segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Cálibes

 

A indústria da metalurgia do ferro foi inventada na Anatólia pelos hititas na metade do segundo milênio a.c. uma região rica em minas de ferro. A técnica atingiu a Síria e Egito[1]. Estrabão em Geografia faz referência aos chalybs ou cálibes povo proto hitita que viveu na região próxima ao mar Negro junto ao rio Halis próxima a atual Armênia. Segundo o linguista britânico Archibald Sayce (1846–1933), o nome grego cálibe derivava do hitita Khaly-wa ("terra de Hális"). Os primeiros objetos feitos de ferro são encontrados na Mesopotâmia por volta de 2800 a.c.[2] na cidade de Comagena[3]. Para fundir o ferro o ferreiro colocava carvão em um forno primitivo que era coberto por argila em cuja base havia furos para ventilação. As chamas eram atiçadas com um fole de bico de cerâmica, em um processo que demorava várias horas. O resíduo preto que permanecia no fundo do forno era levado a outro forja similar para ser novamente aquecido até que se tornasse maleável quando então era removido por pinças e colocado sobre uma bigorna para ser martelado para remoção das impurezas resultando em um lingote.[4] Em algum momento os cálibes mergulharam a lâmina incandescente e recém martelada em água fria observando que ao resfriar o metal sua durabilidade aumentava. Segundos a Ilíada de Homero os hititas adquiriram a técnica de metalurgia do ferro de um povo conhecido como chalyb que viviam no Cáucaso e que já dominavam a técnica de submeter a lâmina incandescente trabalhada com martelos para adquirir maior durabilidade com o resfriamento abrupto.[5] Um pequeno número de fragmentos de ferro com as quantidades apropriadas de mistura de carbono foi encontrada nas camadas proto-hititas em Kaman-Kalehöyük e datada de 2200-2000 aC.[6] Um pino e uma meia lua de ferro datados de 2500 a.c. foram encontrados na cidade hitita de Alacahoyuk. Uma adaga de ferro encontrada na Mesopotâmia em Tel Asmar datada de 2800 a.c. não contém níquel algum o que revela que não poderia ter sido ferro meteórico.[7] Foram também encontrados artefatos de ferro em Chagar Bazar e Mari assim como em Alaca na Ásia Menor.[8]  Na Síria foi encontrado um machado de ferro em Ras Shamra datado de 1500 a.c. Harry Shapiro pergunta se todas as amostras de ferro anteriores a 1500 a.c. de fato forem ferro meteorítico então como explicar que o Oriente Próximo levou tanto tempo para fundir minério de ferro quando ele já detinha a tecnologia para fundir cobre, chumbo e vários outros minérios ?[9] R. Forbes também questiona o atraso do uso geral do ferro quando a tecnologia de redução do óxido de ferro não é muito diferente do óxido de cobre.[10] Uma explicação pode ser o fato do ferro ter ponto de fusão de cerca de 500 graus superior ao do cobre ou ouro.



[1]SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p.105

[2]LEWIS, Brenda. Great civilizations, Parragon:London, 1999, p.205

[3]DORNER, Friedrich. Nimrud Dag. Readers's Digest. As grandes civilizações desaparecidas, Lisboa:1981, p.196

[4]SELEÇÕES, Readers’digest, Da idade do ferro à idade das trevas, Rio de Janeiro, 2010, p.21

[5]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.21

[6]https://en.wikipedia.org/wiki/Iron_Age

[7]SHAPIRO, Harry. Homem, cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 170; SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.I. Oxford Clarendon Press, 1958, p.594

[8]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.I. Oxford Clarendon Press, 1958, p.594

[9]SHAPIRO, Harry. Homem, cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 169

[10]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.I. Oxford Clarendon Press, 1958, p.593



Ferro no Egito

 

O Egito detinha a poucas reservas de minério de ferro. O arqueólogo Howard Carter descobridor da tumba de Tutankhamon[1] encontrou amuletos de ferro, quando em geral seria esperar encontrar feitos de hematita[2]: “percorramos todos os museus egípcios da Europa e o Museu do Cairo, com suas 50 mil peças de todas as espécies e só encontraremos ao todo 12 de ferro, inclusive as seis do jazigo de Tutancamon”. Para Daniela Comelli o ferro fundido do punhal com uma empunhadura de ouro encontrado no túmulo é datado de 1322 a.c.[3] O ferro tem origem em um meteorito que possivelmente caiu na região costeira do Mediterrâneo, uma vez que possui 11% de níquel enquanto que o ferro encontrado na Terra não excede 4% de níquel. Além disso, a quantidade de cobalto na arma do faraó indica a existência um metal espacial.[4] O explorador Robert Peary em 1894 ao observar como os esquimós da Groelândia caçavam notou que eles extraíam lascas de um meteorito do tipo siderita (meteoritos compostos quase totalmente de ferro) para fixar tais lascas junto a morsas para fazer facas.[5] Charles Marston aponta a descoberta de um machado de ferro em Ur por Leonard Wooley que poderia ter sido forjado a partir de um meteorito, no entanto, a lâmina do punhal era absolutamente comparável ao ferro forjado comum, o que constaria o domínio do ferro a 3000 a.c. Fornos para fabricação de pão foram encontrados em Ur datados de 2000 a.c.[6] No entanto Charles Marston aponta a preferência dos egípcios pelo cobre, que vinha do Sinai[7], ao invés do ferro por respeito às tradições[8]. Em Timna, próximo ao Sinai foram encontradas minas de cobre da época de 18° a 20° dinastias (1550 – 1070 a.c.)[9] Entre os egípcios as poucas e valiosas armas fabricadas com ferro eram conhecidas como “punhais do ceu” devido à sua origem dos meteoritos.[10] Pedaços de ferro foram encontrados entre os blocos de pedra da pirâmide de Gizé revelam traços de níquel em quantidade insuficiente para serem ferro meteorítico. Mircea Eliade argumenta que a origem celeste do ferro usado para confecção de tais objetos responde pelo caráter secreto das confrarias de ferreiros, o que pode justificar as poucas evidências do uso de ferro no Egito.[11] Um certo número de meteoritos está associada a deusas em especial deusas da fertilidade como o meteorito Pessinonte na Frígia venerado como imagem de Cibele.[12] O termo sumério para ferro significa metal celeste.[13] John White mostra que o atraso no domínio da tecnologia do ferro fez com que o exército egípcio perdesse as principais batalhas contra etíopes, assírios e persas.[14] Flinders Petrie observa como vestígio de peças de ferro no Egito: i) um fragmento de lâmina de ferro encontrado na pirâmide Quéops (IV Dinastia 2500 a.c), ii) pedaço de ferro encontrado entre machados de cobre em Abidos da VI Dinastia 2200 a.c, iii) uma pequena barra de ferro encontrada na pirâmide de Dashur, iv) uma espada de lâmina curva conhecida como cimiatarra encontrada debaixo da base da estátua de Ramsés II. [15] Forbes argumenta que todas estes exemplos estão sob suspeição.[16] Howard Vyse reporta descoberta de uma chapa de ferro de 30 por 10 centímetros presa no cimento numa tumba encontrada em Gizé e hoje no Museu Britânico[17].

