quarta-feira, 27 de julho de 2022

Escravidão e direitos civis no período colonial

 

Katia Mattoso registra que na população livre de Salvador do século XIX de um grupo de 395 pessoas um total de 25 era formada  de ex escravos africanos, do quais apenas quatro não tinham seus próprios escravos, sendo que, a pesquisa mostra que todos os artesãos da amostra tinham escravos. William Dampier em sua vista à Bahia em 1699 registra a habilidade de mulatos escravos que exerciam diversos ofícios mecânicos: “Todos esses artífices compram negros e exercitam-nos na prática de suas várias artes, o que é de grande auxílio para eles”. Um destes artesãos Antonio Fernandes de Mattos (1671-1701) emigrou para Pernambuco como pedreiro qualificado e bastante respeitado na capitania[1]. Katia Mattoso, contudo, observa que “relativamente poucos mulatos conseguiam tornar-se senhores médios e grandes, e pouquíssimos negros e mulatos escuros entravam no rol dos pequenos donos de escravos”[2]. Katia Mattoso mostra a condição aparentemente aberrante da legislação na qual era possível ao escravo ter escravos, ainda que sem estatuto.[3] Russel Wood destaca um edito do conde de Assumar de 1719 que determinava que nenhum negro ou negra forro poderia possuir escravos, e que os que tivessem escravos deveriam se desfazer deles em dois meses sob pena de serem confiscados.[4] José Murilo de Carvalho ao comentar o estudo de Katia Mattoso e depois de destacar que no quilombo de Palmares haviam escravos, conclui: “esses dados são perturbadores. Significam que os valores da escravidão eram aceitos por quase toda a sociedade. Mesmo os escravos, embora lutassem pela própria liberdade, embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar os outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a escravidão, pode entender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para reflexão. Tudo indica que os valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade europeia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no Brasil”.[5]



[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 34

[2] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.206

[3] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.164

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.87

[5] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 49



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