sexta-feira, 30 de abril de 2021

Mestre de açúcar

 

Clóvis Rodrigues embora destaque algumas inovações técnicas no período colonial e escravocrata brasileiro reconhece o descaso por tais inovações por parte dos grandes senhores de engenho: “obviamente não lhes interessava modificar esse prodigioso status quo, já que a inesgotável máquina geradora de toda a riqueza – representada pelo negro – ali estava dia e noite, noite e dia, ao seu dispor” [1]. Cruz Costa aponta que este passado colonial “cujo caráter se manterá dominante através dos séculos de formação brasileira se gravará profunda e totalmente nas feições e na vida do país”.[2] Luís dos Santos Vilhena (1787-1814) lamenta a ignorância dos mestres de açúcar dos quais não se pode esperar a adesão para inovações: “mulatos e negros tão estúpidos que não conheci ainda um que soubesse ler ou escrever o seu nome, e se algum branco executa a arte, nada difere daqueles quanto à instrução”.[3] Os mestres de açúcar submetiam-se ao ambiente dominado pelo grande calor das caldeiras e por isso na maioria das vezes reservado a escravos. Vilhena mostra seu inconformismo quanto ao desprezo com os conhecimentos da técnicas de engenhos : “é coisa digna de grande admiração que um sapateiro ou alfaiate para ter o nome de mestre, passe por um exame, e seja obrigado a tirar todos os anos uma licença : isto só para que não bote a perder um pedaço de couro ou pano; e que a produção mais interessante ao Brasil, que importa todos os anos milhões de cruzados; cuja manufatura requer conhecimentos químicos, esteja nas mãos dos homens mais insensatos e preguiçosos, intitulados mestres só porque eles o dizem”. [4] O professor baiano Vilhena inventou mecanismos para melhorar o desempenho de engenhos.

Segundo Antonil a casa das fornalhas era bastante insalubre e lembrava o “fumo perpétuo e via imagem dos vulcões Vesúvio e Etna e quase do Purgatório ou do Inferno”[5] e muitas vezes reservados aos escravos portadores de doenças sexuais pois acreditava-se nas propriedades terapêuticas do calor excessivo.[6] Segundo Manuel Diegues: “o mestre de açúcar é o técnico que supervisiona toda a atividade do preparo do açúcar no engenho. Outros técnicos em especializações particulares, ajudam o mestre do açúcar em funções específicas: o caldeireiro que baldeia o caldo para as tochas e vai também limpando, com a espanadeira a espuma fervente nas caldeiras, ajudando o caldo; o tacheiro que se incumbe de acompanhar o desenvolvimento do caldo nas tachas e o purgador que é o químico no preparo da cristalização do açúcar nas formas”.[7] Mary del Priore mostra o mestre do açúcar era um negro livre encarregado de manipular a caldeira mantendo a temperatura adequada, sendo um trabalhador valorizado na economia colonial e que recebia um salário por safra. Em Campos em 1790 recebia um mínimo de 600 e 800 reis por dia.[8] Segundo Antonil “a quem faz o açúcar, com  razão se dá o nome de mestre, porque o seu obrar pede inteligência, atenção e experiência, e esta, não basta que seja qualquer, mas é necessária a experiência local, a saber, do lugar e qualidade da cana, aonde se planta e se móis. Porque ainda que a cana não seja qual deva ser, muito pode ajudar a arte, no que faltou a natureza. E, pelo contrário, pouco importa que a cana seja boa, se o fruto dela e o trabalho de tanto custo se botar a perder por descuido, com não pequeno encargo de consciência para quem recebe avantajado estipêndio”.[9] Para Ruy Gama o empirismo de Antonil é oriundo do pensamento renascentista italiano.[10] Gabriel Magalhães destaca que o engenho não extinguiu, portanto, o papel do artesão na figura do mestre de açúcar, ao contrário, intensificou a sua importância.



[1]RODRIGUES, Clóvis da Costa. A inventiva brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1973. p. 32.

[2] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 40

[3] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 278

[4] SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Os senhores de engenho e a cultura científica. Ciência e Cultura, Campinas, v. 31, n. 4, p. 389-394

[5] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.332; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 240

[6] CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 21

[7] DIEGUES, Manuel. População e açúcar no nordeste do Brasil, Comissão Nacional de Alimentação, 1954, p.147

[8] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 76

[9] BELTRÃO, Gabriel Magalhães. A economia colonial e a particularidade da manufatura açucareira, Mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2013

[10] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.341



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