domingo, 31 de outubro de 2021

Os jesuítas e os saberes indígenas

 

Enrique Baran destaca que os jesuítas lançaram as bases dos conhecimentos científicos em geografia, etnologia e ciências naturais de modo que sua expulsão das colônias espanholas retardaram significativamente o desenvolvimento das ciências nas Américas. O médico argentino Pedro Arata (1849-1922), o naturalista e botânico suíço Moisés Bertoni (1857-1929) e os padres jesuítas Carlos Leonhardt e Guillermo Furlong (1889-1974) destacam a contribuição da Companhia de Jesus para o conhecimento médico nas Américas.[1] Pedro Arata destaca o papel do padre jesuíta Bernabé Cobo (1582-1657) em medicina. Moisés Bertoni em A medicina guarani em que descreve os avanços da medicina dos guaranis e do acerto dos jesuítas terem adotado tais conhecimentos ao invés dos conhecimentos então em vigor na Europa, tendo exercido um importante papel na transmissão de tais conhecimento principalmente por meios dos padres jesuítas Segismund Asperger e Pedro Montenegro. O jesuíta Leonhardt teve um papel importante nesse mesmo diante da norma expedida pelo papa Gregório XIII em 1575 que deixava claro que os missionários não deveriam ser dedicar a tais atividades de medicina salvo excepcionalmente “quando exigia a caridade ou a necessidade”. O jesuíta Guillermo Furlong (1889-1974) se dedicou-se a evidenciar a influência dos jesuítas no desenvolvimento das ciência da América Platina. Segundo Eliane Fleck: “Como se pode constatar, as posições assumidas por Arata, Bertoni, Leonhardt e Furlong na última década do século XIX e na primeira década do século XX anteciparam as mais recentes reflexões tanto sobre as inovações introduzidas pela ordem jesuíta no campo da ciência moderna desde o século XVII quanto sobre a contribuição que os indígenas, em especial os saberes que possuíam sobre a farmacopeia americana, aportaram para o conhecimento médico, farmacêutico e botânico que os missionários da Companhia de Jesus fizeram circular nos continentes em que atuaram”[2]


[1] FLECK, Eliane. A abordagem historiográfica dos séculos XIX e XX sobre a atuação de médicos e boticários jesuítas na América platina no século XVIII, Hist. cienc. saude-Manguinhos 21 (2) apr-jun 2014 https://doi.org/10.1590/S0104-59702014000200011

[2] FLECK, Eliane. O legado da Companhia de Jesus para aimplantação de uma cultura científica na América Platina. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.58



sábado, 30 de outubro de 2021

Transferência de tecnologia em mineração pelos escravos da costa da Mina

Na mineração as técnicas usadas eram rudimentares. Shozo Motoyama aponta que ainda que intelectuais como Domingos Vandelli conhecessem a obra De Re Metalica de Agrícola publicada em 1556 seu efeito era mínimo no desenvolvimento das técnicas diante do empirismo que predominava[1]. Em memória apresentada à Academia de Ciências de Lisboa em 1792 Vandelli afirma “a lavagem das terras ou areias  no Brasil se faz com o método já escrito por Agrícola, por Ulloa em suas viagens”.  Em Pluto Brasiliensis publicado em Berlin em 1833 Eschwege comenta a superficialidade das pesquisas em mineração no Brasil colônia: “falta-lhe, em compensação, paciência para realizar serviços que não produzem ouro logo nos primeiros oito dias”.[2] Eschwege salienta que a mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos africanos.[3] Em Pluto Brasiliensis publicado em Berlin em 1833 Eschwege comenta a superficialidade das pesquisas em mineração no Brasil colônia: “falta-lhe, em compensação, paciência para realizar serviços que não produzem ouro logo nos primeiros oito dias”.[4] Em Pluto Brasiliensis, Eschwege observa que as primeiras descobertas de ouro foram feitas mais nos córregos do que nos rios e usavam técnica primitivas, por meio de pequenas vasilhas de estanho, catando com os dedos os grãos visivelmente maiores. O trabalho é bastante extenuante pois enquanto os membros superiores ficam expostos ao sol por horas, a parte inferior fica exposta ao frio das águas. Mawe no século XIX relata que os negros trabalhavam na mineração curvados[5] geralmente com um colete um par de ceroulas e não despidos como alguns viajantes relataram.[6] O processo contudo era bastante ineficiente, pois o ouro mais fino, agregado a finas partículas de argila, tendia a ser eliminado.[7] Foi somente com a chegada dos escravos africanos que os mineiros aperfeiçoaram os processos de extração, com a introdução de bateias de madeira, redondas e rasas que permitiam a separação rápida do ouro, bem como das chamadas “canoas” feita de couro peludo de boi ou flanela, cuja função é reter o ouro, que se filtra depois de selecionado pelo processo das bateias.[8] Por este segundo processo as encostas das montanhas eram lavadas junto aos ribeirões auríferos e esse desmonte passado por cochos (uma espécie de calha) inclinada, forrada por peles de animais com os pelos voltados para a corrente d’água que conseguia reter a maior parte do ouro em pó. Ao cascalho e argila cabia ainda a aplicação do processo de bateia usual.[9] Outro processo é o "bolinete", cujo método de trabalho é o mesmo da "canoa", sendo este aperfeiçoado com grossas tábuas e aproveitadas as quedas d'água para lavagem.[10] A absorção de técnicas trazidas pelo escravo, encontrava um espaço para se integrar ao sistema de produção ainda que marcadamente opressor como o escravista, a ponto de podermos identificar uma transferência de tecnologia. Segundo Russell Wood: “nesses aspectos a atividade da extração do ouro permitia aos escravos oportunidades incomuns. Além disso, por sua própria natureza, a mineração podia gerar um escravo bem disposto, diligente e ambicioso com uma série de habilidades básicas que, depois da manumissão, podia transferir para o mercado aberto e competitivo. O liberto de ascendência africana não podia deixar de ser o beneficiário dessas condições e oportunidades caso o desejasse, mas a opção era única e exclusivamente sua”. Russel Wood destaca outros exemplos de transferência de tecnologia como os trabalhos de Judith Carney que mostra o papel de escravos de Cacheu e Bissau na transferência de conhecimentos do cultivo de arroz ainda que o Maranhão em 1772 tenha oficialmente proibido o cultivo de arroz vermelho em favor do arroz branco vindo da Carolina.[11] Segundo Russel Wood: “A transferência de tecnologia é outro caso de fronteiras culturais no Brasil colonial. Duas dessas áreas eram o processamento do açúcar e a extração de ouro. As pessoas de ascendência africana não tinham qualquer conhecimento anterior do processamento da cana de açúcar […] Em contraste na extração do ouro eram os africanos que detinham os conhecimentos tecnológicos […] os escravos africanos eram os detentores de conhecimento tecnológico muito apreciado, o que era uma benção mas também uma desgraça (como se demonstra por suas qualidades provadas na adulteração do ouro, misturando o pó com enchimentos de prata, cobre e ferro)”.[12]