O arqueólogo Otto Neubert avalia que a origem destas peças de ferro encontradas na tumba de Tutankhamon pode ser proveniente dos hititas na Ásia Menor.[18] Walter Ceram aponta que por volta de 1600 a.c. os hititas tiveram certo monopólio na manufatura do ferro[19]. O ferro é uma descoberta mais recente do que o cobre porque seu ponto de fusão é mais elevado, o que requer um maior aquecimento. Se o termo “amutum” nos textos encontrados em Kultepe foi corretamente interpretado como significando ferro então podemos afirmar que o ferro na primitiva história hitita era mais valioso que o ouro. Há cartas de faraós do Egito aos reis hititas solicitando o envio de ferro, principalmente para ornamentos[20]. A primeira evidência da fundição de ferro no Egito data do século VI a.c. na cidade de Naucratis.[21] O ferro seria introduzido tardiamente no Egito por ferreiros gregos por volta do século VI a.c. no porto de Náucratis [22]. Arnold Toynbee mostra que no Egito o ferro superou o cobre como ferramenta somente no século VII a.c., de modo que as tarefas de corte em pedra eram feitas com cobre[23]



[1]EYDOUX, Henri Paul. Á procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 34

[2]CERAM, Walter. Deuses, túmulos e sábios, Rio de Janeiro:Bib. Exército, 1971, p.179; BAINES, John; MALEK, Jaromir. O mundo egípcio:deuses, templos e faraós. Rio de Janeiro, Edições del Prado, 1997, p.101

[3]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 46

[4]COMELLI, Daniela et al. The meteoritic origin of Tutankhamun's iron dagger blade, Meteoritics & Planetary Science, 2016 http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/maps.12664/abstract

[5]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.20, ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas, Rio de Janeiro: Zahar,1979, p.19

[6]GOWLETT, John. Arqueologia das primeiras culturas. Barcelona:Folio, 2008, p.178

[7]CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações: O Oriente e a Grécia Antiga: as civilizações imperiais, v. I, Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1998, p. 86

[8]MARSTON, Charles. A Bíblia disse a verdade, Belo Horizonte:Itatiaia, 1958, p. 187

[9]BAINES, John; MALEK, Jaromir. O mundo egípcio:deuses, templos e faraós. Rio de Janeiro, Edições del Prado, 1997, p.19

[10]KELLER, Werner. E a Bíblia tinha razão, Barcelona:Econ Verlag, 2008, p.10

[11]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.74

[12]ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas, Rio de Janeiro: Zahar,1979, p.18

[13]SINGER, Charles; HLOMYARD, E. A history of technology, v.I. Oxford Clarendon Press, 1958, p.594

[14]WHITE, Jon Manchip. O Egito Antigo, Rio de Janeiro:Zahar, 1966, p. 144

[15]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.73

[16]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.I. Oxford Clarendon Press, 1958, p.597

[17]MALKOWSKI, Edward. O Egito antes dos faraós. São Paulo:Cultrix, 2010, p. 96

[18]NEUBERT, Otto. O vale dos reis, Belo Horizonte:Itatiaia, 1962, p.265, 249; COON, Carleton. A história do homem. Belo Horizonte:Itatiaia, 1960, p.255

[19]BRONOWSKI, J. A escalada do homen, São Paulo:Martins Fontes, 1979, p.131

[20]CERAM, Walter. O segredo dos hititas, Belo Horizonte:Itatiaia, 1961, p. 206

[21]STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 152

[22]JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 183

[23]TOYNBEE, Arnold. A humanidade e a mãe terra, Rio de Janeiro:Zahar, 1976, p.152, 210



A cultura iorubá

 

