domingo, 28 de agosto de 2022

Os sete sábios da Grécia antiga

 

Charles Singer aponta a filosofia romana do estoicismo e o apreço pela retórica, a aceitação resignada do destino regido por forças dos astros, como as razões para o desprezo dos romanos pelas questões científicas.[1]. Mary Beard destaca que nos grafiti encontrados em banheiros no “Banhos dos sete sábios” no porto de Óstia se observa inscrições como “Tales aconselha aqueles que cagavam muito a realmente se empenharem nisso” o que revela o conhecimento do povo do sábio grego “se Tales de Mileto não significasse absolutamente nada, então o conselho sobre defecação dificilmente teria alguma graça. Para fazer um comentário sarcástico contra as pretensões da vida intelectual, você precisava ter algum conhecimento a respeito dela”.[2] No texto atribuído a Higino Fabulae, CCXXI, Os Sete Homens Sábios, os sete sábios são: Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene. Plutarco em Moralia, O jantar dos sete homens sábios lista os sete sábios como Tales de Mileto, Bias de Priene, Pítaco de Mitilene, Solon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Anacarses. Platão, no diálogo intitulado Protágoras, expõe a seguinte lista: Tales, Pítacos, Bias, Solon, Cleóbulo, Mison e Quílon.[3] Um mosaico encontrado próximo a Pompeia na Torre Annuziata do século I também mostra os sete sábios, entre os quais possivelmente encontra-se Tales.[4] As histórias destes sábios compartilham certos traços comuns, apesar de suas diferentes áreas de especialização, como a escrita de poesia ou envolvendo-se em alguma atividade política e fazendo algum tipo de performance, além de serem creditados por ter alguns ou vários provérbios sábios. Eles incorporam essa combinação de experiência prática, algum tipo de sabedoria teórica, algum tipo de inteligência e a capacidade de impressionar um grande grupo de pessoas, o que revela um Panhelenismo. Diógenes Laertius diz que Thales todos os dias pronunciava uma oração, agradecendo a Deus que ele nasceu humano não um animal, homem não uma mulher, e um grego não um estrangeiro.[5]



[1] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.7, 82

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 464

[3] https://manuelcohen.photoshelter.com/image/I00005.baKT6VEvo

[4] WAERDEN, Van Der. Science Awakening, New Jersey: Springer, Dordrecht, 1975, p.78

[5] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeeks, Coursera Week 3 lecture 3 Tyrants and Sages https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/ILUfn/tyrants-and-sages



A historiografia e o negro sujeito de sua própria história

 

Moacir Maia ao identificar o sentimento de unidade cultural entre os couranos mostra suas estratégias de inserção na sociedade escravista mineira como a possibilidade de escolha de padrinhos do mesmo grupo étnico a qual pertenciam[1], formação de núcleo famíliar (rompendo com o estereótipo de que o negro estava imerso em um ambiente de anomia social e promiscuidade no cativeiro[2]), participação em irmandades em um processo de reelaboração de signos e significados, como demonstrado no protagonismo dos courás na Irmandade do Rosário dos Pretos em Mariana e em Pilar de Vila Rica: “mesmo com as limitações impostas pelo cativeiro e pela prórpria sociedade colonial, nela viveram e nela reconstruíram suas vidas numa resistência adaptativa, noção aqui emprestada de Steve Stern: modo de os indivíduos se apropriarem, ativamente, dos signos sociais, novos ou antigos, como forma de resistirem a adversidades e opressões [...] São indícios importantes para que se possa compreender o papel dos couranos enquanto sujeitos de sua própria história”.[3]

[1] MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. De reino traficante a povo traficado: a diáspora dos courás do golfo do Benin para Minas Gerais, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022, p. 259

[2] MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. De reino traficante a povo traficado: a diáspora dos courás do golfo do Benin para Minas Gerais, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022, p. 173

[3] MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. De reino traficante a povo traficado: a diáspora dos courás do golfo do Benin para Minas Gerais, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022, p. 261



sábado, 27 de agosto de 2022

Vaso Vix grego

 

