sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Uma nova historiografia sobre a escravidão


Maria Helena Toledo Machado destaca as formas de resistência dos escravos à escravidão não se limitava ao enfrentamento direto. Para Laurentino Gomes: “sob essa nova interpretação, os escravos aparecem como agentes de seu próprio destino, negociando espaços dentro da sociedade escravista, organizando irmandades religiosas, formando um sistema complexo de apadrinhamento, parentesco e alianças muitas vezes incluíam participar de milícias ou bandos armados para defender os interesses do senhor contra os de um vizinho ou fazendeiro rival”.[1] Segundo Russell Wood: “as irmandades davam aos negros, escravos e livres, uma base para a criação de uma rede organizacional de domínio e subordinação dentro da comunidade negra. Os líderes de fato e os potenciais poderiam ser reconhecidos pelos negros, mas em termos que, devido ao contexto religioso, eram aceitáveis para os colonos brancos”[2]. Para Katia Mattoso ao se referir aos historiadores que privilegiam as revoltas escravas que se tornaram frequentes a partir de 1880: “esses historiadores, que valorizavam o lado violento das relações sociais, empobreceram com frequência a compreensão da sociedade. Prender-se unicamente às tensões sociais, mesmo quando elas são reais e fundamentais para a compreensão do processo histórico, é um ponto de vista redutor”. Da mesma forma Katia Mattoso critica as abordagens marxistas como as de Jacob Gorender em Escravismo colonial, livro considerado um clássico pela comunidade acadêmica, que reduzem as relações sociais a simples relações de produção econômica numa dicotomia entre senhores e escravos, dominantes e dominados.[3] Luiz Palermo[4] aponta uma mudança de perspectiva na historiografia sobre escravidão que se configura na década de 1980 com o livro A paz nas senzalas de Manolo Florentino e José Roberto Goes[5] e o livro “Na senzala uma flor” de Robert Slenes (figura)[6] que mostra que as fazendas agroexportadoras não devem ser entendidas dentro de uma lógica econômica apenas, tampouco em uma realidade monoliticamente presidida pela vontade coercitiva do senhor de engenho, ou seja havia uma lógica de negociação e não apenas de coerção. Segundo Silvia Hunold “De certo modo o discurso que enfatiza a violência acaba por igualar-se ao que insiste na tecla da coisificação do escravo. Ao conceberem a resistência escrava apenas quando ela rompe a relação de dominação, quando os escravos deixam de ser cativos, acabam também por negar-lhes, enquanto cativos, sua condição de agentes históricos”.[7] Para John Thornton “No Brasil como em outras partes, os escravos negociaram mais do que lutaram abertamente sobre o sistema”.[8] Para Aldinízia Souza: “Como a bibliografia mais recente, em especial a de José Reis e Flavio Gomes [Liberdade Por Um Fio: história dos quilombos no Brasil] tem apontado isso consistia num jogo de lutas, interesses, acomodações e resistências de ambos os lados”.[9] Laurentino Gomes expõe a primeira visão idílica de Gilberto Freyre e contrapõe com: “A segunda visão anacrônica, nascida das ideias e lutas marxistas do século xx, é a do negro em permanente estado de rebelião, constantemente planejando ações para se livrar do cativeiro. Essa imagem idílica do escravo não corrompido pela opressão dos brancos, que jamais se curvou ao sistema escravista, que se rebelou sempre que pôde e lutou pela liberdade na forma de quilombos ou enfrentamentos armados contra seus opressores, predominou até recentemente em muitos estudos. Pesquisas realizadas nos últimos anos têm ampliado o foco para incluir outros aspectos da  resistência negra, menos dramáticos do que as fugas e rebeliões, mas igualmente importantes”.[10]


[1] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 23

[2] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.269

[3] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.19

[4] PALERMO, Luís Cláudio. UMA ANÁLISE SOBRE ASPECTOS DA HISTORIOGRAFIA DA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA PÓS-1980: permanências, mudanças e matizes no interior dessa tendência. https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/237678/34228

[5] FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. A paz das senzalas – Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro c.1790 – c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997

[6] SLENES, R. W. Na senzala, uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava (Brasil Sudeste, Século XIX). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999

[7] LARA, Silvia Hunold. Campos da violência, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988

[8] THORNTON, John. A África e Os Africanos Na Formação, Rio de Janeiro: Campus, p.364

[9] SOUZA, Aldinízia de Medeiros. Escravidão e liberdade entre espaços e negociações. Anais do IV Encontro Internacional de História Colonial. A escravidão moderna no Atlântico sul português / Rafael Chambouleyron & Karl-Heinz Arenz (orgs.). Belém: Editora Açaí, volume 16, 2014.

[10] Gomes, Laurentino. Escravidão – Volume II: Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil (p. 22). Globo Livros. Edição do Kindle



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