sexta-feira, 30 de abril de 2021

Maçonaria e a proteção das técnicas

 

Os maçons operativos eram predominantemente católicos na Inglaterra até a reforma protestante no século XVI de modo que as Constituições de Anderson de 1723 e 1738 omitiram sua origem católica para escapar a perseguição dos protestantes[1]. Desagulliers era aristocrata grão mestre da maçonaria e membro da Royal Society sendo divulgador da mecânica newtoniana tendo convencido muitos membros da Academia a ingressar na Royal Society.[2] Desaguliers teve um papel importante na criação em 1731 na Loja de Haia, a primeira loja maçônica for da Grã Bretanha. Em 1707 um manual de maçonaria indicava o compromisso dos membros: “Eu faço voto e prometo não divulgar nem participar a ninguém a saudação dos pedreiros, assim como o seu toque (aperto de mão)”. Os sinais de reconhecimento haviam sido introduzidos para evitar a entrada na corporação de oficio de pessoas não agremiadas[3]. Para Leon Shelby as corporações de pedreiros medievais  mantinham segredo de suas técnicas usadas em obras em arquitetura, como por exemplo a composição exata usada nas argamassas, o modo de reconhecer pedreiras ou tipo de pedras apropriadas para construções. O maçon Leadbeater argumenta que desta forma conseguiam manter seus conhecimentos espirituais em segredo associando-os com técnicas de construção de modo a fugir a perseguição da igreja católica[4]. Louis Pauwels argumenta que a conservação das técnicas foi um dos fins das sociedades secretas[5]. Robert Fossier argumenta, contudo, que o fato de não conhecermos a composição de tais argamassas não pode ser usado como prova de que fossem mantidas em segredo[6]. Não se tratava de manter a identidade de tais pedreiros oculta como na moderna sociedade secreta da maçonaria do século XVIII: “os construtores das catedrais da França ou da Inglaterra jamais precisariam de apertos de mão ou de sinais secretos para se reconhecerem”.[7]  Robert Fossier observa que as marcas encontradas nas pedras são um tipo de assinatura “mas cuja eventual dimensão jurídica não sabemos bem”.[8] Jean Gimpel se refere as marcas dos pedreiros: “A variedade dos sinais é grande. Eram figuras geométricas tais como triângulos e pentágonos, instrumentos de trabalho como o enxadão e o martelo, cruzes, caracteres do alfabeto representando talvez a primeira letra do nome do operário”.[9] Em 1746 foi fundada a Société Industrielle de Mulhouse na França concebida pelo arquiteto e litógrafo Godefroy Engelmenn com inspiração nos ideias maçônicos e tendo como objetivo o estudo e difusão do saber técnico e inovações industriais e concessão de prêmios aos inventores na área de qu[imica de corantes e máquinas a vapor.[10]

[1] SILVA, Hailton Meira da. Cultura Geral maçônica, Rio de Janeiro:Menthor, 2009, p.144

[2] SOARES, Luiz Carlos. John Theophilus desagulliers: a newtonian between the patronage and the Market relations. Revista Brasileira de História das Ciências, Rio de Janeiro, v.2, n.1, p.82-95, jan/jun 2009

[3] BARRETO, Elias. Enciclopedia das grandes invenções e descobertas, São Paulo: Cascono Editores, 1971, p. 219

[4] LEADBEATER, C. Pequena história da maçonaria, Rio de Janeiro: Pensamento, 1968, p. 145

[5] PAUWELS, Louis, BERGIER, Jacques. O despertar dos mágicos, São Paulo: DIFEL, 1975, p. 84

[6] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 169

[7] SHELBY, Leon. The geometrical knowledge of mediaeval master masons, Speculum, v.47, p.395-421. Cf. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.216

[8] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 166

[9] ASLAN, Nicola. A maçonaria operativa, Rio de Janeiro: Aurora, 1979, p. 72

[10] OTT, Florence. A Sociedade Industrial de Mulhouse e a memória têxtil. In: BORGES, Maria Eliza. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.113, 115



Invenção da pólvora

 

A pólvora foi decoberta pelos chineses por volta do ano 900 como uma mistura de nitrato de potássio, carvão vegetal e enxofre. A pólvora é mencionada pelo alquimista Zhao Naian da dinastia Tang em 808.[1] Frances Gies mostra que os chineses não se limitaram ao uso como fogos de artifício e logo fizeram uso militar da invenção. Entre os árabes Elmaciano em História Sarracênica informa eu em 690 Hagiageo tendo cercado Meca usou “morteiros (manganês et mortariis) sacudidos por meio de nafta e fogo” o que sugere o uso de pólvora. A invenção da pólvora foi transmitida aos espanhóis através dos árabes.[2] A primeira receita chinesa data de 1044 por Ching Tsao Yao. Por volta de 1200 a fórmula chegou a Arábia nos escritos de Abd Allah com a primeira arma operacional em 1304[3]. Em 1241 os mongois que invadiram a Hungria e Polônia usavam pólvora.[4] Hasan al Rammah no século XIII elaborou um catálogo de receitas de pólvora em seu Livro de equitação militar e engenhosos aparelhos de guerra.[5] A invenção chegou à Europa no século XIII numa obra de Abu Baitar que a denomina “neve chinesa”. As primeiras “bengalas de fogo” foram utilizadas em Perugia em 1364 e em Augsburgo em 1381[6]. Ducange é o primeiro a citar o uso da pólvora na França em 1338 como um recurso bastante comum nas guerras. Petrarca em Remeddie de varia fortuna de 1344 corrobora esta opinião[7]. Marcos o grego no Liiber Ignium no século XIII descreve a mistura de carvão e enxofre na proporção de um para dois.[8] O monge Bertoldo Schwartz no monastério de Freiburg segundo o livro Fireworks Book de 1410 faz seus experimentos com pólvora diante dos colegas que aterrorizados reconhecem a presença do demônio nas explosões[9]. Por volta do século XV embora os ingredientes estivessem determinados não havia ainda sido estabelecida a correta proporção dos componentes para que a pólvora fosse um eficiente explosivo, o que somente viria a ocorrer com o desenvolvimento da química moderna[10].