Na civilização etrusca que data do século VII a.c que antecedeu aos romanos já demonstrava domínio em técnicas de joalheria com trabalhos em ouro e prata, como por exemplo as encontradas no túmulo Regolini Galassi.[1] A Etruria era grande exportadora de artigos em bronze.[2] Este desenvolvimento da indústria de metais se explica pela abundância de ferro e cobre na Toscana bem com na ilha de Elba e pela importação de bronze das ilhas britânicas.[3] A cidade etrusca de Populônia, que tratava o minério da ilha de Elba[4], destacava-se por suas atividades em metalurgia com a fabricação de objetos em ferro, cobre e bronze como armas, ânforas (amphorae), trípodes e candelabros.[5] As técnicas, contudo, não eram avançadas a julgarmos pelas enormes quantidades de rejeitos o que mostra que era preciso enormes quantidades de combustível para se conseguir resultados medíocres[6]. Datado de 500 a.c. o vaso encontrado em Vix na Borgonha com peso de 200kg e 1,60 metros de altura é uma peça em bronze com espessura extraordinariamente fina que varia entre 1 e 1,3 mm, uma façanha técnica insuperável que assombra os arqueólogos contemporâneos.[7] Os objetos de bronze criados por ateliês helênicos eram exportavam para a Gália através de Marselha. A origem deste vaso possivelmente é algum ateliê de Corinto, Lacônia, Calcídia, Taranto, Argos ou mesmo da Etrúria toscana. Na ourivesaria as técnicas de filigrana e granulado permitiam a criação de joias em ouro de modo a conseguir fios extremamente finos permitindo a fabricação de arabescos, fíbulas, brincos ou braceletes[8]. A parte oriental da península itálica particularmente as ilhas de Elba e Sardenha eram ricas em ferro, cobre, estanho e outros metais. Os povos itálicos quando da invasão dos etruscos já dominavam a fundição do bronze embora continuassem a utilizar instrumentos de pedra, no entanto as cerâmicas não alcançaram desenvolvimento importante limitando-se á satisfação das necessidades mais básicas[9].

[1] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.61, 163

[2] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 130

[3] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 21

[4] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.270, 273; AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine, Roma e seu império, História Geral das Civilizações, São Paulo:1974, p. 25

[5] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.120; BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.20

[6] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.270, 109

[7] https://mare.art.br/cratera-de-vix/

[8] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.184

[9] BLOCH, Leon. Lutas sociais na Roma Antiga, Lisboa:Pub. Europa America, 1956, p.22



sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O alquimista de Notre Dame

 

Para Fulcanelli a catedral de Notre Dame em Paris está repleta de representações alquímicas entre as quais “O pilar central, que divide em dois o vão da entrada, oferece uma série de representações alegóricas das ciências medievais. Face à praça — e em lugar de honra — a alquimia aparece figurada por uma mulher cuja fronte toca as nuvens. Sentada num trono, tem na mão esquerda um cetro — insígnia de soberania — enquanto à direita sustem dois livros, um fechado (esoterismo) outro aberto (exoterismo). Mantida entre os seus joelhos, e apoiada no seu peito, ergue-se a escada dos nove degraus — scala philosophorum — hieróglifo da paciência que devem possuir os seus fiéis no decurso das nove operações sucessivas do labor hermético. “A paciência é a escada dos Filósofos, diz-nos Valois e a humildade é a porta do seu jardim; porque a quem perseverar sem orgulho e sem inveja, Deus fará misericórdia”. [1] Laurent Ridel mostra que esta imagem não tem origem na construção da catedral no período medieval, mas foi introduzido numa reforma apenas setenta anos de Fulcanelli escrever seu livro.[2] A coluna anterior onde se encontra a imagem havia sido voluntariamente destruído pelo arquiteto Soufflot em 1771, porque o pilar obstruía a entrada das procissões. No século XIX, a equipe de Viollet-le-Duc o restaurou, mas sem se preocupar em reproduzir fielmente o antigo, introduzindo a imagem do alquimista. Segundo Leurent Ridel a imagem em Notre Dame foi adaptada numa imagem da representação da filosofia, tal como aparece em um vitral da catedral de Laon, mas desta vez para representar a alquimia na imagem em Notre-Dame de Paris, a escada tem um degrau adicional para corresponder às 9 etapas do processo alquímico, em que a figura tem numa das mãos os livros da sabedoria, na outra o ceptro e apoiada no seu peito a escada que, tal como a escada de Jacob, permitirá chegar à esfera do conhecimento divino. Além disso, a mão da mulher carrega um livro fechado em referência ao conhecimento esotérico, portanto oculto. Um livro de Gilbert que mostra a coluna antes da reforma de Viollet-le-Duc se pode observar nitidamente que a imagem que constava não era a do alquimista.