Entre os séculos XII e XV desenvolveu-se a cidade de Ifé, próxima Lagos na Nigéria onde houve grande desenvolvimento de técnicas de fundição[1]. Os yorubás eram um povo do sudoeste da Nigéria portador da civilização Ifé, com origem do Alto Egito e Sudão e que se fixou no golfo da Guiné por volta do século VII.[2] Em Jebel Barkal, uma pequena montanha no Sudão do Norte viveu o povo Kush que formaram uma cultura desenvolvida e deixaram cerca de 300 pirâmides intactas construídas há cerca de 3 mil anos. Foram também encontradas tumbas, templos e câmaras funerárias completas, com pinturas e desenhos que a Unesco descreve como "obras-primas de um gênio criativo que mostram os valores artísticos, sociais, políticos e religiosos de uma comunidade de mais de 2 mil anos".[3] Esculturas de metal de Ifé que datam o século XV revelam um alto grau de sofisticação da arte africana[4]. Froebeniius em sua obra “E a África falou” relata o assombro dos navegantes portugueses ao entrarem em contato com a riqueza da cultura ioruba: estradas cuidadosamente traçadas, ricos campos cultivados, pessoas vestidas de magníficas roupas feitas de tecidos de fabricação própria: “os relatórios de navegantes dos séculos XV a XVII não deixam margem à dúvida alguma de que a África que se estendia ao sul do Saara se achava então num estado altamente civilizado”.[5] Froebenius atribui as cabeças de Ifé, por ele descobertas em 1910, a data do século V a.c e que procedem da arte egípcia menfita do período persa, porém Shinnie não está convencido desta relação direta: “há agora quantidade de provas que demonstram que  muitas partes da África possuíam sociedades altamente desenvolvidas, bem adaptadas aos ambientes, desde tempos antigos, e de que, embora na África, como em outras partes do mundo, nenhuma sociedade fica isolada e um tráfego de duas mãos de ideias e técnicas acontece, não sendo absolutamente necessário presumir que tudo na África veio do Egito”[6]. Cheikh Anta Diop em Antériorité des civilizations nègres sustenta a tese de que as civilizações negras são anteriores à civilização egípcia o que se comprova pelo paralelismo da língua senegalesa Wolof e o egípcio antigo e pela presença de arte rupestre representando seres humanos com cabeças de animais antecipando o zoomorfismo observado no Egito[7]. Em 1897 os britânicos invadiram e saquearam o palácio de Obá na cidade de Benin na Nigéria recolhendo diversas obras de arte, bronzes e joias hoje guardadas nos museus europeus[8]. Estátuas do Palácio de Abomey, a capital histórica do atual Benim foram roubadas em 1892 por tropas francesas do general Alfred Amédée Dodds. O governo de Benin reclama a devolução de 4.500 e 6.000 objetos que pertencem ao país, incluindo tronos, portas de madeira gravada e cetros reais.[9] Nos séculos XVII e XVIII os artesãos muçulmanos atingiram um grau sofisticado de ourivesaria, particularmente com os ashanti da Guiné, que dominavam a técnica de cera perdida.[10]



[1] WILLETT, Frank. Ifé, Readers's Digest. As grandes civilizações desaparecidas, Lisboa:1981, p.279

[2]Readers's Digest. As grandes civilizações desaparecidas, Lisboa:1981, p.313

[3]http://www.bbc.com/portuguese/internacional-40484880

[4]MacGREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos, Rio de Janeiro:Intrínseca, 2013, p.455

[5]WENDT, Herbert. Tudo começou em Babel, São Paulo:Difusão, 1962, p. 194

[6]HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.460

[7]CARISE, Iracy. A arte negra na cultura brasileira, Rio de Janeiro:Artenova, 1980, p.108

[8]MacGREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos, Rio de Janeiro:Intrínseca, 2013, p.554; ROBERTS, J.M. history of the world, Oxford University Press, 1992, p.722; CARISE, Iracy. A arte negra na cultura brasileira, Rio de Janeiro:Artenova, 1980, p.109

[9]https://g1.globo.com/mundo/noticia/africa-exige-da-europa-restituicao-de-tesouros-roubados.ghtml

[10]OGOT, Bet Hwell. História geral da África, v.V, África do século XVI ao XVIII. Brasília:Unesco, 2010. p.513



domingo, 30 de agosto de 2020

Tycho Brahe e Reimarus

O observatório de Tycho Brahe conhecido como Uraniborg[1] – Cidade do céu (em homenagem a dusa grega Urania, musa da Astronomia que segura em uma de suas mãos o globo terrestre a na outra um tubo astrônomico para observar os céus) , construído em 1576 na ilha de Hveen na Dinamarca sob patrocínio do rei Frederico II[2] (1534 – 1588) que atua como mecenas e que mantinha correspondência científica internacional com outros soberanos orientais[3] (não confundir com Frederico II da Sicília 1272–1337, também conhecido como Frederico II de Aragão, rei da Sicília, ou com Frederico II de Hohenstaufen 1194-1250 do Sacro Império Romano Germânico). Tycho Brahe queixou-se de plágio de suas medições o que teria ocorrido na obra Fundamentum Astronomicum de Reimarus / Reimarius Ursus publicada em 1588 após visita ao observatório de Tycho Brahe.[4] Reimarius trabalhava com o noivo da irmã de Tycho Brahe e tornou-se o matemático imperial de Rodolfo II. Tycho Brahe referia-se a Reimarus como “Ditmarsken Bear” ou “Plagiário” e o acusou de ter feito secretamente vários desenhos dos instrumentos que pode observar em Hveen e depois de sua partida tentou convencer seus senhores de que seria ele o inventor de tais instrumentos. John Gade, contudo, considera a acusação de Tycho Brahe injusta. Em 1593, Reimarus respondeu às acusações em um jornal de astronomia onde se queixa das "palavras ousadas para um homem sem nariz" em referência a falta de nariz que Tycho Brahe perdeu em um duelo  quando jovem e mencionou que Johannes Kepler, já um astrônomo famoso, ficou do seu lado na disputa.[5] No modelo de Tycho Brahe a terra permanece imóvel e as órbitas de Marte e do Sol não se interseccionam. No modelo de Ursus a Terra tem um movimento de rotação e as órbitas de Marte e do Sol se interseccionam. Quando em 1600 Tycho Brahe finalmente ameaçou Ursus de processo, então professor de matemática em Praga, Ursus foi acometido por tuberculose e veio a falecer.[6]



