poder do imperador não necessitava de ser reforçada ideologicamente, porque era conhecida por todos e visível aos olhos”.[7]



[1] JAEGER, Werner. Paideia, São Paulo:Ed. Herder, 1936, p.169

[2] DUNAN, Marcel; BOWLE, John. Larousse encyclopedia of ancient & medieval history, Paris:Larousse, 1963, p.109

[3] ULRICH, Paul. Os grades enigmas das civilizações desaparecidas, Grécia, Roma e Oriente Médio, Rio de Janeiro, Otto Pierre Ed, 1978, p.71

[4] FLORENZANO, Maria Beatriz. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 32

[5] FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga, São Paulo:Martins Fontes, 2013, p. 177

[6] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorail Labor, 1966, p. 45

[7] ROUX, Patrick Le. Império Romano, Porto Alegre: L&PM Pocket Ecyclopedia, 2009,p.38



quarta-feira, 27 de julho de 2022

Escravidão e direitos civis no período colonial

 

Katia Mattoso registra que na população livre de Salvador do século XIX de um grupo de 395 pessoas um total de 25 era formada  de ex escravos africanos, do quais apenas quatro não tinham seus próprios escravos, sendo que, a pesquisa mostra que todos os artesãos da amostra tinham escravos. William Dampier em sua vista à Bahia em 1699 registra a habilidade de mulatos escravos que exerciam diversos ofícios mecânicos: “Todos esses artífices compram negros e exercitam-nos na prática de suas várias artes, o que é de grande auxílio para eles”. Um destes artesãos Antonio Fernandes de Mattos (1671-1701) emigrou para Pernambuco como pedreiro qualificado e bastante respeitado na capitania[1]. Katia Mattoso, contudo, observa que “relativamente poucos mulatos conseguiam tornar-se senhores médios e grandes, e pouquíssimos negros e mulatos escuros entravam no rol dos pequenos donos de escravos”[2]. Katia Mattoso mostra a condição aparentemente aberrante da legislação na qual era possível ao escravo ter escravos, ainda que sem estatuto.[3] Russel Wood destaca um edito do conde de Assumar de 1719 que determinava que nenhum negro ou negra forro poderia possuir escravos, e que os que tivessem escravos deveriam se desfazer deles em dois meses sob pena de serem confiscados.[4] José Murilo de Carvalho ao comentar o estudo de Katia Mattoso e depois de destacar que no quilombo de Palmares haviam escravos, conclui: “esses dados são perturbadores. Significam que os valores da escravidão eram aceitos por quase toda a sociedade. Mesmo os escravos, embora lutassem pela própria liberdade, embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar os outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a escravidão, pode entender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para reflexão. Tudo indica que os valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade europeia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no Brasil”.[5]



[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 34

[2] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.206

[3] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.164

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.87

[5] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 49



domingo, 24 de julho de 2022

A civilização do couro

 

O historiador Capistrano de Abreu se refere a "Civilização do Couro"[1] para descrever a importância da pecuária no interior nordestino. A criação de gado esteve diretamente ligada a viabilização de estradas que ligavam Maranhão à Bahia com prolongamentos pelo Piauí e Goiás. Salvador se integrava à chapada Diamantina bem como os sertões de Ilhéus e Porto Seguro, ou seja, a criação de gado foi um importante fator de integração nacional[2]. Antonil em sua obra Cultura e Opulência de 1711 já registra a exportação de couros do Brasil para a Lisboa. Uma carta dos Oficiais da Câmara de Olinda em 1729 registra a importância da sola e do açúcar no comércio local. A Companhia Gera de Comércio de Pernambuco e Paríba registra exportações de meios de sola, couros em cabelo e atanados no período de 1751 a 1775. Na capitania da Bahia de 1714 uma carta dirigida ao el-rey  pelos Oficiais da Câmara se queixa da falta de gados para carne diante da crescente utilização na indústria do couro diante da demanda no mercado interno e para Lisboa. A mesma queixa está presente em outros documentos da época. Oliveira Lima um documento datado de 1792 que registra na Capitania de São Pauloa presença de “muita coirama”[3]. John Mawe assinala que em 1807 São Paulo exportava couros e sola para o Rio de Janeiro. A sola era parte do couro bruto, jâ seco, e destinava-se, principalmente, às sapatarias. O couro em cabelo era o couro bruto e salgado. Também chamado de vaqueta, sola ou soleta tanino, o coro atanado é o principal tipo de couro usado em projetos artesanais, feitos a mão. Trata-se de couro totalmente natural, sem coberturas ou acabamentos. Segundo Roberto Simonsen o comercio do gado bovino e a movimentação de tropas muares pelo país foi um fator de unidade econômica brasileira: “alargadas as fronteiras econômicas, ocupadas as vastas regiões dos sertões brasileiros, as economias e os capitais nacionais estavam representados, em fins do período colonial, nos engenhos, na escravaria e na pecuária. Foi a acumulação destes dois elementos, pela mineração, que facilitou a rápida expansão da cultura cafeeira, cultura esta que, por sua natureza especial, exigiria fartos braços e amplos meios de transporte”.[4] Para Roberto Simonsen: “foi o gado o elemento de comércio por excelência por toda a hinterlândia brasileira, na maior parte da fase colonial. Indústria mais pobre, relativamente, que a do açúcar, apresentava, porém, uma feição caracteristicamente local, formadora de gente livre e com capitais próprios. A indústria açucareira, com outra organização social, funcionava, em grande parte com capitais da metrópole, aos quais eram atribuídos  os maiores proventos. A produção da pecuária, e o seu rendimento ficavam incorporados ao país. As suas feiras, entre as quais a de Sorocaba, exerceram uma função inconfundível na formação de nossa infra estrutura econômica unitária, antes da independência”.[5]

[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 246

[2] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.234

[3] GOULART, José Alípio. Brasil do boi e do couro, Rio de Janeiro: Edições GDR, 1966, p. 34

[4] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.187

[5] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.17, 186



A influência do platonismo na cabala

 

