sábado, 24 de abril de 2021

A riqueza do barroco e os artistas negros

 

Spix e Martius relata que no Rio de Janeiro “entre os naturais, são os mulatos que manifestam maior capacidade e diligência para as artes mecânicas”.[1] Grandes artesãos como Aleijadinho[2] cuja biografia foi publicada por Rodrigo José Ferreira Bretas em 1858 [3], mestre Valentim [4] e Francisco das Chagas [5], o Cabra, eram negros [6]. Henry Koster relata que “a maioria dos melhores artesãos é também de sangue mestiço” [7]. Russell Wood destaca que a arte barroca foi o ponto de encontro de europeus e africanos, homens livres e escravos[8]. Wilson Martins destaca a convivência entre mulatos com artistas estrangeiros ou descendentes de europeus o que levou a uma influência na arte. Por exemplo o filho de italiano João Francisco Muzzi influenciou o trabalho de Manuel da Cunha (1737-1809) escravo do cônego Januário da Cunha Barbosa, que o levou a estudar pintura em Lisboa. Manuel da Cunha foi o autor do teto da capela do senhor dos Passos. Ao retornar ao Brasil foi alforriado destacando-se como retratista como o retrato que fez do conde de Bobadela (na figura)[9]. Da mesma forma Aleijadinho autor de obras primas do barroco como a igreja da Ordem Terceira de São Francisco em Vila Rica e em São João del Rei, aprendeu de mestres como o próprio pai Manuel Francisco Lisboa e do medalhista e desenhista João Gomes Batista, o que desfaz o mito de que teria sido um autodidata tal como destacado por Saint Hilaire, o que explicaria certas rudezas e deformações de sua obra. O historiador da arte Germain Bazin curador-chefe da Seção de Pinturas do Museu do Louvre (1950-1965) atribui em Aleijadinho e a Escultura Barroca atribui tais diferenças de qualidade a obras mal feitas por seus assistentes. Bazin coloca Aleijadinho no mesmo patamar dos grandes criadores da cultura ocidental: “um dos grandes artistas de nossa civilização”. Segundo Myriam A. Ribeiro de Oliveira os livros de Germain Bazin sobre o barroco brasileiro permitiram difundir internacionalmente as produções artísticas coloniais do país, expressão que “desde então passou a fazer parte das publicações especializadas dedicadas à arte barroca em todo o mundo, dando projeção universal ao Aleijadinho”.[10] Lourival Gomes Machado mostra a influência da obra de Alelijadinho com as gravuras de Lorenzo Ghiberti. Os profetas teriam sido inspirados na igreja portuguesa de Monte Espinho em Braga, onde também há o Santuário propriamente dito é precedido de um monumental escadório decorado com fontes alegóricas ladeadas por representações bíblicas de reis e profetas do Antigo Testamento, sendo a mesma temática que o arquiteto português André Soares modelara para aquela igreja.[11] Cabe ressaltar a diferença na matéria prima empregada, ou seja, a pedra-sabão nas Minas Gerais e o granito em Braga, bem como a maior expressividade amaneirada de Antonio Francisco Lisboa. [12] O escritor Mário de Andrade em seu texto Aleijadinho (1928) destaca a genialidade do artista mulato “que contém algumas das constâncias mais íntimas, mais arraigadas e mais étnicas da psicologia nacional”.

[1]RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 166

[2] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8614/aleijadinho

[3] LAGO, Pedro Correa. Brasiliana IHGB 175 anos, Rio de Janeiro:Capivara, 2014, p. 317

[4] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa215791/mestre-valentim

[5] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa282537/francisco-das-chagas

[6] CARISE, Iracy. A arte negra na cultura brasileira, Rio de Janeiro:Artenova, 1980, p.68

[7] LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 109; JÚNIOR, Manuel Diegues. População e açúcar no Nordeste do Brasil, São Paulo:CNA, 1954, p.85

[8] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 297

[9] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 298

[10] URIBARREN, Maria Sabina. Germain Bazin e o IPHAN: redes de relações e projetos editoriais sobre o Barroco brasileiro, Rev. CPC, v.13, n.25 especial, p.108–134, jan./set. 2018 https://core.ac.uk/download/pdf/268311787.pdf

[11] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 559

[12] SILVA, Eder Donizete; NOGUEIRA, Adriana Dantas. Traços Identitários: O Santuário de Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo e o Santuário do Bom Jesus do Monte em Braga Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 9, p. 67508-67524, sep. 2020



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