sexta-feira, 31 de julho de 2020

Crítica de Aristóteles a Platão

Aristóteles em sua obra Primeiros Analíticos (I, XXX) escreve: “em filosofia, com em toda as ciências e em todos os ramos do conhecimento, devem-se estudar os fatos. Só a experiência nos pode fornecer os princípios gerais de um assunto qualquer”, o que está em oposição direta aos princípios de Platão.[1] Aristóteles critica os que propõe teorias baseados em um conjunto reduzido de experiências: “Aqueles a quem sua afeição a discutir largamente os colocou pouco atentos aos fatos são demasiadamente propensos a dogmatizar baseando-se em um curto número de observações”.[2] O próprio Arquimedes reconhece que suas teorias se baseiam em um conhecimento imperfeito dos fatos: “Os fenômenos ainda não foram suficientemente investigados. Quando o forem, poderemos depositar mais confiança na observação do que na especulação, e só confiaremos nesta na medida em que estiver de acordo com os fenômenos”.[3] Em Metafísica (VIII,8) Aristóteles critica as ideias platônicas na medida em que as ideias separadas e transcendentes não podem ser a causa, nem explicar o devir nem o ser, tampouco podem ser as ideias modelos perfeitos do mundo sensível: “dizer que são modelos e que as coisas neles participam, é vão discurso e metáfora poética”.[4] Aos pitagóricos Aristóteles critica sua teoria dos números identificados com o próprio ser: “quando dizem que constituem corpos físicos com números, isto é, quando por meio do que não tem gravidade nem leveza constituem o que é dotado de gravidade e leveza, parecem falar de outro universo e de outros corpos que não os sensíveis”.[5]



[1] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.77

[2] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 126

[3] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.81

[4] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 29

[5] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 61


Pitágoras e a harmonia musical

Pitágoras de Samos (580 a.c - 496 a.c.) desenvolveu sua teoria dos números partindo da experiência que mostra uma relação matemática entre as notas da escala musical e os comprimentos de uma corda vibrante ou de uma coluna de ar em vibração. Uma coluna de ar ou de uma corda de determinado comprimento daria uma nota enquanto que reduzida à metade de seu comprimento, daria uma nota uma oitava acima.[1] A escala pitagórica entretanto foi modificada por Aristóxeno no século IV a.c., pois se prestava mal à prática da arte e à fabricação de instrumentos musicais[2]. As unidades, representadas por pontos, tinham dimensões espaciais, e dentro desta perspectiva apenas os números racionais faziam sentido[3]. Segundo uma lenda anotada por Varrão a descoberta dos intervalos harmônicos musicais ocorreu pela observação dos sons do martelo de um ferreiro sobre uma bigorna considerados correspondentes às diferenças de peso entre os martelos.[4] Cícero deu nova vida à música das esferas de Pitágoras em sua fábula O Sonho de Cipião, que ganhou grande popularidade. Segundo Gunter Berghaus: “Um princípío unificador que estava na raiz de todas as coisas e constituía a causa original do Ser. O princípio original (arche) além do cosmos ele supôs que fosse o número (arithmos). Os pitagóricos acreditavam que todas as coisas eram mensuráveis em termos numéricos e que todos os elementos do universo se relacionavam entre si em proporções (harmonia) numéricas. [...] Para os pitagóricos, todo o cosmos é baseado nas relações entre os números 1, 2, 3 e 4. Esta tétrada serve como o ideograma da Criação in toto. É através do número que a unidade como principio primordial do Ser se estende para o mundo material e se torna multiplicidade. Mas o mundo material, sendo uma entidade física, deve ter um limite. Este limite é inerente nos números 1, 2, 3 e 4. Eles criam o ponto, a linha, o plano e o volume. Somando-os, 1 + 2 + 3 + 4 = 10, exaurimos os limites da dimensão física. Não há nenhum número além de 10 que não esteja implícito na tétrada. Nada pode ser acrescentado que não exista como uma combinação destes quatro números. A tétrada e a década, portanto, são os modelos da perfeição".[5]



[1] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: das origens à Grécia. São Paulo:Círculo do Livro, 1987, p.74; SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.48

