segunda-feira, 30 de maio de 2022

A imprecisão da data de nascimento na Idade média

 

Marc Bloch em sua obra A sociedade feudal descreve a chamada “cultura do feudalismo” marcada entre outras características pela indiferença pelo tempo e sua falta de interesse em mensurá-lo acuradamente.[1] O registro de nascimento era transmitido por uma tradição oral por parte dos pais. Um negociante declara em 1299 ter nascido em 1254 “segundo a lembrança de minha mãe”.[2] Os cronistas da época se limitam em geral a se referir a “naquele tempo”, “pouco depois” sem precisar datas[3]. Lucien Febvre destaca que o “tempo do relógio” era muito menos significativo que o “tempo vivenciado” dentro visão de mundo medieval.[4] Segundo Lucien Febvre até a primeira metade do século XVI “reina em todas parte a fantasia, a imprecisão, a inexatidão. A realidade de homens que nem mesmo sabem exatamente a sua idade: são incontáveis os personagens históricos desse tempo  que nos deixam a escolha entre três ou quatro datas de nascimento, às vezes afastados por vários anos”.[5] Em Portugal do século XVII o padre Antonio Vieira, nascido em Lisboa, sabia sua própria data de nascimento, mas não sabia a data de nascimento de irmãos e irmãs, apenas tinha uma estimativa.[6] Marc Bloch cita exemplos de indiferença para com o tempo. Em 1284 foi preciso fazer um inquérito para se determinar a idade da jovem condessa de Champagne, uma das maiores herdeiras do reino dos Capetos, o que revela mais do que um desprezo pela idade, mas um desprezo pela exatidão dos números.[7] Jacques le Goff destaca que na perspectiva medieval o tempo pertence a Deus de modo que captá-lo, medi-lo ou dele tomar vantagem é considerado pecado[8]. Trata-se de um tempo divino e linear que conduz uma visão teleológica da história que se consuma no dia do juízo final.



[1] BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia, São Paulo:Unesp, 1997, p.36

[2] RONCIERE, Charles. A vida privada dos notáveis toscanos no limiar da Renascença. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.267

[3] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 159

[4] BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia, São Paulo:Unesp, 1997, p.41

[5] KOYRE, Alexandre. Estudos de história do pensamento filosófico. Brasília:Forense,1982, p.283

[6] VAINFAS, Ronaldo. Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p.28

[7] BLOCH, Marc. A sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.96

[8] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 150



segunda-feira, 23 de maio de 2022

Egito e o êxodo dos judeus

 