[1] FULCANELLI. O mistério das catedrais, Lisboa: Edições 70, 1964, p. 86, 126

[2] RIDEL, Laurent. Les cathédrales sont-elles des monuments alchimistes ? https://decoder-eglises-chateaux.fr/cathedrales-monuments-alchimistes/



O leão verde e o solvente universal da alquimia medieval

 

Anna Goldfarb e Márcia Ferraz encontram nos arquivos da Royal Society uma correspondência de 1675 endereçada a Henri Oldenbrug vinda de Augustin Boutens um apotecário e alquimista, com amostra de Ludus com o qual se poderia obter o alkahest (solvente universal)[1] e que poderia ser usado na dissolução de cálculos urinários. Paraceslo se refere ao alkahest como um medicamento particular para o fígado e Van Helmont usa a mesma palavra para um líquido capaz de dissolver qualquer substância.[2] As pesquisadoras mostram que cientistas como Newton e Boyle, mesmo após a aceitação das teses mecanicistas, ainda estavam interessados em tema relacionados com o hermetismo tais como a transmutação e a busca do pó da simpatia, o alkahest, assim como fórmulas magistrais com fins medicinais. O próprio Oldenburg relata expriências alquímicas com o alkahest.[3] Para os alquimistas o alkahest era o solvente dos solventes, capaz de decompor a matéria em seus constituintes elementares e,além disso,poderia ser recuperado intacto depois de qualquer processo de dissolução.[4] Fulcanelli[5] explica o porque deste solvente universal ser conhecido nos textos alquímicos como leão verde: “não tanto porque possua coloração verde mas porque não adquiriu os caracteres minerais que distinguem quimicamente o estado adulto do estado do que nasce. É um fruto verde e amargo, comparado com o fruto vermelho e maduro. É a juventude metálica sobre a qual a Evolução não atuou, mas que contém o germe latente de uma real energia,chamada mais tarde a desenvolver-se. São o arsênico e o chumbo, em relação à prata e ao ouro. É a imperfeição atual de que sairá a maior perfeição futura; o rudimento do nosso embrião, o embrião da nossa pedra, a pedra do nosso Elixir. Certos adeptos, Basile Valentin entre eles, chamaram-lhe Vitríolo verde, para expressar a sua natureza cálida, ardente e salina; outros, Esmeralda dos Filósofos, Orvalho de Maio, Erva saturniana, Pedra vegetal etc. “A nossa água toma os nomes das folhas de todas as árvores, das próprias árvores e de tudo o que apresenta uma cor verde, a fim de enganar os insensatos”, diz Mestre Arnaud de Villeneuve”.

[1] HUITIN, Serge. História geral da alquimia, São Paulo:Pensamento, 2010, p. 74

[2] PRINCIPE, Lawrence. The secrets of alchemy, Chicago: Univ Chicago Press, 2013, p.134

[3] HAAG, Carlos. “Uma incômoda pitada de magia”. Pesquisa Fapesp, v. 199, p. 18-25, set. 2012,  https://revistapesquisa.fapesp.br/uma-incomoda-pitada-de-magia/

[4] GOLDFARB, Ana Maria Alfonso; FERRAZ, Márcia Helena Mendes. Um casamento entre alquimia e medicina, Revista de História da Bibllioteca Nacional, edição n.91, abril 2013 https://web.archive.org/web/20160415175952/http://rhbn.com.br/secao/artigos-revista/um-casamento-entre-alquimia-e-medicina

[5] FULCANELLI. O mistério das catedrais, Lisboa: Edições 70, 1964, p. 116



As catedrais góticas

 

