quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A democratização dos ritos funerários no Egito

 

No Médio e Novo Império com o poder dos faraós a disposição dos egípcios em demonstrar seus próprios pensamentos e opiniões era menos acentuada. No Novo Império (XVIII, XIX e XX dinastias)[1], contudo, já se observa um processo de democratização espiritual e de direito a um julgamento individual na eternidade tal como expresso no Livros dos Mortos (1040 a 985 a.c. na XXI Dinastia) ainda que inicialmente aos ricos e somente mais tarde às pessoas comuns. Breasted denomina esta fase de “aurora da consciência”.[2] Uma importante tendência de individualização já é mostrada nas esculturas da IV Dinastia como se observa no busto de Ankh-haf ou a estátua do engenheiro e arquiteto Homiunu responsável pela grande pirâmide Quéops na IV Dinastia.[3] Andre Pochan refere-se a Hardedef como o arquiteto da pirâmide.[4] Na IV dinastia se observa uma fusão entre os aspectos religiosos da realeza e do trabalho. O filho de Snefru, Kanufer foi Mestre do Trabalho e Arquiteto Chefe, Rahotep também filho de Snefru foi “sacerdote de Rá em Heliópolis e superintendente do trabalho e das expedições”, o príncipe Meryib foi arquiteto chefe e General dos Trabalhadores.[5] Paul Johnson aponta a utilização de sarcófagos pelos aristocratas egípcios como uma mostra da “democratização da imortalidade”.[6] Harco Willems contesta a tese de democratização dos ritos funerários e mostra que os caixões decorados de el-Bersha, de Beni Hasan e de Assiut no Novo Império são erstritos a uma elite e não ao povo em geral e mostra que o uso dos Textos dos caixões está intimamente ligado à cultura nomarcal e de forma alguma às esferas da população sem relação com os governadores ou poder locais.[7]



[1] VERCOUTTER, Jean. O Egito antigo, São Paulo:DIFEL, 1974, p. 34

[2] JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito Antigo, Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p.103

[3] MANUELIAN, Peter der. Module 7: The Statue of Hemiunu (G 4000). Harvard online Courses: Pyramids of Giza: Ancient Egyptian Art and Archaeology, 2018. https://online-learning.harvard.edu/course/pyramids-giza-ancient-egyptian-art-and-archaeology?offset=12

[4] POCHAN, André. O enigma da grande pirâmide, Rio de Janeiro: Difusão, 1977, p. 264

[5] JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito Antigo, Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p.88; TIRADRITTI, Francesco. Tesouros do Egito do Museu egípcio do Cairo, White Star Pub, 1998, p.61

[6] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 227

[7] ROLLAND, Cintia. Deir el-Bersha e a “democratização”: Uma nova maneira de compreender os Textos dos caixões e o sistema monárquico, Topoi. Revista de História | Volume 17, Número 32 | Janeiro – Junho 2016 https://revistatopoi.org/site/topoi32/



O papel do positivismo no desenvolvimento da ciência no Brasil

 

José Murilo de Carvalho aponta que no Brasil o positivismo tinha uma tendência para especulações filosóficas ao invés da pesquisa científica. Um exemplo da influência negativa do positivismo é o de um professor de eletricidade formado na Politécnica do Rio de Janeiro que não acreditava em eletromagnetismo pois segundo Comte não seria possível conhecer a estrutura as estrelas.[1] Luiz Otávio Ferreira mostra que o positivismo está ligado ao ensino das engenharias civil e militar no Brasil o que revela a historiografia destacou como um suposto desprezo pelas “ciências desinteressadas”. Um artigo de Otto de Alencar de 1896 membro da Sociedade Positivista “Alguns erros matemáticos da Síntese Subjetiva de Augusto Comte” denuncia limitações teóricas da matemática comtiana. Em 1918 Amoroso Costa aprofunda a crítica de Otto de Alencar e demonstra a esterilidade do conceito de ciência em Comte que teria atingido seu ápice no século XVIII.[2] Maria Amélia Dantes se contrapõe a tese de que o positivismo tenha sido um obstáculo ao desenvolvimento das ciências no país: “Muitos dos defensores das ideias cientificistas eram monarquistas e críticos dos valores e das instituições existentes na sociedade brasileira. A Igreja Católica foi um dos alvos preferidos [..] pela associação que faziam entre a Igreja Católica e um passado que queriam transpor”. Desta forma uma ala do positivismo ganharia apoio dos militares críticos da monarquia  e da Igreja Católica e na defesa no republicanismo entre os quais Benjamin Constant e o médico Luis Pereira Barreto autor do livro “As três filosofias”. Maria Amélia Dantes (figura) mostra que o cientificismo dos positivistas se refletia em 19 teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no período 1850 a 1900 de caráter claramente positivista de um grupo de 2904 teses. Nas faculdades de engenharia civil e militar do Rio de Janeiro Maria Amélia Dantes encontrou 8 teses de caráter positivista de um grupo de 25 teses pesquisadas.[3] Luiz Otávio Ferreira mostra que ao final do século XIX no Brasil o positivismo foi a matriz ideológica que formava um ethos da intelectualidade brasileira.[4] Segundo Luiz Otávio: “A história da construção de uma tradição positivista no Brasil está intimamente relacionada com o ensino de engenharia durante o Império”. Amélia Hamburguer, por sua vez, também discorda dos historiadores que entendem que o positivismo se afastava da verdadeira ciência ou mesmo que foi o responsável pelo atraso científico no país. Para a autora, que faz a análise de algumas teses defendida nas Escola Militar, Escola Politécnica e Faculdades de Medicina da Bahia e no Rio de Janeiro deve-se considerar o que significava ciência na época: “o positivismo de Auguste Comte se difundiu no Brasil não apenas como um sistema filosófico, mas adquiriu foros de teoria científica, sendo reconhecido em nossas escolas profissionais. Como sistema era defendido por um número relativamente pequeno de profissionais, mas esteve perfeitamente integrado ao conjunto das teorias reconhecidas no país até o final do século XIX”.[5]



[1] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.77

[2] FERREIRA, Luiz Otávio. O ethos positivista e a institucionalização das ciências no Brasil. Antropologia brasiliana, Ciência e educação na obra de Edgar Roquette Pinto. Rio de Janeiro: Ficocruz, 2008

[3] DANTES, Maria Amélia. Além da ordem e do progresso, Revista de História da Biblioteca Nacional, outubro 2010, p.36-39

[4] FERREIRA, Luiz Otávio. Os Politécnicos: ciência e reorganização social segundo o pensamento positivista da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, 1862-1922., Dissertação Mestrado Sociologia e Antropologia, UFRJ, 1989