Israel Finkelstein mostra achados arqueológicos e o relato de Maneton que conta a respeito de povos semitas (hicsos) invadindo o Egito vindos de Canaã e tendo os egícios posteriormente os expulsado à força de volta para Canaã. Com a expulsão dos hicsos por volta de 1570 a.c. o império egípcio se reunifica em torno do Novo Império (1580 – 1085 a.c.)[1]. Segundo 1 Reis 6:1  o Êxodo do Egito ocorreu 480 anos antes de Salomão começar a construir o Templo em Jerusalém (960 a.c.), portanto, o Êxodo dataria de cerca de 1440 a.c., o que não coincide com a invasão dos hicsos, logo, tratam-se de eventos distintos. Tampouco é improvável falar em Ramsés II (1279-1213 a.c.) como o faraó do Êxodo. A identificação de Ramsés II como o faraó do êxodo decorreu de suposições baseadas na identificação do topônimo Pi-Ramsés com Ramsés (Êxodo 1,11; 12,37). Ademais a após expulsão dos hicsos o Egito exerceu um controle bastante rigoroso das fronteiras temendo novas invasões de modo que seria improvável uma invasão de povos semitas em grande escala (segundo o texto bíblico de Êxodo 13:37 seiscentas mil pessoas) sem que houvesse qualquer registro: “a conclusão de que o êxodo não aconteceu na época nem da maneira descrita na Bíblia parece ser irrefutável quando examinamos a evidência em sítios específicos onde se diz que os filhos de Israel acamparam por períodos extensos durante sua migração pelo deserto e onde é praticamente certo que se encontraria algum indício arqueológico caso houvesse algum”.[2] A estela de Merneptá é um dos únicos documentos egípcios que fazem referência ao nome de Israel e foi encontrada por Flinders Petrie em 1896 nas ruínas do templo funerário do Faraó Merneptá (1236 a.C. a 1223 a.C.) em Tebas Ocidental, encontra-se exposto no Museu Egípcio do Cairo. A estela revela que os judeus já ocupavam o território de Canaã em 1236 a.c.: “Canaã está despojada de toda a maldade, Ascalão foi conquistada, Gezer foi tomada, Ienoão ficou como não tivesse existido, Israel está destruído, a sua semente [ou descendência] não existe mais, a Síria tornou-se uma viúva para o Egito. Todos os que vagavam sem destino no deserto [os Beduínos] foram submetidos pelo Rei do Alto e Baixo Egito”, o que torna improvável ser Ramsés II ser o faraó do êxodo pois diante de uma peregrinação pelo deserto por quarente anos e longo período de conquistas junto aos povos cananeus não haveria tempo para consolidarem sua posição nesta data. A estela de Berlim foi descoberta por Ludwig Borchardt em 1913 e revela três grupos de prisioneiros capturados: Ashkelon, Canaã e um terceiro grupo de difícil identificação por estar danificado. Em uma análise paleográfica Manfred Görg demosntrou em 2001 que este terceiro grupo é Israel, desta forma, os três povos são citados na mesma ordem em que aparecem na estela de Merneptá, o que sugere datação similar, no entanto, a forma como estes nomes são escritos se assemelha a um período mais antigo na XVIII dinastia (1550-1290 a.c.)[3]. A estela de Berlin mostra que o estabelecimento do povo judeu em Canaã pode remontar a um período um pouco anterior ao registrado na estela de Merneptá.

[1] VAINFAS, Ronaldo; FARIA, Sheila; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina. História Volume único, São Paulo:Saraiva, 2010, p.29; Desplancques, Sophie. Egito Antigo (Encyclopaedia) . L&PM Pocket. Edição do Kindle, 2021,  p.738/1492

[2] FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia desenterrada , Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2018, p.95

[3] https://armstronginstitute.org/137-berlin-pedestal-earliest-mention-of-israel



Egito e os hebreus: o escabelo

 

Cadeira cerimonial encontrada na tumba de Tutankhamon feita de madeira de cedro do Líbano revestida de lâminas de ouro, e ornamentada com pedras preciosas e semipreciosas e pedaços de vidro policromados. Diante da cadeira um escabelo, ou descanço para os pés que tem representado os inimigos do Egito. O Salmo 110:1 faz referência a esse costume “Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés”[1]. Nas costas do trono encontram-se quatro cobras com o disco solar como um sinal de proteção.[2]

[1] SILVA, Rodrigo. Especial Egito - Museu do Cairo 2. Evidências NT, 2020 minuto 8 https://www.youtube.com/watch?v=63PePrIK-FQ&t=500s

[2] https://www.descobriregipto.com/tesouro-de-tutankhamon/



domingo, 22 de maio de 2022

Os primeiros habitantes em terras brasileiras

 

