domingo, 26 de setembro de 2021

A cultura da mandioca entre os indígenas

 

Thevet se refere ao uso de farinha de mandioca pelos índios como alimento principal dos tupis: “de fato a cultura tupi pode ser chamada  a cultura da mandiocas pois essa determina não só seu sistema alimentar mas, também a sua organização social e seu habitat nas florestas tropicais ao longo da costa e das matas ciliares, ao longo dos rios que fluem do topo da montanha para o interior”.[1] Hans Staden descreve a técnica dos índios no preparo da mandioca: “Preparam a mandioca de três modos. Primeiro: trituram, sobre uma pedra, as raízes em pequenos grumos, extraindo o suco com uma cana, feita da casca da palma e chamada tipiti. Deste modo se torna seca a massa, que depois passa numa peneira. Da farinha fazem bolos fininhos. A vasilha na qual secam e torram sua farinha é feita de barro queimado e tem a forma de uma grande travessa. Segundo: tomam as raízes frescas, deitam-nas n’água, deixando-as aí apodrecerem, retiram-nas então na fumaça sobre o fogo. Chamam a essas raízes secas carimã. Conservam-se por muito tempo. Quando os selvagens querem utilizá-las, esmagam-nas em um almofariz de madeira. Isto dá uma farinha branca. Com elas fazem bolos que se chamam beijus. Terceiro: tomam mandioca bem apodrecida, não a secam, mas a misturam com seca e verde. Obtêm assim, torrada, uma farinha que se conserva perfeitamente por um ano. É boa também para comer. Chamam-na uitán”.[2] Da mandioca era fabricada a farinha ralando-a sobre uma superfície com pequenas pedras agudas e espremendo-a com o tepetim, que era um saco de junco oblongo, de modo que ao se apertar o saci se enxugava  a polpa da mandioca ralada de depois se cozia em tachos ao fogo.[3] A variedade de mandioca usada pelos índios era altamente venenosa e exigia um preparo cuidados, pois se a raiz for danificada de alguma forma, são liberadas moléculas que contém veneno[4]. A palavra mandioca significa mandi – pão, oca – casa. O preparo envolve mergulhar a mandioca na água até que, macerado, possa ser facilmente partido a mão para que então os pedaços sejam torrados e se consiga uma farinha, eliminando-se desta forma o sumo venenoso.[5] Segundo Thevet: “Um das mais interessantes mitos tupis explica a relação entre a mandioca e a mata: uma moça de nome atiôlô, não se sentindo feliz, pediu a mãe que a enterrasse viva. Depois de baldados argumentos, a mãe decidiu aceitar o pedido da filha e a enterrou em um cerrado. Mas a filha não conseguiu resistir ao clima quente e pediu a sua mãe que a enterrasse nos campos, mas também não se sentiu bem ali. O único lugar que se sentiu bem foi numa clareira aberta na mata. Então pediu à mãe que a deixasse só, ir-se embora e não voltar seu olhar para ela a não ser que ela gritasse.  Depois de muito tempo a mãe ouvindo um grito profundo voltou e encontrou uma árvore  que imediatamente transformou-se em um arbusto. A mãe então tratou de limpar o terreno em torno do arbusto até que ela florescesse. Então a mãe não resistiu a decidiu arrancara planta do chão. E assim descobriu a mandioca”.[6] Entre os índios tupi guarani o tipiti era uma espécie de prensa ou espremedor de palha trançada usado para escorrer e secar raízes, normalmente mandioca. Na prensagem da massa da mandioca escorria um líquido que continha uma substância venenosa, o ácido cianídrico, e era chamado maniaca. Quando ele era fervido, recebia o nome de tucupi.[7] Segundo Nieuhof “os tapuias não semeiam ou plantam qualquer outra coisa que não a mandioca, e sua alimentação usual é constituída de frutos, raízes, ervas, animais selvagens e, às vezes mel silvestre: que colhem do oco das árvores”.



[1] VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia, São Paulo: Alfa Ômega, 1994, p. 188

[2] MIRANDA. Carlos Alberto Cunha. A arte de curar nos tempos da colônia. Recife:UFPE, 2017, p.210

[3] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. I, p. 42

[4] LOPES, Reinaldo. 1499 o Brasil antes de Cabral,Rio de Janeiro:Harper Collins, 2017, p. 99

[5] NASH, Roy. A conquista do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1939, p. 32 http://www.brasiliana.com.br/obras/a-conquista-do-brasil

[6] VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia, São Paulo: Alfa Ômega, 1994, p. 188

[7] IBGE, Tipos e aspectos do Brasil, Rio de Janeiro:IBGE, 1975, p.158; SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p. 5. https://pt.wikipedia.org/wiki/Tipiti



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