[5] HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia; PETY, Michel; PETITJEAN, Patrick. A ciência nas relações Brasil-França, São Paulo:USP, 1996, p.49-63



Brechas do sistema escravista: a ascenção pelo trabalho

 

Roberto Guedes[1] mostra que nos séculos XVII a XIX “o trabalho propiciava espaços de ascensão social, o que implica abordar o seu lugar em termos de valor social e de alocação de grupos sociais” contrapondo-se a uma perspectiva da historiografia que considera que o vínculo ao trabalho estigmatizaria tais indivíduos privando-os da possibilidade de ascenção social. Roberto Guedes mostra que na metrópole essa perspectiva não era tão rígida uma vez que, por exemplo, privilégios e honrarias eram acessíveis a artesãos representantes de seus ofícios na Câmara, como os “juízes do povo” da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa. Em Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre observa que “Lembra o historiador Taunay que eleito a 8 de agosto de 1637 procurador da Câmara de São Paulo Manoel Fernandes Gigante, ‘foi suspeito de mecanismo’; logo, porém, declarou que ‘não era’; e mais: que se fosse ‘desistia de hoje em diante para sempre do ofício’, motivo pelo qual (...) se viu aceito”. Roberto Guedes mostra, contudo, que , no Rio de Janeiro, a vigência e o grau de depreciação do trabalho variaram no tempo, uma vez que e as elites locais, se dedicavam ao comércio e/ou ao artesanato de modo que podiam não ter uma ideologia negativa sobre o trabalho. Em 1830 Cipriano José dos Santos e sua mulher, concederam alforria a Benedito Crioulo, de 10 meses de idade, com a condição de que seu padrinho deveria “educar e ensinar algum ofício” até o escravo “ter uso de razão para ir por onde lhe parecer”, ou seja, o trabalho em algum ofício aparece claramente como instrumento de autonomia para sair da condição de escravidão.



[1] GUEDES, Roberto. Ofícios mecânicos e mobilidade social: Rio de Janeiro e São Paulo (Sécs. XVII-XIX), Topoi. Revista de História | Volume 7, Número 13 | Julho – Dezembro 2006 https://revistatopoi.org/site/topoi13/



quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Encantamentos no Egito Antigo

 

O Livro dos mortos apresenta diversos encantamentos, amuletos, imagens e palavras mágicas para proteger os mortos.[1] Para os egípcios os encantamentos presentes, por exemplo, nas paredes das pirâmides erigidas ao final da V e início da VI dinastia mostram a crença de que tais gravuras detinham um poder mágico[2]. Entre os amuletos encontrava-se o udjad, o olho de Hórus.[3] Segundo Heródoto historiador Grego, que viveu na Quinta-Dinastia antes da era Cristã, o processo de mumificação chegavam a durar setenta dias, contudo, uma inscrição muito mais antiga no túmulo da Quarta Dinastia pertencente à rainha Meresankh III, constata que o processo levou 270 dias, o mesmo tempo, aproximadamente, de uma gravidez, o que sugere uma analogia com o nascimento.[4] David Silverman mostra que as supostas maldições que teriam sido encontradas na tumba de Tutankhamon são na verdade criações do cinema. O Egito Antigo tinha maldições, mas a maioria deles foi feita como proteção para um indivíduo de algo ou alguém. A pessoa que faz a ameaça pode estar viva ou morta, real ou privada, e o alvo pode estar vivo ou morto. Por exemplo, uma destas maldições em uma correspondência ao invés de conter a frase típica: “Que você esteja bem quando ler isso” substitui isso por uma versão negativa, “Que todo o mal caia sobre você”.[5]



[1] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.9

[2] EDWARDS, J. As pirâmides do Egito, Rio de Janeiro:Record, 1985, p.31

[3] Grande História Universal: o princípio da civilização, Barcelona:Folio, 2001, p.100

[4] SILVERMAN, David. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 6, Mummies and Mummification Part 5, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/

[5] SILVERMAN, David. Wonders of Ancient Egypt Semana 4 Magic: Part 6 https://www.coursera.org/learn/wonders-ancient-egypt/lecture/




terça-feira, 28 de setembro de 2021

A recepção das teorias de Lavoisier no Brasil

 

O mineiro Vicente Coelho da Silva e Seabra (figura) formado em Coimbra publicou em 1788 Elementos de Chimica divulgando a recente teoria de Lavoisier, abandonando a teoria do flogisto, além de ter procedido a adaptação da nomenclatura proposta por Lavoisier para o português.[1] Em 1790 Lavoisier irá publicar Tratado elementar de química que será considerado o marco fundador da química moderna. Na Academia Real Militar no Rio de Janeiro inaugurada em 1811 as aulas de química incluíam as obras de Lavoisier, Vauquelin, Jouveroi, de la Grange e Chaptal.[2] Arruda da Câmara fora aluno de Chaptal em Montpellier, discípulo de Lavoisier.[3] Em 1813 no jornal “O Patriota” Silvestre Pinheiro Ferreira escreve artigo sobre um novo princípio da teoria do calórico em que se mostra atualizado quanto as discussões científicas de sua época. Segundo Antonio Cândido “a atividade d’O Patriota representa porventura a primeira manifestação pública de uma vida intelectual brasileira voltada para a divulgação das ciências e das letras em benefício do progresso”. Para José Carlos de Oliveira: “o periódico O Patriota foi sem dúvida o que mais tratou de difundir o espírito científico no Brasil, embora não tenha observado empenho teimoso em consolidar tal tipo de atividade no Brasil. [..] O periódico O Patriota não evoluiu nem agrupou homens de Ciência de forma a construir uma comunidade científica no Brasil que revertesse o quadro ainda tímido da cultura científica”.[4] Para Lorelai Cury “A publicação de O Patriota se insere em contexto de valorização das produções brasileiras por parte da administração portuguesa e das elites locais. A ênfase dada em suas páginas aos conhecimentos úteis é um desdobramento das preocupações do movimento iluminista luso-brasileiro. A diversidade temática dos artigos de O Patriota e sua preocupação didática delimitam sua vocação ilustrada, nos moldes do enciclopedismo europeu [...] O que se vê em O Patriota, no entanto, é a crítica, nem sempre velada, ao desinteresse das autoridades e dos agricultores pela inovação e aperfeiçoamento técnicos.”[5]



[1] AZEVEDO, Fernando. As ciências no Brasil, Rio de Janeiro:UFRJ, 1994, p.15; MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 114; TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.19; FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.108,130, 139