[1] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 104

[2] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 155

[3] FRYRE, Gilberto. Casa grande e senzala, São Paulo:Global Editora, 2006, p.390; SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia, São Paulo:Cia das Letras, 2015, p.66; SIMONSEN, Roberto. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. Brasiliana, n.349, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1973, p.42; BARSA PLANETA, História do Brasil: primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonização, 2009, v.1, p. 274; JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:Brasiliense, 1986, p.220; ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. São Paulo: PubliFolha, 2000, p. 227

[4] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 155

[5] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.168

[6] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 234

[7] KATINSKY, Julio Roberto. Notas sobre a mineração no Brasil colonial. In: VARGAS, Milton. História da técnica e da tecnologia no Brasil, São Paulo: Unesp, 1994, p.97

[8] ESCHWEGE, W. Pluto Brasiliensis, Brasiliana n.257, v. I, São Paulo: Cia Editora Nacional, p.306; RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.101

[9] KATINSKY, Julio Roberto. Notas sobre a mineração no Brasil colonial. In: VARGAS, Milton. História da técnica e da tecnologia no Brasil, São Paulo: Unesp, 1994, p.97

[10] Faiscadores / José Veríssimo da Costa Pereira in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970 http://www.terrabrasileira.com.br/folclore3/m41faiscad.html

[11] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.335

[12] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 296



As negras de tabuleiro

 

Em meio ao local de mineração era comum a presença de negras de tabuleiro para venda ambulante de doces e comida, ainda que Russel Wood aponte que algumas pudessem estar relacionadas a prática de prostituição ou ocultação de pepitas de ouro e diamantes encontradas na lavra pelos faiscadores: “As mulheres escravas também tinham uma liberdade considerável, sob o pretexto de especular por ouro. Mestres inescrupulosos enviavam escravas para garimpar ouro, mas não lhes davam nem mesmo uma picareta. No final da semana, o mestre exigia suas receitas, totalmente ciente que estas foram ganhos pela prostituição, em vez de garimpar. Uma variante era o acordo legal entre o mestre e uma escrava que ela seria coartada, ou seja, que ela era obrigada a pagar dentro de um tempo especificado, uma quantidade de ouro mutuamente acordada por ambos partes, ou continuar em cativeiro. Essas escravas perambulavam pelas áreas de mineração, retirando ouro em pó de todas as fontes possíveis”.[1] Muitas negras do tabuleiro eram alforriadas com vendinhas próximas nas zonas de mineração. Em 1753 as Posturas das Câmara de Vila Bela se queixavam das negras que traziam vendas pelas lavras.[2] Russel Wood observa que embora o escravo coartado gozasse de maior mobilidade e não estarem submetidos à supervisão rígida, sua condição não pode ser igualada à liberdade condicional pois ainda eram considerados escravos.[3] Entre 1758 e 1799 em Vila Rica cerca de 48% das alforrias pagas foram por coartação, o que mostra segundo Donald Ramos que em Vila Rica a coartação tornou-se “o meio mais importante de obter a liberdade”.[4] Para o exercício legal como vendedores ambulantes elas tinham de ter uma licença da Câmara Municipal, medida via de regra ignorada.[5] Júnia Furtado mostra que em Serro Frio em 1736 sessenta vendas do pequeno comércio de comestíveis e bebidas eram propriedade de mulheres, a maioria pretas forras ou escravas, o que representa 80% das vendas desse comércio na Comarca. As Devassas Eclesiásticas  aponta mulheres de comércio de tabuleiro junto dos serviços minerais entre as queixas. Tais negras de tabuleiro foram alvo de perseguições acuadas de facilitar extravios e de se envolver em prostituição e desordens.[6]



[1] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.66; RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. Technology and society: The impact of gold mining on the institution of slavery in Portuguese America. The Journal of Economic History. Cambridge, v. 37, n. 1, mar. 1977, p. 60

[2] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.319

[3] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.294

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.304, 309

[5] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.91

[6] FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio, São Paulo: Hucitec, 2006, p. 237, 270



Os escravos e a "brecha camponesa"

 

Em 1789 no engenho Santana na Bahia de 300 escravos, o escravo Gregório Luís liderou, sem sucesso, uma revolta de escravos. Eles exigiam entre outras condições a possibilidade dos escravos o direito de revender no mercado o que conseguissem produzir em hortas a serem cedidas pelo senhor de engenho Manoel da Silva Ferreira.[1] Ciro Flamarion identifica este proto campesinato negro que cria oportunidades a que se chama de “brecha camponesa”. Nos trabalhos “A brecha camponesa no sistema escravista” (1979), “As concepções acerca do “sistema econômico mundial” e do “antigo sistema colonial”: a preocupação obsessiva com a “extração de excedente” (1980) e “Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas” (1987), Ciro Cardoso procurou enfatizar os elementos econômicos de ordem interna em especial o papel, ainda que secundário, da economia autônoma dos escravos, que se destaca em relação ao plantation voltado à exportação de produtos coloniais, em uma crítica a perspectiva de autores como Fernando Novaes que se limitam a descrever a economia colonial como um apêndice da economia europeia. Ciro Flamarion ao contrário do que afirma Jacob Gorender, destaca que era comum os senhores de engenho concederem aos escravos pequenos lotes de terras juntamente com o tempo disponível para cultivá-los, sendo raro o envio de feitores para essas roças no sentido de vigiar os cativos. Segundo Ciro Flamarion (figura): “Por “brecha” não entendemos de forma alguma, um elemento que pusesse em perigo, mudasse drasticamente ou diminuísse o sistema escravista. (...) O que queremos significar (...) é uma brecha para o escravo, como se diria hoje “um espaço”, situado sem dúvida dentro do sistema, mas abrindo possibilidades inéditas para atividades autônomas dos cativos”.[2] Jacob Gorender, por sua vez, Gorender nega a existência de uma “brecha camponesa”, pois a considera parte integrante do que chama de “modo de produção escravista colonial”. Robert Slenes entende que “não é mais nem brecha nem, a rigor camponesa”, aproximando-se mais do que os historiadores norte-americanos chamam de “economia interna dos escravos”, isto é, “um termo que abrange todas as atividades desenvolvidas pelos cativos para aumentarem seus recursos, desde o cultivo de roças à caça e, inclusive, ao furto”.[3] Russel Wood destaca que os escravos rurais por lei tinham garantida um dia da semana para trabalhar em suas roças , no entanto, na prática normalmente esse direito era negado pelos seus proprietários que ocupassem esse tempo vago para cortar lenha, consertar redes de pesca ou limpar o mato.[4]  Barickman em estudo sobre os engenhos de açúcar no Recôncavo baiano entre 1780-1860 mostra que embora fosse comum os proprietários permitirem aos escravos cultivar suas próprias roças sua produção não atendia às necessidade de sobrevivência sendo muito pequeno o excedente.[5]