[1] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 64

[2]MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 24; TATON, René. A ciência moderna: o Renascimento, tomo II, v.I, São Paulo:Difusão, 1960, p. 85

[3]TATON, René. A ciência antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 114

[4]MOURÃO, Rogério. Dicionário de astronomia e aeronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.678

[5]https://io9.gizmodo.com/savor-this-historic-battle-between-three-famous-scient-1668103032

[6]GADE, John Allyne. The life and times of Tycho Brahe, New York: Princeton University Press, 1947, p. 140



sábado, 29 de agosto de 2020

Invenção do ferro

 

A utilização do ferro na Mesopotâmia obtido a partir do minério é uma técnica aprendida de povos europeus invasores. Por volta de 3000 a.c. já era conhecido no Oriente Próximo, possivelmente ferro meteorítico, embora tenha levado séculos para o desenvolvimento dos processos de fundição do ferro[1]. Rousseau observa que a invenção possivelmente tenha sido uma forma do homem imitar o processo observado no lançamento de material metálico fundido dos vulcões.[2] Essa origem poderia justificar o fato dos índios brasileiros não terem atingido o desenvolvimento da metalurgia.

[1]/SHAPIRO, Harry. Homem, cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 169

 [2]ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Lisboa: Presença, 1971, p.96



Inovação na pré história

 

Segundo Cintia Tanaka: “Apesar de várias semelhanças importantes no uso que faziam da tecnologia, os neandertais diferem dos humanos modernos num ponto central: sua capacidade para inovação é persistentemente menor” apresentando um desenvolvimento de ferramentas líticas bastante inferior aos do homo sapiens[1]. Entre os neandertais, contudo, foi encontrado o domínio de uma técnica de preparação de uma supercola[2] feita de piche com base em evidências encontradas na Itália e Alemanha datados de 120 mil atrás. Os neandertais usavam piche para unir ossos ou pedras a um cabo de madeira para criar ferramentas ou armas. Paul Kozowyk, da Universidade de Leiden demonstrou que o piche usado era derivado da destilação seca de materiais orgânicos, casca ou madeira de pinho ou bétula: “Um pedaço bem enrolado de casca de bétula simplesmente deixado no fogo e removido quando parcialmente queimado, quando aberto, às vezes, contem pequenos traços de piche dentro do rolo ao longo da borda queimada”. Segundo o antropólogo da Universidade de Washington Erik Trinkaus: “O que esse estudo reforça é que todos os seres humanos que existiam há cerca de 50 mil a 150 mil anos atrás, mais ou menos, eram culturalmente semelhantes e igualmente capazes desses níveis de imaginação, invenção e tecnologia”.[3] Jean Jacques Rousseau contesta que possamos falar em inovação ou progresso na época pois o homem pré histórico “se por acaso fazia qualquer descoberta, era tanto menos capaz de a comunicar, quanto nem sequer reconhecia os próprios filhos. A arte perecia com seu inventor; não havia educação nem progresso; as gerações multiplicavam-se inutilmente e cada uma delas partia  sempre do mesmo ponto; os séculos desenrolavam-se com a rudeza das primeiras épocas, a espécie era já velha e o homem continuava sempre criança”.[4]

[1]NEVES, Walter. Assim caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.234

[2]NEVES, Walter. Assim caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.237

[3]http://gizmodo.uol.com.br/experimento-segredo-cola-neandertal/

[4]ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Lisboa: Presença, 1971, p.77



sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Nova Atlântida

 

A Royal Society teve como inspiração a Nova Atlântida de Francis Bacon que descreve a Casa de Salomão uma academia devotada à ciência em benefício da humanidade[1] cujo objetivo era o de acumular a sabedoria de todo o mundo especialmente nas ciências, artes, manufaturas e inventos[2], como revela seu historiador Thomas Sprat em 1667 ao elogiar Francis Bacon: “que tinha a verdadeira imaginação da extensão total desta empreitada, que agora está consolidada” . Sprat deixa claro que a proposta da Royal Society não é a de reunir iniciados: “No que concerne aos membros que devem constituir a Sociedade, é preciso notar que são livremente admitidos homens de religiões, países e profissões diferentes. Eles declaram abertamente não preparar a fundação de uma filosofia inglesa, escocesa, papista ou protestante, mas a fundação de uma filosofia do gênero humano”.[3] Para Paolo Rossi a revolução científica do século XVII traz uma ruptura com a sabedoria hermética na medida em que “o segredo, para a ciência e no âmbito da ciência, tornou-se um desvalor”.[4] Na Nova Atlântida de Francis Bacon os membros são advertidos a não usarem seu conhecimento para benefício próprio mantendo-os em segredo fazendo-se passar por magos ou seres dotados de poderes sagrados: “podeis facilmente crer que nós, que temos tantas coisas perfeitamente naturais que provocam admiração poderíamos, em muitos casos particulares, enganar os sentidos se quiséssemos ocultá-las e fazer com que parecessem mais milagrosas. Mas odiamos toda a impostura e mentira, sob pena de ignomínia e multa, todos os nossos discípulos de adornarem ou apresentarem qualquer coisa ou obra natural com qualquer espécie de exagero; mas pelo contrário, devem apresentá-las na sua pureza e sem qualquer ostentação de mistério”.[5]