Para Adolphe Franck existe uma grande analogia entre a filosofia platônica e certos princípios metafísicos e cosmológicos ensinados no Zohar: “Em ambos os lados vemos a Inteligência Divina ou o Verbo moldando o universo de acordo com os tipos contidos em Si mesmo antes que as coisas fossem geradas. De ambos os lados vemos os números desempenharem o papel de intermediários entre as ideias, entre a ideia suprema e os objetos que são a manifestação incompleta no mundo desta ideia. Em ambos os lados, finalmente, encontramos os dogmas da preexistência das almas, da reminiscência e da metempsicose”.[1] Adolphe Franck observa que Eusébio de Cesareia menciona que o judeu Aristóbulo de Panias estava entre muitos filósofos de seu tempo, que argumentava que o essencial da filosofia e da metafísica grega foi derivado de fontes judaicas. O filósofo Numênio de Apameia reafirma essa posição em sua declaração bem conhecida: "O que é Platão, senão Moisés falando grego ático?". Adolphe Franck, faz um paralelo entre a relação da Cabala com o pensamento grego e conclui que, embora reconheça afinidades entre a cabala e Platão, tal como Eusébio de Cesareia que entende que gregos e judeus tiveram um desenvolvimento independente um do outro, da mesma forma as origens da cabala não devem ser encontradas no platonismo: “A Cabala não é uma imitação da filosofia platônica; pois Platão era desconhecido na Palestina onde o sistema cabalístico foi fundado. Além disso, não obstante a vários traços semelhantes que nos impressionam à primeira vista, as duas doutrinas diferem totalmente em os pontos mais importantes”. Franck destaca que as afinidades da cabala são ainda maiores com o neoplatonismo do que com o platonismo puro: “Deus é para Plotino e seus discípulos, bem como para os adeptos da Cabala, a causa imanente da origem substancial das coisas. Tudo vem dEle, e tudo volta para Ele [...] De acordo com os platônicos alexandrinos, Deus só pode ser concebido na forma de uma trindade. Há uma trindade que é composta das seguintes três expressões que foram emprestados da linguagem de Platão: a Unidade ou o Bem, a Inteligência e a Alma do mundo ou o Demiurgo [...] ”.  Mas da mesma forma Franck não reconhece na escola alexandrina da diáspora judaica a origem da cabala: “A Cabala não é uma imitação da escola alexandrina. Primeiro, porque antecede a escola alexandrina, e em segundo lugar porque o judaísmo sempre mostrou uma profunda aversão e ignorância da civilização grega, mesmo quando elevou a Cabala a o grau de revelação divina”. Adolphe Franck acredita que a cabala tenha sua origem no período do exílio na Babilônia em 540 a.c. quando houve o contato com a teologia dos parsis Hindus cuja religião era o zoroastrismo.[2] Apesar disso Franck destaca mesmo sob influência do zoroastrismo a cabala preservou a noção de unidade da divindade: “A doutrina dos cabalistas apresenta um caráter bem diferente. Aqui o monoteísmo é o fundamento, a base e o princípio de tudo; dualismo e todas as outras distinções de qualquer natureza existe apenas formalmente. Só Deus, Deus, Uno e Supremo, é ao mesmo tempo a causa, a substância e a essência inteligível, a forma ideal de tudo o que é. Somente entre o Ser e o Não-ser, entre a forma mais elevada e no grau mais baixo de existência há uma oposição, um dualismo”.



[1] FRANCK, Adolphe. The Kabbalah, New York: The Kabbalah Publish. Co. 1926, p. 214

[2] FRANCK, Adolphe The Kabbalah, New York: The Kabbalah Publish. Co. 1926, p. 15



Guematria judaica

 

Em Genesis 14:14 é descrita a invasão da Palestina por poderosos exércitos do Oriente, que levaram Lot, o sobrinho de Abraão, como prisioneiro. “Quando Abrão ouviu que seu parente fora levado prisioneiro, mandou convocar os trezentos e dezoito homens treinados, nascidos em sua casa”. Se somarmos os números correspondentes às letras hebraicas do nome do servo de Abraão (Gn 15:2), chamado Eliezer temos: E (Heh=1) + L (Lamed=30) + I (Yud=10) + E (Ayin=70) + Z (Zayin=7) +R (=200) = 318. Em 1 Reis 5:12 relata que o sábio Rei Salomão escreveu 1.005 canções que corresponde ao valor numérico "Canções do Rei Salomão".[1]  A palavra Adam, por exemplo, tem soma igual a A (alef = 1) + D (daleth = 4) + M (mem = 40) = 45 o que leva a gematria 4 + 5 = 9. Por exemplo, Achad e Ahabha tem ambas gematria 13 e representam a unidade e o amor respectivamente. A letra Shin tem valor 300, número equivalente ao valor numérico da palavra Ruach Elohim, o Espírito de Elohim. A letra Shin é, portanto, um símbolo do Espírito de Elohim (repare que o desenho da letra possui três flamas). Temos R (resh)=200, V (vav)=6, C (heth)=8, A (alef)=1, L (lamed)=30, H (he)=5 ou Y (iod)=10, M (mem)=40 donde 200+6+8+1+30+5+10+40=300.[2] Papus mostra que um dos sentidos da cabala é o de Poder = La, das vinte e duas letras do hebraico pois C (Kaf) = 20 e B (Beth) = 2.