[1] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.276

[2] GARCIA, Simone Pereira. Ciro Flamarion Cardoso e a questão da brecha camponesa. Revista Tempo Amazônico | V. 1 | N. 1| janeiro-junho de 2013 | p. 5-16

[3] SLENES, Robert. Na Senzala, uma Flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 199

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.66, 175

[5] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.310



Os aspectos econômicos na expulsão dos jesuítas em 1759

 

Dauril Alden em “The making of an enterprise: the Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond, 1540-1750” conclui que a expulsão dos jesuítas teve como importante fundamento os aspectos econômicos diante do patrimônio e riqueza acumulados pelos inacianos, embora este não tenha sido o único fator.[1] Segundo Fabrício Santos, ao lado da disputa em torno do controle da população indígena, a questão das propriedades jesuítas e a arrecadação de dízimos gerava rivalidades em especial na capitania de São Paulo, Grão-Pará e Maranhão, opondo a Companhia a colonos e às outras ordens religiosas. Mesmo antes da decisão de expulsão em 1759 a carta régia de 8 de maio de 1758 determinava o confisco dos bens  pertencentes aos jesuítas que fossem possuídos sem especial licença régia, contra as Ordenações do Reino livro 2º título 18: "Que nenhuma igreja, ou mosteiro de qualquer ordem ou religião que seja, possa possuir alguns bens de raiz, que comprarem ou lhe forem deixados, mais que um ano e dia, antes os venderão", dispositivo que até então vinha sendo ignorado. Segundo o inventário o Colégio da Bahia possuía imóveis no valor total de 190 milhões de réis, e seus rendimentos somavam 11 milhões de réis. Na Bahia a Companhia de Jesus possuía um total de cinco engenhos: Sergipe do Conde em Santo Amaro, Petinga e Sant'Ana em Ilheus, pertencentes ao colégio de Santo Antão de Lisboa; Pitanga e Cotegipe, pertencentes ao colégio da Bahia. Os engenhos de Sergipe do Conde e Sant’Ana foram obtidos como resultado longa disputa judicial em torno do testamento de Mem de Sá. Sob a administração dos jesuítas, o engenho Sergipe do Conde tornou-se “um dos mais afamados que há no Recôncavo à beira mar da Bahia” segundo testemunho de Antonil em 1711.[2] Dados de 1743 mostram que na fazenda Santa Cruz haviam 750 escravos, na fazenda Campos de Goitacases 500, no Engenho São Cristóvão 250, e na Fazenda Papucaia 225. Somados os engenhos sob controle dos jesuítas em 1743 mantinham um  total de 4863 escravos em grande parte formada por reprodução interna e acentuada mestiçagem, dessa maneira não precisavam recorrer ao mercado atlântico de escravos.[3] Todos os engenhos foram vendidos pois a Coroa não tinha intenção em mantê-los sob sua propriedade. Segundo Calmon, a venda em leilão dos bens dos jesuítas da Bahia e Sergipe teria rendido 548 milhões de réis. Segundo Fabrício Santos: “O impacto econômico da expulsão e do confisco do patrimônio jesuítico foi, sem dúvida, significativo para os cofres reais, mas uma parte dos bens possuía valor muito mais cultural ou religioso do que propriamente econômico. Este é o caso, por exemplo, das relíquias do padre Anchieta, remetidas a Lisboa no mesmo navio que conduziu os jesuítas para o exílio”. Paulo de Assunção em Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos mostra que o “complexo sistema produtivo” mantido pelos jesuítas contribuiu para o desenvolvimento de conhecimentos e técnicas bem como para geração de riqueza e desta forma manutenção do próprio império português.



[1] AMANTINO, Márcia. Os bens da Companhia: meios para a missão. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.201; SANTOS, Fabricio. A expulsão dos jesuítas da Bahia: aspectos econômicos, Rev. Bras. Hist. 28 (55) Jun 2008 https://doi.org/10.1590/S0102-01882008000100009

[2] MENEZES, Sezinando. A administração e a posse de bens materiais pela Companhia de Jesus. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.217

[3] AMANTINO, Márcia. Os bens da Companhia: meios para a missão. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.209



sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Uma nova historiografia sobre a escravidão


