segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Navalha de Occam

 

Jacques le Goff aponta o que ele denomina de “esclerose da escolástica” entre as quais as doutrinas nominalistas de Guilherme/William de Ockam do século XIV em que o intelectual da idade média é substituído pelo humanista[1]. A Navalha de Occam / Ockham é um princípio lógico e epistemológico que afirma que a explicação para qualquer fenômeno deve assumir a menor quantidade de premissas possível: pluralidades não devem ser postas sem necessidade (em latim: pluralitas non est ponenda sine neccesitate),  em vão se faz com muitas coisas aquilo que pode ser feito com poucas (frustra fir per plura quod fieri potest per pauciora)[2] ou então “Nós não devemos multiplicar as entidades a não ser que exista necessidade” (Entia non sunt praeter necessitatem multiplicanda) o que leva a uma simplificação de toda a teoria do conhecimento imposta pela elaborações doutrinárias da escolástica[3]. Newton reconhecia o critério de Occam quando escreve que “não se deve admitir causas mais numerosas para as coisas naturais do que aquelas que são verdadeiras e suficientes para explicar os fenômenos”[4].  Segundo Hilário Franco com Ockam o racionalismo era excluído dos assuntos da fé uma vez que a omnipotência de Deus escapa à razão humana[5]. Para José Silveira da Costa, Guilherme de Ockham aprofundou a dissolução da escolástica iniciada por Duns Scotus.[6] Para Jacques Verger os críticos de Ockam e seus herdeiros nominalistas irão enfraquecer as poderosas sínteses da escolástica “livrando o pensamento científico do entrave teológico” [7], no entanto entende que o papel libertador deste intelectual ainda se encontra bastante limitado pelos preconceitos corporativistas ou por sua ambição aristocrática “o que fortalece a ordem estabelecida, atenua o espírito crítico  reconduz o intelectual à posição de intelectual orgânico que manipula um saber já constituído com a simples finalidade de controle social” [8]. Segundo o medievalista russo Aaron Gurevitch: “o homem da Idade Média era inclinado a confundir o plano espiritual e o plano físico e a explicar o ideal nos mesmos termos que o material. Ele não concebia a abstração enquanto tal, quer dizer, fora de sua encarnação concreta visível”.[9] Os nominalistas negavam a existência das coisas universais reconhecendo apenas as coisas individuais. Para Petrus Aureolus: “Tudo é singular por si próprio, e não por qualquer outra coisa” (omnis res est se ipsa singularis et per nihil aliud).[10]

[1]NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.301

[2]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 393

[3]COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.146

[4]ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 392

[5]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.122

[6]COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.140

[7]VERGER, Jacques. Universidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 653

[8]VERGER, Jacques. Universidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 655

[9]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.146


 [10]PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo:Martins Fontes, 2001, p.9, 12


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