domingo, 31 de julho de 2022

Os negros ganhadores do canto

 

João José Res mostra como o trabalho realizado pelos negros nagôs na Bahia no século XIX nos chamados “cantos de trabalho” nas ruas da cidade trabalhando como autônomos (artesãos, lavadeiras, alfaiates, vendedores ambulantes, aguadeiros, barbeiros, artistas, pedreiros, carpinteiros, carregadores de carga e de cadeira de arruar), como “escravos de ganho” constitui um locus importante para o redimensionamento das identidades africanas e criação de novos laços de solidariedade, em espacial nas grandes capitais Rio Janeiro, Salvador e Recife.[1] Manuel Querino se refere a expressão bastante comum da época: “vá lá chamar um ganhador no canto “. Entre os diversos ofícios oferecidos destacavam-se a preparação de rosários de coquilhos com borla de retrós de cores; pulseiras de couro, enfeitadas de búzios e outras de marroquim oleado; fabricavam correntes de arame para prender papagaios, esteiras e chapéus de palha de ouricori, e bem assim vassouras de piaçava; lavavam chapéus de Chile e de outra palha qualquer, e, consertavam chapéus de sol[2] No século xix, Charles Darwin, ao visitar uma fazenda de café no Rio de Janeiro, observou que os escravos trabalhavam “para si próprios” aos sábados e domingos. Um negro acusado do assassinato de seu proprietário alega no tribunal como uma das razões que forçado ao crime “pelo mau cativeiro em que vivia” e porque o senhor lhe havia “roubado os domingos e dias santos”. Outro escravo acusa seu proprietário de “ter roubado os domingos e dias santos e mesmo a roça que nas horas vagas fazia, seu senhor a comprava e nunca pagava”[3] O cafeicultor de Paty de Alferes Francisco Peixoto de Lacerda comprava café das roças de escravos[4] o que lhes permitia juntar um pecúlio. Apesar de poderem comprar um calçado tinham de andar descalços como marca de que eram escravos e não forros. Um anúncio de jornal sobre a fuga de um escravo adverte: “anda calçado para fingir que é forro”. Uma exceção foi o surto de cólera de 1850 quando alguns proprietários compraram calçados para seus escravos uma vez que fora apontado esta como uma possível via de contaminação.[5]

[1] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 351, 386; GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.234

[2] QUERINO, Manuel. A raça africana e seus costumes na Bahia, Salvador: P55 Edições, 2021. p.69

[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.318

[4] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.219

[5] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.67; LEITE, Marcelo Eduardo. Typos de pretos: escravos na fotografia de Christiano Jr , VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.1 p. 25-47, jan-jun 2011, p.25-47



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