quinta-feira, 23 de julho de 2020

Moinho medieval

O moinho d’agua torna-se nos séculos X e XI parte integrante da paisagem rural ocidental.[1] Jêrome Baschet observa que a difusão de moinhos d’água ocorreu durante a alta idade média (séculos VIII ao X) paradoxalmente um período em que as cidades declinam e a ruralização é seu traço mais marcante[2]. Marc Bloch mostra que entre os deveres do camponês estava a obrigação de moerem os grãos colhidos no moinho do senhor feudal, cozerem o pão em seu forno, fazerem o vinho em seu lagar. Tais obrigações eram conhecidas vulgarmente como “banalidades”.[3] Perry Anderson observa que o advento da azenha levou ao monopólio de exploração senhorial de modo que os camponeses eram forçados a levar seu grão para ser moído na azenha do senhor. Segundo Marx no volume III do Capital expõe que o senhor feudal era “o dono e senhor do processo de produção e de todo o sistema de vida social”.[4] Em 1274 o abade John no mosteiro de Saint Albans em Cirencester ao norte de Londres obrigava os moradores de Saint Albans a moer seu trigo e pisoar seus panos nos moinhos do mosteiro. Tal monopólio era motivo de tensões na comunidade. Em 1331 o abade Ricardo II de Wallingford deu ordem de busca nas casas para que fossem confiscadas todas as mós usadas nos moinhos à mão encontradas mandando pavimentar o claustro da abadia com as mós dos moinhos[5]para humilhar a gente comum”. Uma revolta em 1381 levou a população ao mosteiro para reaver as mós apreendidas, vingando-se da humilhação de cinquenta anos antes: “Entraram no claustro, arrancaram as pedras mós encravadas no pavimento da residência abacial e quebraram-nas. Depois distribuíram os pedaços como se fossem hóstias sagradas na igreja paroquial[6]. Usher aponta que “alguns senhores feudais reivindicavam jurisdição exclusiva sobre a moagem com o objetivo de limitar o número de moinhos bem como obrigar os moradores a moer nos moinhos dos senhores. Não foram completamente bem sucedidos em ambas as tentativas [...] na prática ficou difícil obrigar os moradores a moer no moinho dos respectivos senhores[7] Marc Bloch observa que esta foi uma vitória efêmera pois logo após a carta de Saint Alban foi anulada por estatuto real. Este é apenas um exemplo da resistência do antigo sistema de moagem à mão contra os moinhos d’água senhoriais, ou seja, contra a adoção da máquina hidráulica[8].

[1] BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América, São Paulo:Globo, 2006, p.106; HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.222

[2] BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América, São Paulo:Globo, 2006, p.55, 57

[3] BLOCH, Marc. A sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.281

[4] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 207

[5] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 293, 313; USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 243; CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 368

[6] GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.21, 131, 188

[7] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 162

[8] BLOCH, Marc. Advento e conquistas do moinho d’água. In: GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp. 1985,p.77



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