[1] SEIDENBERG, The Ritual Origin of Counting, Archive for History of Exact Sciences , 16.11.1962, Vol. 2, No. 1 (16.11.1962), p.1-40 Springer, https://www.jstor.org/stable/41133226

[2] https://www.wikiwand.com/pt/Guem%C3%A1tria



sábado, 23 de julho de 2022

Alquimia e cabala

Gershom Scholem (figura) mostra que na Cabala, o ouro não é de forma alguma um símbolo do mais alto status. A literatura cabalística afirma que a prata é o símbolo do lado direito, doação masculina; em contraste, ouro, o símbolo do lado esquerdo, representa o feminino, a prata tem predomínio sobre o ouro. Esta divisão aparece pela primeira vez no mais antigo texto cabalístico existente, o Sefer ha-Bahir. A criação de ouro não é considerada essencial, não de acordo com o esquema de mundo cabalístico real, comumente compartilhado e certamente não de acordo com a visão de mundo interna, espiritual e teosófica. O simbolismo da cabala, portanto, neste aspecto dos metais, é oposto ao da alquimia. (p.20). Moses de Leon, por sua vez, faz referências diretas a alquimia especialmente em Zohar 2.23b-24b, mas tais referências não foram incorporadas à cabala. Maria a judia, mencionada por Zósimo, segundo Gershom Sholem é um personagem ficcional (p.37). Apesar disso Gershom Scholem reconhece influências da alquimia na cabala: "É inegável que o simbolismo da Shekhinah, o aspecto feminino do mundo divino das sefirot - que representa o último dos dez passos de emanação dentro da cabeça de Deus, como é ricamente desenvolvido no Zohar - exibe paralelos ao simbolismo alquímico da prima materia", no entanto, existem apenas algumas conexões entre as ideias cabalistas e alquímicas nas gerações seguintes à publicação do Zohar. 

No século XV judeus italianos demonstraram interesse em alquimia, como o  poeta Moses David ben Judah Rieti, porém, sem nenhuma conexão com a cabala. O judeu Knorr von Rosenroth faz uma associação de metais com planetas, mas usa um simbolismo que não se originou nos círculos cabalistas, mas sim em círculos astrológicos, onde a ordem dos planetas é determinada por sua proximidade inversa com a terra, o que atesta sua incompatibilidade com o antigo simbolismo da sefirot da Kabbala. Este simbolismo coincide com o usado pelo cabalista Cornelio Agripa no capítulo 22 de seu livro 2 de De Occulta Philosophia, porém, Agrippa é enfático em dizer que a origem deste simbolismo é o texto mágico do Picatrix. Em nenhum momento ele cita a Kaballah como origem e seria pouco provável ele omitir isso. (p.76) Apesar da incompatibilidade entre a cabala e a alquimia Gershom Scholem mostra que a alquimia e a Cabala tornaram-se amplamente sinônimas entre os teósofos e alquimistas cristãos da Europa a partir do século XVII como nas obras de Thomas Vaughan (1641-1666) e Robert Fludd (1574-1637). Tal mudança pode ser explicada segundo Kopp, pois entre os círculos esotéricos  "a Cabalá foi apenas a isca, principalmente tal como empregado nos títulos dos livros, para atrair leitores curiosos comprar livros de autores que não sabiam nada sobre esse tipo do conhecimento oculto."(p.84). A conexão da Cabala Judaica com um simbolismo alquímico-místico de caráter cristão foi finalmente adotado por Friedrich Christoph Oetinger a partir de textos publicados e interpretados por cristãos do Zohar.[1]

[1] SCHOLEM, GERSHOM. Alchemy and kabbalah, New York: Spring Publications, 2006



sexta-feira, 22 de julho de 2022

A astrologia/astronomia entre os caldeus

 

Muitos gregos foram as hierogrammatikoi egípcias para se instruir, entre os quais Tales de Mileto, Platão, Pitágoras e Demócrito para estudos de astronomia e geometria. Clemente de Alexandria, Luciano, Diógenes Laércio, Macrobio atribuem a origem da astronomia aos egípcios e Diodoro Sioulus assegura que eles foram professores dos babilônios, porém Flávio Josefo sustenta que os egípcios aprenderam seus conhecimentos de astronomia dos caldeus. Georges Contenau destaca os trabalhos do astrônomo caldeu Soudines que vivia na corte em Pérgamo em 239 a.c., e um astrônomo chamado Naburiano, assim como Kidinnu (Kidenas em grego) que registra a presença de montanhas na lua.[1] Calístenes enviou a seu tio Aristóteles diversas observações astronômicas obtidas dos arquivos da Babilônia que segundo ele remontavam séculos de antiguidade.[2] Otto Neugebauer mostra que esta passagem é espúria pois não é mencionada em Aristóteles mas apenas em Porfírio (sec IIII d.c.) através de Simplício (séc VI d.c.) e principalmente porque segundo o texto as observações astronômicas datam de 31 mil anos atrás !.[3] Na astronomia Otto Neugebaeur destaca que embora a astronomia egípcia ou da Babilônia não descrevam qualquer modelo baseado em epiciclos ainda assim se pode-se observar a influência da Babilônia na astronomia de Ptolomeu e Hiparco nos métodos aritméticos bem como nas constantes usadas para descrição do movimento lunar tal como decifrado nos trabalhos de Epping e Kugler.  O astrônomo e astrólogo da corte babilônica Berossos no governo de Antíoco I (280-261 a.c) esteve na ilha grega de Cos por volta de 270 a.c. o que pode justificar uma conexão direta na transmissão desse conhecimento. Beroso escreveu  Babyloniaca (História da babilônia) um livro perdido mas cujos fragmentos são reproduzidos por Plínio, Marcus Pollio, Censorinus e Josefo .[4] Outra aproximação da astronomia grega e Babilônia é o uso de tabelas numéricas de ascensão do Sol no horizonte para determinação da variação na duração do dia. Otto Neugebauer mostra que esquemas aritméticos eram usados na solução de problemas da astronomia grega junto com soluções trigonométricas geométricas. A coexistência destes dois modelos mostra uma marca de conservantismo dos matemáticos gregos.[5]



[1] CONTENAU, Georges. Everyday life in Babylon and Assyria, London: Edward Arnold Pub, 1954, p.229

[2] MASPERO, Gaston. History Of Egypt, Chaldæa, Syria, Babylonia, and Assyria, v. 3, London:Grolier Society, 1896. http://www.gutenberg.org/files/17323/17323-h/17323-h.htm

[3] NEUGEBAUER, The exact sciences in antiquity, New York: Dover, 2019, p.151

[4] PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson, Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020, p.60