[2] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.202

[3] KURY, Lorelai. Iluminismo e Império no Brasil: O Patriota (1813-1814), Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007, p. 151

[4] OLIVEIRA, José Carlos. D. João VI e a cultra científica, Rio de Janeiro: EMC Edições, 2008, p. 57, 88;

[5] KURY, Lorelai. Iluminismo e Império no Brasil: O Patriota (1813-1814), Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/37832/2/livro.pdf



Um artigo pioneiro de história das ciências no Brasil

 

Uma matéria de setembro de 1816 na Gazeta do Rio de Janeiro assinada por Georges Cuvier (figura) destaca o papel do progresso da ciência “Esta preciosa herança sempre crescida, levada da Caldeia ao Egito, do Egito à Grécia, escondida em séculos de desgraça e de trevas, restaurada em épocas mais felizes, desigualmente espalhada entre os povos da Europa, tem sido seguida por toda a parte da riqueza e do poder; as nações que a têm recolhido vieram a ser senhoras do mundo, as que a desprezaram caíram na fraqueza e na obscuridade [...] todas as grandes descobertas práticas dos nossos últimos tempos tem precisamente o caráter de tirarem sua origem da generalidade e do rigor dado às indagações científicas, e essa profundidade, essas dificuldades, que espíritos orgulhosos desdenhavam como inúteis, são justamente o que tem produzido a utilidade mais assombrosa [...] Os Cooks, os Bourgainvilles, os Vancouvers não poderiam afrontar os gelos do polo, nem os baixios do mar das índias e homens civilizados não habitariam a Nova Holanda, se os Eulers, os Lagranges, os Laplaces não tivessem resolvido no fundo de seus gabinetes, alguns problemas abstratos de cálculo integral [..] se Paris não foi dizimada em 1814 pela febre pestilencial que a guerra tinha trazido a seus hospitais, é porque o sueco Scheele tinha descoberto, 30 anos antes, um ácido que conserva o contágio e depressa lhe destroi o gérmen [...] Pois bem, esses tesouros, esses gozos, nenhuma das invenções que no-los procuram, teriam nascido sem a ciência”.[1] José Carlos de Oliveira aponta este artigo como o primeiro de história de ciência publicado no Brasil.



[1] OLIVEIRA, José Carlos. D. João VI e a cultra científica, Rio de Janeiro: EMC Edições, 2008, p. 47



segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Censura à imprensa sob d. João VI

 

Em Portugal em 1769 foi criada a imprensa régia em que a censura embora tenha deixado de ser religiosa nem por isso deixou de haver censura política, no entanto o saldo com certeza foi de maior liberdade.[1] O cônego Ribeiro Sanchez expõe este paradoxo: “Este Ministro [Pombal] quis um impossível político; quis civilizar a Nação e ao mesmo tempo fazê-la escrava: quis espalhar a luz das ciências filosóficas e ao mesmo tempo elevar o poder real ao despotismo”.[2] Em outubro de 1808 um artigo de Hipólito da Costa publicado em Londres no Correio Brasiliense se queixa das restrições impostas pela censura portuguesa às publicações, ainda que de caráter científico: “Se agora ressuscitasse o grande Newton e quisesse publicar em Portugal os seus Princípios Matemáticos ou outra produção do seu gênio, ainda melhor seria essa obra mandada rever, por alguns desses sábios do Aerópago português, que têm na sua mão o poder de dispensar as luzes à Nação; e se o frade, a quem a obra fosse distribuída para censura, assentasse, que as proposições matemáticas, que ele não entendia, deviam, por isso mesmo, ser suprimidas; bem podia o grande Newton tornar a morrer e enterrar-se junto com a sua obra, porque Portugal e o mundo estavam sentenciando a ser privado do benefício daquela obra; e pergunto agora de quem é a culpa: falta de gênio em Newton ou defeito do governo, que admite tais regulamentos ? Muitas obras são proibidas em Portugal, porque os censores não sabem de que elas tratam. E toda a produção que esses “focos da Ciência” não aprovam é má. Todo o mundo sabe que se o autor a quem se proíbe uma obra proferisse a menos queixa seria finalmente, ou uma mordaça na Inquisição ou uma prisão de segredo por ordem da chamada polícia”.[3] No Rio de Janeiro o intendente Geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana, publicaria edital de 30 de maio de 1809 determinando que qualquer anúncio de venda de livros, sejam estrangeiros ou nacionais, teriam de ser aprovados previamente pela polícia.[4] Mesmo com as restrições, Tânia Ferreira e Lúcia Neves mostram que entre 1808 e 1823 os livreiros franceses não encontraram grandes obstáculos para importação de livros com os ideias políticos franceses, os “abomináveis princípios franceses” nos termos do diplomata português Rodrigo Sousa Coutinho (1755-1812), atuando como agentes da ilustração.[5]



[1] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal. Rio de Janeiro: Tinta da China , 2016, p.131

[2] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 57; BOXER, Charles. O império Colonial português, Lisboa:Edições 70, 1969, p.190

[3] OLIVEIRA, José Carlos. D. João VI e a cultra científica, Rio de Janeiro: EMC Edições, 2008, p. 31

[4] SODRÉ, Nelson Werneck. A história d imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p.19

[5] BESSONE, Tânia; NEVES, Lúcia. Livreiros franceses no Rio de Janeiro (1808-1823), História Hoje: balanço e perspectiva, IV Encontro Regional da Anpuh RJ, 16 a 19 outubro de 1990, Rio de Janeiro



Academia Real das Ciências de Lisboa

 

Os interesses de D. João V quando da promoção de cientistas para os trabalhos de cartografia usados para fundamentar as negociações do Tratado de Madri conduzidos por Alexandre de Gusmão, segundo Jaime Cortesão[1] não era o de promover a ciência mas atender interesses políticos: “Ele não fundara uma Academia de Ciências como a de Paris ou Londres. Mas de História (Academia Real de História Portuguesa em 1720). E, em primeiro lugar, eclesiástica. Não lhe importava, como um fim supremo, a busca da verdade e da explicação científica do universo. Mas a valorização moral do português, nas suas relações com Deus. A astronomia não passava aos seus olhos dum instrumento de expansão do seu Império e da sua Fé, bases transcendentes e incomparáveis do seu trono de monarca absoluto”. Deste movimento, posteriormente Alexandre de Gusmão funda uma escola de astronomia aplicada à geografia e cartografia trazendo da Itália o engenheiro Miguel Ciera[2] que chegou em Lisboa em 1751 como um dos mestres renovadores dessa cultura que formaria vários portugueses e brasileiros que teriam um papel importante na execução do Tratado de Santo Ildefonso em 1777.[3] A Academia das Ciências de Lisboa foi fundada a 24 de dezembro de 1779, no reinado de D. Maria I tendo como  grandes responsáveis e mentores pela concretização deste projeto, sobretudo, o 2.º Duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança, primeiro Presidente, e o abade José Corrêa da Serra, primeiro Secretário-geral. Na mesma época seria publicado as Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa refletindo a difusão da circulação de periódicos científicos.[4]