[2] TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 44, 46

[3] RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental, Rio de Janeiro:Nova Fronteira,2016, p.57

[4] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo v. I, São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 56

[5] https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_das_esferas




quinta-feira, 30 de julho de 2020

Heráclito

A doutrina de Platão exposta em Crátilo é profundamente influenciada por Heráclito de Éfeso que viveu por volta de 500 a.c, segundo o qual (fragmento n° 91) não se pode entrar no mesmo rio duas vezes[1]. Crátilo aprofunda a afirmação de Heráclito ao dizer que nem mesmo uma só vez podemos entrar no rio, tão rápida e contínua é a mudança. Isso torna impossível que as palavras possam ser usadas para definir um conceito instável, dada a instabilidade inerente de todas as coisas. De fenômenos sempre mutáveis e das sensações que os aprendem não pode surgir um conhecimento estável e válido, a ciência é uma impossibilidade para Crátilo[2]. O mundo observável está, portanto, em constante mudança, há um conceito de impermanência nas coisas, uma identidade entre os contrários[3], Trata-se de um mundo que é visto como inconstante, mutável, imperfeito e, em última análise, incognoscível.[4] Para Heráclito, sob influência do dualismo do zoroastrismo[5], o mundo é um fluxo perpétuo de acontecimentos, de mudança das coisas nos seus contrários: “de todas as coisas o Um e do Um todas as coisas [...] o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia[6]. Existe o dia porque existe a noite, assim como inverno e verão, o bem e o mal, assim como a tensão de uma corda cria as flutuações proporcionais à frequência para produção da harmonia da música, assim o alternar dos opostos cria a vida e lhe confere significado.[7] Para Heráclito o mundo é um perpétuo fluxo (panta rhei)[8]. Platão entende que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material como algo imperfeito, que não consegue manter a identidade das coisas, mudando sem cessar, passando de um estado a ouro, contrário ou oposto.[9] O mundo se desenvolve pela constante interação dos opostos, dia/noite, saúde/doença, guerra/paz.[10] Rodolfo Mondolfo observa que a conclusão negativa de Crátilo quanto as possibilidades da ciência como critério de verdade é mais radical que a de Sócrates e Platão para os quais a sabedoria pode nos levar ao critério de verdade pela observação das essências universais.[11]


Anaximandro

Anaximandro (610 a.c – 547 a.c), discípulo de Tales, localiza a terra, imóvel, no centro do universo e portanto, não precisava de apoio ou qualquer sustentáculo material.[1] Se a terra se movesse para uma direção teria de haver uma razão para isso na forma de alguma assimetria ou diferença importante nesta direção, o que não se verifica, logo ela permanece onde está imóvel. Bernard Wiliams mostra que esta lógica de Anaximandro se afasta das explicações mitológicas puras e revela a aplicação de um princípio racional organizando o universo, passível de ser compreendida pela razão humana.[2] Anaximandro propusera também a possibilidade do gênero humano ter sido uma evolução dos peixes e depois foram lançados para fora dos mares e tocaram a terra[3], ainda que ele nada fale sobre uma evolução gradual e progressiva para a adaptação ás novas condições de vida. Para Anaximandro o princípio (arché) dos seres é o infinito  do qual nascem todos os céus e universos.[4] A concepção de um mundo fechado e organizado hierarquicamente somente começará a ser quebrada com Nicolau de Cusa em 1440 com a publicação de Douta Ignorância em que defende a tese de um universo uno e ilimitado[5] e com De revolutionibus de 1543 de Nicolau Copérnico que coloca o Sol no centro do mundo e atribui a Terra um movimento orbital.