[5] NEUGEBAUER, The exact sciences in antiquity, New York: Dover, 2019, p.157



O poder do nome no Egito Antigo

 

Nas paredes da pirâmide de Pepi II mostra o zelo com a preservação do nome: “Ó Grande Companhia dos deuses que habitam em Annu (Heliópolis), conceda que Pepi Nefer-ka-Râ possa florescer (literalmente 'germinar'), e que sua pirâmide, seu edifício eterno, possa florescer, assim como o nome de Temu, o chefe dos nove deuses, floresce. Se o nome de Shu, o senhor do santuário superior em Annu, florescer, então o nome de Pepi florescerá, e sua pirâmide, seu edifício eterno, florescerá!”.[1] Segundo Lefebvre: “o nome de uma pessoa ou coisa, para os egípcios, é uma representação efetiva da mesma, e desta forma, torna-se o objeto em si  numa forma menos substancial e mais adaptada, que é mais suscetível de um tratamento intelectual; em resumo, o nome forma um substituto mental. O nome, que nós consideramos como uma imagem do objeto em questão, parece consequentemente ser um elemento essencial ou projeção do mesmo, na mesma relação natural deste, tal como uma sombra ou reflexo”.[2] O medo de ter seu nome apagado dos registros da história por algum adversário era grande entre os egípcios pois sem tais registros, sua identidade desapareceria, você deixaria de existir no pós vida. Com isso foram desenvolvidos métodos para prevenir que tal ocorresse o que incluía rogar pragas contra qualquer um que danificasse ou removesse o nome do indivíduo. O método com o qual faziam os hieróglifos em si, foram modificados de modo a dificultar o apagamento. Ao invés de serem talhados em relevo ou entalhados, em um caso, no túmulo de Nefermaat, o individuo talhou seus hieróglifos em incruste e ele diz em seu túmulo: “Eu fiz isto em escrita que não pode ser destruída." Outra forma de proteger o nome é escreve-lo em cifras, como no túmulo de Tutancâmon. O nome era importante, não só para a realeza e cidadãos privados, mas  também para as divindades. Os nomes de Rá são secretos e sua filha Ísis consegue descobri-los.[3] A técnicas de relevo afundado ocorrem em geral em superfícies externas, enquanto o relevo saliente aparece dentro de espaços interiores. As figuras mostram o indivíduo de pé em que o mais importante é o mais alto, como é o caso no túmulo de Kapure quando ele é mostrado com seu filho, que é bem pequeno.[4]



[1] BUDGE, E. A. Wallis; Bauer Books. Egyptian Magic (Illustrated Edition) (Timeless Classics Collection) (p. 84). Edição do Kindle. https://www.sacred-texts.com/egy/ema/ema07.htm#fn_104

[2] CONTENAU, Georges. Everyday life in Babylon and Assyria, London: Edward Arnold Pub, 1954, p.161

[3] SILVERMAN, David. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 6, Mummies and mummification Part 4, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/

[4] SILVERMAN, David. Wonders of Ancient Egypt Semana 2 Principles of Egyptian Art: Part 4 https://www.coursera.org/learn/wonders-ancient-egypt/lecture/



O sentido esotérico da Torá

 

Gershom Scholem mostra que para os cabalistas a Torá foi criada dois mil anos antes da criação do mundo, quando o Nome divino, ou as sefirots divinas, emanaram da essência oculta de Deus.[1] Os cabalistas de Safed do século XVI acreditavam que no Sinai haviam 600 mil pessoas com base em Êxodo 12:37 “Os filhos de Israel partiram de Ramsés em direção a Sucot, cerca de seiscentos mil homens a pé – somente homens, sem contar suas famílias (mulheres e crianças)”, de modo que cada alma possui uma letra da Torá, que forma o corpo místico da Torá, muito embora  texto tenha cerca de 340 mil letras. Nesta interpretação as mulheres, portanto, não tem qualquer relação direta com a Torá. Esta Torá original teria sido reorganizada para sua forma atual. O cabalista Abraão Azulai (1570-1643) explica que em Deuteronomio 22:11 temos no texto hebraico a restrição ao uso de linho misturado ao de lã (schaatnetz tzemer ufischtim)[2].Na época em que o homem vivia no paraíso vestido de trajes espirituais tal restrição não teria feito sentido. Rearranjando as letras é possível resgatar o texto original: satan as metzar utofsim – satanás insolente trará medo e aflição tentando apoderar-se do homem. O sábio judeu Cordovero explica que a mudança se fez necessária porque a natureza de Adão se tornou material depois da sua queda, necessitando assim de uma Torá que desse mandamentos materiais, o que exigiu uma nova leitura e reorganização das letras para transmitir o significado de um mandamento: “o mesmo ocorre com todos os outros mandamentos baseados na natureza corpórea e material do homem [...] No que diz respeito às novas interpretações da Torá, que Deus revelará na Era Messiânica, podemos afirmar que a Torá permanecerá a mesma eternamente, porém, no começo, ela assumiu a forma de combinações materiais de letras, que se adaptavam ao mundo material. Mas um dia os homens hão de se desfazer deste corpo material, serão transfigurados e recuperarão o corpo místico de Adão antes da queda. Então compreenderão o mistério da Torá, seus aspectos ocultos se tornarão manifestos. E mais tarde quando ao fim do sexto milênio  (isto é, após a verdadeira redenção messiânica e o começo da nova eternidade) o homem se tornar  um ser espiritual ainda mais elevado, penetrará ainda mais profundamente nos mistérios ocultos da Torá. Qualquer pessoa então será capaz de entender o conteúdo milagroso da Torá e as combinações secretas e destarte aprenderá muito a respeito da essência secreta do mundo [...] Pois a ideia fundamental da presente dissertação é que a Torá, como o próprio homem, veste um traje material. E quando o homem se elevar de seu traje material (isto [e, de sua condição corpórea) para um mais sutil, também a manifestação material da Torá será apreendida em graus sempre crescentes. As faces veladas da Torá tornar-se-ão radiantes e os justos a estudarão. No entanto, em todas estas fases, a Torá será sempre a mesma que ela foi no começo, sua essência nunca mudará”. No mesmo sentido Isaac Luria (1534-1572)[3]: “No paraíso, o sentido dos mandamentos era diferente e bem mais espiritual do que agora, e aquilo que os homens piedosos cumprem agora na execução material dos mandamentos, eles hão de cumprir então, no traje paradisíaco da alma, tal como Deus pretendeu quando criou o homem”. Segundo o rabino Sabatai Tzvi (1626-1676), que alegava ter sido o Messias das Escrituras, essa releitura da Torá explica o porque do texto original não conter vogais: “é uma referência ao estado da Torá tal como ela existia à vista de Deus antes de ser transmitida às esferas inferiores. Pois tinha Ele diante de si numerosas letras que não estavam unidas às palavras como hoje é o caso, porque o arranjo real das palavras dependeria de como este mundo inferior se conduzisse. Por causa do pecado de Adão, Deus arranjou as letras à Sua frente em palavras descrevendo a morte e outras coisas terrestres como o casamento por levirato. Sem pecado não haveria morte As mesma letras teriam sido juntadas em palavras contando uma estória diferente. Daí porque o rolo da Torá não contém vogais, nem pontuação, nem acentos, como alusão à torá que originalmente formava um amontoado de letras desconjuntas. O propósito divino será revelado na Torá com o advento do Messias, que subjugará a morte para sempre, de modo que não haverá lugar na Torá para algo relacionado com a morte, impureza e similar. Pois Deus, então, anulará a atual combinação de letras que forma a Torá do presente e comporá as letras em palavras diferentes que formarão sentenças novas, falando de outras coisas. Este é o sentido das palavras de Isaías 51:4: “A Torá sairá de mim”, eu já foram interpretados pelos antigos rabinos como significando: Uma Torá nova sairá de mim. Significa isto que a Torá não tem validade eterna ? Não, significa que o rolo da Torá será como é agora, mas Deus nos ensinará a lê-la e nos iluminará quanto à divisão e combinação das palavras”.[4]