Em Pedra Furada no Parque da Serra da Capivara são encontradas as pinturas de arte rupestre datadas de 12 mil a.c.[1], as mais antigas que se tem registro no Brasil. Para Angyone Costa: “as inscrições rupestres no Brasil são iguais as inscrições rupestres de toda parte: meros desenhos. Figura singelas, sinal de comunicação de um índio para o outro. Não é possível dar-lhes outra interpretação, porque elas não acusam nenhuma das formas de escrita. São apenas desenhos de uma inspiração e execução semelhante ao das crianças”.[2] Bernardo Ramos, ao contrário, considera a arte rupestre encontrada na Amazônia como uma forma de escrita[3]. Segundo Niéde Guidon foram encontradas fogueiras de 50 mil anos, o que mostra a presença humana de ancestrais vindos da África. Segundo Niède Guidon o fato de tais disposições de pedras características do uso em fogueiras não poderia ter sido casual.[4] Um artigo publicado na revista Nature de 1986 Niéde Guidon indentificou ossada humana de 32 mil anos ap[5]. Bia Hetzel apresenta como possibilidades vestígios de fogueiras encontradas em Pedra Furada de 40 mil a 12 mil anos atrás.[6] Após o período de glaciação, o nível do mar teria variado o que facilitaria a formação de diversas ilhas entre a África e o litoral nordestino do Brasil, possibilitando assim a travessia do Atlântico. No entanto as teses de NIéde Guidon não são plenamente aceitas, pela falta de artefatos os restos humanos com idade equivalente.[7] David Meltzer, James Adovasio e Tom Dillehay, acreditam que os pedaços de quartzo encontrados em grande número do local constituiriam de geosfatos de ocorrência natural. O carvão seria resultado de incêndios naturais. Para Guidon contudo a área era floresta natural e menos sujeitas a incêndios naturais, além de ser pouco provável a construção de artefatos de pedras caindo sobre as outras de forma natural.[8] Em 2021 pesquisa realizada por Eric Boeda, Marcos Ramos e Niéde Guidon apresentaram um artefato de pedra incomum no sítio Vale da Pedra Furada, em um contexto que remonta a 24 mil anos ap. Os estigmas de lascamento e os traços macroscópicos de uso-desgaste revelam uma concepção centrada na configuração de biséis duplos e na produção no mesmo espécime de pelo menos dois artefatos sucessivos com funções provavelmente diferentes. Esta peça apresenta inequivocamente um caráter antrópico e revela uma novidade técnica durante a ocupação pleistocênica da América do Sul. Este artefato confirma a existência de ocupações humanas em 24 mil anos ap na América do Sul. Essas populações possuem uma variedade de objetos, que refletem uma cultura material rica e diversificada, como qualquer outra sociedade humana.[9]

[1] HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 25, 165

[2] COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.135

[3] PEREIRA, Edithe. Arte rupestre na Amazônia: Pará. São Paulo:Unesp.

[4] https://www.youtube.com/watch?v=VLXlQGibMOU&t=301s

[5] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.23

[6] HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 56

[7] FUNARI, Pedro; NOELLI, Francisco. Pré história do Brasil, São Paulo:Contexto, 2016, p. 41; LOPES, Reinaldo. 1499 o Brasil antes de Cabral,Rio de Janeiro:Harper Collins, 2017, p. 14, 59

[8] JAMES, Peter; THORPE, Nick. O livro de ouro dos mistérios da antiguidade, Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 329

[9] GUIDON, Niéde. 24.0 kyr cal BP stone artefact from Vale da Pedra Furada, Piauí, Brazil: Techno-functional analysis. PLOS, 10/03/2021 https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0247965



sábado, 21 de maio de 2022

Sacrifício cerimonial entre os astecas

 

O códice Magliabechiano mostra na página 141 ritual asteca em que a vítima após ter seu coração arrancado é jogada escada abaixo da pirâmide. Os espanhóis relatam o sangue seco nas escadarias de vários tempos.[1] Evidências mostram a presença de sacrifícios humanos na região de Teotihuacan (huaca significa sagrado[2], teotihuacan  significa lugar dos deuses)[3] cerca de 1000 anos antes dos astecas[4]. James Frazer explica que  o jovem a ser imolado a medida que subia os degraus ia quebrando uma a uma as flautas que tocara no dia de glória de preparação do grande dia. Ao chegar ao alto era agarrado pelos sacerdotes que o deitava de costas num bloco de pedra e lhe abriam o peito para retirada do coração a ser oferecido em sacrifício ao deus sol, depois seu corpo era transportado até a base (e não rolado escadaria afora como das vítimas comuns) para que sua cabeça fosse cortada e espetada numa lança.[5]

[1] NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da América Latina, Rio de Janeiro: Leya, 2011, p. 99