[1]FANNING, Philip. Isaac Newton e a transmutação da alquimia, Santa Catarina:Danúbio, 2016, p. 80

[2]BACON, Francis. Novum Organum, Sâo Paulo: Abril, Os pensadores, 1973, p. 259

[3]ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 58

[4]ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 64

[5]BACON, Francis. Novum Organum, Os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.275



Compasso de Galileu

 

Entre as invenções de Galileu destacam-se um compasso geométrico militar [1] descrito em 1606 em Le operazioni del compasso geometrico e militare dedicado ao príncipe Cosimo de’ Medici (1590-1621)  em que mostra a operação do uso para cálculos matemáticos. O instrumento é composto de dois braços graduados com um eixo comum ao redor do qual permite girar as duas réguas. O instrumento foi aperfeiçoado por Edmund Gunter que em 1615 adicionou escalas logarítmicas. Devido ao interesse no instrumento um dos alunos de Galileu, Baltassar Capra, reivindicou a autoria. Galileu defendeu o instrumento como sua invenção em um tribunal público na Difesa contra le calunie et imposture de Baltassar Capra em que defende ser o verdadeiro inventor do instrumento[2]. Críticos alegaram que ele havia sido desenvolvido anteriormente pelo holandês Michel Coignet que o denominava compasso pantômetro.[3] Galileu Galilei teve contato com os compassos desenvolvidos tanto de Michel Coignet como Michel Mordente (1532-1599) e promoveu aperfeiçoamentos.[4]



[1]https://bibdig.museogalileo.it/Teca/Viewer?an=1012160

[2]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru: Edusc, 2001, p. 149

[3]https://brunelleschi.imss.fi.it/esplora/compasso/dswmedia/risorse/testi_completi_eng.pdf

[4]https://opac.museogalileo.it/imss/resource?uri=905165&v=l&dcnr=1



Controle do Mediterrâneo

 

O Reino de Aragão na Espanha, as cidades-estado italiana de Pisa e Génova, e o Império Bizantino no Oriente, travaram longas batalhas contra os muçulmanos pelo controle do mar Mediterrâneo. Os navios de Pisa e Gênova desmantelaram o poderio naval da marinha muçulmana nos séculos XI e XII na tomada de Palermo (1071), no saque de Mahadia (1088) e na expedição contra Maiorca (1113). Com o apoio de Gênova à primeira cruzada (1096) funcionando com base para o envio de reforços militares ao Oriente e abastecimento dos exércitos cristãos Gênova se transformou em uma das potências econômicas do mundo medieval. Uma frota da República de Gênova liderada por Guilherme Embriaco participou diretamente do assalto à Jerusalém na primeira cruzada.[1]



[1] VAINFAS, Ronaldo. História volume único, Rio de Janeiro: Saraiva, 2010, p. 58



Micrographia e Robert Hooke

 

Em 1665 foi publicado por Robert Hooke a obra Micrographia, com o apoio da Royal Society, com a descrição detalhada de cinquenta e sete observações, entre insetos e plantas ou os poros de uma lâmina de cortiça, realizadas com o microscópio fabricado pelo próprio Hooke. A obra foi recebida com entusiasmo por uma parte da comunidade científica europeia.[1] O membro do Parlamento Samuel Pepys se referiu a obra como Samuel Pepys "o mais genial livro que eu li em toda minha vida”. No entanto um crítico escreve sobre o livro de Robert Hooke: “Alguns o descrevem como um "festival de descobertas". O livro Micrographia do inglês Robert Hooke, publicado 5 anos atrás em Londres, está recebendo ótimas críticas nos círculos acadêmicos. Também poderia ser chamado de "festival de mistificação”, tanto seu conteúdo quanto as observações relatadas nele desafiam senso comum. Lembre-se de que este livro é o primeiro de seu tipo a ser inteiramente dedicado sob microscopia. Ele contém várias dezenas de placas gravadas que representam detalhes anatômicos de insetos, como a picada de uma abelha, o olho facetado  de uma mosca. Para suas observações, Hooke usou um desses novos instrumentos de ampliação chamados de "microscópio composto", que consiste em um tubo de cartão com várias lentes de vidro. O autor deste livro gostaria fazer-nos acreditar que o microscópio é uma mais-valia para a ciência. Mas dificilmente de uma invenção que não fornece dores de cabeça e imagens como borradas e pouco preciso. Não aprendemos com nossos pais, padres e pastores que a natureza deve ser observada a olho nu, sem intermediários, como Deus quis, sob pena de receber apenas uma visão truncada e distorcida? Mas existe pior. Ao exibir esses quadros de observação, Hooke sugere que os insetos não são menos perfeitos do que os animais superiores, como mamíferos e humanos. Vai contra a "escala da natureza" e contra a classificação dos seres vivos na Terra, estabelecida pelo grande Aristóteles”.[2]



[1]https://pt.wikipedia.org/wiki/Micrographia

[2]Les objets du délit démasqués = Dernières nouvelles du musée, mai/octobre 2007, numéro spécial : les objets du délit démasqués ! Fauche, Anne ; Fischer, Stéphane ; Musée d'histoire des sciences (Genève) Genève : Musée d'histoire des sciences, 2007 https://doc.rero.ch/record/306095?ln=en



quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Noctulábio

 