[1] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.I, São Paulo: Funag, 2006, p.292

[2] COSTA, Maria de Fátima. Miguel Ciera: um demarcador de limites no interior sul-americano (1750-1760), Estudos de Cultura Material, An. mus. paul. 17 (2), Dez 2009

 https://www.scielo.br/j/anaismp/a/W8FJKFt8dySXVxmvcrJTrNB/?lang=pt

[3] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.II, São Paulo: Funag, 2006, p.398

[4] OLIVEIRA, José Carlos. D. João VI e a cultra científica, Rio de Janeiro: EMC Edições, 2008, p. 22; http://www.acad-ciencias.pt/academia/historia-da-academia-das-ciencias-de-lisboa



O caráter divino dos faraós no Egito

 

No Novo Império (1570 a 1544 a.c.) o faraó assume aspectos cada vez mais divinos, sendo denominado de “encarnação de Deus” ou “manifestação de Deus”.[1] O faraó tinha de ser representado como um deus, de modo que seria inimaginável desenhá-lo em perspectiva, pois pareceria em escala reduzida em forma humana indistinta dos demais mortais[2]. David Silverman mostra que na cerimônia de coroação do faraó o mesmo ascendia ao trono como a personificação divina da realeza, como novo Hórus. Ao fará neste momento transcendia a humanidade e tornava-se o intermediário entre seu povo e os deuses. Somente na morte, porém, ele realmente alcançaria o status completamente divino. Alguns reis, no entanto, consideraram-se divinos desde o nascimento, como Amenhotep III, Ramsés II e Akhenaton. Há também cenas e textos mostrando e descrevendo o nascimento divino do Rei. Eles retratam essa transformação mágica do indivíduo originalmente humano em um rei divino por ter uma mãe humana e um pai divino.[3]



[1] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 84

[2] CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.132

[3] SILVERMAN, David. Wonders of Ancient Egypt Semana 4 Magic Part 4 https://www.coursera.org/learn/wonders-ancient-egypt/lecture



A magia no Egito Antigo

 

Segundo Guilherme Oncken os sacerdotes egípcios dominavam a “linguagem dos deuses” estabelecendo uma separação completa entre o profano e o sagrado: “a consequência disto era o vulgo não saber o que significavam a ciência e a religião, que a tradição transmitira e cujas formas seguia com supersticiosa exatidão, ao passo que o sacerdócio se separava cada vez do povo e vivia num mundo quimérico, cujos fantásticos ideais não podiam nunca ser postos em prática”.[1] Byron Shafer mostra que o acesso às forças ocultas podia se dar por meio de sonhos alguns dos quais registrados em livros dos Sonhos como os de Hor de Sebannytos do século II a.c.[2] Hor de Sebannytos foi um profeta de grande prestigio por ter profetizado com sucesso ao imperador Ptolomeu VI a retirada dos selêucidas e seu imperador Antioco IV do Egito o que de fato veio a ocorrer apenas um mês após sua profecia.[3] A interpretação dos sonhos era uma prática importante uma parte de heka (na figura), ou magia, como praticada no Egito. A profecia de Neferti da época de Amenemhat I previu acontecimentos terríveis no final do Antigo Império.[4] Flavio Josefo em Contra Apion se refere a relato do historiador Manethon de que o faraó Amenophis (possivelmente Amenophis IV 1364-1347 a.c.) desejava se tornar “observador dos deuses” e consultou um profeta chamado Amenophis conhecido por sua habilidade de prever o futuro.[5]

[1] ONCKEN, Guilherme. História Universal. História do Antigo Egito, v.I, Rio de Janeiro:Bertrand, p.304

[2] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 210

[3] BUNSON, Margaret. Encyclopedia of Ancient Egypt, New York:Facts on File, 2002, p. 171

[4] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 209

[5] LUCK, Georg. Arcana Mundi: magic and the occult in the Greek and roman worlds, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006, p.8



domingo, 26 de setembro de 2021

O conhecimento de metalurgia dos indígenas

 

Nas trocas de pau brasil com os primeiros colonizadores portugueses os índios apreciavam muito os instrumentos de ferro pois desconheciam a metalurgia.[1] Já em sua carta Pero Vaz de Caminha narra que “Muitos deles [os indígenas] vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que por verem a Cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas muito bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens”.[2] Na Relação do piloto anônimo também há a descrição de “nesta terra não vimos ferro e faltam-lhes outros metais. E cortam a madeira com pedras”.[3] As cartas de Américo Vespúcio dirigida a Lorenzo de Medici em 1502 relata que os índios não conheciam o ferro  ou qualquer outro metal.[4] Guido Boggiani em seu livro Os caduveo, com base na sua convivência entre os Kadiwéu em 1892, contudo, considera provável que antes da chegada dos portugueses os indígenas de Mato Grosso, moções paulistas, Paraguai e Baixo Amazonas (Mbaiá Guaicuru) já conheciam artefatos de ferro talvez sob influência dos povos andinos. Boggiani assinala a presença de um indígena ferreiro que tinha inclusive foles em sua oficina e retemperava o aço dos machados.[5] Vicente Tapajós em História do Brasil argumenta que os índios não desconheciam os metais. Capistrano de Abreu em Capítulos da Histórica Colonial relata que uma armada de 1513 ao sul do Brasil que tinha como capitão João de Lisboa se refere a ter encontrado diversos objetos metálicos na boca de um grande rio caudaloso incluindo um martelo de prata o qual levou para Portugal.[6]



[1] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.32

[2] PEREIRA, Paulo Roberto. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil, Rio de Janeiro: Lacerda Editora, 1999, p.50

[3] PEREIRA, Paulo Roberto. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil, Rio de Janeiro: Lacerda Editora, 1999, p.77

[4] RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979, p.5

[5] RODRIGUES, Clóvis, A inventiva Brasileira, Brasília:INL, 1979, v.1, p. 268

[6] ABREU, Capistrano. Capítulos da Histórica Colonial, São Paulo:Publifolha, 2000, p. 57



A cultura da mandioca entre os indígenas

 