Maria Helena Toledo Machado destaca as formas de resistência dos escravos à escravidão não se limitava ao enfrentamento direto. Para Laurentino Gomes: “sob essa nova interpretação, os escravos aparecem como agentes de seu próprio destino, negociando espaços dentro da sociedade escravista, organizando irmandades religiosas, formando um sistema complexo de apadrinhamento, parentesco e alianças muitas vezes incluíam participar de milícias ou bandos armados para defender os interesses do senhor contra os de um vizinho ou fazendeiro rival”.[1] Segundo Russell Wood: “as irmandades davam aos negros, escravos e livres, uma base para a criação de uma rede organizacional de domínio e subordinação dentro da comunidade negra. Os líderes de fato e os potenciais poderiam ser reconhecidos pelos negros, mas em termos que, devido ao contexto religioso, eram aceitáveis para os colonos brancos”[2]. Para Katia Mattoso ao se referir aos historiadores que privilegiam as revoltas escravas que se tornaram frequentes a partir de 1880: “esses historiadores, que valorizavam o lado violento das relações sociais, empobreceram com frequência a compreensão da sociedade. Prender-se unicamente às tensões sociais, mesmo quando elas são reais e fundamentais para a compreensão do processo histórico, é um ponto de vista redutor”. Da mesma forma Katia Mattoso critica as abordagens marxistas como as de Jacob Gorender em Escravismo colonial, livro considerado um clássico pela comunidade acadêmica, que reduzem as relações sociais a simples relações de produção econômica numa dicotomia entre senhores e escravos, dominantes e dominados.[3] Luiz Palermo[4] aponta uma mudança de perspectiva na historiografia sobre escravidão que se configura na década de 1980 com o livro A paz nas senzalas de Manolo Florentino e José Roberto Goes[5] e o livro “Na senzala uma flor” de Robert Slenes (figura)[6] que mostra que as fazendas agroexportadoras não devem ser entendidas dentro de uma lógica econômica apenas, tampouco em uma realidade monoliticamente presidida pela vontade coercitiva do senhor de engenho, ou seja havia uma lógica de negociação e não apenas de coerção. Segundo Silvia Hunold “De certo modo o discurso que enfatiza a violência acaba por igualar-se ao que insiste na tecla da coisificação do escravo. Ao conceberem a resistência escrava apenas quando ela rompe a relação de dominação, quando os escravos deixam de ser cativos, acabam também por negar-lhes, enquanto cativos, sua condição de agentes históricos”.[7] Para John Thornton “No Brasil como em outras partes, os escravos negociaram mais do que lutaram abertamente sobre o sistema”.[8] Para Aldinízia Souza: “Como a bibliografia mais recente, em especial a de José Reis e Flavio Gomes [Liberdade Por Um Fio: história dos quilombos no Brasil] tem apontado isso consistia num jogo de lutas, interesses, acomodações e resistências de ambos os lados”.[9] Laurentino Gomes expõe a primeira visão idílica de Gilberto Freyre e contrapõe com: “A segunda visão anacrônica, nascida das ideias e lutas marxistas do século xx, é a do negro em permanente estado de rebelião, constantemente planejando ações para se livrar do cativeiro. Essa imagem idílica do escravo não corrompido pela opressão dos brancos, que jamais se curvou ao sistema escravista, que se rebelou sempre que pôde e lutou pela liberdade na forma de quilombos ou enfrentamentos armados contra seus opressores, predominou até recentemente em muitos estudos. Pesquisas realizadas nos últimos anos têm ampliado o foco para incluir outros aspectos da  resistência negra, menos dramáticos do que as fugas e rebeliões, mas igualmente importantes”.[10]


[1] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 23

[2] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.269

[3] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.19

[4] PALERMO, Luís Cláudio. UMA ANÁLISE SOBRE ASPECTOS DA HISTORIOGRAFIA DA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA PÓS-1980: permanências, mudanças e matizes no interior dessa tendência. https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/237678/34228

[5] FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. A paz das senzalas – Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro c.1790 – c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997

[6] SLENES, R. W. Na senzala, uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava (Brasil Sudeste, Século XIX). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999

[7] LARA, Silvia Hunold. Campos da violência, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988

[8] THORNTON, John. A África e Os Africanos Na Formação, Rio de Janeiro: Campus, p.364

[9] SOUZA, Aldinízia de Medeiros. Escravidão e liberdade entre espaços e negociações. Anais do IV Encontro Internacional de História Colonial. A escravidão moderna no Atlântico sul português / Rafael Chambouleyron & Karl-Heinz Arenz (orgs.). Belém: Editora Açaí, volume 16, 2014.

[10] Gomes, Laurentino. Escravidão – Volume II: Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil (p. 22). Globo Livros. Edição do Kindle



A Ratio Studiorum do ensino jesuítico

 

Segundo o padre Leonel Franca sobre o ensino dos jesuítas o ideal pedagógico era formar alunos para o pleno domínio das artes liberais (humanidades) por meio da língua latina: “O alvo a que mira a formação do Ratio Studiorum – nisto em concordância incontestada com o ideal do século XVI – é a eloquência latina: ad perfectam informat eloquentiam. Levar o aluno a exprimir-se de maneira irrepreensível na linguagem de Cícero é o termo a que se subordinam todas as séries sabiamente graduadas do currículo. A gramática visa à expressão clara e correta; as humanidades, a expressão bela e elegante; a retórica, a expressão enérgica e convincente”.[1] O português Antonio Saraiva, contudo, aponta que a pedagogia português o ensino de retórica é considerado tardio quando comparado a outras universidades europeias. No período pré universitário por exemplo tal como descrita pro Manuel da Esperança do mosteiro de Alcobaça não menciona qualquer obra de retórica, ou qualquer obra de Cícero, Vergílio, Ovídio, Lucano e outros. Mesmo na Universidade de Lisboa não existiu durante a idade Média uma cadeira de retórica, predominando os estudos de gramática.[2] A organização dos estudos ministrados pelos professores dos colégios jesuítas era regulado pelo documento  promulgado pelo Superior Geral Cláudio Acquaviva em 1599 Ratio et Institutio Studiorum Societatis Jesu, Método e programa de estudos da Companhia de Jesus, de caráter humanista e que tinha paralelos em diversas outras propostas pedagógicas como as da Ratio Studii de Erasmo, o De tradendids disciplinis de Luis Vives ou os trabalhos de ensino humanístico de Melanchton, adepto de Lutero.[3] Charmot observa que nos colégios jesuítas, segundo a Ratio studiorum, se fala em “cultura integral” não no sentido de ensino as matéria e de toda a ciência mas em um ensino literário e científico que não fosse puramente profano: “o ensino das ciências profanas era orientado pelo princípio de que o religioso as ministra não por elas mesmas, mas somente em vista de promover a maior glória de Deus”.[4] Segundo Amarílio Ferreira: “o complexo jesuítico difundia a cultura latina cristã, sua principal função, mas ao mesmo tempo ensinava ofícios e produzia mercadorias, imbricando trabalho intelectual com trabalho manual. A existência dessa relação permite considerar os colégios como unidades que estavam estruturadas nas regras do Ratio studiorum e também nas oficinas anexas de instrução de artes mecânicas”.[5]



[1] FERREIRA, Amarílio; BITTAR, Marisa. Artes liberais e ofícios mecânicos nos colégios jesuíticos do Brasil colonial. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 51 set.-dez. 2012, p.693-751 http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v17n51/12.pdf

[2] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.200

[3] DOWELL, João Augusto. O bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014). In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.17