[1] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.54

[2] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.81

[3] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.88

[4] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.91



quarta-feira, 20 de julho de 2022

A origem da cabala

 

Hans Jones levanta a possibilidade de conexão do gnosticismo com as origens da Cabala judaica embora não esteja certo de quem teria a causa ou efeito.[1] Giovanni Filoramo mostra que os textos de Nag Hammadi confirmaram a influência do judaísmo no gnosticismo, ainda que o gnosticismo tenha se formado em um ambiente de violenta rejeição ao judaísmo. Ademais a radical rejeição do gnosticismo ao mundo material está ausente dos textos judeus da época. Mesmo após a destruição do templo a judaísmo continuou  acreditar que ele seria reerguido e esta esperança alimentou a persistência na confiança na lei judaica, o que distanciaria da perspectiva gnóstica de rejeição ao mundo material.[2] Entre os gnósticos marcosianos havia a predileção pela especulação aritmética e pelo misticismo numérico, difundido na cultura contemporânea, que os Marcosianos utilizaram para reinterpretar os mistérios do mundo pleromático. No apocalipse de Paulo é tratado da jornada de Paulo pelos dez ceus desenvolvendo o conceito de terceiro ceu em 2 Cor 12:2-4.[3] O dez remete ao conceito de perfeição em Pitágoras. Este misticismo aritmético aproxima os gnósticos dos cabalistas. Papus identifica notáveis semelhanças da cabala com o gnosticismo, mas considera que este não pode ser a origem da cabala que remeteria a um período muito anterior, trazida ao povo judeu pelos caldeus ao tempo de Daniel e Esdras. Entre os israelitas anteriores à dispersão da dez tribos não judaicas, a cabala veio dos egípcios trazia por Moisés[4]



[1] JONAS, Hans. The gnostic religion : the message of the alien God and the beginnings of Christianity, Boston : Beacon Press, 1970, p. 33 https://archive.org/details/gnosticreligiont00jona/page/n9/mode/2up

[2] FILORAMO, Giovanni. A history of gnosticism, Oxford:Basil Blackwell, 1990, p.146 https://archive.org/details/historyofgnostic0000filo/page/n7/mode/2up

[3] FILORAMO, Giovanni. A history of gnosticism, Oxford:Basil Blackwell, 1990, 1968

[4] PAPUS, A cabala, São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 9, 154



A cabala como teoria mítica dos judeus

 