A catedral de Chartres em estilo gótico clássico teve sua construção iniciada em 1145 e reinaugurada em 1220 após um grande incêndio, com formação em cruz formada pela nave central, os dois tranceptos e abside no altar.[1] Arnold Toynbee observa que o estilo gótico teve inspiração oriental. William Anderson e Jean Bonney defende a mesma tese.[2] Henridk van der Loon mostra que o gótico, a arte das linhas perpendiculares, segue a tendência para o obelisco, a agulha, a cúspide: “a arquitetura gótica foi o resultado lógico de aspiração a mais luz e a mais espaço. Todavia a arte do período que denominado a era do gótico representou na realidade um esforço no sentido de criar um lindo conto de fadas, na penumbra turva dum ambiente demasiado brutal, para ser suportado sem um refúgio espiritual menos triste”.[3] A Igreja de São Marcos reconstruída em 1071 teve como modelo a igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla[4] construída por artesãos bizantinos.[5] Para Will Durant: “o estilo gótico, estaticamente vertical, refletia uma religião que descrevia a nossa vida terrena como sendo um exílio para a alma e depositava nos céus, as suas esperanças em Deus”.[6] O impulso em altura, traço conhecido como verticalidade e a decoração abundante em estilo naturalista com cenas bíblicas em oposição a estilização e esquemas geométricos, marcam o estilo gótico.[7] Segundo Fulcanelli destaca que a planta de uma catedral gótica é demarcada pela formação em cruz romana orientada a ocidente: “Todas as igrejas têm a sua ábside virada para sudeste e a sua fachada para noroeste, enquanto os transeptos, formando os braços da cruz, estão orientados do nordeste para o sudoeste. Trata-se de uma orientação invariável, de tal maneira que fiéis e profanos, entrando no templo pelo Ocidente, caminhem em direção ao santuário, a face voltada para o lado onde o sol se ergue, na direção do Oriente, a Palestina, berço do Cristianismo. Saem das trevas e dirigem-se para a luz”.[8]



[1] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.387

[2] MURPHY, Tim Wallace. O código secreto das catedrais. São Paulo:Pensamento, 2007, p. 122

[3] LOON, Hendrick van. As artes. Porto Alegre:Edição da Livraria do Globo, 1941, p. 196, 301

[4] TOYNBEE, Arnold. A humanidade e a mãe terra, Rio de Janeiro:Zahar, 1976, p.561

[5] DURANT, Will. História da Civilização, A idade da fé, tomo II, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957, p.240

[6] DURANT, Will. História da civilização, 5ª parte, A Renascença, tomo 3°, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957, p.324

[7] ASLAN, Nicola. A maçonaria operativa, Rio de Janeiro: Aurora, 1979, p. 66

[8] FULCANELLI. O mistério das catedrais, Lisboa: Edições 70, 1964, p. 60



quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Machu Pichu ou Huayna Pichu

 

Em Machu Picchu (Velho Pico)[1] descoberta em 1911 pelo arqueólogo norte americano Hiram Bingham, professor da Universidade de Yale, foram encontrados aquedutos que forneciam água potável aos moradores.[2][ A cidade era conhecida simplesmente como Picchu e sua localização exata era mantida como segredo militar na época, sendo rebatizada como Machu Picchu por Hiram Bingham quando de sua redescoberta em 1911.[3] Em 2022 Donato Ginzalez e Brian Bauer sugere a modificação do nome Machu Pichu depois de examinar três fontes de dados: as notas de campo de Hiram Bingham, topônimos em mapas do século XIX e informações registradas em documentos do século XVII. Os resultados sugerem uniformemente que a cidade inca foi originalmente chamada Picchu, ou mais provavelmente Huayna Picchu, e que o nome Machu Picchu foi associado às ruínas a partir de 1911 com as publicações de Bingham[4]. Os primeiros conquistadores espanhóis ignoravam a existência de Machu Picchu escondida pela floresta virgem e montanhas, nem o segredo de sua existência pelo povo inca conquistado. Machu Picchu é uma cidade autosuficiente como a maior parte das pucaras (fortalezas) como as de Puca Pucara.[5] Além das muralhas Machu Picchu é marcada por grandes terraços cultiváveis conhecidos como andenes[6] dotados de um sofisticado sistema de canais que permitia a irrigação constante dos cultivos, evitando a erosão e preservando o solo e as montanhas, feitos de pedra empilhada[7]. Um monólito conhecido como Intiwatana / Intihuatana (lugar onde se amarra o sol) na praça central em Machu Picchu, no lugar mais alto, funcionava como relógio solar[8] e também tinha uma função ritualística. O formato da cidade de Machu Picchu é o de um pássaro Llulli, o “mensageiro de Inti” o deus Sol.[9]

[1] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 127

[2] LEONARD, Joathan. América pré colombiana, Rio de Janeiro:José Olympio Editora. Biblioteca de História Universal Life, 1971, p.137

[3] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 334, 338

[4] Donato Amado Gonzales & Brian S. Bauer (2022) The Ancient Inca Town Named Huayna Picchu, Ñawpa Pacha, 42:1, 17-31, DOI: 10.1080/00776297.2021.1949833