O monge Roger Bacon fez experiência com a pólvora na Inglaterra. Em um de seus registros anotou: “Deixa que o peso total seja trinta, mas de salitre tomem-se sete partes, cinco de carvão de lenha novo, e cinco de enxofre e chamarás o trovão e a destruição quando conheceres a arte”.[11] Segundo Roger Bacon: ‘Se, tomando uma polegada dessa substância, se produz mais claridade e estrondo do que um raio, o que seria se soubessem empregar em quantidade a matéria conveniente ? “.[12] Seu uso em artilharia na Europa foi empregado por Alfonso XI de Castilha na batalha de Algeciras no século XIV.[13] Roger Bacon escreveu sobre a pólvora por volta de 1260, provavelmente com base em informações de povos nômades sarracenos, alguns anos antes da viagem de Marco Polo à China (1271-1275) com histórias sobre a descoberta dos chineses. Marco Polo escreveu seu livro As viagens de Marco Polo durante em seu cativeiro em Gênova em 1296, numa obra minuciosa como nenhuma outra até então havia sido escrita sobre a Ásia na Europa. Portanto Roger Bacon não escreveu com base nas informações de Marco Polo. Jacob d’Ancona também que também viajou para China (1270-1273) se refere à pólvora pelos chineses: “os alquimistas de Manci (sul da China) fizeram, por experiência, muitas máquinas, embora lhes falte a vontade de lutar, das quais eles chamam de raio que abala o ceu, pois, usando um pó mágico que explode (magico polve che scoppia) e que eles põem num tubo de ferro ou cobre, lançam um fogo rápido e voador a grande distância, e para grande dano do inimigo [...] Quando dão banquetes, é costume deles encher varas de bambu, com seu pó explosivo, ao qual ateiam fogo e se alegram com as faíscas de luz”. [14]

[1] IANNACCONE, Isaia. Ciência e técnica na China. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.480; GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 95

[2] CHAGAS, Manuel Pinheiro. História de Portugal, Lisboa, v.2, p.354

[3] LEWIS, Brenda. Great civilizations, Parragon:London, 1999, p.84

[4] HOGBEN, Lancelot. Las matemáticas al alcance de todos. Joaquín Gil: Buenos Aires, 1943, p. 484

[5] MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 60

[6] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.185

[7] CHAGAS, Manuel Pinheiro. História de Portugal, Lisboa, v.2, p.354

[8] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 333

[9] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 335

[10] PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.38

[11] Uma breve história das descobertas: da antiguidade ao século XX, São Paulo:Escala, 2012, p. 35; CHILDRESS, David Hatcher. A incrível tecnologia dos antigos, São Paulo:Aleph, 2005, p. 155

[12] CANTU, Cesare. História Universal, volume XIV, São Paulo:Editora das Américas, 1955, p. 3774

[13] BONILLA, Luis. Breve historia de la técnica y del trabajo, Madrid:Ed. Istmo,1975, p.159

[14] SELBOURNE, David. Cidade da luz, Rio de Janeiro:Imago, 2001, p. 296



Mestre de açúcar

 

Clóvis Rodrigues embora destaque algumas inovações técnicas no período colonial e escravocrata brasileiro reconhece o descaso por tais inovações por parte dos grandes senhores de engenho: “obviamente não lhes interessava modificar esse prodigioso status quo, já que a inesgotável máquina geradora de toda a riqueza – representada pelo negro – ali estava dia e noite, noite e dia, ao seu dispor” [1]. Cruz Costa aponta que este passado colonial “cujo caráter se manterá dominante através dos séculos de formação brasileira se gravará profunda e totalmente nas feições e na vida do país”.[2] Luís dos Santos Vilhena (1787-1814) lamenta a ignorância dos mestres de açúcar dos quais não se pode esperar a adesão para inovações: “mulatos e negros tão estúpidos que não conheci ainda um que soubesse ler ou escrever o seu nome, e se algum branco executa a arte, nada difere daqueles quanto à instrução”.[3] Os mestres de açúcar submetiam-se ao ambiente dominado pelo grande calor das caldeiras e por isso na maioria das vezes reservado a escravos. Vilhena mostra seu inconformismo quanto ao desprezo com os conhecimentos da técnicas de engenhos : “é coisa digna de grande admiração que um sapateiro ou alfaiate para ter o nome de mestre, passe por um exame, e seja obrigado a tirar todos os anos uma licença : isto só para que não bote a perder um pedaço de couro ou pano; e que a produção mais interessante ao Brasil, que importa todos os anos milhões de cruzados; cuja manufatura requer conhecimentos químicos, esteja nas mãos dos homens mais insensatos e preguiçosos, intitulados mestres só porque eles o dizem”. [4] O professor baiano Vilhena inventou mecanismos para melhorar o desempenho de engenhos.

