sábado, 30 de outubro de 2021

Os escravos e a "brecha camponesa"

 

Em 1789 no engenho Santana na Bahia de 300 escravos, o escravo Gregório Luís liderou, sem sucesso, uma revolta de escravos. Eles exigiam entre outras condições a possibilidade dos escravos o direito de revender no mercado o que conseguissem produzir em hortas a serem cedidas pelo senhor de engenho Manoel da Silva Ferreira.[1] Ciro Flamarion identifica este proto campesinato negro que cria oportunidades a que se chama de “brecha camponesa”. Nos trabalhos “A brecha camponesa no sistema escravista” (1979), “As concepções acerca do “sistema econômico mundial” e do “antigo sistema colonial”: a preocupação obsessiva com a “extração de excedente” (1980) e “Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas” (1987), Ciro Cardoso procurou enfatizar os elementos econômicos de ordem interna em especial o papel, ainda que secundário, da economia autônoma dos escravos, que se destaca em relação ao plantation voltado à exportação de produtos coloniais, em uma crítica a perspectiva de autores como Fernando Novaes que se limitam a descrever a economia colonial como um apêndice da economia europeia. Ciro Flamarion ao contrário do que afirma Jacob Gorender, destaca que era comum os senhores de engenho concederem aos escravos pequenos lotes de terras juntamente com o tempo disponível para cultivá-los, sendo raro o envio de feitores para essas roças no sentido de vigiar os cativos. Segundo Ciro Flamarion (figura): “Por “brecha” não entendemos de forma alguma, um elemento que pusesse em perigo, mudasse drasticamente ou diminuísse o sistema escravista. (...) O que queremos significar (...) é uma brecha para o escravo, como se diria hoje “um espaço”, situado sem dúvida dentro do sistema, mas abrindo possibilidades inéditas para atividades autônomas dos cativos”.[2] Jacob Gorender, por sua vez, Gorender nega a existência de uma “brecha camponesa”, pois a considera parte integrante do que chama de “modo de produção escravista colonial”. Robert Slenes entende que “não é mais nem brecha nem, a rigor camponesa”, aproximando-se mais do que os historiadores norte-americanos chamam de “economia interna dos escravos”, isto é, “um termo que abrange todas as atividades desenvolvidas pelos cativos para aumentarem seus recursos, desde o cultivo de roças à caça e, inclusive, ao furto”.[3] Russel Wood destaca que os escravos rurais por lei tinham garantida um dia da semana para trabalhar em suas roças , no entanto, na prática normalmente esse direito era negado pelos seus proprietários que ocupassem esse tempo vago para cortar lenha, consertar redes de pesca ou limpar o mato.[4]  Barickman em estudo sobre os engenhos de açúcar no Recôncavo baiano entre 1780-1860 mostra que embora fosse comum os proprietários permitirem aos escravos cultivar suas próprias roças sua produção não atendia às necessidade de sobrevivência sendo muito pequeno o excedente.[5]

[1] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.276

[2] GARCIA, Simone Pereira. Ciro Flamarion Cardoso e a questão da brecha camponesa. Revista Tempo Amazônico | V. 1 | N. 1| janeiro-junho de 2013 | p. 5-16

[3] SLENES, Robert. Na Senzala, uma Flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 199

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.66, 175

[5] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.310



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