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TATON, René. A ciência moderna: o Renascimento, tomo II, v.I, São Paulo:Difusão, 1960, p. 60



Hesíodo e o trabalho

Hesíodo no século VIII a.c. destaca o papel do trabalho ao enobrecer o homem do campo: “Os deuses e os homens odeiam o que vive inativo. O homem preguiçoso é um zangão ávido que engorda, sem nada fazer, com o labor das abelhas [...] o que trabalha vê crescer o seu gado e aumentar sua fazenda [..] se o teu coração está possuído pelo desejo de riqueza, tens só que trabalhar, e trabalhar sempre [...] trabalho não é vergonha; a ociosidade sim, essa é que o é. Se labutares, o ocioso te invejará pelos teus ganhos, os quais se seguem respeito e consideração. O trabalho é a única coisa justa na tua condição”.[1] Em sua obra o poema rústico “Os trabalhos e os dias” - Erga cai h merai, Hesíodo destaca o papel moral do trabalho e a ociosidade como algo vergonhoso.[2] Segundo José Cavalcante de Souza: “Com Hesíodo surge a noção de que a virtude (areté) é filha do esforço e a de que o trabalho é o fundamento e a salvaguarda da justiça”.[3] Para Hesíodo: “tanto os deuses como os homens odeiam quem vive na indolência [...] O trabalho torna os homens ricos em rebanhos e em outros bens, trabalhando tornam-se estimados pelos imortais. O trabalho não é uma desgraça; a indolência é que é uma desgraça”.[4] Por outro lado, para Hesíodo, como homem do campo, o enriquecimento à custa do comércio era uma corrupção[5]. Para Werner Jaeger na obra de Hesíodo: “o heroísmo não se manifesta só nas lutas em campo aberto, entre os cavaleiros nobres e os seus adversários. Também a luta silenciosa e tenaz dos trabalhadores com a terra dura e com os elementos tem o heroísmo, e disciplina qualidades de valor eterno para a formação do homem. Não foi em vão que a Grécia foi o berço da humanidade que põe acima de tudo o apreço pelo trabalho. A vida descuidosa da classe senhorial, em Homero, não deve induzir-nos em erro: a Grécia exige dos seus habitantes uma vida de trabalho [...] o trabalho é, de fato, uma necessidade dura para o Homem, mas uma necessidade. E quem por meio dele provê à sua modesta subsistência, recebe bênçãos maiores que quem cobiça injustamente os bens alheios [...] O homem deve ganhar o pão com o suor de seu rosto. Mas isto não é uma maldição, é uma bênção. È este o preço da arete (virtude) [...] a justiça e o trabalho são os pilares em que ela [a virtude] se assenta””.[6]

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Corporações de ofício e Revolução Francesa