[2] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 56, 69

[3] COE, Michael. Antigas Américas, mosaico de culturas, v. II Madrid:Ed. Del Prado, 1996, p. 161; LEONARD, Joathan. América pré colombiana, Rio de Janeiro:José Olympio Editora. Biblioteca de História Universal Life, 1971, p.37, 62

[4] DAVIES, Nigel. The astecs: a history, London; Folio Society, 1973, p. 183

[5] FRAZER, James. O ramo de ouro. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 187



A metempsicose na doutrina de Pitágoras

 

Jâmbiclo comenta um episódio da vida de Pitágoras: “Percebendo também um boi em Tarentum se alimentando no pasto e comendo, entre outras coisas, feijão verde, ele aconselhou o pastor para dizer ao boi que se abstenha do feijão. O pastor, no entanto, riu para ele, e disse que não entendia a língua dos bois, mas se Pitágoras entendia, foi em vão aconselhá-lo a falar com o boi, mas convém que ele mesmo aconselhasse o animal se abstenha de tal alimento. Pitágoras, portanto, aproximando-se do ouvido do boi, e sussurrando nele por muito tempo, não só o fez se abster de feijão, mas diz-se que ele nunca mais os provou. Este boi também viveu por muito tempo em Tarentum perto do templo de Juno, onde permaneceu quando era velho, e foi chamado o boi sagrado de Pitágoras. [...] Por essas coisas, portanto, e outras semelhantes a estas, ele demonstrou que ele possuía o mesmo domínio que Orfeu, sobre os animais selvagens, e que ele seduziu e os deteve pelo poder da voz procedente da sua boca”. Xenófones de Colofone no século VI a.c. se refere a outra lenda sobre Pitágoras: “dizem que certa vez Pitágoras passou por um cão que estava sendo surrado e, apiedando-se, assim falou: parem e não batam nele, pois a alma é a de um amigo, sei-o, pois o ouvi falar”, em referência à sua crença na transmigração das almas[1]. Ovídio apresenta Pitágoras como tendo dito a seus discípulos: “As almas não morrem jamais, mas sempre deixam uma morada para passar à outra. Eu mesmo me lembro de que na época da guerra de Troia fui Eufórbio, filho de Pantos e caí pela lança de Menelau. Há pouco visitando o templo de Juno em Argos, reconheci meu escudo pendurado entre os troféus. Todas as coisas mudam, nada perece. A alma passa daqui para ali, ocupando ora este corpo, ora aquele, indo do corpo de uma animal para o de um homem, e deste para o de um animal novamente. Do mesmo modo que se gravam na cera certas figuras, depois se derrete a cera e se gravam outras, assim a alma, sendo sempre a mesma, apresenta, contudo, em ocasiões diferentes, formas diferentes. Portanto, se o amor do próximo não estiver extinto de vossos corações, abstende, recomendo-vos de violar a vida daqueles que podem ser vossos próprios parentes”. [2]



[1] LIVIO, Mario. Deus é matemático ? , Rio de Janeiro:Record, 2010, p. 41

[2] BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 342



Demeter a deusa da fertilidade

 

Divindades como Cibele a Grande Mãe na Ásia Menor, a deusa hindu Kali, Deméter a mãe das colheitas e mãe das águas Tiamat da Mesopotâmia demonstram o papel predominante da mulher  nos antigos mitos religiosos.[1] No mito grego Deméter (Ceres) e sua filha Perséfone (Prosérpina) enviam Triptolemo em seu carro  alado para ensinar o cultivo de cereais à humanidade. Perséfone passa seis meses no reino subterrâneo, período em que as sementes da cevada se ocultam debaixo da terra e o restante do ano no mundo dos vivos, na primavera, quando as sementes brotam da terra. Perséfone é assim a personificação do grão jovem do ano ao passo que a deusa mãe Deméter a personificação do grão do ano passado. Segundo James Frazer: “nesses mistérios a ideia da semente enterrada no solo para renascer para uma vida superior sugere imediatamente uma comparação com o destino humano e fortalece a esperança de que, para o home, também a sepultura pode ser também o começo de uma existência melhor e mais feliz em um mundo desconhecido. Essa reflexão simples e natural parece perfeitamente suficiente para explicar a associação da deusa dos grãos em Eleusis com o mistério da morte e a esperança de uma imortalidade bem aventurada. Os antigos consideravam a iniciação nos mistérios eleusinos como uma chave para abrir os portões do paraíso, como se evidencia pelas alusões que autores bem informados fazem à felicidade que espera os iniciados na outra vida”[2]