[4] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 356

[5] FERREIRA, Amarílio; BITTAR, Marisa. Artes liberais e ofícios mecânicos nos colégios jesuíticos do Brasil colonial. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 51 set.-dez. 2012, p.693-751 http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v17n51/12.pdf



quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A expulsão dos jesuítas e a campanha antijesuítica de Pombal

 

Ao combater o poder religioso dos jesuítas e do Santo Ofício, a tirania absolutista de marquês de Pombal se constitui um “instrumento de liberdade” nas palavras de Oliveira Martins.[1] Gabriel Malagrida foi entregue ao tribunal do Santo Ofício de Lisboa acusado de heresia e posteriormente condenado ao garrote e fogueira em 1761, no Rossio, a praça principal de Lisboa. Para José Eduardo Franco, a morte de Malagrida resultado da perseguição aos jesuítas imposta por Pombal representou foi um ato o qual “simbolizando a fogueira que o queimou a destruição de toda a Companhia de Jesus” [2]. Em 1777, após a queda de Pombal o padre Pedro Homem denunciou que o livro sobre Santa Anna onde supostamente o padre Malagrida teria feito profecias contra a Igreja identificando-a como o anti Cristo, que fundamentou o processo de heresia, na verdade foi uma construção arquietada por Pombal: “Quanto á obra sobre o Anti-christo—acrescentou o padre Homem, não foi auctor d'ella Malagrida ; mas sim o infame padre Platel, o ex-capuchinho Norbert, estipendiado por Pombal para calumniar os seus adversários. Este miserável recebia pelo seu infame mister uma pensão de 1:300$000 rs.” [3].  Entre a sentença dos Távoras incriminando judicialmente os jesuítas e 1773 quando a Companhia foi extinta pro Roma, houve uma campanha antijesuítica capitaneada pelo marquês de Pombal. Numa das imagens da época Pombal aparece como o herói iluminado a vencer o monstro da Ordem dos Jesuítas, representado por uma Hidra de Lerna que Hércules exterminou em um de seus doze trabalhos, demonstrando o pioneirismo português no extermínio do mal jesuítico. Muituos dos livros antijesuítas eram impressos em Roma com falsas indicações de terem sido impressos em Paris, Lisboa, Genova, Veneza, Nápoles para inflar a rede de oposição aos jesuítas. Miguel Sotto Mayor sugere que esta campanha envolveu a negociação da ilha de Santa Catarina aos espanhóis ocupada por tropas do general Ceballos entre 1762 e 1777. Pombal teria proposto a invasão dos Estados Pontíficios para forçar o papa a decretasse o fim da ordem dos jesuítas.[4] Pedro Ceballos foi governador da Província de Buenos Aires de 1757 a 1766, e com a criação do Vice-Reinado do Rio da Prata, em 1776, foi nomeado seu primeiro vice-rei. Na França a ordem dos jesuítas  seria extinta em 1764, na Espanha, Nápoles e Sicília em 1768.[5] O papa Clemente XIV tendo cedido as pressões e "em nome da paz da Igreja e para evitar uma secessão na Europa" suprimiu a Sociedade de Jesus pelo breve Dominus ac Redentor de 21 de julho de 1773, ano em foi decretada a abolição da escravatura em Portugal. Para José Franco o ato representou uma vitória do pensamento iluminista contra a Igreja redefinindo as relações entre Igreja e Estado no caminho da secularização da sociedade. Wilson Martins observa que o fato de uma das principais aplicações da triaga brasílica fabricada pelos jesuítas era como antídoto a envenenamentos, alimentava no imaginário popular as suspeitas contra os jesuítas de terem envenenado o papa Clemente XIV, poucos meses depois, em 1774. O marquês de Pombal ao saber da morte do papa acusa os jesuítas “que o teriam envenenado com a sua mítica e indetectável acqua toffana para vingar esta medida papel [a extinção da Ordem dos jesuítas]”. [6]

[1]MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa:Versial, 2010, p. 375, Edições Kindle

[2] FRANCO, José Eduardo. O triunfo internacional do antijesuitismo pombalino. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.99

[3] MURY, Paulo. Historia de Gabriel Malagrida. Lisboa, 1825 p.174

[4] FRANCO, José Eduardo. O triunfo internacional do antijesuitismo pombalino. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.121; Flores, Maria Bernadete Ramos. Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004

[5] PAICE, Edward. A ira de Deus, São Paulo:Record, 2010, p.238

[6] FRANCO, José Eduardo. O triunfo internacional do antijesuitismo pombalino. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.128




quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O abolicionismo de Andre Rebouças

 

Ao discursar na Escola Politécnica no dia da assinatura da lei Áurea André Rebouças: “Foi a Escola Politécnica quem doutrinou a abolição. O futuro pertence aos filhos desta Escola. A Escravidão durou três séculos. A triangulação do Brasil vai durar também três séculos, a divisão de terra, as estradas, os canais, os caminhos de ferro, os rios navegáveis, os portos do mar serão feitos por vós. Aos engenheiros todo o trabalho da constituição da democracia rural brasileira. Viva a Escola Politécnica”.[1] Angela Alonso mostra que André Rebouças se envolveu mais diretamente com o movimento abolicionista após sua visita aos Estados Unidos em 1873, onde foi discriminado racialmente ao não ser recebido nos círculos aristocráticos tal como estava costumado a frequentar no Brasil. Thomas Skidmore, contudo, lembra que o pai de Rebouças, o advogado Antonio Pereira Rebouças em 1824 havia sido acusado por proprietários de escravos de organizar uma revolta de escravos e “um massacre geral de todos os brancos”, mas acabou inocentado em audiência pública.[2] No Brasil um episódio tem sido apontado de forma equivocada como prova deste racismo contra Andrè Rebouças no Brasil. Convidado a um sarau dançante no palácio imperial em 1868, o engenheiro negro André Rebouças teria sido recusado por várias senhoras para uma dança ao que o Conde D’Eu atravessou o salão para buscá-lo para fazer par com a princesa Isabel e assim poder dançar diante de todos em um desafio a uma sociedade escravocrata e preconceituosa.[3] O episódio contudo foi resultado de uma chantagem de um jornal sensacionalista da época que inventou toda a história.[4] Segundo Angela Alonso, André Rebouças foi um articulador central do movimento abolicionista: “Aristocrata e filho de político, circulava pelas boas famílias e nas instituições políticas; empresário, confabulava com homens de negócio; alcançava os estudantes, por ser professor; amante da ópera, falava à gente do teatro; e, negro, tinha legitimidade nas franjas da mobilização. Operou a faina miúda por mais tempo do que qualquer outro ativista, do começo ao fim da campanha. Homem-ponte, entrelaçou as diversas arenas da mobilização. Homem de bastidor, apareceu pouco e fez muito, Nabuco o reconheceu: “Rebouças encarnou, como nenhum outro de nós, o espírito antiescravagista […], o papel primário, ainda que oculto, do motor, da inspiração que se repartia com todos… não se o via quase, de fora, mas cada um dos que eram vistos estava olhando para ele”.[5]



