quarta-feira, 20 de julho de 2022

A cabala como teoria mítica dos judeus

 

Para Perle Epstein: “para os místicos judeus, a língua hebraica sempre correspondeu fisicamente às coisas que designa. O simples ato de escrever uma letra hebraica podia produzir um efeito unificador entre a mente e o corpo, colocando a pessoa em contato com o mundo superior [...] Três letras primordiais, o aleph, mem e shin continham todos os elementos potenciais, seguiam-se doze letras simples que serviam como um canal para a energia divina que sustenta o universo [...] Para o cabalista, as letras representam uma combinação de nome e forma que abrange nosso universo físico conhecido. Do mesmo modo que o físico que hoje procura, por meio dos quarks, localizar a partícula mais simples, a essência ou a qualidade fundamental da matéria, o cabalista, transformando as palavras nome e forma numa espécie de átomo divino, chega por meio da letra até a sua essência, fazendo com ela todas as combinações e permutações permitidas pela natureza, de maneira a saltar para além da natureza. Com esse objetivo, ele manipula o primeiro Nome de Deus, força fundamental que forma toda a matéria [..] A técnica da meditação conhecida como tzeruf, permutação de letras, usa a linguagem para romper sua própria estrutura e permite ao místico atingir muito rapidamente o reino supra racional”. Abraham Abulafia nascido em Saragoça em 1240, mestre do tzeruf, quebrou todas as regras da irmandade mística judaica quando revelou ao mundo suas técnicas de permutação das letras hebraicas sagradas para a contemplação do Nome de Deus, tornando o conhecimento esotérico acessível ao homem comum: “o nome deste caminho inclui o mistério das setenta línguas, que está na permutação das letras, de modo a trazer de volta as letras à sua substância primitiva, ou à sua materialização, pela vocalização e pelo pensamento segundo o caminho  das dez esferas. Nenhuma coisa sagrada é inferior a dez”. Seu trabalho influenciou místicos como Pico dela Mirandola.[1] Segundo Gershom Scholem: “O mundo secreto da divindade é um mundo de linguagem, um mundo de nomes divinos que se abrem de acordo com uma lei que lhes é própria. Os elementos da linguagem divina aparecem com as letras das Escrituras Sagradas. Letras e nome não são apenas meios convencionais de comunicação. São muito mais. Cada um deles representa uma concentração de energia e exprime uma riqueza de significados que não pode ser traduzida, não plenamente, pelo menos, em linguagem humana. Há, é evidente, uma discrepância entre os dois simbolismos. Quando os cabalistas falam de atributos divinos e de sefirot, descrevem o mundo secreto sob dez aspectos; quando, por outro lado, falam de nomes e letras divinas, operam necessariamente com as vinte e duas consoantes do alfabeto hebraico, no qual a Torá é escrita, ou como eles o teriam formulado, através da qual a essência secreta da Torá foi tornada comunicável”.[2] O teólogo protestante Carpzow em 1687 foi o primeiro a se referir a cabala como a “teoria mítica dos judeus”. As sefirot remetem aos dez números arquetípicos (safar significa contar) considerados como os poderes fundamentais de toda a existência.[3]

[1] EPSTEIN, Perle. Cabala o caminho da mística judaica, São Paulo: Círculo do Livro, 1992, p. 91

[2] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.48

[3] SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo, São Paulo: Perspectiva, 1988, p.121



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