Thevet se refere ao uso de farinha de mandioca pelos índios como alimento principal dos tupis: “de fato a cultura tupi pode ser chamada  a cultura da mandiocas pois essa determina não só seu sistema alimentar mas, também a sua organização social e seu habitat nas florestas tropicais ao longo da costa e das matas ciliares, ao longo dos rios que fluem do topo da montanha para o interior”.[1] Hans Staden descreve a técnica dos índios no preparo da mandioca: “Preparam a mandioca de três modos. Primeiro: trituram, sobre uma pedra, as raízes em pequenos grumos, extraindo o suco com uma cana, feita da casca da palma e chamada tipiti. Deste modo se torna seca a massa, que depois passa numa peneira. Da farinha fazem bolos fininhos. A vasilha na qual secam e torram sua farinha é feita de barro queimado e tem a forma de uma grande travessa. Segundo: tomam as raízes frescas, deitam-nas n’água, deixando-as aí apodrecerem, retiram-nas então na fumaça sobre o fogo. Chamam a essas raízes secas carimã. Conservam-se por muito tempo. Quando os selvagens querem utilizá-las, esmagam-nas em um almofariz de madeira. Isto dá uma farinha branca. Com elas fazem bolos que se chamam beijus. Terceiro: tomam mandioca bem apodrecida, não a secam, mas a misturam com seca e verde. Obtêm assim, torrada, uma farinha que se conserva perfeitamente por um ano. É boa também para comer. Chamam-na uitán”.[2] Da mandioca era fabricada a farinha ralando-a sobre uma superfície com pequenas pedras agudas e espremendo-a com o tepetim, que era um saco de junco oblongo, de modo que ao se apertar o saci se enxugava  a polpa da mandioca ralada de depois se cozia em tachos ao fogo.[3] A variedade de mandioca usada pelos índios era altamente venenosa e exigia um preparo cuidados, pois se a raiz for danificada de alguma forma, são liberadas moléculas que contém veneno[4]. A palavra mandioca significa mandi – pão, oca – casa. O preparo envolve mergulhar a mandioca na água até que, macerado, possa ser facilmente partido a mão para que então os pedaços sejam torrados e se consiga uma farinha, eliminando-se desta forma o sumo venenoso.[5] Segundo Thevet: “Um das mais interessantes mitos tupis explica a relação entre a mandioca e a mata: uma moça de nome atiôlô, não se sentindo feliz, pediu a mãe que a enterrasse viva. Depois de baldados argumentos, a mãe decidiu aceitar o pedido da filha e a enterrou em um cerrado. Mas a filha não conseguiu resistir ao clima quente e pediu a sua mãe que a enterrasse nos campos, mas também não se sentiu bem ali. O único lugar que se sentiu bem foi numa clareira aberta na mata. Então pediu à mãe que a deixasse só, ir-se embora e não voltar seu olhar para ela a não ser que ela gritasse.  Depois de muito tempo a mãe ouvindo um grito profundo voltou e encontrou uma árvore  que imediatamente transformou-se em um arbusto. A mãe então tratou de limpar o terreno em torno do arbusto até que ela florescesse. Então a mãe não resistiu a decidiu arrancara planta do chão. E assim descobriu a mandioca”.[6] Entre os índios tupi guarani o tipiti era uma espécie de prensa ou espremedor de palha trançada usado para escorrer e secar raízes, normalmente mandioca. Na prensagem da massa da mandioca escorria um líquido que continha uma substância venenosa, o ácido cianídrico, e era chamado maniaca. Quando ele era fervido, recebia o nome de tucupi.[7] Segundo Nieuhof “os tapuias não semeiam ou plantam qualquer outra coisa que não a mandioca, e sua alimentação usual é constituída de frutos, raízes, ervas, animais selvagens e, às vezes mel silvestre: que colhem do oco das árvores”.



[1] VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia, São Paulo: Alfa Ômega, 1994, p. 188

[2] MIRANDA. Carlos Alberto Cunha. A arte de curar nos tempos da colônia. Recife:UFPE, 2017, p.210

[3] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. I, p. 42

[4] LOPES, Reinaldo. 1499 o Brasil antes de Cabral,Rio de Janeiro:Harper Collins, 2017, p. 99

[5] NASH, Roy. A conquista do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1939, p. 32 http://www.brasiliana.com.br/obras/a-conquista-do-brasil

[6] VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia, São Paulo: Alfa Ômega, 1994, p. 188

[7] IBGE, Tipos e aspectos do Brasil, Rio de Janeiro:IBGE, 1975, p.158; SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p. 5. https://pt.wikipedia.org/wiki/Tipiti



O conhecimento indígena dos astros

 

Em 1612 o monge capuchinho francês Claude d’ Abbeville publicou História dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas em que relatou: “Os tupinambás atribuem à lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois”. Quando em 1642 Galileu Galileu publicou seu livro sobre o movimento da terra explicava que as marés seriam causadas pela rotação da terra. A explicação da relação do movimento da marés com a lua viria apenas com Isaac Newton em 1687, ou seja, mais de setenta anos depois de Abbeville escrever seu livro. Um dos mitos indígenas associa a lua com o fenômeno da pororoca[1]. Entre os tupinambás certa estrela era denominada januare, cão, uma vez eu os índios ao deitarem-se a “estrela late em seu encalço como um cão para devorá-la”. Januare ou Jaguar é a estrela da tarde ou Vésper. Quando a lua permanece oculta por muito tempo devido a algum eclipse, acontece de surgir vermelha como sangue resultado de sua caçada.[2] A lua vermelha segundo a astronomia ocorre na primeira lua cheia do fim do mês de abril ou princípio de maio, na verdade trata-se de um fenômeno metereológico e não astronômico. [3] Os tupinambás utilizavam os conhecimentos dos movimentos do Sol e da Lua na navegação, pesca e agricultura.[4] Entre os tupis a lua era Jaci / Yaci[5] a mãe dos frutos que presidia todo o mundo vegetal.[6] Guaraci, Quaraci, Coaraci ou Coraci (do tupi kûarasy, "sol") na mitologia tupi-guarani é a representação do Sol. Tupã não era exatamente um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do som do trovão. A cerimônia do Kuarup entre os índios do Alto Xingu se inicia somente com a lua em quarto crescente ou lua cheia.[7] Entre os caiapós o princípio do mundo está associado ao par Sol e lua, ambos do sexo masculino.[8] Para os antigos guaranis haviam um tigre no ceu que em certas ocasiões de eclipses devorava o sol ou a lua.[9] Um dos mitos dos guaraiu tem o nome de abaangui, um homem de nariz caído com o aspecto de uma lua metamorfoseada, enquanto que zaguayu é visto como uma encarnação do sol.[10] Para os bororos o sol e a lua pertencem ao clã dos badedgeba [11].  Ehrenreich encontra outras analogias dos mitos dos guaraiu e os astros como a analogia entre o tema dos gêmeos Arubiatá e Nanderiquey que representa respectivamente a lua e o sol. [12] O sol é igualmente descrito no mito dos tembés como um mancebo que usa botoque e tem a cabeça coroada com plumas brilhantes. As plumas sobre a cabeça representam os raios solares e seu uso identificaria o chefe da tribo.[13] O padre salesiano Alcionílio Bruzzi publicou em 1962 A civilização dos Uapés em que destaca, sob a ótica da catequese católica, a astronomia indígena na descrição do planeta Vênus e da Lua.