Para Perle Epstein: “para os místicos judeus, a língua hebraica sempre correspondeu fisicamente às coisas que designa. O simples ato de escrever uma letra hebraica podia produzir um efeito unificador entre a mente e o corpo, colocando a pessoa em contato com o mundo superior [...] Três letras primordiais, o aleph, mem e shin continham todos os elementos potenciais, seguiam-se doze letras simples que serviam como um canal para a energia divina que sustenta o universo [...] Para o cabalista, as letras representam uma combinação de nome e forma que abrange nosso universo físico conhecido. Do mesmo modo que o físico que hoje procura, por meio dos quarks, localizar a partícula mais simples, a essência ou a qualidade fundamental da matéria, o cabalista, transformando as palavras nome e forma numa espécie de átomo divino, chega por meio da letra até a sua essência, fazendo com ela todas as combinações e permutações permitidas pela natureza, de maneira a saltar para além da natureza. Com esse objetivo, ele manipula o primeiro Nome de Deus, força fundamental que forma toda a matéria [..] A técnica da meditação conhecida como tzeruf, permutação de letras, usa a linguagem para romper sua própria estrutura e permite ao místico atingir muito rapidamente o reino supra racional”. Abraham Abulafia nascido em Saragoça em 1240, mestre do tzeruf, quebrou todas as regras da irmandade mística judaica quando revelou ao mundo suas técnicas de permutação das letras hebraicas sagradas para a contemplação do Nome de Deus, tornando o conhecimento esotérico acessível ao homem comum: “o nome deste caminho inclui o mistério das setenta línguas, que está na permutação das letras, de modo a trazer de volta as letras à sua substância primitiva, ou à sua materialização, pela vocalização e pelo pensamento segundo o caminho  das dez esferas. Nenhuma coisa sagrada é inferior a dez”. Seu trabalho influenciou místicos como Pico dela Mirandola.[1] Segundo Gershom Scholem: “O mundo secreto da divindade é um mundo de linguagem, um mundo de nomes divinos que se abrem de acordo com uma lei que lhes é própria. Os elementos da linguagem divina aparecem com as letras das Escrituras Sagradas. Letras e nome não são apenas meios convencionais de comunicação. São muito mais. Cada um deles representa uma concentração de energia e exprime uma riqueza de significados que não pode ser traduzida, não plenamente, pelo menos, em linguagem humana. Há, é evidente, uma discrepância entre os dois simbolismos. Quando os cabalistas falam de atributos divinos e de sefirot, descrevem o mundo secreto sob dez aspectos; quando, por outro lado, falam de nomes e letras divinas, operam necessariamente com as vinte e duas consoantes do alfabeto hebraico, no qual a Torá é escrita, ou como eles o teriam formulado, através da qual a essência secreta da Torá foi tornada comunicável”.[2] O teólogo protestante Carpzow em 1687 foi o primeiro a se referir a cabala como a “teoria mítica dos judeus”. As sefirot remetem aos dez números arquetípicos (safar significa contar) considerados como os poderes fundamentais de toda a existência.[3]

[1] EPSTEIN, Perle. Cabala o caminho da mística judaica, São Paulo: Círculo do Livro, 1992, p. 91

[2] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.48

[3] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.121



terça-feira, 19 de julho de 2022

As limitações da escrita

No final do século XIII, uma tradição diferente surgiu com base nos escritos de Abraham ben David e seu filho Isaac Nahor alegando que os fundamentos e segredos da Cabalá / kabbalah foram escondidos no texto bíblico e revelados apenas aos cabalistas pelo profeta Elias. As tradições relativas ao livro dado a Adão (Genesis 5.1) aparecem no Talmud e no Palestino midrashim e formam uma tradição cabalista castilha segundo a qual um conhecimento esotérico foi transmitido a Adão. Uma outra tradição defende que Abraão foi herdeiro de uma tradição judaica, mas também de tradições herméticas estrangeiras. Gershom Scholem mostra que nesta perspectiva de cabalistas como Moisés de Leon, o neoplatônico Bahya bem Asher (1255-1340), Maimônides e Joseph Gicatila do século XIII a Torá admite quatro tipos de interpretação que remetem ao termos “pardes”: a peschat (P) o sentido literal e exterior da Torá, a remez (R) o sentido homilético, da retórica, a derasch (D) a interpretação filosófica alegórica talmúdica e a sod (S) o sentido secreto místico.[1] Esta perspectiva mística busca se chegar ao cerne do texto após romper a casca do sentido literal numa analogia com uma noz, em que cada nível possui um significado mais profundo que o anterior, uma analogia presente no Midrasch há Neelam[2]. O Cañtico dos Cânticos 6:1 manifesta este entendimento quando se refere ao rei Salomão ter entrado “no jardim das nozes”.[3] Para conhecer este significado será fundamento estabelecer a ordem correta das palavras. Jo 28:13 se refere a sabedoria como “O homem não lhe conhece o valor (erech); não se acha na terra dos viventes”. O termo hebraico erech se refere a valor, mérito; grau (gramática); relação (matemática); ordem.[4]



[1] EPSTEIN, Perle. Cabala o caminho da mística judaica, São Paulo: Círculo do Livro, 1992, p. 27

[2] SCHOLEM, Gershom. A caba e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.68, 86

[3] SCHOLEM, Gershom. A caba e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.73



segunda-feira, 18 de julho de 2022

O golem judaico

 