O noctulábio conhecido como “mostrador de estrelas” é um instrumento astronômico usado para o cálculo das horas pela observação das estrelas como por exemplo a Ursa Maior e a estrela Polar. As estrelas da constelação da Ursa Maior e as duas estrelas brilhando no final da Ursa Menor dão a impressão de fazer uma volta completa em 24 horas em torno de um ponto fixo: a Estrela Polar. O noctulábio consiste em dois discos sobrepostos e um braço móvel. O maior disco tem uma graduação em meses, enquanto o menor, móvel, graduado em horas. O objetivo é visualizar a Estrela do Norte por meio de um pequeno orifício no centro dos dois discos, então movemos o braço móvel até que esteja alinhado com as estrelas escolhidas. A parte inferior do braço ao mesmo tempo indica o tempo na escala de tempo. Como este instrumento indica a hora sideral deve-se levar em conta que a rotação sideral se faz em 23h56 minutos e não em 24 horas como a solar de modo que para compensar essa diferença o instrumento é provido de um disco suplementar que gira segundo a data de modo a obter automaticamente a correção  das leituras[1]. A hora sideral é calculada segundo a rotação das estrelas fixas. O instrumento é descrito pela primeira vez no livro A arte de navegar publicado em 1551 do espanhol Martin Cortes filho ilegítimo de Hernan Cortes com a índia Malinche que o auxiliava nas traduções. Inventado por Gemma Frisius por volta de 1530, o noctulábio fez parte do equipamento básico dos navegadores até o século XVII antes de ser abandonado em favor de cronômetros marinhos.[2]


[1] MOURÃO, Rogério. Dicionário de astronomia e aeronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.571

[2] http://institutions.ville-geneve.ch/fileadmin/user_upload/mhn/documents/Musee_histoire_des_sciences/aide_histoire_ciel.pdf




Cálculo da Longitude

 

O cálculo da longitude foi um grande desafio dos navegadores. Os europeus com o comercio restrito ao Mediterrâneo não tinham grande interesse pelo cálculo de latitude uma vez que a maior distância da costa meridional para a setentrional é de 800 km o que equivale a apenas sete graus de latitude. Essa necessidade, contudo, tornou-se premente com as conquistas de navegação do século XVI uma vez que a Africa estendia-se de 38 graus latitude norte a 38 de latitude sul.[1] Em 1553 o holandês Gemma Frisius (na foto) descreveu como um relógio de precisão poderia ser usado para determinar a longitude. Jean-Baptiste Morin (1583-1656) descreditava na praticidade do método em ato mar: "Eu não sei se o diabo conseguirá criar um medidor de longitudes mas é loucura para um homem tentar"[2]. O cálculo direto de longitude é baseado no fato de que a cada hora o sol se “move” pelo ceu em 1/24 avos de um círculo completo ou seja 15 graus. Se estivermos três horas atrasados em relação a Greenwich, isto significa 45 graus a oeste, no meio do Atlântico ao passo que se estivermos três horas adiantados estaremos a 45 graus a leste na mesma latitude de Greenwich em algum lugar próximos a Moscou.[3] A latitude era determinada desta forma observando-se a altura do sol ao meio dia com base em um cronômetro e fazendo-se a leitura correspondente de uma tabela impressa de latitude.[4] Uma outra possibilidade era usar como marco de referência a observação de um fenômeno celeste que pudesse ser determinado com precisão com antecedência, como eclipses lunares. O estabelecimento de dois observatórios, em Paris e em Greenwich tinha como objetivo possibilitar as observações celestes necessárias para o cálculo de longitude desta forma[5]. O Observatório de Greenwich teve como astrônomo real John Flamsteed que somente pode dispor de um instrumento satisfatório em 1689 para construção das primeiras tabelas lunares[6]. Newton foi um grande crítico dos atrasos na publicação destes dados. A precisão dos cálculos foi alcançada somente em 1767 após esforços de Flamsteed (1646-1720), Edmund Halley (1656-1742) e Nevil Maskelyne(1732-1811), no entanto, nessa época os avanços na relojoaria promovidos por Harrison já tornavam o método direto mais bem sucedido.[7]

[1]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.144

[2]https://pt.wikipedia.org/wiki/Gemma_Frisius

[3]MacGREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos, Rio de Janeiro:Intrínseca, 2013, p.654

[4]DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.297

[5]BRONOWSKI, J. A escalada do homen, São Paulo:Martins Fontes, 1979, p.241

[6]TATON, René. A ciência moderna: o século XVII, tomo II, v.2, São Paulo:Difusão, 1960, p.111

[7]RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Da Renascença à Revolução Científica. v.3, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.101



quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Francis Bacon as aranhas e as abelhas

 