Segundo Antonil a casa das fornalhas era bastante insalubre e lembrava o “fumo perpétuo e via imagem dos vulcões Vesúvio e Etna e quase do Purgatório ou do Inferno”[5] e muitas vezes reservados aos escravos portadores de doenças sexuais pois acreditava-se nas propriedades terapêuticas do calor excessivo.[6] Segundo Manuel Diegues: “o mestre de açúcar é o técnico que supervisiona toda a atividade do preparo do açúcar no engenho. Outros técnicos em especializações particulares, ajudam o mestre do açúcar em funções específicas: o caldeireiro que baldeia o caldo para as tochas e vai também limpando, com a espanadeira a espuma fervente nas caldeiras, ajudando o caldo; o tacheiro que se incumbe de acompanhar o desenvolvimento do caldo nas tachas e o purgador que é o químico no preparo da cristalização do açúcar nas formas”.[7] Mary del Priore mostra o mestre do açúcar era um negro livre encarregado de manipular a caldeira mantendo a temperatura adequada, sendo um trabalhador valorizado na economia colonial e que recebia um salário por safra. Em Campos em 1790 recebia um mínimo de 600 e 800 reis por dia.[8] Segundo Antonil “a quem faz o açúcar, com  razão se dá o nome de mestre, porque o seu obrar pede inteligência, atenção e experiência, e esta, não basta que seja qualquer, mas é necessária a experiência local, a saber, do lugar e qualidade da cana, aonde se planta e se móis. Porque ainda que a cana não seja qual deva ser, muito pode ajudar a arte, no que faltou a natureza. E, pelo contrário, pouco importa que a cana seja boa, se o fruto dela e o trabalho de tanto custo se botar a perder por descuido, com não pequeno encargo de consciência para quem recebe avantajado estipêndio”.[9] Para Ruy Gama o empirismo de Antonil é oriundo do pensamento renascentista italiano.[10] Gabriel Magalhães destaca que o engenho não extinguiu, portanto, o papel do artesão na figura do mestre de açúcar, ao contrário, intensificou a sua importância.



[1]RODRIGUES, Clóvis da Costa. A inventiva brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1973. p. 32.

[2] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 40

[3] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 278

[4] SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Os senhores de engenho e a cultura científica. Ciência e Cultura, Campinas, v. 31, n. 4, p. 389-394

[5] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.332; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 240

[6] CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 21

[7] DIEGUES, Manuel. População e açúcar no nordeste do Brasil, Comissão Nacional de Alimentação, 1954, p.147

[8] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 76

[9] BELTRÃO, Gabriel Magalhães. A economia colonial e a particularidade da manufatura açucareira, Mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2013

[10] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.341



quinta-feira, 29 de abril de 2021

Navegação astronômica pelos portugueses

 

Apesar disso é inegável a contribuição dos portugueses no conhecimento baseado no experimentalismo e a compilação dos conhecimentos em navegação e cartografia numa época em que tais registros estavam impregnados de registros fantasiosos. Segundo Luis Albuquerque (na figura): “os dois métodos astronômicos para determinação da latitude baseado no cálculo das alturas meridiana de uma estrela ou do Sol provinham direta ou indiretamente de obras que serviram de instrução os astrólogos dos séculos IX e XIII [...] No entanto o fato das navegações terem, por um lado imposto uma revisão ou uma simplificação de tais processos mostra por outro lado a utilização prática de noções que durante séculos  apenas se utilizavam das práticas secretas da astrologia é já uma razão para explicar como a náutica astronômica pôde  ser, como na verdade foi, um fator de progresso para a astronomia de posição [...] Não é menos importante salientar que a prática de uma navegação astronômica, bem como a necessidade de serem observadas as condições físicas da atmosfera e dos mares ajudou a criar um clima propício para o surto de um experimentalismo que veio a dar no concurso do século XVI alguns dos frutos mais sazonados da ciência portuguesa”. Em 1484 o rei João II de Portugal indicou uma comissão de matemáticos para elaborar tabelas de declinação do sol a ser usada no mar em conjunto com astrolábios e quadrantes para se determinar a altura do sol ao meio dia e assim, pela consulta às tabelas se avaliar a latitude[1]. Luís de Albuquerque mostra que não há qualquer evidência do uso de navegação astronômica no Mediterrâneo no século XIV. Este foi um aperfeiçoamento dos navegadores portugueses[2] como se observa no Livro de Marinharia de João de Castro de 1516.[3]



[1] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and water wheel, New York:Harper Collins, 1994, p.278

[2] ALBUQUERQUE, Luis. Introdução a história das descobertas portuguesas, Lisboa:Europa América, 1959, p. 51

[3] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Europa América, 1959, p 264



O juiz de fora no Brasil colonial

 

Martim Afonso coordenou, em 22 de agosto de 1532, as primeiras eleições populares do Brasil e das Américas, instalando a primeira Câmara de Vereadores no território americano, mesmo em um povoamento que segundo o cosmógrafo Alonso de Santa Cruz, que passou em São Vicente em 1530, tinha algo em torno de dez casas. Segundo Roberto Pompeu de Toledo em A capital da Solidão - Uma história de São Paulo das origens a 1900, juizes, vereadores e procurador eram escolhidos por meio de eleições. As eleições se realizavam a cada três anos e, num primeiro passo, os eleitores elegiam não os eleitos - mas os eleitores. Explica-se: elegia-se um seleto grupo de seis senhores que, constituídos num colégio eleitoral. Teriam, estes sim, a incumbência de escolher os ocupantes dos cargos em jogo”.[1] Jorge Caldeira mostra que na Colônia homens bons, nascido no Brasil, podiam ser eleitores das autoridades que poderiam governar uma vila como a de São Vicente. Os escolhidos só podiam decidir questões que não afetassem os poderes do rei, nobres, Igreja e dos fidalgos, entanto, como não havia nenhuma dessas autoridades na vila, na prática eles se tornaram os governantes formais do território. [2] Muitas vezes o que observava era uma escassez de pessoas preparadas para assumir cargos municipais. Em 1717 em Vila Rica um ex sapateiro serviu como juiz ordinário. D. João V em 1725 ordenou que todos os futuros indicados aos cargos municipais deveriam ser brancos e casados com mulheres brancas. A forma encontrada para assegurar um maior controle da metrópole era a escolha de um juiz de fora indicado pelo rei [3] Em 1707 os portugueses do Rio de Janeiro em ofício ao vice Rei Luis de Vasconcelos e Souza, se queixaram a D. João V que “os filhos da terra”  monopolizavam as eleições para o Senado da Câmara e sugerem a criação de cotas para os portugueses “em todas as eleições do senado da Câmara daquela cidade do Rio de Janeiro sejam três eleitores dos cidadãos filhos da terra e outros três dos cidadãos filhos de Portugal”.[4]



