João José Res mostra como o trabalho realizado pelos
negros nagôs na Bahia no século XIX nos chamados “cantos de trabalho” nas
ruas da cidade trabalhando como autônomos (artesãos, lavadeiras, alfaiates,
vendedores ambulantes, aguadeiros, barbeiros, artistas, pedreiros,
carpinteiros, carregadores de carga e de cadeira de arruar), como “escravos
de ganho” constitui um locus importante para o redimensionamento das
identidades africanas e criação de novos laços de solidariedade, em espacial
nas grandes capitais Rio Janeiro, Salvador e Recife.[1] Manuel
Querino se refere a expressão bastante comum da época: “vá lá chamar um
ganhador no canto “. Entre os diversos ofícios oferecidos destacavam-se a preparação
de rosários de coquilhos com borla de retrós de cores; pulseiras de couro,
enfeitadas de búzios e outras de marroquim oleado; fabricavam correntes de
arame para prender papagaios, esteiras e chapéus de palha de ouricori, e bem
assim vassouras de piaçava; lavavam chapéus de Chile e de outra palha qualquer,
e, consertavam chapéus de sol[2] No
século xix, Charles Darwin, ao visitar uma fazenda de café no Rio de Janeiro,
observou que os escravos trabalhavam “para si próprios” aos sábados e
domingos. Um negro acusado do assassinato de seu proprietário alega no tribunal
como uma das razões que forçado ao crime “pelo mau cativeiro em que vivia” e
porque o senhor lhe havia “roubado os domingos e dias santos”. Outro escravo
acusa seu proprietário de “ter roubado os domingos e dias santos e mesmo a
roça que nas horas vagas fazia, seu senhor a comprava e nunca pagava”[3] O
cafeicultor de Paty de Alferes Francisco Peixoto de Lacerda comprava café das
roças de escravos[4] o que lhes permitia juntar um pecúlio. Apesar de poderem comprar um calçado
tinham de andar descalços como marca de que eram escravos e não forros. Um
anúncio de jornal sobre a fuga de um escravo adverte: “anda calçado para
fingir que é forro”. Uma exceção foi o surto de cólera de 1850 quando
alguns proprietários compraram calçados para seus escravos uma vez que fora
apontado esta como uma possível via de contaminação.[5]
[1] REIS, João José.
Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo:
Cia das Letras, 2012, p. 351, 386; GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São
Paulo: Globo, 2021. p.234
[2] QUERINO, Manuel. A raça africana e seus costumes na Bahia, Salvador: P55
Edições, 2021. p.69
[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São
Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.318
[4] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.219
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