sábado, 30 de outubro de 2021

Transferência de tecnologia em mineração pelos escravos da costa da Mina

Na mineração as técnicas usadas eram rudimentares. Shozo Motoyama aponta que ainda que intelectuais como Domingos Vandelli conhecessem a obra De Re Metalica de Agrícola publicada em 1556 seu efeito era mínimo no desenvolvimento das técnicas diante do empirismo que predominava[1]. Em memória apresentada à Academia de Ciências de Lisboa em 1792 Vandelli afirma “a lavagem das terras ou areias  no Brasil se faz com o método já escrito por Agrícola, por Ulloa em suas viagens”.  Em Pluto Brasiliensis publicado em Berlin em 1833 Eschwege comenta a superficialidade das pesquisas em mineração no Brasil colônia: “falta-lhe, em compensação, paciência para realizar serviços que não produzem ouro logo nos primeiros oito dias”.[2] Eschwege salienta que a mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos africanos.[3] Em Pluto Brasiliensis publicado em Berlin em 1833 Eschwege comenta a superficialidade das pesquisas em mineração no Brasil colônia: “falta-lhe, em compensação, paciência para realizar serviços que não produzem ouro logo nos primeiros oito dias”.[4] Em Pluto Brasiliensis, Eschwege observa que as primeiras descobertas de ouro foram feitas mais nos córregos do que nos rios e usavam técnica primitivas, por meio de pequenas vasilhas de estanho, catando com os dedos os grãos visivelmente maiores. O trabalho é bastante extenuante pois enquanto os membros superiores ficam expostos ao sol por horas, a parte inferior fica exposta ao frio das águas. Mawe no século XIX relata que os negros trabalhavam na mineração curvados[5] geralmente com um colete um par de ceroulas e não despidos como alguns viajantes relataram.[6] O processo contudo era bastante ineficiente, pois o ouro mais fino, agregado a finas partículas de argila, tendia a ser eliminado.[7] Foi somente com a chegada dos escravos africanos que os mineiros aperfeiçoaram os processos de extração, com a introdução de bateias de madeira, redondas e rasas que permitiam a separação rápida do ouro, bem como das chamadas “canoas” feita de couro peludo de boi ou flanela, cuja função é reter o ouro, que se filtra depois de selecionado pelo processo das bateias.[8] Por este segundo processo as encostas das montanhas eram lavadas junto aos ribeirões auríferos e esse desmonte passado por cochos (uma espécie de calha) inclinada, forrada por peles de animais com os pelos voltados para a corrente d’água que conseguia reter a maior parte do ouro em pó. Ao cascalho e argila cabia ainda a aplicação do processo de bateia usual.[9] Outro processo é o "bolinete", cujo método de trabalho é o mesmo da "canoa", sendo este aperfeiçoado com grossas tábuas e aproveitadas as quedas d'água para lavagem.[10] A absorção de técnicas trazidas pelo escravo, encontrava um espaço para se integrar ao sistema de produção ainda que marcadamente opressor como o escravista, a ponto de podermos identificar uma transferência de tecnologia. Segundo Russell Wood: “nesses aspectos a atividade da extração do ouro permitia aos escravos oportunidades incomuns. Além disso, por sua própria natureza, a mineração podia gerar um escravo bem disposto, diligente e ambicioso com uma série de habilidades básicas que, depois da manumissão, podia transferir para o mercado aberto e competitivo. O liberto de ascendência africana não podia deixar de ser o beneficiário dessas condições e oportunidades caso o desejasse, mas a opção era única e exclusivamente sua”. Russel Wood destaca outros exemplos de transferência de tecnologia como os trabalhos de Judith Carney que mostra o papel de escravos de Cacheu e Bissau na transferência de conhecimentos do cultivo de arroz ainda que o Maranhão em 1772 tenha oficialmente proibido o cultivo de arroz vermelho em favor do arroz branco vindo da Carolina.[11] Segundo Russel Wood: “A transferência de tecnologia é outro caso de fronteiras culturais no Brasil colonial. Duas dessas áreas eram o processamento do açúcar e a extração de ouro. As pessoas de ascendência africana não tinham qualquer conhecimento anterior do processamento da cana de açúcar […] Em contraste na extração do ouro eram os africanos que detinham os conhecimentos tecnológicos […] os escravos africanos eram os detentores de conhecimento tecnológico muito apreciado, o que era uma benção mas também uma desgraça (como se demonstra por suas qualidades provadas na adulteração do ouro, misturando o pó com enchimentos de prata, cobre e ferro)”.[12]



[1] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 104

[2] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 155

[3] FRYRE, Gilberto. Casa grande e senzala, São Paulo:Global Editora, 2006, p.390; SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia, São Paulo:Cia das Letras, 2015, p.66; SIMONSEN, Roberto. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. Brasiliana, n.349, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1973, p.42; BARSA PLANETA, História do Brasil: primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonização, 2009, v.1, p. 274; JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:Brasiliense, 1986, p.220; ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. São Paulo: PubliFolha, 2000, p. 227

[4] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 155

[5] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.168

[6] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 234

[7] KATINSKY, Julio Roberto. Notas sobre a mineração no Brasil colonial. In: VARGAS, Milton. História da técnica e da tecnologia no Brasil, São Paulo: Unesp, 1994, p.97

[8] ESCHWEGE, W. Pluto Brasiliensis, Brasiliana n.257, v. I, São Paulo: Cia Editora Nacional, p.306; RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.101

[9] KATINSKY, Julio Roberto. Notas sobre a mineração no Brasil colonial. In: VARGAS, Milton. História da técnica e da tecnologia no Brasil, São Paulo: Unesp, 1994, p.97

[10] Faiscadores / José Veríssimo da Costa Pereira in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970 http://www.terrabrasileira.com.br/folclore3/m41faiscad.html

[11] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.335

[12] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 296



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