[1] O País, Rio de Janeiro, 16/05/1888. BARBOSA, Francisco de Assis. Dom João VI e a siderurgia no Brasil, Brasília:Batel, 2010, p.52

[2] SKIDMORE, Thomas. Uma história do Brasil, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 82

[3] LACOMBE, Lourenço Luiz. Isabel a princesa redentpra, Petrópolis: Instituo Histórico de Petrópolis, 1989, p.166. QUEIROZ, Dinah Silveira de. A Princesa dos Escravos. Rio de Janeiro: Record, 1966. André Rebouças rejeitado na dança? https://www.youtube.com/watch?v=BKhAifw32V4

[4] André Rebouças rejeitado na dança? https://www.youtube.com/watch?v=BKhAifw32V4

[5] ALONSO, Alonso. Flores, votos e balas, Companhia das Letras: São Paulo, 2019, p.299



terça-feira, 26 de outubro de 2021

Irmandades como forma de resistência negra

 

Para João José Reis os negros na Bahia mantinham suas raízes africanas onde a escravidão era uma instituição presente.[1] Para José Reis na revolta dos malês a influência de movimentos revolucionários igualitários como os observados no Hait era reduzida: “nenhuma utopia igualitária. Isso, sem dúvida decepciona quem espera encontrar heróis altruístas na história das rebeliões. Os malês eram homens de carne e osso, limitados pelas perspectivas de seu tempo e lugar. Afinal, qual escravo nunca desejou de ser senhor ?”.[2]   Maria Helena Toledo Machado destaca as formas de resistência dos escravos à escravidão não se limitava ao enfrentamento direto. Para Laurentino Gomes: “sob essa nova interpretação, os escravos aparecem como agentes de seu próprio destino, negociando espaços dentro da sociedade escravista, organizando irmandades religiosas, formando um sistema complexo de apadrinhamento, parentesco e alianças muitas vezes incluíam participar de milícias ou bandos armados para defender os interesses do senhor contra os de um vizinho ou fazendeiro rival”.[3] Segundo Russell Wood: “as irmandades davam aos negros, escravos e livres, uma base para a criação de uma rede organizacional de domínio e subordinação dentro da comunidade negra. Os líderes de fato e os potenciais poderiam ser reconhecidos pelos negros, mas em termos que, devido ao contexto religioso, eram aceitáveis para os colonos brancos[4]. Para Katia Mattoso ao se referir aos historiadores que privilegiam as revoltas escravas que se tornaram frequentes a partir de 1880: “esses historiadores, que valorizavam o lado violento das relações sociais, empobreceram com frequência a compreensão da sociedade. Prender-se unicamente às tensões sociais, mesmo quando elas são reais e fundamentais para a compreensão do processo histórico, é um ponto de vista redutor”. Da mesma forma Katia Mattoso critica as abordagens marxistas como as de Jacob Gorender em Escravismo colonial, livro considerado um clássico pela comunidade acadêmica, que reduzem as relações sociais a simples relações de produção econômica numa dicotomia entre senhores e escravos, dominantes e dominados.[5]



[1] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 32, 310

[2] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 268

[3] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 23

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.269

[5] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.19




Os laços históricos entre Portugal e Inglaterra

 

Os laços históricos entre Portugal e Inglaterra, datam do século XII quando da expulsão dos mouros islâmicos e a conquista de Lisboa em 1147 com o apoio de cruzados ingleses e flamengos.[1] Segundo cronista árabe da época, Afonso Henriques no mesmo ano tomou aos mouros Santarém no Ribatejo, próximo a Lisboa, com ataques noturnos degolando seus inimigos enquanto dormiam ”como um um chefe de bandidos [...]  tal foi o modo porque este inimigo de Deus tomou a maior parte dos castelos das províncias de Belatha / Balata e Al-Kazer / Al-Kassr / Alcácer do Sal”[2] o que leva Oliveira Martins à concluir por uma conquista “quasi per latrocinium” de castelos isolados, ainda que tal forma de conquista fosse demasiado insuficiente para conquistar o sistema de fortalezas muçulmanas. Segundo Antonio Baião, Santarém era no segundo quartel do século XII o mais forte reduto sarraceno da margem direita do Tejo.[3] Para conquista de Lisboa Afonso Henriques irá contar com o suporte dos ingleses. Segundo Antonio Baião: “A rendição de Lisboa mourisca em 1147 teve alta retumbância europeia, não só pela larga comparticipação de povos nórdicos nesse feito guerreiro, como pela fama de sua riqueza e quási inexpugnabilidade. A preciosa cooperação dos cruzados teve como conseqüência imediata o estabelecimento de fortes e duradouros vínculos entre a nação e essa gente de além Pirenéus”.[4] Segundo Antonio Baião: “É certo, contudo, que nas guerras da reconquista cristã, caracterizadamente guerras de destruição, mas quais se talavam os campos, se incendiavam as povoações e se espalhava a desolação e a morte na zona que constituía as flutuantes fronteiras entre cristãos e árabes, o êxito era mais devido ao valor individual, ao ardil e à agilidade dos cavaleiros, do que a uma eficaz acção tactica de conjunto, que quási não existia. E assim poderia afirmar-se que a política militar dos primeiros tempos da monarquia, de que resultou a consolidação do novo reino de Portugal, foi principalmente fundamentada nas qualidades combativas dos portugueses e no seu fervoroso patriotismo, virtudes estas postas dedicadamente ao serviço duma organização social que, como vimos, pode bem considerar-se a precursora remota da nação armada, que veio a generalizar-se como a fórmula militar mais eficiente dos tempos modernos”.[5] O rei D. Fernando assinou o primeiro tratado de aliança com a Inglaterra (tratado de Londres, de 16 de Junho de 1373) que visava a garantir a independência de Portugal ameaçada pelos reinos vizinhos da Península, tendo tropas inglesas desembarcado em Lisboa para auxílio na nova guerra contra Castela, desencadeada em 1388.[6] Em 1387 o casamento do rei d. João I de Portugal (figura) com Filipa de Lencastre, a neta de Eduardo II da Inglaterra, consolidou a dinastia Avis (1385-1578).