[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2006/09/22/brasil-foi-o-primeiro-pais-americano-a-fazer-eleicoes-em-1532-para-a-camara-de-sao-vicente

[2] CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil, Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017, p.48, 50

[3] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 318, 332

[4]  MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 520, Revista do IHGB, 1848, v.X, p.218



Narizes quebrados nas estátuas egípcias

 

Uma importante tendência de individualização já é mostrada nas esculturas da IV Dinastia como se observa no busto de Ankh-haf ou a estátua do engenheiro e arquiteto Homiunu responsável pela grande pirâmide Quéops na IV Dinastia.[1] Andre Pochan refere-se a Hardedef como o arquiteto da pirâmide. [2] Na IV dinastia se observa uma fusão entre os aspectos religiosos da realeza e do trabalho. O filho de Snefru, Kanufer foi Mestre do Trabalho e Arquiteto Chefe, Rahotep também filho de Snefru foi “sacerdote de Rá em Heliópolis e superintendente do trabalho e das expedições”, o príncipe Meryib foi arquiteto chefe e General dos Trabalhadores.[3] Paul Johnson aponta a utilização de sarcófagos pelos aristocratas egípcios como uma mostra da “democratização da imortalidade”.[4] Muitas estátuas no antigo Egito são mostradas com o nariz danificado, resultado de uma ação deliberada, pois a estátuas era considerada uma representação viva do personagem morto representado possuindo poderes por uma conexão com o mundo dos mortos. A estátua mantinha-se viva pela respiração do espírito da vida por suas narinas, símbolo do fôlego da vida, de modo que os ladrões de túmulos ao danificar o nariz das estátuas garantia-se que já não representaria perigo.[5] Hathor a deusa do amor e da fertilidade é representada em uma inscrição nas paredes do templo de Dendera de 3200 a.c. “voa do ceu para entrar no horizonte de sua alma, isto é seu tempo na terra, voa em direção a seu corpo, se une à sua forma”. No mesmo templo Osíris se funde a uma representação de si mesmo em baixo relevo. Uma vez ocupada a imagem tinha poderes que poderiam ser desativadas, por exemplo, por inimigos que desejavam reescrever a história, assim Akhenaton ao enfrentaro deus Amon, destruiu diversas de suas imagens.[6]



[1] MANUELIAN, Peter der. Module 7: The Statue of Hemiunu (G 4000). Harvard online Courses: Pyramids of Giza: Ancient Egyptian Art and Archaeology, 2018. https://online-learning.harvard.edu/course/pyramids-giza-ancient-egyptian-art-and-archaeology?offset=12

[2] POCHAN, André. O enigma da grande pirâmide, Rio de Janeiro: Difusão, 1977, p. 264

[3] JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito Antigo, Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p.88; TIRADRITTI, Francesco. Tesouros do Egito do Museu egípcio do Cairo, White Star Pub, 1998, p.61

[4] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 227

[5] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 212

[6] #BBCNewsBrasil​ VENTURA, Dalia, A verdadeira razão pela qual as estátuas do Egito têm os narizes quebrados Ouça 10 minutos, 27/04/2021 https://www.youtube.com/watch?v=q5T9U7Myu2o&t=29s



quarta-feira, 28 de abril de 2021

Irmandades religiosas

 

Na metrópole, as irmandades religiosas cumpriam em primeiro lugar o papel religioso de reunir fieis em torno da devoção de um santo e do exercício das virtudes teologais de fé, caridade e esperança, e em segundo lugar de se constituir em uma organização beneficente de auxílio mútuo. Marcos Magalhães de Aguiar ao estudas as irmandades negras e mulatas em Viola Rica do século XVIII constata que tanto serviam como meio de integração como de exclusão com relação aos africanos.[1] Stuart Schwartz mostra as Irmandades como a Ordem Terceira de São Francisco e a Ordem Terceira do Carmo constituíam uma das principais fontes de crédito na colônia ao emprestarem dinheiro a juros.[2] Jorge Souza mostra que o capitão Pero de Lima devia 400 contos ao mosteiro dos beneditinos de Salvador. No Rio de Janeiro o mosteiro de São bento mantinha créditos de mais de mil e quatros contos com a elite da capital como o general Salvador Correia de Sá [3]. No século XVII a maior parte dos empréstimos realizados na Bahia eram concedidos pela Santa Casa de Misericórdia de Salvador.[4] Jorge Caldeira aponta o papel das Irmandades no fomento da economia local.[5] Em seu estudo das corporações de ofícios no Rio de Janeiro de 1820 a 1850 Eulália Lobo mostra que “As irmandades e as corporações desempenhavam importante papel mesmo depois do fechamento oficial das corporações, em 1824. As irmandades funcionavam como bancos, defendiam os interesses das corporações”. Para custear as procissões no Rio de Janeiro todos os mestres com loja aberta teriam de pagar uma taxa e caso se recusassem teriam suas lojas fechadas.[6] Mesmo depois do fechamento oficial das corporações, as irmandades continuaram desempenhando importante papel.[7] Leandro Malavota, contudo, observa que tais corporações não tinham o poder de impor barreiras de entrada no mercado a agentes fora da corporação.[8]