Sob o Antigo Régime, o corpo de comércio também conhecido como (métiers jurés, corporations, commnunautés jurées o jurands) era formalizado pelo juramento mútuo que todos os anos os membros da corporação deveriam prestar aos mestres se comprometendo em observar os regulamentos e manter uma ética profissional. Um edito de abril 1776 em Versalhes assinado por Turgot suprimiu os jurandes: “Será livre para todas as pessoas, de qualquer qualidade e condição, que elas sejam, assim como para todos os estrangeiros, ainda que não tenham obtido as cartas de autorização, de abraçar e exercer em todo nosso reino e sobretudo na cidade de Paris, qualquer espécie de comércio e profissão de artes e ofícios [...] extinguimos todas as corporações e comunidades de comerciantes e artesãos, assim como mestres e jurandes, revogamos todos os privilégios, estatutos e regulamentos dados por tais corporações e comunidades, por cuja razão ninguém pode ser perturbado no exercício de seu comércio e de sua profissão por qualquer motivo e sob qualquer pretexto”.[1] Entretanto o edito de Turgot foi revogado em agosto de 1776,  apenas alguns meses depois de assinado. Em 1779 o Abade Coyer critica o sistema de corporações; “Meditai nisso. Vós que ainda suportais um sistema de regulamentos e de privilégios régios de monopólios”.[2] Em carta escrita a M. Gournay, Turgot se refere ao controle excessivo das corporações que regulam o comprimento e largura de cada peça de estopo, o número de fios  de que deve ser composto: “e um sem número de outros estatutos ditados pelo espírito do monopólio, cujo único objetivo é desencorajar a indústria, concentrar o comércio num pequeno número de mãos pela multiplicação de formalidades e gastos, pela sujeição a aprendizagem e corporações de dez anos, para misteres que se podem aprender em dez dias, pela exclusão daqueles que não são filhos de mestres, daqueles que são nascidos fora de certos limites, pela interdição de se empregar mulheres na fabricação de tecidos, etc. Não fico menos espantado ao ver o governo se ocupar em regular a circulação de cada mercadoria, proscrever um gênero de indústria para fazer florir um outro, sujeitar a incômodos particulares a venda das provisões mais necessárias à vida, impedir de fazer armazéns de um gênero, cuja colheita varia todos os anos e cujo consumo é sempre mais ou menos igual”.[3]. Apesar disso a revolução de 1789 levou novamente a abolição das regulamentações das corporações com a liberalização do comércio. Uma nova lei de patentes seria adotada em 1791 baseada na lei inglesa de 1623, no entanto, com alcance maior na medida em que declarava a existência de um direito de propriedade absoluto sobre as invenções[4]. Em 1791 a Assembleia Constituinte aprovou uma nova lei de patentes adotando o projeto de Boufflers. Esta lei de 1791 aboliu o exame técnico de patenteabilidade, que desde 1699 era realizado pela elite da Academia das Ciências.[5] O decreto de Allarde de março de 1791 suprimiu em definitivo as corporações de ofícios confirmado pela lei de Chapelier de junho do mesmo ano.[6] A Constituição de 1791 exprime a situação: “não haverá mais jurandes, nem corporações de profissionais, artes e ofícios”.[7] Para os revolucionários franceses, imbuídos de um sentimento de democratização da ciência, que substituitia a “science aristocratique” pela “science démocratique”, este exame técnico estava diretamente ligado à uma visão conservadora e elitista. Charles Gillispie mostra como a filosofia jacobina, por exemplo em Diderot, possuia um forte viés anti newtoniano e anti Lavoisier considerados aristocratas. Pietro Redondi questiona este argumento e entende que a oposição a Lavoisier se dava muito mais em conta pelo fato de ser cobrador de impostos. Como mostra da elitização que revestia o sistema de patentes francês o verbete <privilège exclusif> da Enciclopédia francesa de Diderot e D’Alembert de 1751 se refere a sua utilização sobretudo para os objetos de luxo e objetos de não absoluta necessidade, como por exemplo as cartas patentes concedidas para fabricação dos vidros usados na Galerie des Glaces do Palácio de Versailles. [8]. O exame de patentes era visto como uma referência ao antigo exame das corporações de ofício que exigia uma obra prima do aprendiz[9]. Nuno Carvalho observa que em um certo sentido o exame técnico do pedido de patente substituiu o exame de obra prima do aprendiz que os jurados da corporação de ofício exigiam como condição á sua promoção como mestre [10]. A Academia de Ciência é vista como vestígio do Antigo Regime, sem legitimidade para julgar a contribuição dos inventores para a nação. Em 8 de agosto de 1793 as academias ditas “corpos monstruosos”, “corporações geradas pelo despotismo ao qual estão acostumadas a servir” são dissolvidas.[11]

[1] BONILLA, Luis. Breve historia de la técnica y del trabajo, Madrid:Ed. Istmo,1975, p.201

[2] HOBSBAWM, E. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Forense:Rio de Janeiro, 1969, p.27

[3] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p.103

[4] PENROSE, Edith. La economia del sistema internacional de patentes. Mexico:siglo Veiteuno Editores, 1974, p.13

[5] CARVALHO, Nuno Pires de. As origens do sistema brasileiro de patentes – o Alvará de 28 de abril de 1809 na confluência de políticas públicas divergentes – II,. Revista ABPI, Rio de Janeiro. n. 92, p. 10, jan.fev. 2008

[6] http://fr.wikipedia.org/wiki/Jurande

[7] BLANC, Étienne. Traité de la contrefaçon, Henri Plon Editeur:Paris, 1855, p.400

[8] PÉREZ, Liliane Hilaire. L’invention technique au siècle des Lumières. Paris, Abin Michel, 2000, p.39. BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 26, 157, 164

[9] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 32

[10] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 101.