Segundo Paolo Rossi com a Revolução Científica: “o saber mudou de função: não é nem contemplação nem tentativa de decifrar as estruturas íntimas do real. Francis Bacon concebe a ciência como venatio (caça), como caça, como tentativa de penetrar em território desconhecido com vistas a fundar o regnun hominis (reino do homem)”.[1] Para Paolo Rossi “Bacon aparece como um pensador que reage à tradição mágica e que, assim mesmo, tem para para com essa tradição uma profunda dívida”[2]. O próprio conceito de experimento é redefinido na ciência moderna sendo experimentos construídos artificialmente a fim de confirmar ou desmentir teorias de modo que ainda é pertinente se falar em revolução.[3] No Novo Organon (1620) Francis Bacon critica a formiga do empirismo que coleta dados de modo aleatório assim como critica aranha escolástica que constrói raciocínios elaborados mas estéreis, tal como a aranha que constrói uma teia a partir de si mesma, admiráveis pela sua leveza mas extremamente frágeis para uso, e defende o modelo de uma abelha que tanto coleta matéria prima do jardim (dados obtidos da natureza) quanto os digere (análogo ao processamento dos dados pela razão) [4]. Para Francis Bacon era preciso colocar o homem com os pés no chão e o libertar o de uma teologia que o torna “estéril como uma freira” submetendo a natureza á experiência: “não é de asas que o nosso espírito necessita, mas sim de solas de chumbo”[5]. No Novum Organum Francis Bacon conclui: “por isso muito se deve esperar da aliança estreita e sólida (ainda não levada a cabo) entre essas duas faculdades: a experimental e a racional”.[6]



[1] ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos, São Paulo, UNESP,1992, p.80

[2] ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.10

[3]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 17

[4]BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.23; ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.33, 156, 190

[5]DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.II, p.230

[6]BACON, Francis. Novum Organum, Os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.69



A inovação em Francis Bacon

 

 Para Francis Bacon: “um homem que se esforce para aumentar o poder e o domínio do gênero humano no mundo, tal ambição, se é que assim pode ser chamada, é de todas a mais saudável e a mais augusta”[1], ou seja, a ciência não como instrumento para se conquistar um poder pessoal ou de sua nação, mas para o progresso da humanidade. Para Francis Bacon: “a verdadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vida humana de novos inventos (novis inventis) e recursos [...] a introdução de notáveis descobertas ocupa de longe o mais alto posto entre as ações humanas. Esse foi também o juízo dos antigos. Os antigos com efeito tributavam honras divinas aos inventores, enquanto que concediam aos que se distinguiam em competimentos públicos, como os fundadores de cidades e impérios, os legisladores, os libertadores da pátria de males repetidos, os debeladores das tiranias, etc.  simplesmente honras de heróis. E em verdade, a quem estabelecer entre ambas as coisas um confronto concreto, parecerá justo o juízo daqueles tempos remotos. Pois de fato os benefícios dos inventos podem estender-se a todo o gênero humano e os benefícios civis alcança, apenas algumas comunidades e estes duram poucas idades enquanto que aqueles  podem durar para sempre”.[2] Referindo-se a imprensa, a pólvora e a bússola Francis Bacon refere-se a mudanças em todo o mundo que promoveram tais invenções, a primeira nas letras, a segunda na arte militar e a terceira na navegação.

[1]ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.128

[2]BACON, Francis. Novum Organum, Os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.55



terça-feira, 25 de agosto de 2020

Giambattista Vico

 

Para Giambattista Vico (1668-1744) em Principii di uma Nuova Scienza de 1725 a sociedade nunca retrocede, pois sempre ascende graças a Providencia Divina. Cada estágio do desenvolvimento da humanidade produziu a sua literatura característica. Os pensamentos da sociedade em uma época são moldados como produto de sua experiencia social de modo que nenhuma verdade tinha validade absoluta, sendo tão somente produto secundário de sua época, exceto o cristianismo[1]. Na Ciência Nova, Vico busca um entendimento científico da história aliado à visão metafísica da lei divina imutável, ao qual denominou a "história ideal eterna", que procurava criar um princípio universal de história para todos os povos em todos os tempos. Apesar de pouco difundida em sua época a obra tornou-se um clássico no século XIX especialmente com Jules Michelet e Karl Marx.



[1]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.552


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Mapas TO

 

No mapa TO (Orbis Terrarum) mostrado em Etimologias de Isidoro de Sevilha toda a terra era descrita como um prato circular dividido por uma corrente de água em forma de T. O Oriente ficava no topo de modo a “orientar o mapa”. Por cima do T ficava a Ásia (com os descendentes de Sem bíblico, um dos três filhos de Noé). Europa (com os descendentes de Jafer / Jafé) e África (com os descendentes de Cam) ficavam separados pela barra que representava o Mediterrâneo. A denominação de Mediterrâneo viria apenas com Solino e seria adotada por Isidoro de Sevilla em Etimologias. Até então era conhecido como mare internum ou mare nostrum[1] o “nosso mar” tal como denominado pelos romanos no auge de seu império. A Europa e África eram separados da Ásia pela barra horizontal que representava o Danúbio e o Nilo que supostamente seguiam uma linha contínua. O “mar Oceano” atual oceano Atlântico cercava todo o conjunto de terras conhecidas, ou ecúmena, todo o mundo habitado.  No centro do mapa ficava Jerusalém: “Esta é Jerusalém, coloquei-a no meio das nações (na versão da Vulgata: umbiculus terrae – umbigo do mundo) e dos países que estão à volta dela” (Ezequiel 5:5). Entre os judeus Ezequiel também se refere a Jerusalém como o centro da terra ou umbigo do mundo (Ez 38:12, Ez 5:5). Isaías anuncia que na renovação da Criação Jerusalém será designada por um nome novo (Is 62:2).  O Talmud é mais eloquente: “Como o umbigo está localizado no centro do homem assim Israel está no centro do mundo”.[2] Em 1095 quando da convocação da primeira cruzada, o monge Roberto narra os acontecimentos em torno da conquista de Jerusalém: “o umbigo do mundo, uma terra mais frutuosa do que qualquer outra, uma terra que é outro paraíso de delícias”.[3]

 [1]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.112

 [2]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.104

 [3]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.118


Navalha de Occam

 