[1] AFONSO, Germano Bruno. Astronomia indígena. Revista de História da Biblioteca Nacional, outubro 2010, p. 32-36

[2] FERNANDES, Florestan . A função da social da guerra na sociedade tupinambá, São Paulo:Globo, 2006

[3] MOURÃO, Rogério Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1987, p. 483

[4] MIRANDA, Antonio Carlos. A dimensão do mito. São Paulo:Allprint, 2005, p.21

[5] COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.257

[6] MOURÃO, Rogério Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1987, p. 415

[7] SANTOS, Yolanda Lhuillier dos. Convite à Ciência. São Paulo:Logos, 1965, p.179, 218

[8] GONTIJO, Silvana. O mundo em comunicação, Rio de Janeiro:Aeroplano, 2001, p.90

[9] METRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as das demais tribos tupi-guaranis, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1950, p. 101; SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.2, p. 218

[10] METRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as das demais tribos tupi-guaranis, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1950, p. 66 http://www.brasiliana.com.br/obras/a-religiao-dos-tupinambas-e-suas-relacoes-com-as-das-demais-tribos-tupi-guaranis

[11] STRAUSS, Claude Lévi. O pensamento selvagem. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 264

[12] METRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as das demais tribos tupi-guaranis, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1950, p. 89

[13] MIRANDA, Antonio Carlos. A dimensão do mito. São Paulo:Allprint, 2005, p.31



Manuel Jacinto de Sampaio e o escândalo da atividade inventiva

 

Manuel Jacinto de Sampaio e Mello procurava aplicar em sua propriedade na Bahia técnicas modernas para o aumento de produtividade, algumas por ele patenteadas,[1] e era ridicularizado pelos demais engenhos de açúcar recebendo a alcunha de “Engenho da Filosofia”. Manuel Jacinto publicou em 1809 uma série de artigos na Gazeta da Bahia que posteriormente foram apresentados em 1816 no livro Novo método de fazer o açúcar ou reforma geral e econômica dos engenhos do Brasil.[2] Atribui-se como uma de suas invenções a adaptação em suas fornalhas para uso do bagaço da cana como combustível[3], já em uso desde 1809 na Vila da Cachoeira. O invento permite fazer ferver as caldeiras com a simples chama do bagaço seco da mesma cana, de modo que as caldeiras são fervidas em apenas duas horas enquanto que com as fornalhas antigas se precisava de seis a sete horas não obstante a grande quantidade de lenhas grossas, com isso poupa-se mão de obra escrava para o corte das lenhas e a necessidade de uso de bois para a condução das lenhas. Em 1816 Manuel Jacinto publicou Novo método de fazer açúcar ou reforma geral econômica dos engenhos do Brasil em utilidade particular e pública. Seus inventos eram publicados na gazeta baiana A Idade do Ouro.[4] No prefácio de seu livro “Novo método de fazer o açúcar” Manuel Jacintho se queixa dos estudos desconectados de sua aplicação prática, ou que se limitam a realizar máquinas que se mostram úteis em pequenas escala mas inviáveis quando adotadas em grandes escala: “os nossos filósofos estão dormindo há 300 anos sobre esse importante objeto, sem advertirem que as sciencias naturaes não se estudam para disputar nas aulas, ou conversar nas assembleias, mas para descobrir verdades interessantes ao bem comum [...] os muito e pesados logros que tem sofrido os senhores de engenho com as novas invenções, que já por desprezo chamam de inventivas, são causa de os achar tão escandalizados, que nem queiram ouvir falar nelas, respondendo logo: o modo de se fazer açúcar já está descoberto, nada se pode inovar, como muitos me intimarão, tendo um deles o desacordo de me dizer que não queria filosofias. Sem fazer caso desta geral repugnância dos senhores de engenho, não obstante ser o meu Engenho abundante de água e lenha perto, sem presente necessidade executei nele estes plano [que revelo neste livro]  com grande despesa, a fim de os convencer pela sua própria observação e experiência [..] Puseram o nome do meu Engenho de Engenho da Filosofia, fizeram-lhe verso satíricos mas em breves tempos se conhecerá que o resultado desse meu chamado “divertimento” são milhões anuais em proveito dos particulares, e por consequência do Estado, no que tenho sumo prazer. Quanto aos sarcasmos e sátiras não me causam admiração, porque leio na história literária, que grandes homens, que fazer avançar as ciências, opondo-se a opiniões, ainda que erradas, geralmente recebidas, tiveram mau pago [ou seja, da mesma forma sofreram injustiças] ”.[5]



[1] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 93; HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, O Brasil monárquico: dispersão e unidade, tomo II, volume 2, São Paulo:Difel, 1964, p. 288

[2] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. V, p. 224; SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 278

[3] MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, São Paulo:Edusp2004, p. 116

[4] SILVA, Maria Beatriz Nizza. A primeira gazeta da Bahia: Idade d’ouro do Brasil, São Paulo:Cultrix, 1978, p.146

[5] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p. 296



O papiro de Edwin Smith

 