[1] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 34

[2] FRAZER, James. O ramo de ouro. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 139



sexta-feira, 20 de maio de 2022

A magia entre os índios e o papel das mulheres

 

Na cultura tupi o trabalho com a terra era tarefa das mulheres.[1] Entre os tapuias as mulheres se encarregavam da agricultura.[2] Hans Staden narra que as mulheres indígenas trabalhavam mais que os homens cabendo-lhes as tarefas de preparo da comida, fabricação de bebidas, vasilhames, redes, o cuidado das crianças, da plantação de mandioca e milho bem como a tecelagem[3]. James Frazer observa que nas culturas primitivas a presença de magia simpática imitativa estava bastante presente especialmente na agricultura. Segundo a magia simpática imitativa ou homeopática semelhante produz o semelhante, ou um efeito se assemelha à sua causa. Quando um padre católico censurou os índios do Orenoco que as mulheres fossem empregadas do trabalho duro da agricultura eles responderam: “Padre, o senhor não entende dessas coisas e por isso se aborrece com elas. As mulheres estão acostumadas a ter filhos, o que nós, homens não podemos fazer. Quando elas semeiam , os pés de milho dão duas a três espigas, a raiz da iúca enche dois ou três cestos, e tudo se multiplica proporcionalmente. E por que isso é assim ? Simplesmente porque as mulheres sabem reproduzir e sabem fazer com que as sementes que semeiam também reproduzam. Deixe-as semear, Nós os homens não sabemos fazer tão bem”. Entre os tupinambás havia o entendimento de que se uma certa castanha da terra fosse plantada pelos homens, não se desenvolveria.[4]



[1] SILVA, Rafael Freitas. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro:Babilônia, 2015, p. 316

[2] SOUTHEY, Roberto. História do Brazil, Rio de Janeiro:Garnier, 1862, v.II, p.44

[3] AGUIAR, Luiz Antonio. Hans Staden: viagens e aventuras no Brasil. São Paulo: Melhoramento, 1988, p. 54; RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979, p.14

[4] FRAZER, James. O ramo de ouro. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 40



domingo, 15 de maio de 2022

Mumificação no Antigo Egito

 

Heródoto descreve todo o processo de mumificação com duração de setenta dias. Estrabão se refere a três centros de produção de natrão, o mais importante era um oásis chamado Wadi Natrun abastecido com as águas do Nilo. O segundo centro ficava próximo ao porto de naucratis no delta do Nilo. O terceiro em El Kab no Alto Egito. O natrão extraído destas três localidades era um importante monopólio estatal nos tempos de Ptolomeu (320 a.c.). Além da mumificação o natrão era usado como incenso em ritos religiosos e na fabricação de vidro. [1] Em 2018 foi encontrada em Saquar uma oficina de mumificação datada do período persa, entre 664-404 a.c contendo jarros que armazenariam os óleos e substâncias utilizadas para embalsamar os mortos. Ramadan Badry Hussein, diretor de excavações da necrópole de Saquar acredita que será possível analisar a composição química dos registros para encontrar as fórmulas utilizadas pelos sacerdotes do Egito Antigo da XXVI Dinastia.[2] O espanto do geógrafo Estrabão diantes dos monumentos unerários encotrados em Alexandria no Egito levou-o a cunhar o termo “necrópole”.[3] David Silverman observa que, por volta da Quarta Dinastia, a prática de mumificação, ou seja, o método artificial de preservação dos mortos, antes restrito aos faraós, estava começando a ocorrer regularmente,  embora métodos já estivessem sendo desenvolvidos mais cedo, durante o dinástico anterior.[4] John Harris argumenta que a extração abrupta das vísceras da cavidade abdominal e toráxica não proporcionava oportunidade para estudos na área de anatomia.[5] Segundo Heródoto: “tiram-lhe primeiro o cérebro, por meio de um ferro recurvado, que introduzem nas narinas, e com o auxílio de drogas, que injetam na cabeça”[6].