[1] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 262

[2] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 180; CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.107

[3] SOUZA, Jorge Vitor. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na américa portuguesa, 1580-1690, Rio de Janeorp, UFF, 2014, p. 203

[4] FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; FARIA, Sheila de Castro. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX), São Paulo:Atual Editora, 1998, p.42

[5] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 154

[6] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 253

[7] MARTINS, Mônica de Souza Nunes. Entre a cruz e o capital: mestres, aprendizes e corporações de ofícios no Rio de Janeiro (1808-1824). Tese de Doutorado. Curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Orientador: José Murilo de Carvalho, Rio de Janeiro, 2007, p.56 http://livros01.livrosgratis.com.br/cp057043.pdf

[8] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 113



Socialização, tecnologia e ingestão de carne na evolução humana

 

O avanço das técnicas de construção de ferramentas e seu poder letal foram contrabalançado, segundo Richard Leakey, pela crescente socialização do homem sendo portanto a cooperação um elemento chave no sucesso evolucionário do homo sapiens: “foi o legado biológico de uma economia da divisão de alimento e organização social, que equipou nossos ancestrais, há cerca de 1 milhão e meio de anos, para a jornada em direção à Ásia e à Europa”[1]. O homo habilis é capaz de desenvolver alguns instrumentos que o habilitam a despedaçar suas presas, utilizar sua pele e matar certos animais além de preparar rudimentares habitações com ajuda de pedras, folhagens e peles de animais caçados.[2] A descoberta mais antiga de ferramenta de pedra associadas com restos de animais foi feita por Sileshi Semaw em Kada Gona na Etiópia em 2000 datados de 2.5 milhões de anos[3]. Com a invenção de novos artefatos líticos o homem primitivo pode cortar a pele animal e ter acesso à carne. Essa busca pela carne animal, possivelmente foi decorrência da observação da própria natureza onde animais carnívoros devoram suas presas ou mesmo por uma tentativa de assimilar as mesmas características de força e habilidade de tais animais. O homem de alguma forma, buscava um comportamento homólogo, o que acabou levando a uma mudança de dieta com maior conteúdo proteico o que favoreceu o desenvolvimento do cérebro distinguindo o homem de seus parentes símios herbívoros.[4] O fato de passar a comer carne favoreceu a uma coesão social maior na medida em que surge a necessidade de repartir alimentos. Como apenas os machos participavam das caçadas em busca de carne, as fêmeas queriam uma garantia que teriam sua parte, enquanto que, os machos queriam garantias de que estariam alimentando apenas sua própria prole e não os filhos de outros, o que levou ao desenvolvimento do conceito de unidade familiar.[5] Brian Hare e Vanessa Woods[6] observam que os traços sociais de amizade do homo sapiens permitiu que a espécie se tornasse dominante na Terra superando os neandertais e outros competidores. A cooperação colaborativa do homo sapiens permitiu cooperar com estranhos para alcançar um objetivo comum, o que teria dado origem a um processo de autodomesticação e consequentemente levou a uma expansão de nossa rede social muito mais do que qualquer outra espécie humana. O processo é similar ao de domesticação dos cães, em que em um processo de seleção natural houve a aproximação dos lobos mais mansos ao contato humano. Segundo Richard Leakey: “Um caçador bem sucedido pode, portanto, reunir grande prestígio, não necessariamente devido a seu talento e à sua coragem no jogo de seguir a pista e matar, mas, sobretudo por meio da prerrogativa de repartir seus espólios, ele acumula obrigação e respeito, a única forma de poder que prevalece na maioria das comunidades de caçadores-coletores”.[7] Segundo Richard Leakey: “quando a carne se torna um elemento importante dentro de um sistema econômico organizado mais rigidamente, de modo que existam regras para sua distribuição, os homens já começam a movimentar a alavanca do poder”.[8]


[1] LEAKEY, Richard. Origens, Brasília:UNB, 1980, p. 117

[2] BRISSAUD, Jean Marc. As civilizações pré-históricas. Rio de Janeiro:Ed. Ferni, 1978, p.32

[3] ADOVASIO, James; SOFFER, Olga; PAGE, Jake. Sexo invisível: Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 105; http://www.stoneageinstitute.org/gona.html#.W7vZyHtKjIU

[4] SKLENAR, Karel. La vie dans la préhistoire, Praga:Grund, 1991, p.27

[5] MILLER, Russel. A verdade por trás da história: as novas revelações que estão mudando nossa visão do passado. Rio de Janeiro:Reader’s Digest, 2006, p.21

[6] HARE, Brian; WOODS, Vanessa. A evolução da amizade, Scientific American Brasil, setembro 2020, p. 26

[7] LEAKEY, Richard; LEWIN, Roger. O povo do lago, Brasília:UNB, 1988, p.101

[8] LEAKEY, Richard; LEWIN, Roger. O povo do lago, Brasília:UNB, 1988, p.220



terça-feira, 27 de abril de 2021

Comércio direto Brasil e colônias portuguesas na Ásia

 