Jacques le Goff aponta o que ele denomina de “esclerose da escolástica” entre as quais as doutrinas nominalistas de Guilherme/William de Ockam do século XIV em que o intelectual da idade média é substituído pelo humanista[1]. A Navalha de Occam / Ockham é um princípio lógico e epistemológico que afirma que a explicação para qualquer fenômeno deve assumir a menor quantidade de premissas possível: pluralidades não devem ser postas sem necessidade (em latim: pluralitas non est ponenda sine neccesitate),  em vão se faz com muitas coisas aquilo que pode ser feito com poucas (frustra fir per plura quod fieri potest per pauciora)[2] ou então “Nós não devemos multiplicar as entidades a não ser que exista necessidade” (Entia non sunt praeter necessitatem multiplicanda) o que leva a uma simplificação de toda a teoria do conhecimento imposta pela elaborações doutrinárias da escolástica[3]. Newton reconhecia o critério de Occam quando escreve que “não se deve admitir causas mais numerosas para as coisas naturais do que aquelas que são verdadeiras e suficientes para explicar os fenômenos”[4].  Segundo Hilário Franco com Ockam o racionalismo era excluído dos assuntos da fé uma vez que a omnipotência de Deus escapa à razão humana[5]. Para José Silveira da Costa, Guilherme de Ockham aprofundou a dissolução da escolástica iniciada por Duns Scotus.[6] Para Jacques Verger os críticos de Ockam e seus herdeiros nominalistas irão enfraquecer as poderosas sínteses da escolástica “livrando o pensamento científico do entrave teológico” [7], no entanto entende que o papel libertador deste intelectual ainda se encontra bastante limitado pelos preconceitos corporativistas ou por sua ambição aristocrática “o que fortalece a ordem estabelecida, atenua o espírito crítico  reconduz o intelectual à posição de intelectual orgânico que manipula um saber já constituído com a simples finalidade de controle social” [8]. Segundo o medievalista russo Aaron Gurevitch: “o homem da Idade Média era inclinado a confundir o plano espiritual e o plano físico e a explicar o ideal nos mesmos termos que o material. Ele não concebia a abstração enquanto tal, quer dizer, fora de sua encarnação concreta visível”.[9] Os nominalistas negavam a existência das coisas universais reconhecendo apenas as coisas individuais. Para Petrus Aureolus: “Tudo é singular por si próprio, e não por qualquer outra coisa” (omnis res est se ipsa singularis et per nihil aliud).[10]

[1]NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.301

[2]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 393

[3]COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.146

[4]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 392

[5]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.122

[6]COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.140

[7]VERGER, Jacques. Universidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 653

[8]VERGER, Jacques. Universidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 655

[9]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.146


 [10]PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo:Martins Fontes, 2001, p.9, 12


domingo, 23 de agosto de 2020

Rinoceronte de Duhrer

 

Uma xilogravura de 1515 de Albert Dürer mostra o rinoceronte que o rei de Portugal Manuel I ofereceu ao papa Leão X (presente que o rei português havia recebido do rei de Cambaia no sudoeste da Índia)[1], e que morreu ao ter o barco naufragado. Tratava-se do primeiro exemplar vivo da espécie na Europa desde os tempos do império romano.[2] Conrad Gesner na sua obra Historia animalium de 4500 páginas publicada em Zurique em 1516 faz uma listagem dos nomes latinos de cada animal e inclui a figura do rinoceronte de Duhrer.[3]



[1] COSTA, Sergio Correa da. Brasil, segredo de Estado, São Paulo:Record, 2001, p. 147

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Rinoceronte_de_D%C3%BCrer

[3] ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 348


Antony van Leeuwenhoek

 

O comerciante de tecidos Antony van Leeuwenhoek observou em seu microscópio em 1668 pela primeira vez as células vermelhas do sangue e organismos unicelulares.[1] Em 1680 publicou Arcana Naturae ope Exatissimorum Microscopiorum de Tecta.[2] Sua técnica de polimento das lentes dos instrumentos foi mantida em sigilo de tal forma que as bactérias somente puderam ser observadas novamente somente após 1830 com a invenção do microscópio acromático composto.[3] Um de seus inventos era a montagem em uma única lente numa estrutura dotada de braçadeira e um parafuso regulável de modo que permitisse afastar e aproximar o objeto de estudo.[4] No museu da Universidade de Utrecht existem microscópios fabricados por Leeuwenhoek de uma só lente de cristal capaz de ampliar 270 vezes capaz de observar detalhes de 1,5 milésimos de milímetro.[5] Leeuwenhoek e viveu toda sua vida em Delft na Holanda, tornou-se famoso tendo recebido a visita do czar Pedro o Grande. Sem saber latim Leeuwenhoek não tinha condições de escrever um artigo científico. Uma de suas cartas escritas à Royal Society detalhando seus experimentos foi publicada na Philosophical Transactions.[6] Lucien Febvre em Le problème de LÍncroyance au XVIe Siécle de 1946 afirma: “Não se olha enquanto não se sabe se há alguma coisa a ver, e, sobretudo se sabemos ou acreditamos que não há nada a ver. A inovação de Anton van Leeuwenhoek, o inventor do microscópio, consistiu principalmente em sua decisão de olhar”.



[1]MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 208

[2]BARRETO, Elias. Enciclopedia das grandes invenções e descobertas, São Paulo: Cascono Editores, 1971, p. 184

[3]Uma breve história das descobertas: da antiguidade ao século XX, São Paulo:Escala, 2012, p. 48

[4]ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 151

[5]RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Da Renascença à Revolução Científica. v.3, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.146

[6]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 311


Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...