[11] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 116



Lançadora de John Kay

A lançadora de John Kay permitiu que o artesão utilizasse apenas uma das mãos enquanto que no sistema anterior o tecelão passava a lançadeira transversalmente de uma mão à outra para fazer a trama, porém a difusão da fly-shuttle foi lenta somente tornando-se mais comum entre os artesãos da região de Manchester a partir de 1760.[1] A lançadeira volante liberou uma das mãos do operador permitindo aumentar a velocidade de operação de um modo notável, além do que as meias mais largas poderiam ser tecidas por um único tecelão, enquanto que no modelo antigo para tecidos que excedessem 75 cm seria necessário dois tecelões, um de cada lado do tear. [2]John Kay solicitou patentes em 1730 para a preparação dos fios a serem usados em teares e em 1733 para a máquina de abrir e alisar lãs e para a lançadeira volante. [3]O vertiginoso aumento das importações de algodão nas décadas de 1770 e 1780 pela Inglaterra está diretamente á inovações técnicas das fiandeiras spinning jenny de Hargreaves, a spinning mule de Crompton a máquina hidráulica de Arkwright. [4] O preço dos fios de algodão n.100 caiu de 38 shillings em 1786 para apenas 6 shillings e 9 pence em 1807, 2 shillings e 2 pence em 1832[5]. Com a water frame se vialibiliza a produção de calicos até então importados da Índia. Com a mula e a possibilidade de fabricação de musselinas extremamente finos, superando-se a lendária habilidade dos tecelões indianos. [6] Entre 1780 e 1850 o consumo de algodão pela indústria inglesa aumentou de 2 mil para 250 mil toneladas.[7] As importações de algodão cru aumentaram de cerca de 1 milhão de libras em 1743 para cerca de 60 milhões em 1802.[8] Entre 1750 e 1770 as exportações dos tecidos de algodão aumentam em dez vezes.[9] As exportações de produtos têxteis de algodão tornaram-se a principal mercadoria no comércio internacional britânico do século XIX.[10] Pierre Deyon observa que medidas protecionistas contribuíram para que a indústria inglesa conseguisse vencer a concorrência dos produtos indianos. Em 1700 o governo interditou as sedas e os tecidos de algodão orientais e em 1721 ampliou as restrições procresvendo mesmo o uso de tecidos imprtados crus ainda que tingidos na Inglaterra. [11]



[1] MANTOUX, Paul. A revolução industrial no seculo XVIII, São Paulo:Unesp, p.35

[2] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 374

[3] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 3772

[4] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.70

[5] HENDERSON, William. A revolução industrial, São Paulo:Edusp, 1979, p.47

[6] MANTOUX, Paul. A revolução industrial no seculo XVIII, São Paulo:Unesp, p.230

[7] SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1979, p.167; RIOUX, Jean Pierre. A revolução industrial 1780-1880, São Paulo:Pioneira, 1975, p.150

[8] HENDERSON, William. A revolução industrial, São Paulo:Edusp, 1979, p.8

[9] RIOUX, Jean Pierre. A revolução industrial 1780-1880, São Paulo:Pioneira, 1975, p.38

[10] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.71, 96

[11] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p.32



terça-feira, 28 de julho de 2020

Mercantilismo

Joel Mokyr argumenta que a formação dos estados nacionais entre 1450 e 1750 é marcado por uma política mercantilista que busca estimular crescimento econômico em que fazem parte a atração de artesãos e incentivos como patentes. Pierre Deyon define mercantilismo como a doutrina e prática econômicas dos Estados nacionais do século XV ao século XVIII que procura assegurar um excedente de exportações em bens e serviços sobre as importações como forma de atrair metais preciosos considerados indispensáveis  à prosperidade da nação e ao poder do Estado.[1] O termo “mercantilismo” foi usado por Adam Smith que denuncia o sistema como injusto na medida em que estimula exportações e penaliza importações para criar uma balança favorável ao país. Para Adam Smith o mercantilismo guiado pelos interesses intervencionistas e egoístas mercantis prejudica o crescimento natural dos capitais em um ambiente de livre mercado[2]. O termo, contudo, assume um papel positivo como política estatal para Gustav von Schmoller no século XIX[3] e Frederic List que defende de ação de um Estado protecionista em defesa de suas próprias indústrias[4]. Keynes no século XX conclui que “num tempo em que as autoridades não podiam agir diretamente sobre a taxa de juro interna, nem sobre os motivos que a governam, as entradas de metais preciosos, resultantes de uma balança favorável, era os únicos meios indiretos de baixar a taxa de juro interno, isto é de aumentar a inclinação em se fazer investimentos”[5]. Luís XI na França atraiu artesãos italianos para formação da indústria da seda na França.[6] O ministro da economia Colbert (1619-1683) promoveu uma política mercantilista na França que na avaliação de Boissonnade: “A França lhe deve o fato de se ter tornado um grande estado industrial, de ter durante quase um século detido uma verdadeira realeza econômica e de, jamais ter decaído em três séculos do lugar eminente que ele lhe deu. Tal foi a parte imortal de Colbert na grandeza de seu país”.[7]