[5] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 139

[6] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 230

[7] RIBAS, Ka W. A ciência sagrada  dos Incas, São Paulo:Madras, 2008, p. 96

[8] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.248; RIBAS, Ka W. A ciência sagrada  dos Incas, São Paulo:Madras, 2008, p. 126

[9]  RIBAS, Ka W. A ciência sagrada  dos Incas, São Paulo:Madras, 2008, p. 122



quarta-feira, 24 de agosto de 2022

O mito de Prometeu

 

Prometeu, um dos Titãs, raça de gigantes, que habitava a terra antes da criação do homem, ensinou os homens a domesticar animais, fazer remédios, construir barcos, escrever, cantar, interpretar sonhos e buscar riquezas minerais. Na mitologia grega o fogo foi trazido do ceu para a terra, por Prometeu, o protótipo do cientista. Prometeu foi o responsável por roubar o fogo de Zeus e dá-lo aos mortais assegurando a superioridade perante a todos os outros animais[1[]. Para Jean Pierre Vernant “o fogo é de fato a marca da cultura humana. Esse fogo prometeico, roubado pela astúcia, é um fogo “técnico”, um processo intelectual, que demarca a distância entre animais e homens, e consagra o caráter dos homens como criaturas civilizadas”.[2] Zeus o puniu pelo crime, deixando-o amarrado a uma rocha no Cáucaso durante toda a eternidade enquanto uma grande águia comia, durante todo o dia, o seu fígado. [3] Na cultura medieval Prometeu perde sua característica de rebelde criador e passa a ser interpretado como representação do Deus único criador.[4] O castigo dos homens viria por intermédio de Pandora, a primeira mulher, para quem foi entregue uma caixa (em grego pithos significa na verdade um grande jarro usado para armazenamento de mantimentos), com o compromisso de não a abrir. Pierre Grimal observa que numa das versões do mito contada por Hesíodo e O trabalho e os dias, a caixa, na verdade um vaso, teria seria dado por Zeus a Pandora como presente de núpcias. Pandora por sua vez dotada de curiosidade abriu a caixa inadvertidamente e todos os bens escaparam exceto a esperança. Em outra versão do mito o vaso era guardado em algum lugar da terra onde estavam encerrados todos os males.[5] A curiosidade de Pandora, contudo, foi maior do que a obediência e ela abriu a caixa liberando as pestes, desgraças, guerras e a morte, restando apenas a esperança dentro da caixa. O mito de Pandora é etiológico porque se propõe explicar a origem dos sacrifícios, do fogo, da tecnologia, da necessidade de trabalhar por alimentos e a origem da esperança do homem.[6] Se o fato da esperança ainda restar na caixa pode justificar a curiosidade em sua busca por conhecimento, por outro lado, numa visão pessimista Friedrich Nietzsche (1844-1900) escreveu, em Humano, Demasiado Humano, que “Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens”. 


[1] BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 20

[2] VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

[3] BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 6

[4] ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 143

[5] GRIMAL, Pierre, A mitologia grega, São Paulo: Brasiliense, 1953, p. 38

[6] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeeks, Coursera Week 2 lecture 6 Hesiod: Gods and Farmers https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/CETeH/hesiod-gods-and-farmers



domingo, 21 de agosto de 2022

Delfos e a fundação de colônias gregas

 

Uma das funções do oráculo de Delfos era orientar o local sagrado para fundação de novas cidades. Quando os colonizadores da Eubeia fundaram Régio no sul da Itália, consultaram o oráculo este disse que a cidade teria de ser fundada onde o homem se casa com a mulher. Delfos era um santuário pan-helênico. Cada pólis tinha seus próprios santuários, mas Delfos pertencia a todos os gregos e não sob o controle de uma única comunidade. O fato de se tornar centro de peregrinação de membros de diferentes polis que vinham oferecer a Delfos suas oferendas a Apolo, o tornou um importante centro de informações de modo que ao se fundar uma nova colônia havia de se obter previamente a aprovação dos deuses em Delfos, como, por exemplo, se observa na fundação de Cirene no norte da África.[1]  Em Cirene a monarquia oikista de Batos teria sido uma indicação do oráculo de Delfos, embora Heródoto em Histórias IV,150.3 se refira a nomeação feita pelo basileu de Thera. Isócrates mostra que os rivais de Evágoras temiam que a divindade interviesse para garantir a subida dele ao trono.[2] Em Cirene, a cidade-mãe é Thera, uma pequena ilha nas Cíclades, onde houve uma seca. Para encerrar a estiagem os governantes de Thera foram Delphos que em profecia indica a necessidade de estabelecer uma colônia em Cirene. Eles enviam um grupo para uma ilha na tentativa de cumprir a profecia, mas a seca continua. Ao retornar a Delphos novamente, o oráculo responde. “Você é muito inteligente, mas não é tão inteligente quanto pensa. Eu disse  Montar uma colônia”. Então, finalmente, eles montaram uma colônia, e assim, a seca termina, e Battos é creditado como o fundador, que então recebe um culto em sua honra na nova comunidade. Ao contrário do colonialismo no Ocidente, essas colônias desenvolvem-se com autonomia, pois não eram dependentes de sua cidade-mãe.[3]