No Egito receitas cosméticas e médicas foram encontradas em um texto do século XVI a.C o Papiro cirúrgico Edwin Smith[1] descoberto em 1930. O texto é uma cópia de outro texto ainda mais antigo[2], que contém “o conhecimento secreto da deusa Ísis”.[3] Para Berthelot “todo o tipo de processo químico assim como tratamento médico era executado com o acompanhamento de fórmulas religiosas, orações e encantamentos, consideradas essenciais para o sucesso das operações assim como para a cura das doenças”.[4] Breasted contesta a afirmação de Berthelot porém sua crítica é anterior a descoberta do papiro de Edwin Smith, onde são listadas fórmulas terapêuticas e místicas para o tratamento de ferimentos e fraturas, provavelmente com material copiado de outros documentos ainda mais antigos.[5] David Silverman mostra que diversas receitas são acompanhadas de encantamentos de modo que medicina e magia são vistos como uma unidade, como por exemplo a receita 9: “O inimigo que está na ferida é repelido, o mal que está no sangue é expulso, o adversário de Hórus de todos os lados da boca do ISIS não existe mais. Este templo não cai. Não há nenhum inimigo do barco nele. Estou sob a proteção do ISIS. Meu resgate é o filho de Osíris e aquele é Hórus.”[6] O papiro de Edwin Smith inclui cirurgias para reconstrução de nariz e queixos fraturados. Esqueletos encontrados no Vale dos Reis mostram que fraturas sofridas pelos trabalhadores eram restauradas com uso de talas.[7] Jurgen Thorwald destaca que o papiro de Edwin Smith é um documento que trata de um manual de medicina onde não se observam exorcismos ou magia[8]. Cortes menores eram amarrados com pequenas tiras de linho atados com carne fresca. O princípio se baseia numa superstição que usa o ritual da compressão de carne para fechar as feridas da carne, que acaba tendo em efeito empírico satisfatório por atuar a carne neste caso como um fermento hemostático.[9] O papiro de Edwin Smith sugere que os egípcios contavam as batidas do coração ao sentir os vasos sanguíneos com os dedos.[10]

[1] MOKHTAR, Gamal. História geral da África, II: África antiga, Brasília : UNESCO, 2010, p.137 https://pt.wikipedia.org/wiki/Papiro_de_Edwin_Smith

[2] MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 232

[3] ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.132

[4] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.12

[5] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 10

[6] SILVERMAN, David. Wonders of Ancient Egypt Semana 4 Magic: Part 1 https://www.coursera.org/learn/wonders-ancient-egypt/lecture/

[7] MILLER, Russel. A verdade por trás da história: as novas revelações que estão mudando nossa visão do passado. Rio de Janeiro:Reader’s Digest, 2006, p.246

[8] THORWALD, Jurgen. O segredo dos médicos antigos. São Paulo: Melhoramentos, 1990, p.51

[9] THORWALD, Jurgen. O segredo dos médicos antigos. São Paulo: Melhoramentos, 1990, p.57

[10] THORWALD, Jurgen. O segredo dos médicos antigos. São Paulo: Melhoramentos, 1990, p.58



O Tratado de Tordesilhas

 

Jaime Cortesão publicou em 1958 o opúsculo "A Missão dos Padres Matemáticos no Brasil" editado pela Agência Geral do Ultramar em que se refere que os mapas então produzidos eram surpreendentemente rigorosos para os meios da época. Apesar disso, o Mapa das Cortes usado nas negociações do Tratado de Madri por Alexandre de Gusmão foi propositalmente viciado nas longitudes para fins diplomáticos desviando o Brasil meridional para leste, aumentando assim a soberania de Portugal delimitado pelo meridiano de Tordesilhas. A cartografia dos padres matemáticos, por sua vez, foi mantida em segredo pelo reino português.[1] O Tratado de Tordesilhas estabelecido entre Portugal e Espanha nunca foi reconhecido pelos demais países, que não reconheciam tal monopólio e desde o século XVI enviavam navios ao litoral do Brasil que partiam dos portos de Diepe, Saint Malo, Honfleur e Cherbourg na costa da França. O rei da França Francisco I (1515-1547) diante dos protestos de Portugal respondeu ironicamente que desconhecia o testamento de Adão que teria dividido o mundo entre os reis de Portugal e Espanha.[2] Os primeiros navios franceses partiram do porto de Honfleur em 1503 sob comando do capitão Binot Palmier de Gonneville tendo chegado a São Vicente (São Paulo) onde Gonneville ergueu em sinal de posse uma grande cruz de madeira da terra gravando os nomes do papa Alexandre VI e do rei Luís XII da França. [3]

[1] CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, v.II São Paulo: Funag, 2006, p. 332, 333

[2] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.161

[3] TAVARES, A, Lyra, Brasil França ao longo de 5 séculos, Rio de Janeiro: Bibliex, 1979, p. 62



sábado, 25 de setembro de 2021

A escolha de juízes do Brasil colonial

 

Muitas vezes o que observava era uma escassez de pessoas preparadas para assumir cargos municipais. Em 1717 em Vila Rica um ex sapateiro serviu como juiz ordinário. D. João V em 1725 ordenou que todos os futuros indicados aos cargos municipais deveriam ser brancos e casados com mulheres brancas. A forma encontrada para assegurar um maior controle da metrópole era a escolha de um juiz de fora indicado pelo rei a partir de 1696 para os municípios mais importantes em substituição aos juízes ordinários[1]. Em 1707 os portugueses do Rio de Janeiro em ofício ao vice Rei Luis de Vasconcelos e Souza (na figura), se queixaram a D. João V que “os filhos da terra”  monopolizavam as eleições para o Senado da Câmara e sugerem a criação de cotas para os portugueses “em todas as eleições do senado da Câmara daquela cidade do Rio de Janeiro sejam três eleitores dos cidadãos filhos da terra e outros três dos cidadãos filhos de Portugal”.[2] No século XVII a Coroa portuguesa questionada quanto a dificuldade de se encontrar pessoas que soubessem ler e escrever para exercer o cargo de juízes contemporizou que não importava que o magistrado fosse analfabeto, desde que seu escrevente não o fosse.[3]



[1] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 318, 332; VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.269

[2] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 520, Revista do IHGB, 1848, v.X, p.218

[3] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 317



Patente de Invenção de elevatória de água usada em mineração do século XVIII

 