[1] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 88

[2] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 75

[3] CAMERON, Rondo. A concise economic history of the world, New York:Oxford University Press, 1998, p.131

[4] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 75

[5] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 81

[6] MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.78

[7] DEYON, Pierre. O mercantilismo, São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 111


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Carlos Magno e o feudalismo

A concessão de beneficiium ou seja o direito de usar a terra contra prestação de renda ou serviços praticada pelos reis merovíngios no século VII e a concessão de tais direitos pelos reis carolíngios em recompensa a seus condes e duques e nobres locais em recompensa ao fornecimento de tropas montadas que lutaram contra os mouros intensificou os laços feudais.[1] Diante da abundância de novas terras resultante da expansão territorial alcançada por Carlos Magno inúmeros beneficia foram concedidos. O termo “benefício” foi substituído entre fins do século IX e fins do século XI por “feudo” – “fief, feodum”.[2] Uma economia baseada na troca tinha como seguimento lógico uma sociedade baseada na troca de serviços entre suserano e vassalo[3]. Sônia Mendonça argumenta que a progressiva vassalização no tempo de Carlos Magno foi alcançada na medida em que os benefícios antes pensados como vitalícios tornaram-se hereditários (feudos) ao longo do século IX. A realeza passar a exigir dos condes a prestação de vassalagem fundindo-sea honra com o benefício, concentrando-se poderes em torno da aristocracia fundiária que assumiram um duplo papel de senhores feudais e agentes do poder público como representantes do rei ao qual deviam honra. Para Sonia Mendonça o feudalismo completa um processo histórico já iniciado ao final do império romano: “Com isso, a monarquia, ao esforçar-se para estimular a centralização política, acabou por ampliar as tendências dissociativas de há muito latentes na sociedade”. [4] Segundo Perry Anderson: “O sistema de feudo levou um século a ganhar forma e raízes no Ocidente, mas o seu primeiro núcleo incontestável formou-se com Carlos Magno [...] Assim foi também nesse período que tomou forma a unidade de produção caracteristicamente feudal, cultivada por camponeses dependentes. O império Carolíngio era na realidade uma área fortemente continental, comum comércio externo mínimo, a despeito de suas fronteiras marítimas com o Mediterrâneo e o Mar do Norte e com uma circulação monetária assaz lenta: a sua resposta econômica ao isolamento foi o desenvolvimento de um sistema senhorial (manorial system)”. [5] Com a desagregação que se seguiu à morte de Carlos Magno e as invasões de vikings, magiares e sarracenos que o termo “feudum” começou a entrar em uso sendo toda a França coberta por castelos e fortificações construídos pelos senhores rurais sem qualquer permissão imperial com conter os ataques bárbaros, o que lançou os camponeses no regime de servidão em troca de segurança: “a nova paisagem semeada de castelos era a um tempo uma proteção e uma prisão para a população rural”.

[1] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.319

[2] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 68; MICELI, Paulo. O feudalismo, São Paulo: Atual, 1986, p. 27, 36

[3] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.17

[4] MENDONÇA, Sonia. O mundo carolíngio. Coleção Tudo é história, n° 99, São Paulo:Brasiliense, 1985, p.36

[5] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 154, 156


Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...