No comércio triangular os navios saíam de Portugal em direção a África carregados de produtos para pagamento dos escravos[1]. Depois eram carregados de escravos e aproveitavam os ventos favoráveis para sair da costa africana no Guiné e Benin em direção ao nordeste brasileiro (ao quais Antonio Vieira acreditarem serem resultado da providência divina em libertar os cativos do paganismo para o cristianismo)[2] e retornavam para Europa carregados de açúcar.[3] Na época da invasão holandesa (1624-1654) a Coroa Portuguesa sem opção permitiu o comércio direto de traficantes brasileiros com angolanos, usando como moeda de troca produtos produzidos localmente como aguardente, tabaco e búzios, rompendo desta forma o fluxo de comércio triangular que predominava até então. Russell Wood mostra que uma proposta de comércio direto entre os mercadores baianos e a Índia em 1700 foi bem recebida em Goa. No século XVIII verificou-se a presença de embarcações que saíam da Ásia para o Brasil e que retornavam à Àsia ao invés de seguirem para Lisboa, em espacial após 1775 com o fim do monopólio português do fumo , que incentivou os comerciantes baianos a comerciarem diretamente do Brasil para a Índia, se estabelecendo desde então um comércio intenso entre as duas regiões.[4]



[1] WILLIAMS, Eric. Capitalismo & escravidão, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p.90

[2] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.215, 338

[3] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.99

[4] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 219



A bússola no período medieval

 

Em 1269 Pedro Maricourt (Petrus Peregrinus) em Epístola sobre a bússula, mencionava uma bússula com agulha giratória.[1] . George Sarton define a divulgação por Pedro de Maricourt um francês retornando das Cruzadas em 1269 em sua epístola de Magnete, como um dos marcos principais da história da ciência.[2] Jacques le Goff aponta que a difusão da bússola se observa somente após 1280[3]. Luís de Albuquerque aponta a carta Pisana de 1275 testemunha larga experiência de navegações feita com rumo magnético[4].  No século XII uma tradição atribui a Flavio Gioia da cidade de Amalfi na Itália como o primeiro a introduzir a bússola marítima na Europa.[5] Chiara Frugoni destaca que a informação de que Flávio Gioia teria inventado a bússola foi resultado de uma tradução equivocada, que teria posicionado uma vírgula fora de lugar, criando um personagem inexistente: “Em Amalfi, na Campânia, foi inventado o uso do magneto por Flávio, diz-se” quando na verdade o texto correto seria “Em Amalfi, na Campânia, foi inventado o uso do magneto, Flávio o diz” [6]. Na Inglaterra o monge Alexander Neckam em De naturis rerum e De utensilibus mostra em 1180 as primeiras referências à bússola marítima.[7] Thomas de Catimpré em De natura rerum relata o uso da bússola pelos navegantes, assim como ímã são usados com propriedades mágicas bem como para detectar esposas infiéis. Roger Bacon por sua vez revela que muitos navegantes prefiriam não revelar o uso da bússola mantendo a técnica em segredo para não terem o risco de serem acusados de magia[8]. Há evidências de que os olmecas (1500-600 a.c) que viviam no sul do México conheciam material magnético usado em cerimoniais religiosos e que poderia ser usado como bússola, o que poderia justificar o exato alinhamento dos templos maias que viveram na mesma região de 1 a 900 dc.[9]

[1] ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.9-10; KLEMM, Friedrich, A history of western technology, London:Ruskin House, 1959, p. 91

[2] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.190; HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.133; NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.286

[3] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 204

[4] ALBUQUERQUE, Luis. Introdução a história das descobertas portuguesas, Lisboa:Europa América, 1989, p. 55

[5] ALBUQUERQUE, Luís de. Ciência e experiência nos descobrimentos portugueses, Lisboa: Biblioteca Breve, 1983, p. 88; DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.290 https://en.wikipedia.org/wiki/Amalfi

[6] FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2007, p. 133

[7] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.II, Columbia University Press, 1923, p.190; STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.398; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.208; GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 157

[8] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.II, Columbia University Press, 1923, p.388

[9] TERESI, Dick. Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.259




Artesãos no período colonial

 

Em Recife no período colonial os artífices se organizavam em locais como a rua dos Ferreiros, a rua dos Calafates, a rua dos Carvoeiros, a rua dos Tanoeiros, a rua dos Barbeiros, dos Ourives e dos Caldeireiros. Russell Wood destaca que cada porto na colônia contava com uma rua dos Toneleiros, rua dos Sapateiros ou rua dos Funileiros. No século XIX entre alfaiates, sapateiros, tanoeiros, ferreiros, vendeiros e barbeiros encontra-se um grande número de pretos, pardos e mulatos forros, incluindo escravos, conforme nos dá testemunho Debret, Rugendas e Henry Koster. Henry Koster que esteve em Pernambuco no século XIX observa que os melhores mecânicos eram mulatos[1]. João Monlevade relata entre os escravos que trabalhavam na usina de Morro Velho haviam ótimos pedreiros, carpinteiros, telheiros, carreiros, arrieiros.[2] Martius em seu livro Travels se refere aos mulatos como os mais hábeis entre os nacionais. [3] Gilberto Freyre destaca os elementos de originalidade no trabalho de mulatos marceneiros: “os móveis talhados em madeiras da terra por mãos de mulatos que se deliciavam em arredondar pernas de mesas e de cadeiras e em amolecer a técnica europeia do móvel patriarcal e de convento, dando-lhe formas aprendidas com artistas portugueses impregnados de influências do extremo Oriente e da própria África”.[4] Caio Prado Júnior observa a extensa referência aos ofícios mecânicos nas cidades e vilas da Colônia tal como reportado nos Almanaques do Rio de Janeiro de 1792 e 1794. O Almanaque da cidade do Rio de Janeiro de 1790 menciona a existência de sete lojas de entalhadores e de 35 marceneiros. O Almanaque histórico do Rio de Janeiro de Antonio Duarte Nunes menciona doze lojas de entalhadores e 64 marceneiros.[5]



[1] FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos, São Paulo:Record, 1998, p. 375

[2] BARBOSA, Francisco de Assis. Dom João VI e a siderurgia no Brasil, Brasília:Batel, 2010, p.82

[3] JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:Brasiliense, 1986, p.221