[1] FORBES, R. Chemical,, culinary and cosmetic arts. In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, v.I, 1958, p. 260

[2] https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/oficina-de-mumificacao-revela-segredos-da-conservacao-dos-mortos-no-antigo-egito-22886655

[3] EMPEREUR, Jean Yves. A necrópole revela seus segredos, Revista História Viva, n.11 setembro 2004, p.38

[4] SILVERMAN, David. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 6, Mummies and Mummification Part 1, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/

[5] HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.138; JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 190

[6] MATTOSO, Antonio. História da civilização, Lisboa:Ed Sá da Costa, 1952, p.76; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 266; JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 225; WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 57; LANGE, Kurt. Pirâmides, esfinges e faraós, Belo Horizonte:Itatiaia, 1958, p. 122



A revolução monoteísta de Aquenaton

 

Uma revolução nas artes com uma abordagem mais naturalista viria com Amenhotep IV (1352-1338 a.c.) que no sexto ano de seu reinado passa a usar o nome Akhenaton[1] quando redefiniu os dogmas da religião ao promover o culto do deus único Aton, deus do sol e mudou a capital para Tell El Amarna[2] desafiando a supremacia de Amon, divindade de Tebas.[3] Em 1975 Geoffrey Martin descobriu uma tumba de um general e regente do reino de Horemheb que se tornaria faraó, onde se pode perceber temas decorativos de tradições funerárias anteriores a Akhenaton, o que sugere que a revolução de Akhenaton tem um caráter muito menos sistemático do que se imaginava. Em 1996 em Bubasteion foram encontradas tumbas entre as quais a tumba da dama Maia, ama de leite de Tuthankamon que revela a presença das instituições menfitas reais durante o reinado de Akhenaton.[4] Byron Shafer levanta dúvidas se Akhenaton se este período de fato marca uma crença monoteísta ou se simplesmente os deuses tradicionais deixaram de ser mencionados[5], de qualquer forma sua devoção exclusiva a um aspecto não antorpormófico do culto solar, o próprio disco solar, aproxima muito este período do monoteísmo.[6] Segundo David Silverman: “não há dúvida de que Akhenaton foi revolucionário em termos do que havia acontecido antes no antigo Egito antes de seu reinado. Também não havia dúvida de que suas mudanças tiveram um efeito dramático em uma civilização que já existia quase dois milênios. Mas para entender exatamente o que suas crenças implicavam e o que motivava esse governante, deve-se primeiro lembrar que, em certa medida, Akhenaton foi um produto de seu tempo, e que seu pensamento se desenvolveu a partir de uma longa tradição e sistema de crença”.[7]

[1] Desplancques, Sophie. Egito Antigo (Encyclopaedia) . L&PM Pocket. Edição do Kindle, 2021,  p.904/1492

[2] EYDOUX, Henri Paul. Á procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 26; SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 100

[3] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 216

[4] ZIVIE, Alain. As reveladoras tumbas de Bubasteion. Revista História Viva, n.1, setembro 2004, p.45

[5] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 230

[6] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 130

[7] SILVERMAN, David. Wonders of Ancient Egypt Semana 5 Akhenaten, Tutankhamun, and the Religion of the Aten: Part 1 https://www.coursera.org/learn/wonders-ancient-egypt/lecture



O conhecimento de Vênus pelos sumérios

 