[1] BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América, São Paulo:Globo, 2006, p.91

[2] MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa:Versial, 2010, p. 65, Edições Kindle

[3] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.48

[4] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.53

[5] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.102

[6] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.110






Um paraíso chamado Brasil

 

Sérgio Buarque de Holanda mostra em Visão do Paraíso como os mitos de Eden e da busca do Paraíso povoaram o imaginário de portugueses e espanhóis: “essa psicose do maravilhoso não se impunha só a singeleza e credulidade da gente popular. A ideia de que do outro lado do Mar Oceano se acharia, senão o verdadeiro Paraís terrestre, sem dúvida um símile em tudo digno dele, perseguia, com pequenas diferenças, a todos os espíritos”.[1] Lemos Brito observa que Portugal importou milhares de índios para trabalho escravo em Lisboa, podendo cada donatário exportar trinta índios por ano sem ter de pagar qualquer imposto, o que revela que Portugal na época não considerava os índios indolentes.[2] Dentro deste conceito de paraíso terrestre Montaigne se  refere à vida entre os indígenas: “Dizem que no Brasil as pessoas só morrem de velhice, o que se atribui à pureza e à calma do ar que respiram, e que, a meu ver, provém antes da serenidade e da tranquilidade de suas almas isentas de paixões, de desgostos, de preocupações que excitam e contrariam. Ignorantes, iletrados, sem lei nem rei, nem religião alguma, sua vida desenvolve-se numa admirável simplicidade”. Antonio Vieira retornou ao Brasil em 1681 pois acreditava que Brasil poderia viver mais tempo. Ainda em 1756 Voltaire alimentava tais expectativas: “Vespúcio chegou ás coisas do Brasil situadas perto do equador. È o terreno mais fértil da Terra, o ceu mais puro e o ar mais saudável. A vida dos homens, limitada por toda a parte a oitenta anos, no máximo, estende-se geralmente entre s brasileiros a cento e vinte e oito, às vezes até cento e quarenta anos. Ainda hoje , vêem-se portugueses decrépitos embarcarem em Lisboa e rejuvenescerem no Brasil”.[3]

[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.221

[2] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.138

[3] GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações, São Paulo: Cia das Letras, 2008, p.328



domingo, 24 de outubro de 2021

Theodoro Peckolt pioneiro da farmácia no Brasil

 

Como forma de estimular a participação de expositores na exposição interacional que se realizaria em Londres em 1862 o governo imperial promoveu Exposições Nacionais. Uma primeira exposição nacional foi realizada na Corte do Rio de Janeiro, na Escola Central, no largo de São Francisco, hoje Escola Politécnica do Largo de São Francisco em 2 de dezembro de 1861 (aniversário do Imperador Pedro II),  sob a iniciativa da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional na gestão de Marques de Abrantes (Miguel Calmon Du Pin e Almeida) e do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA)[1] .Entre os produtos expostos na Exposição de 1861 destacam-se espécies da fauna, plantas e produtos agrícolas e também produtos industriais como uma moenda a vapor produzida pela fábrica de Ponta da Areia (que seria escolhida para a exposição de Londres em 1862), uma máquina a vapor produzida pelo Arsenal da Marinha e uma moenda a vapor invenção de José Maria da Conceição Júnior. O farmacêutico Theodoro Peckolt, que conheceu o naturalista Philipp von Martius[2] que esteve no Brasil de 1817 a 1822,  pode expor seus produtos da flora brasileira na Exposição de 1861, participação a qual lhe rendeu o prêmio do imperador a Ordem da Rosa. Theodoro Peckolt participou tanto da Exposição Nacional de 1861 como de 1866 (realizada  no Campo de Santana onde ainda recentemente ficava o prédio da Casa da Moeda, onde obteve premiação máxima com suas coleções de farmacognosia, as quais foram respectivamente expostas nas Exposições de Londres em 1862 e Paris em 1867. Sobre a coleção apresentada em 1861 Frederico Burlamaqui como jurado emitiu sua avaliação: “O senhor Peckolt, de Cantagalo expôs 146 produtos naturais e produtos químicos, extratos e alcaloides, extraídos de vegetais indígenas. O júri achou esta coleção tão importante que conferiu uma medalha de ouro a seu autor, ainda que, em verdade, ela ofereça maior interesse científico do que industrial”.[3] Theodoro Peckolt chegou ao Brasil em 1847 e se estabeleceu em Cantagalo entre 1851 e 1868 onde mantinha um laboratório de pesquisa, em especial para busca de substâncias alcaloides. Na década de 1870 Theodoro Peckolt coordenou o Laboratório Químico do Museu Nacional onde pode estudar diversos medicamentos indígenas como a agoniadina extraída da quina branca, anchietina (alcaloide extraído do cipó-suma), andirina, angelina e carobina, além da doliarina, princípio ativo da gameleira[4]. Estes produtos iriam ser comercializados na farmácia Peckolt localizada na rua da Quitanda nº 159 no Rio de Janeiro. Segundo Hermann von Ihering: “Não conhecemos outro exemplo de naturalista, versado igualmente em estudos botânicos e químicos, que tão profundamente tivesse estudado e esclarecido por investigações próprias o estudo econômico, farmacêutico e químico de qualquer flora tropical”.[5]



[1] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.318

[2] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, São Paulo: Unicamp, 2015, p. 279

[3] SANTOS, Nadja; ALENCASTRO, Ricardo; PINTO, Angelo. A participação brasileira nas exposições nacionais do século XIX: a contribuição de Theodoro Peckolt. In: GOLDAFB, José; FERRAZ, Márcia. VII Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, São Paulo: Unesp, 2000, p. 367

[4] EDLER, Flavio Coelho. Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006, p. 77

[5] SANTOS, Nadja Paraense dos. Theodoro Peckolt: a produção científica de um pioneiro da fitoquímica no Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 12, n. 2, p. 515-533,  Aug.  2005 .   http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000200018



A produção de anil no século XVIII no Brasil colonial

 