Entre os cabalistas judeus do século XII e os hassidim primitivos também há relatos da possibilidade de se dar vida ao golem, um homem de tamanho reduzido produzido por poder mágico humano, resultado de um ritual de magia previsto em algumas versões apócrifas do Sefer Ietzirá.[1] O Zohar descreve esse conhecimento de magia demonizada como tendo origem nas folhas da árvore do conhecimento e da morte do Gênesis. Eleazar de Worms no século XII comenta estas passagens que se encontram algumas das versões do Sefer Ietzirá. Uma versão do aluno de Rabi Iudá, o pio, no século XIII se refere ao golem feito por Bem Sira, tendo sido o mesmo detstruído  pela inversão reversão da combinação mágica das letras do nome pelo qual foi chamado á vida. Entre os cabalistas do Languedoc no século XIII Iahudá bem Batura registra o diálogo do profeta Jeremias diante de Deus ao meditar sobre o Sefer Ietzirá e criar um golem depois de estudas os princípios cabalísticos de combinação, agrupamento e formação de palavras com o tetragrama sagrado formando Yhwh Elohim Emet (Deus é verdade). Mas este homem tinha uma faca na mão e com ela raspou a letra alef da palavra emet, restou apenas met. Então Jeremias rasgou suas vestes como protesto contra a blasfêmia. O golem explicou que assim o fez para que não pensassem que Jeremias era Deus conduzindo o povo ao politeísmo, e o orientou a escrever os alfabetos de trás para frente sobre a terra para que meditasse ao contrário. E assim foi feito e o homem (golem) se transformou em pó. Jeremias conclui: “na verdade dever-se-ia estudar estas coisas só com o propósito de conhecer o poderio e a onipotência de Deus, mas não com o propósito de praticá-las”. A rejeição do judaísmo ao golem explica sua rejeição as imagens de culto pois de fato poderiam ser consideradas como uma espécie de golem animado. No Zohar a estátua do rei Nabucodonosor em Daniel 3 despertou para vida. O cabalista Abraão Abulafia descreve o ritual: “depois toma um vasilhame cheio de água pura e uma colher pequena e enche-o de terra, mas ele deve conhecer exatamente o peso da terra, antes que comece a mexê-la, e deve saber a medida exata da colher com a qual medirá (mas esta informação não é ministrada por escrito). Depois de enchê-lo, deve esparramá-la e soprá-la sobre a água. Enquanto assopra a primeira colher cheia de terra, deve pronunciar uma consoante do Nome, em voz alta, e pronunciando-a de um só fôlego, até que não consiga assoprar mais. Ao fazer isso, seu rosto deve estar virado para baixo. E assim, começando com as combinações que constituem as partes da cabeça, deve formar todos os membros, numa determinada sequência, até emrgir uma figura (o golem)”. Para Gershom Scholem este vasilhame na verdade é uma retorta de alquimia. O processo criativo expõe o seu criador a risco de vida, de modo que errs na execução das instruções  não prejudicam o golem, mas destroem o criador. Tais golems contudo não são dotados de falaBahia bem Ascher em 1291 se refer ao golem criado por Rava como dotado de uma “alma motora mas não a alma racional que é a origem da fala”. No Toldot Ieschu, texto hebraico da baixa Idade Média, Jesus provou sua pretensão de ser o filho de Deus fazendo pássaros de barro e depois pronunciando sobre estes o nome de Deus, depois do que eles adquiriram vida e levantaram vôo. Em 1530 Meis ibn Gabai nota que um homem magicamente produzido é mudo, não dispondo de alma espiritual ruach, mas tendo alma em um grau inferior a nefresch pois é capaz de movimentar-se. Trata-se de uma criatura telúrica, animada por magia, que pertence ao domínio das forças elementares.No século XVI Iossef Ascquenazi afirma: “achamos que um homem é caáz de fazer um golem, que recebe uma alma animal por força da sua (e.. do mestre) palavra, mas dar-lhe uma alma de verdade não está no poder do homem, pois vem da palavra de Deus”. Alberto Magno construiu um autômato chamado Androide que se movia e pronunciava algumas palavras, mas que acabou despedaçado por Tomás de Aquino. Paracelso construiu figuras de argila e cera que denominava homúnculos, Tendo por matéria prima outros elementos como exterco de cavalo, urina, esperma e sangue, segundo Jacoby. Ao fim de quarenta dias o homúnculo começava a se desenvolver a partir da putrefação dessa matéria bruta. Homúnculos semelhantes são relatados como tendo sido construídos a partir da matéria inanimada por Arnaldo de Villanova.[2] Outro alquimista que tentou criar homúnculos foi Johanned Konrad Dippel. Quando em 1677 Leeuwenhoek e Luiz Hamm usando um microscópio consegue visualizar um espermatozóide pensaram que ele tinha uma miniatura de humano dentro (homúnculo) que se desenvolvia quando depositado nos órgãos sexuais femininos.



[1] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 207

[2] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 233



domingo, 17 de julho de 2022

Os mistérios inefáveis herméticos

 

Na antiguidade de tradição oral as possibilidades de difusão das técnicas eram maiores porque a tolerância ao erro era maior o que fazia os sacerdotes a dedicarem a fundamentar sua mensagem para poder transmiti-los corretamente, ao passo que com a escrita, esta reprodução era mais mecânica, se limitava a copiar um texto sagrado. O mesmo ocorreu na Babilônia onde muitas tabuinhas lançam maldições aos copistas que modificarem qualquer parte dos textos antigos tal como se reflete no Apocalipse 22:19 “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa, e das coisas que estão escritas neste livro”.[1] Para Platão os mistérios não podem ser transmitidos pela palavra escrita por uma limitação da própria escrita, uam vez que os mistérios são inseparáveis da experiência individual.[2] No terceiro sermão de Hermes, ele adverte que “não é possível transmitir estes mistérios aos desprovidos da sagrada iniciação nos ritos”. Asclépio adverte ao rei Ammon para que não traduza os sermões de Hermes escritos em hieroglifos egípcios para o grego: “Evitai que esse nosso sermão seja traduzido, a fim de que esses poderosos mistérios não cheguem aos gregos, nem à desdenhosa língua da Grécia, com toda a sua soltura e sua beleza artificial, que tiram toda a força do solene e do potente, a língua energética dos nomes”.[3] Da mesma forma os oráculos caldeus recomendam: “Jamais modifiqueis nomes bárbaros, pois em toda nação há nomes que vêm de Deus, tendo inenarrável eficácia nos mistérios”. Arthur Versluis observa que o declínio do uso dos hieroglifos foi acompanhado pelo declínio da religião dos mistérios no Egito que não pode ser transmitido em sua totalidade para o grego ou ao Ocidente por uma limitação da linguagem escrita. Arthur Versluis observa que Platão ao se referir à perda de memória que a escrita proporciona está se referindo à memória do reino celestial e da realidade divina, pois a escrita não é capaz de sintetizar o archetypos divino: “em todas as tradições sagradas atribui-se aos sons uma significação celestial intrínseca, uma ressonância mântrica, uma correspondência divina, razão por que em sua forma  mais primordial (prisca teologia)  a língua é transcendente de maneira integral, religiosa por natureza: puramente sagrada, sendo a um só tempo reflexo e invocação da realidade divina”. Segundo Schwaller de Lubicz: “a escrita hieroglífica é a ultima forma de escrita simbólica esotérica, tanto na configuração de seus signos como em seu colorido e significação. O simbólico esotérico é diferente da linguagem ordinária, tem natureza mágica. Ele compartilha da magia dos análogos”. Segundo Jâmblico em De mysteriis VII: “Todo dialeto das nações sagradas, tais como a dos egípcios e assírios, é adaptado  a preocupações sacras, diante disso, convém julgar necessário que o nosso contato com os deuses ocorra numa língua associada com eles”. Segundo o Corpus hermeticum: “os gregos utilizam palavras, meros ruídos, mas nós os egípcios utilizamos palavras cheias de realidade”[4] Este ceticismo com respeito a se transmitir a ciência pela forma escrita é refletida no Fedro de Platão em que o rei Tamuz se queixa com Thoth inventor da escrita de que sua invenção levaria ao desprezo da memória e do papel dos mestres: “Você como pai das letras tem sido guiado sua afeição em atribuir a eles um poder oposto do que eles realmente possuem [...] Esta tua descoberta [a escrita] gerará esquecimento nas almas dos aprendizes, porque eles não utilizarão a sua memória, confiarão em caracteres escritos exteriores e não se lembrarão de si mesmos. O específico que descobriste não é um auxiliar/elixir da memória, mas sim da reminiscência, e tu dás aos teus discípulos não a verdade, mas apenas a aparência de verdade; eles serão ouvidores de muitas coisas e não terão aprendido nada; porque quando verem que podem aprender muitas coisas sem mestre, já se tomarão por sábios, e não serão mais que ignorantes, na sua maioria, e falsos sábios insuportáveis no comércio da vida”.[5]