[4] FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos, São Paulo:Record, 1998, p. 393

[5] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 230



sábado, 24 de abril de 2021

A riqueza do barroco e os artistas negros

 

Spix e Martius relata que no Rio de Janeiro “entre os naturais, são os mulatos que manifestam maior capacidade e diligência para as artes mecânicas”.[1] Grandes artesãos como Aleijadinho[2] cuja biografia foi publicada por Rodrigo José Ferreira Bretas em 1858 [3], mestre Valentim [4] e Francisco das Chagas [5], o Cabra, eram negros [6]. Henry Koster relata que “a maioria dos melhores artesãos é também de sangue mestiço” [7]. Russell Wood destaca que a arte barroca foi o ponto de encontro de europeus e africanos, homens livres e escravos[8]. Wilson Martins destaca a convivência entre mulatos com artistas estrangeiros ou descendentes de europeus o que levou a uma influência na arte. Por exemplo o filho de italiano João Francisco Muzzi influenciou o trabalho de Manuel da Cunha (1737-1809) escravo do cônego Januário da Cunha Barbosa, que o levou a estudar pintura em Lisboa. Manuel da Cunha foi o autor do teto da capela do senhor dos Passos. Ao retornar ao Brasil foi alforriado destacando-se como retratista como o retrato que fez do conde de Bobadela (na figura)[9]. Da mesma forma Aleijadinho autor de obras primas do barroco como a igreja da Ordem Terceira de São Francisco em Vila Rica e em São João del Rei, aprendeu de mestres como o próprio pai Manuel Francisco Lisboa e do medalhista e desenhista João Gomes Batista, o que desfaz o mito de que teria sido um autodidata tal como destacado por Saint Hilaire, o que explicaria certas rudezas e deformações de sua obra. O historiador da arte Germain Bazin curador-chefe da Seção de Pinturas do Museu do Louvre (1950-1965) atribui em Aleijadinho e a Escultura Barroca atribui tais diferenças de qualidade a obras mal feitas por seus assistentes. Bazin coloca Aleijadinho no mesmo patamar dos grandes criadores da cultura ocidental: “um dos grandes artistas de nossa civilização”. Segundo Myriam A. Ribeiro de Oliveira os livros de Germain Bazin sobre o barroco brasileiro permitiram difundir internacionalmente as produções artísticas coloniais do país, expressão que “desde então passou a fazer parte das publicações especializadas dedicadas à arte barroca em todo o mundo, dando projeção universal ao Aleijadinho”.[10] Lourival Gomes Machado mostra a influência da obra de Alelijadinho com as gravuras de Lorenzo Ghiberti. Os profetas teriam sido inspirados na igreja portuguesa de Monte Espinho em Braga, onde também há o Santuário propriamente dito é precedido de um monumental escadório decorado com fontes alegóricas ladeadas por representações bíblicas de reis e profetas do Antigo Testamento, sendo a mesma temática que o arquiteto português André Soares modelara para aquela igreja.[11] Cabe ressaltar a diferença na matéria prima empregada, ou seja, a pedra-sabão nas Minas Gerais e o granito em Braga, bem como a maior expressividade amaneirada de Antonio Francisco Lisboa. [12] O escritor Mário de Andrade em seu texto Aleijadinho (1928) destaca a genialidade do artista mulato “que contém algumas das constâncias mais íntimas, mais arraigadas e mais étnicas da psicologia nacional”.

[1]RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 166

[2] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8614/aleijadinho

[3] LAGO, Pedro Correa. Brasiliana IHGB 175 anos, Rio de Janeiro:Capivara, 2014, p. 317

[4] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa215791/mestre-valentim

[5] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa282537/francisco-das-chagas

[6] CARISE, Iracy. A arte negra na cultura brasileira, Rio de Janeiro:Artenova, 1980, p.68

[7] LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 109; JÚNIOR, Manuel Diegues. População e açúcar no Nordeste do Brasil, São Paulo:CNA, 1954, p.85

[8] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 297

[9] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 298

[10] URIBARREN, Maria Sabina. Germain Bazin e o IPHAN: redes de relações e projetos editoriais sobre o Barroco brasileiro, Rev. CPC, v.13, n.25 especial, p.108–134, jan./set. 2018 https://core.ac.uk/download/pdf/268311787.pdf

[11] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 559

[12] SILVA, Eder Donizete; NOGUEIRA, Adriana Dantas. Traços Identitários: O Santuário de Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo e o Santuário do Bom Jesus do Monte em Braga Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 9, p. 67508-67524, sep. 2020



Conhecimento dos escravos em metalurgia

 