Uma riqueza que aqueceu o mercado interno na colônia foi a comercialização das chamadas drogas do sertão, denominação genérica que incluía especiarias, plantas alimentícias, medicinais e aromáticas e entre as quais cacau, gengibre, pimenta, algodão silvestre, salsaparrilha, baunilha, sementes oleaginosas, anil, madeira de lei e produtos similares ao cravo e à noz moscada. O urucum foi uma das primeiras especiarias exportadas para a Europa.[1] As primeiras experiências com a cochonilha haviam sido feitas em Cabo Frio e posteriormente em Santa Catarina.[2] Em 1729 José Miguel Aires obteve um privilégio de dez anos para montar uma fábrica de anil no Pará.[3] Em 1781 um decreto isentou de impostos por cinco anos todo o anil produzido no Brasil, tendo sido o decreto renovado em 1787 no intuito de estimular a produção na colônia.[4] O anil estava entre os principais produtos exportados pelo Rio de Janeiro  entre 1779 e 1807. Em agosto de 1773, o marques de Lavradio designou Jeronimo Vieira de Abreu como inspetor geral das fábricas de anil da Capitania do Rio de Janeiro. Luis de Vasconcelos e Souza assume o vice-reinado em 1779 e dá continuidade à política de fomento à produção de anil. Varnhagen destaca os esforços do vice rei Luís de Vasconcelos (1779-1790) nomeado por Maria I em promover a cultura do anil e a indústria da cochonilha, bem como melhoramentos na capital Rio de Janeiro com a inauguração do Passeio Público. O anil brasileiro, contudo, não conseguiu suportar a concorrência do produto indiano promovido pela Inglaterra. O frei franciscano José Mariano de Conceição Velloso, publica em Lisboa, 1793[5], como diretor da Tipografia do Arco do Cego em Lisboa o livro Fazendeiro do Brasil em que descreve as técnicas para produção de anil. O livro inclui explicações químicas do processo de fermentação do anil para produção das partículas colorantes, embora ainda use a antiga nomenclatura para os compostos numa época em que já se disseminavam na Europa as novas teses de Lavoisier. Paradoxalmente o mesmo livro faz referência a um tratado de Berthelot sobre alvejamento de tecidos que contemplam diversos conceitos da química moderna nos processos de tinturaria. Márcia Ferraz ao se referir ao fato de que a mesma obra se refere a nomenclatura antiga e nova mostra ser um retrato de sua época, marcada pela transição do paradigma químico. Velloso critica as técnicas empíricas usadas na colônia segundo ele feitas por “homens de pouca instrução, como pela maior parte são so cultivadores, entregues a receitas ou mal copiadas, ou mal vertidas, firmados em experiências próprias sem princípios”. Embora idealizado para ser distribuídos nas fazendas da colônia como forma de modernizar as técnicas de produção de anil, o livro Fazendeiro do Brasil teve pouca difusão na colônia.[6]



[1] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.190

[2] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 210

[3] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. IV, p. 35

[4] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 212

[5] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 68 https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5137

[6] FERRAZ, Márcia. Saberes antigos e ciência moderna: a produção de anil no Brasil colonial. In: GOLDFARB, José Luiz; FERRAZ, Márcia. Anais VII Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, São Paulo: Unesp, 2000, p. 175-180; FERRAZ, Márcia. As ciências em Portugal e no Brasil (1772-1822): o o texto conflituoso da química, São Paulo: Educ/FAPESP, 1997; PESAVENTO, Fábio. O cor do rei: um estudo sobre a produção do anil no Rio de Janeiro colonial, 1749-1818. http://www.abphe.org.br/arquivos/fabio-pesavento.pdf



sábado, 23 de outubro de 2021

A crítica a Gilberto Freyre

 

Gilberto Freyre escreveu Casa Grande e Senzala em 1930, momento da crise das elites luso brasileiras que se consolidaram em 1850. Segundo José Carlos Reis “para legitimar o seu poder em crise, Gilberto Freyre fecha os olhos a todas as dificuldades e tensões do passado. ele o idealiza e o aceita integralmente como modelo e referência para o futuro".[1] Segundo José Carlos Reis: “o livro genial de Freyre renovou a visão do Brasil das elites em crise [...] tenhamos a honestidade de reconhecer que só a colonização latifundiária e escravocrata teria sido capaz de resistir aos obstáculos enormes que se levantaram à civilização do Brasil pelo europeu, só a casagrande e senzala. O senhor de engenho rico e o escravo de esforço agrícola e a ele obrigado pelo regime do trabalho escravo".[2] Na crítica a obra de Gilberto Freyre os marxistas da escola paulista tais como Florestan Fernandes irão descrever Gilberto Freyre como um intelectual orgânico das oligarquias dominantes em crise.[3] Carlos Guilherme Mota critica a visão idílica de Gilberto Freyre quando em Casa Grande e Senzala diz que “os negros trabalharam sempre cantando”, que ressalta a ausência de conflitos de classe. Carlos Guilherme Mota também critica as confusões entre os conceitos de raça e cultura ou a perspectiva de uma ideologia da cultura brasileira baseada em um suposto hibridismo e maleabilidade inatas herdadas dos portugueses.[4] Vamireh Chacon, por sua vez, mostra que são injustas as acusações contra Gilberto Freyre de uma suposta visão emoliente da sociedade, uma vez que ele era contra a escravidão e denunciou o sadismo dos senhores de engenho[5]. Em Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre descreve que : “Não foi toda de alegria a vida dos negros, escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de muitos. O banzo, a saudade da África”. Fernando Henrique Cardoso destaca como injustas muitas das críticas a Gilberto Freyre uma vez que ao invés de uma suposta “democracia racial” Gilberto Freyre desenvolveu o conceito de “harmonização de contrários” e conclui “sem dúvida, a idealização do patriarcalismo e a visão menos crítica dos efeitos da escravidão sobre as relações entre negros e brancos contribuíram para a reação negativa e mesmo para o simplismo das críticas”.[6]



[1] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro: FGV., 2003, p.17

[2] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro: FGV., 2003, p.71

[3] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro: FGV., 2003, p.59

[4] CARDOSO, Fernando Henrique. Pensadores que inventaram o Brasil, São Paulo: Cia das Letras, 2003, p. 87; MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira, Rio de Janeiro: Ática, 1980.

[5] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro: FGV., 2003, p.61; Chacon, Vamireh em Gilberto Freyre: uma biografia, Brasiliana n.387, Recife: Fundaj, 1993  intelectual https://bdor.sibi.ufrj.br/handle/doc/436

[6] CARDOSO, Fernando Henrique. Pensadores que inventaram o Brasil, São Paulo: Cia das Letras, 2013, p. 94



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...