quarta-feira, 28 de abril de 2021

Socialização, tecnologia e ingestão de carne na evolução humana

 

O avanço das técnicas de construção de ferramentas e seu poder letal foram contrabalançado, segundo Richard Leakey, pela crescente socialização do homem sendo portanto a cooperação um elemento chave no sucesso evolucionário do homo sapiens: “foi o legado biológico de uma economia da divisão de alimento e organização social, que equipou nossos ancestrais, há cerca de 1 milhão e meio de anos, para a jornada em direção à Ásia e à Europa”[1]. O homo habilis é capaz de desenvolver alguns instrumentos que o habilitam a despedaçar suas presas, utilizar sua pele e matar certos animais além de preparar rudimentares habitações com ajuda de pedras, folhagens e peles de animais caçados.[2] A descoberta mais antiga de ferramenta de pedra associadas com restos de animais foi feita por Sileshi Semaw em Kada Gona na Etiópia em 2000 datados de 2.5 milhões de anos[3]. Com a invenção de novos artefatos líticos o homem primitivo pode cortar a pele animal e ter acesso à carne. Essa busca pela carne animal, possivelmente foi decorrência da observação da própria natureza onde animais carnívoros devoram suas presas ou mesmo por uma tentativa de assimilar as mesmas características de força e habilidade de tais animais. O homem de alguma forma, buscava um comportamento homólogo, o que acabou levando a uma mudança de dieta com maior conteúdo proteico o que favoreceu o desenvolvimento do cérebro distinguindo o homem de seus parentes símios herbívoros.[4] O fato de passar a comer carne favoreceu a uma coesão social maior na medida em que surge a necessidade de repartir alimentos. Como apenas os machos participavam das caçadas em busca de carne, as fêmeas queriam uma garantia que teriam sua parte, enquanto que, os machos queriam garantias de que estariam alimentando apenas sua própria prole e não os filhos de outros, o que levou ao desenvolvimento do conceito de unidade familiar.[5] Brian Hare e Vanessa Woods[6] observam que os traços sociais de amizade do homo sapiens permitiu que a espécie se tornasse dominante na Terra superando os neandertais e outros competidores. A cooperação colaborativa do homo sapiens permitiu cooperar com estranhos para alcançar um objetivo comum, o que teria dado origem a um processo de autodomesticação e consequentemente levou a uma expansão de nossa rede social muito mais do que qualquer outra espécie humana. O processo é similar ao de domesticação dos cães, em que em um processo de seleção natural houve a aproximação dos lobos mais mansos ao contato humano. Segundo Richard Leakey: “Um caçador bem sucedido pode, portanto, reunir grande prestígio, não necessariamente devido a seu talento e à sua coragem no jogo de seguir a pista e matar, mas, sobretudo por meio da prerrogativa de repartir seus espólios, ele acumula obrigação e respeito, a única forma de poder que prevalece na maioria das comunidades de caçadores-coletores”.[7] Segundo Richard Leakey: “quando a carne se torna um elemento importante dentro de um sistema econômico organizado mais rigidamente, de modo que existam regras para sua distribuição, os homens já começam a movimentar a alavanca do poder”.[8]


[1] LEAKEY, Richard. Origens, Brasília:UNB, 1980, p. 117

[2] BRISSAUD, Jean Marc. As civilizações pré-históricas. Rio de Janeiro:Ed. Ferni, 1978, p.32

[3] ADOVASIO, James; SOFFER, Olga; PAGE, Jake. Sexo invisível: Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 105; http://www.stoneageinstitute.org/gona.html#.W7vZyHtKjIU

[4] SKLENAR, Karel. La vie dans la préhistoire, Praga:Grund, 1991, p.27

[5] MILLER, Russel. A verdade por trás da história: as novas revelações que estão mudando nossa visão do passado. Rio de Janeiro:Reader’s Digest, 2006, p.21

[6] HARE, Brian; WOODS, Vanessa. A evolução da amizade, Scientific American Brasil, setembro 2020, p. 26

[7] LEAKEY, Richard; LEWIN, Roger. O povo do lago, Brasília:UNB, 1988, p.101

[8] LEAKEY, Richard; LEWIN, Roger. O povo do lago, Brasília:UNB, 1988, p.220



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...