[1] ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.129

[2] VERSLUIS, Arthur. Os mistérios egípcios, São Paulo: Cultrix, 1988, p.103

[3] VERSLUIS, Os mistérios egípcios, São Paulo: Cultrix, 1998, p. 99

[4] VERSLUIS, Os mistérios egípcios, São Paulo: Cultrix, 1998, p. 100

[5] ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.135; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.441; ROBINSON, Andrew. The story of writing, London: Thames and Hudson, 1995, p.8




O selo de Salomão

 

Titus Burckhardt explica que a quintaessência  (acqua vitae)[1] dos alquimistas medievais “pode ser representada pelas partes individuais do 'Selo de Salomão', que consiste em dois triângulos equiláteros, que se intercedem. O triângulo que aponta para cima corresponde ao fogo, e o triângulo que aponta para baixo corresponde à água. O triângulo representando o fogo, com o lado horizontal do outro triângulo, representa o ar  enquanto o oposto desse símbolo representa a terra. O Selo de Salomão completo Y representa a síntese de todos os elementos, e assim a união de todos os opostos”.[2] Segundo Arthur Versluis: “o selo de Salmoão consiste  em dois triângulos superposts, um com o vértice para cima o outro com o vértice para baixo, significando o primeiro a realidade celestial e o último a realidade terrena.” [3]



[1] PRINCIPE, Lawrence. The secrets of alchemy, Chicago: Univ Chicago Press, 2013, p.69

[2] BURCKHARDT, Titus. Alquimia: ciência do cosmos, ciência da alma. Londres: Fons Vitae, 1967, p. 61

[3] VERSLUIS, os mistérios egípcios, São Paulo: Cultrix, 1998, p. 178



Estatuas falantes Egito

 

Agripa em seu livro De oculta philosophia também se refere as estátuas egípcias falantes animadas pelos poderes celestes[1]. O papiro de Harris da XX Dinastia traduzido em 1860 por François Chabas se refere uma estela votiva em que na décima oitava linha se encontra as fórmulas relativas a aquiescência do deus Chons manifestada por um movimento comunicado à sua estátua. Enquanto Chabas traduzia a palavra “han” como movimento ou o sinal feito pela estátua, De Rougé entendia como “favor” ou “graça”. Psellus se refere a estátuas que proporcionavam a saúde, que riam, bem como lâmpadas que acendiam espontaneamente.[2] Os egípcios acreditavam nos poderes de tais estátuas como mostra o papiro Lee relata a condenação à morte de conspiradores contra o faraó Ramses III (1194-1163 a.c.) que usavam imagens de cera de deuses para ferir a imagem do faraó tal como em bonecos de voodoo, e que ficou conhecido como Conspiração Harem. No ritual egípcio “a abertura da boca” os sacerdotes eram capazes, segundo se acreditava, de animar as estátuas mediante a recitação de certos encantamentos e fazê-las falar e sorrir[3] O livro dos mortos descreve o ritual: “Minha boca é aberta por Ptah, As amarras da minha boca são soltas pelo meu deus da cidade. Thoth veio totalmente equipado com feitiços, Ele solta as amarras de Seth da minha boca. Atum me deu minhas mãos, Eles são colocados como guardiões”[4]

[1] YATES, Frances. A arte da memória. São Paulo:Unicamp, 2007, p.201, 360

[2] BLAVATSKY, Helena. Doutrina Secreta. v. V, Ciência, religião e filosofia, São Paulo: Pensamento, 2017, p.244

[3] LUCK, Georg. Arcana Mundi: magic and the occult in the Greek and roman worlds, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006, p.14

[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Opening_of_the_mouth_ceremony



sábado, 16 de julho de 2022

Os livros de Hermes

 

Segundo Steinschneider as citações a Hermes datam desde o primeiro século d.c. Hermes é citado pela literatura patrística de Atenágoras, a Clemente de Alexandria e a Santo Agostinho. [1] Clemente de Alexandria no sexto livro em Stromata faz referência a livros sagrados dos egípcios: “quarenta e dois livros de Hermes indispensavelmente necessários; dos quais os trinta e seis contendo toda a filosofia dos egípcios são aprendidos pelos personagens mencionados; e os outros seis, que são médicos, pelos Pastophoroi (portadores de imagens), -- tratando da estrutura do corpo, e de doenças, e instrumentos, e remédios, e sobre os olhos, e o último sobre as mulheres”[2], que possivelmente eram uma parte dos livros atribuídos a Hermes (Livros de Thoth). Jâmblico com base no sacerdote egípcio Abamon atribui a Hermes cerca de mil e duzentos livros sagrados e Manethon se refere a trinta e seis mil livros, o que exigiria muito mais tempo para serem escritos do que se atribui à civilização humana.[3]

[1] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.288

[2] https://www.earlychristianwritings.com/text/clement-stromata-book6.html

[3] BLAVATSKY, Helena. Doutrina Secreta. v. V, Ciência, religião e filosofia, São Paulo: Pensamento, 2017, p.49


Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...