Selo sumério VA243 diz "Tu é seu servo" com representação de astros à esquerda entre os dois servos. Para Zecharia Sitchin um prova de conhecimento dos planetas, porém o símbolo no selo VA 243 não tem semelhança com o mesmo símbolo do Sol em centenas de inscrições sumérias. Os sumérios tinham calendários, conheciam o nascimento e o ocaso de Vênus[1] e os eclipses da lua e do sol, além de conhecerem o movimento dos planetas, adotando o ano lunar constituído por doze meses lunares sincronizado com o calendário solar[2]  Ammi Sadupa (1921-1901 a.c.) rei da Babilônia registrou em tabuinhas cuneiformes encontradas em Kish o aparecimento e desaparecimento mensais de Vênus durantes os vinte e um anos de seu reinado. Fotheringham e Langdon publicaram The Venus Tablets Amnizaduga.[3]



[1] SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p.77

[2] KRAMER, Samuel. Mesopotãmia o berço da civilização, Rio de Janeiro: José Olympio, 1983, p. 131

[3] MARSTON, Charles. A Bíblia disse a verdade, Belo Horizonte: Itatiaia, 1958, p.77



sexta-feira, 6 de maio de 2022

Os sete sábios da Grécia Antiga

 

Charles Singer aponta a filosofia romana do estoicismo e o apreço pela retórica, a aceitação resignada do destino regido por forças dos astros, como as razões para o desprezo dos romanos pelas questões científicas.[1]. Mary Beard destaca que nos grafiti encontrados em banheiros no “Banhos dos sete sábios” no porto de Óstia se observa inscrições como “Tales aconselha aqueles que cagavam muito a realmente se empenharem nisso” o que revela o conhecimento do povo do sábio grego “se Tales de Mileto não significasse absolutamente nada, então o conselho sobre defecação dificilmente teria alguma graça. Para fazer um comentário sarcástico contra as pretensões da vida intelectual, você precisava ter algum conhecimento a respeito dela”.[2] No texto atribuído a Higino Fabulae, CCXXI, Os Sete Homens Sábios, os sete sábios são: Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene. Plutarco em Moralia, O jantar dos sete homens sábios lista os sete sábios como Tales, Bias, Pítaco, Solon, Quílon, Cleóbulo e Anacarses. Platão, no diálogo intitulado Protágoras, expõe a seguinte lista: Tales, Pítacos, Bias, Solon, Cleóbulo, Mison e Quílon.[3] Um mosaico encontrado próximo a Pompeia na Torre Annuziata do século I também mostra os sete sábios, entre os quais possivelmente encontra-se Tales.[4]

[1] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.7, 82

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 464

[3] https://manuelcohen.photoshelter.com/image/I00005.baKT6VEvo

[4] WAERDEN, Van Der. Science Awakening, New Jersey: Springer, Dordrecht, 1975, p.78



Surya Siddhanta

 

Na literatura sânscrita hindu o Surya Siddhanta (Tratado do Sol) apresenta uma representação gráfica de diferentes fases de um eclipse e ao final conclui: “este mistério dos deuses não deve ser compartilhado indiscriminadamente: ele deve ser conhecido  para alunos experimentados com pelo menos um ano de instrução”.[1] Uma tabela de senos é apresentada no Surya Siddhanta com um sistema de memorização que representava números por conceitos, assim o 1 é substituído por uma lua (sasi) porque só existe uma lua, o dois por olhos, braços ou asas, o 3 pelo fogo porque a mitologia conhecia três tipos de fogos. Assim 102 podia ser representado por sasi-paksa-kha ou lua-asas-vazio na forma de um verso de memorização mais fácil.[2] Waerden mostra que os hindus tomaram conhecimento da astronomia grega incluindo o uso de epiciclos e a notação posicional entre 200 a 600 de modo que o Surya Siddhanta possui vários termos gregos.  Os livros hindus de aritmética representam as frações segundo a notação grega com o numerador acima do denominador sem o traço de fração.[3]



[1] NEUGEBAUER, The exact sciences in antiquity, New York: Dover, 2019, p.144

[2] WAERDEN, Van Der. Science Awakening, New Jersey: Springer, Dordrecht, 1975, p.54

[3] WAERDEN, Van Der. Science Awakening, New Jersey: Springer, Dordrecht, 1975, p.56



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