Na mineração as técnicas usadas eram rudimentares. Shozo Motoyama aponta que ainda que intelectuais como Domingos Vandeli conhecessem a obra De Re Metalica de Agrícola publicada em 1556 seu efeito era mínimo no desenvolvimento das técnicas diante do empirismo que predominava[1]. Em memória apresentada à Academia de Ciências de Lisboa em 1792 Vandelli afirma “a lavagem das terras ou areias  no Brasil se faz com o método já escrito por Agrícola, por Ulloa em suas viagens”.  Em Pluto Brasiliensis publicado em Berlin em 1833 Eschwege comenta a superficialidade das pesquisas em mineração no Brasil colônia: “falta-lhe, em compensação, paciência para realizar serviços que não produzem ouro logo nos primeiros oito dias”.[2] Eschwege salienta que a mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos africanos.[3] Desde o século XVIII, a maior parte dos escravos na região de Minas Gerais eram originários da Costa da Mina, na África, onde os conhecimentos de mineração e metalurgia do ouro eram altamente desenvolvidos[4 de modo que era vendidos com grande prêmio nas regiões mineradoras.[5] Nos estados do Akan grupo ético do Gana e Costa do Marfim o ouro era a moeda local sendo bastante desenvolvida a metalurgia.[6] O livro Histoire générale des voyages de Antoine Prevost publicado em 1750 registra a técnica dos negros da Mina  naturais do reino de Tombuco e Bambine / Bambuc.[7] Na atual Nigéria haviam os igbos peritos em metalurgia de barras e pulseiras de ferro e pequenas peças em miniatura conhecidas como anyu.[8] Os congoleses  e os mbundu/ambundu sabiam trabalhar com ferro e cobre.[9] No século XVII o viajante europeu capuchinho italiano Giovanni Cavazzi destaca a habilidade dos artífices negros no trabalho de serralharia[10]. Eram negros os operadores dos dois fornos rústicos e da forja que em 1591 Afonso Vieira teria feito funcionar utilizando o ferro do Morro de Ipanema.[11] Russell Wood mostra que os portugueses tinham receio de contratar mineiros especializados da Hungria ou da Saxônia que poderiam colocar em risco as riquezas da colônia. Russell Wood mostra que o conhecimento dos negros em metalurgia era muitas vezes usado para adulteração do ouro misturando-o com enchimentos de prata, ferroe e cobre.[12] Em 1789 em carta de Luis Antonio de Sousa ao conde de Oeiras relata suas atividades numa fábrica de forja em Sorocaba, em que solicita um mestre ferreiro. Luis Antonio mandou trazer preso do Rio de Janeiro, o mestre Joao de Oliveira de Figueiredo, que estava se preparando para voltar para Angola e que na carta é referido como um negro “de rude inteligência”, porém hábil metalurgista. Na carta Luis Antonio solicitava também a vinda “de outros mestres de Biscaia para estas fábricas”[13]. Richard Burton relata as técnicas primitivas usadas no século XIX em Morro Velho: “o mineiro brasileiro sempre descuidou do estacamento e das paredes. Ignorava as bombas por completo e, assim, quando a mina se inundava, era compelido a abandoná-la. Rude, porém, como fosse o seu sistema, veremos que foi adotado por todos os mineiros ingleses dos dias presentes e que os últimos se contentaram com poucos e insuficientes melhoramentos”.[14] Roy Nasch aponta que aos negros africanos devemos a fundição do ferro: “os norte americanos de Pittsburg deveriam ir em romarias ao coração da África como os maometanos vão a Meca” em reconhecimento por esta invenção. [15] Segundo Calógeras: “o processo africano de colaboração direta do ferro, o método dos cadinhos, disseminou-se pelo distrito aurífero”.[16]



[1] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 104

[2] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 155

[3] FRYRE, Gilberto. Casa grande e senzala, São Paulo:Global Editora, 2006, p.390; SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia, São Paulo:Cia das Letras, 2015, p.66; SIMONSEN, Roberto. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. Brasiliana, n.349, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1973, p.42; BARSA PLANETA, História do Brasil: primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonização, 2009, v.1, p. 274; JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:Brasiliense, 1986, p.220; ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. São Paulo: PubliFolha, 2000, p. 227

[4] CALÓGERAS, Pandiá. Formação Histórica do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1938, p 58; ARAUJO, Emanuel. Arte, adorno, design e tecnologia no tempo da escravidão. Secretaria da Cultura de São Paulo, 2013, p.34; LEITE, José Roberto Teixeira. As raízes na África negra da siderurgia brasileira. In: ARAUJO, Emanuel. Arte, adorno, design e tecnologia no tempo da escravidão. Secretaria da Cultura de São Paulo, 2013, p.75-81

[5] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.284

[6] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 296

[7] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.120; FIGUEROA, Sílvia. Metais aos pés do trono:  exploração mineral e o início da investigação da  terra no Brasil, REVISTA USP, São Paulo, n.71, p. 10-19, setembro/novembro 2006 https://core.ac.uk/download/pdf/268320408.pdf

[8] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.144

[9] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 109

[10] LEITE, José Roberto Teixeira. As raízes na África negra da siderurgia brasileira. In: ARAUJO, Emanuel. Arte, adorno, design e tecnologia no tempo da escravidão. Secretaria da Cultura de São Paulo, 2013, p.76; ROBERTS, J.M. history of the world, Oxford University Press, 1992, p.121

[11] LEITE, José Roberto Teixeira. As raízes na África negra da siderurgia brasileira. In: ARAUJO, Emanuel. Arte, adorno, design e tecnologia no tempo da escravidão. Secretaria da Cultura de São Paulo, 2013, p.80; LIMA, Heitor Ferreira. História político econômica e industrial do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1978, p.44

[12] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 296

[13] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 129

[14] FIORE, Elizabeth. Presença britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo:Pau Brasil, 1987, p. 112

[15] NASH, Roy. A conquista do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1939, p. 59

[16] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.290



Odômetro romano

 

Vitruvius descreve um engenhoso mecanismo formado por engrenagens usado como odômetro para contagem da distância percorrida pelas carruagens, conhecido como taxicab[1] e que só viria a ser novamente descrito mecanismo similar no século XV por Leonardo da Vinci[2] Heron de Alexandria (10 a 70 d.c.) descreve um dispositivo semelhante no capítulo 34 de seu Dioptra.[3][4]


[1] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.36; USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p.197; Ancient Roman Taxi Meters - Ancient Inventions , 2013 https://www.youtube.com/watch?v=mJr5KhGehpI

[2] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 93

[3] https://www.youtube.com/watch?v=1u6QfX9p0lo

[4] https://en.wikipedia.org/wiki/File:Hero's_odometer,_1st_century_AD,_Alexandria_(reconstruction).jpg



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...