Claudio Manuel da Costa deixou registrado em seu poema Vila Rica[1], em uma nota de página o registro da introdução de rodas para esvaziamento das catas, conhecida como “rodas do rosário”  no ano de 1711, por um clérigo alcunhado “Bonina Suave”, em que se erigia no mesmo lugar a Vila Rica de Albuquerque[2]. O mecanismo era formado por duas rodas cujo diâmetro variava de quatro a seis metros unidas por tábuas formando recipientes, sendo as rodas movimentadas pela passagem da água que acionava por meio de uma corrente, caixões de madeira abertos e inclinados de modo a mergulhar no rio e subir cheio de lama para depois ir despejando por inclinação seu conteúdo. O mesmo mecanismo também é mencionado pelo mineiro de Serro Frio, João Barbosa Moreira.[3] Lemos Brito observa que antes da vinda de D. João VI as únicas máquinas hidráulicas conhecidas era o rosário. O italiano Domenico Vandelli explica o uso dos rosários para extração de água das minas: “costumam tirá-las com uma espécie de nora, que é das mais antigas máquinas, a que os mineiros chamam ‘rosário’ pelo feitio e união das alcatrazes com cadeias. Porém, como esta não pode extrair senão uma pequena porção d’água e também a uma determinada profundidade, e sendo muita a água e muito profunda, não se continua a escavação e fica a mina abandonada por não se conhecer a bomba a fogo, nem outras máquinas hidráulicas, ou por não se saber a arquitetura subterrânea dar escôo às águas”.[4] O ouro aproveitado era o que vinha em pepitas, em folhetas ou em pó, pois ainda não se conhecia a extração de metal pelo antimômio ou pelo azougue.[5] Segundo Sérgio Buarque de Holanda: “Só por volta de 1725 se aperfeiçoaria, no entanto, essa máquina, se é exato que em Vila Rica, nesse tempo melhorou-a Manuel Pontes, alcançando logo privilégio para fabricá-la”.[6] Na provisão do governador Dom Lourenço de Almeida concedida a Manoel Frz. Pontes, em Vila Rica, no dia primeiro de agosto de 1725 são concedidos privilégios ao Mestre Carpinteiro das obras das casas de Fundição e Moeda por ter sido ele “o primeiro que aperfeiçoou o invento das rodas com que se esgota água das catas que se fazem nos rios destas Minas, com cujo invento, depois que foi aperfeiçoado pelo dito Manoel Frz. Pontes, se tem extraído muito ouro”. O privilégio então concedido valeria por três anos e consistia em que ninguém pudesse fazer as rodas inventadas a não ser o próprio Manoel Pontes e que quando alguém a quisesse fazer por outro carpinteiro lhe daria 100 oitavas de ouro de prêmio.[7]



[1] LAGO, Pedro Correa. Brasiliana IHGB 175 anos, Rio de Janeiro:Capivara, 2014, p. 328

[2] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.135

[3] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 114

[4] FIGUEROA, Sílvia. Metais aos pés do trono:  exploração mineral e o início da investigação da  terra no Brasil, REVISTA USP, São Paulo, n.71, p. 10-19, setembro/novembro 2006 https://core.ac.uk/download/pdf/268320408.pdf

[5] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.120

[6] HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, A época Colonial: administração, economia, sociedade, tomo II, volume 1, São Paulo:Difel, 1982, p. 275

[7] [PROVISÃO de D. Lourenço de Almeida a Manoel Frz. Pontes]. APM-SC, códice 26, fl 138-139v In: REIS, Flavia Maria da Mata. Entre faisqueiras, catas e galerias: explorações do ouro, leis e cotidiano nas Minas do século XVIII (1702-1762). Dissertação de mestrado, História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2007; RENGER, Friedrich E. Direito mineral e mineração no Códice Costa Matoso (1752). Varia Historia. Belo Horizonte, n. 21, jul. 1999, p. 156-170 http://livros01.livrosgratis.com.br/cp037036.pdf



Crise na economia de Minas Gerais com o declínio da mineração ?

 

Wilson Martins mostra que mesmo com o impacto negativo na economia no século XVIII o florescimento cultural na colônia prosseguiu. Afonso Arinos de Melo Franco na edição das Cartas Chilenas aponta na arquitetura a construção da igreja matriz de Caeté, as igrejas de S. Francisco e Carmo em Ouro Preto, Sabará, São João del Rei e Diamantina, as pinturas de mestre Ataíde em Mariana, ou os profetas de Antonio Francisco Lisboa em Congonhas do Campo, todas criações na época que se seguiu de decadência econômica.[1] Da mesma forma Germain Bazin: “Não é curioso que tal florescimento, exigindo grandes recursos financeiros emanando de um povo inteiro, coincida com o momento em que se completa a decadência de Minas Gerais ? É em 1770 que o governador Rodrigo César de Meneses escreve o relatório que registra o declínio; essa data que á do florescimento do Rococó assiste a ascenção do Aleijadinho. Nem sempre é verdade que o maior desenvolvimento artístico coincide com a maior prosperidade econômica”.[2] Roberto Martins, por sua vez, critica a perspectiva de que com o declínio da produção aurífera Minas Gerais tenha entrado em declínio econômico tal como afirmado por historiadores como Oliveira Martins, Celso Furtado, Roberto Simonsen e Barros Castro. A diversificação da economia mineira foi capaz de manter o ritmo da atividade  econômica. Entre as instruções passadas, em 24 de janeiro de 1775, ao recém-nomeado governador de Minas, D. Antônio de Noronha, o Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro é destacado “as comarcas do Ouro Preto, do Rio das Velhas, do Serro Frio e do Rio das Mortes, de que se compõe a dita Capitania, povoadas de muitos milhares de habitantes, abundantes de tudo o necessário para a vida a preços muito cômodos, e com um extensíssimo comércio para todas as outras capitanias do Brasil”, ou seja, não qualquer descrição de um cenário de decadência econômica. Mesmo com o declínio da mineração a importação de escravos por Minas Gerais não apresenta sinais de declínio. No relatório de transmissão do cargo a seu sucessor, datado de 19 de junho de 1779, o vice-rei do Brasil e governador do Rio de Janeiro, D. Luís de Almeida Portugal, 2º. marquês do Lavradio, refere-se às entradas de escravos para a capitania mineira como algo corriqueiro e frequente, e informa que entre as funções do Provedor da Fazenda se incluía a de emitir “as guias para os escravos que vão para Minas, afim de que estes paguem primeiro os direitos que devem a Sua Majestade”. Na Recompilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas, publicada em 1802 por Luís dos Santos Vilhena, informa que Minas Gerais já não consegue suprir sua demanda de escravos no Rio de Janeiro tendo de recorrer à Bahia: “o comércio hoje desta praça para Minas Gerais [...] Consiste este na exportação de bastantes escravos que o Rio não pode subministrar-lhes com a precisa abundância”. Segundo Roberto Martins: “A lenda de que o declínio da mineração gerou um estoque de escravos redundantes, ociosos ou subutilizados em Minas Gerais, e que esses escravos foram  transferidos para o nascente setor exportador de café no vale do Paraíba, é uma das mais pegajosas, dentre as muitas bobagens inventadas pelos historiadores apocalípticos. Como anotamos acima, tudo indica que esse mito foi criado por Roberto Simonsen, reproduzido por Luís Amaral, Celso Furtado, Antônio de Castro, e outros, e tem sido repetido como uma ladainha, até hoje, por dezenas de autores”.[3]



[1] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 521

[2] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 572

[3] Martins, Roberto Borges. Crescendo em silêncio: a incrível economia escravista de Minas  Gerais no século XIX / Roberto B. Martins. – Belo Horizonte: ICAM: ABPHE,  2018.


Doação de Constantino

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