[1] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeeks, Coursera Week 2 lecture 2 "The Greeks Overseas": Colonization https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/RVD7s/the-greeks-overseas-colonization

[2] MITCHELL, Lynette. Em busca da antiguidade. In: ROSA, Claudia Beltrão. A busca do Antigo, Rio de Janeiro: Nau Editora, UNIRIO, 2011, p. 144

[3] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeeks, Coursera Week 2 lecture 2 "The Greeks Overseas": Colonization https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/RVD7s/the-greeks-overseas-colonization



Taça de Nestor

 

As cerâmicas etruscas destacam-se por sua cor negra características em canthari (taças de duas asas), amphorae (vasos com duas asas) e oenophori (vasos para vinho). Entre os vasos de cerâmica etruscos destacam-se o bucchero fabricado de argila enegrecida (séculos VII ao V a.c.).[1] No século VII a.c. a civilização etrusca tinha forte influência orientalizante grega primeiramente devido a Corinto e posteriormente a Atenas, de modo que cerâmica funerária de origem ática tornou-se uma característica essencial dos rituais fúnebres etruscos.[2] Este intercâmbio intenso difundiu a escrita na Etruria e Latium: o alfabeto etrusco tem origem no alfabeto grego a partir da colonização grega no golfo de Napoles[3], muito embora sua tradução ainda não tenha sido possível.[4] Os gregos estabeleceram uma colônia local chamada Pithecusae na ilha de Ischia no golfo de Nápoles atraídos pelas reservas de ferro do local. Em Pithecusae foi encontrado em 1954 o “Cálice de Nestor” datado de 800 a.c. com um dos primeiros escritos gregos existentes: “Eu sou a taça do Nestor. Quem beber de mim terá prazer”, uma referência satírica ao lendário Nestor rei de Pilos do texto de Homero, em que aparece o alfabeto grego com suas 24 letras emprestado dos fenícios, ao invés da desajeitada Linear B com seus 87 caracteres.[5] A descoberta de duas placas de ouro que datam de 600 a.c. escritas em etrusco e púnico prometia servir de base para decifração do etrusco, contudo, não houve sucesso. Os etruscos tinham apenas quatro vogais a, e, i, u. Seu alfabeto derivado do grego foi adotado pelos romanos.[6]



[1] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 24; WOOLF, Greg. Roma: a história de um império,São Paulo: Cultrix, 2017, p.63

[2] DUNAN, Marcel; BOWLE, John. Larousse encyclopedia of ancient & medieval history, Paris:Larousse, 1963, p.99

[3] Vatican Museums, Rome:Libreria Editrice Vaticana, 2011, p.127

[4] ROBINSON, Andrew. The story of writing, London: Thames and Hudson, 1995, p.152

[5] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeeks, Coursera Week 2 lecture 2 "The Greeks Overseas": Colonization https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/RVD7s/the-greeks-overseas-colonization

[6] READER’S, DIGEST Os últimos mistérios do mundo.Rio de Janeiro, 2003, p. 38



sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A máscara de Agamenon

 

Máscara de ouro com a “face de Agamenon” encontrada na tumba de Agamenon por Heinrich Schliemann em Micenas em 1870[1] Em Micenas Enquanto Schliemann começava a sua escavação, ele encontrou um círculo de tumbas, bastante incomum, no interior das muralhas da cidade. Normalmente, os cemitérios ficam do lado de fora da cidade. E esses túmulos tinham várias características distintas. Eles eram marcados com lajes verticais, tampas de ataúdes, lápides, chamadas estelas, muitas delas esculpidas em alto relevo. Entre os objetos Schliemann encontrou máscaras funerárias em ouro, que eram colocadas sobre a face do falecido, entre as quais a máscara de Agamemnon, o famoso herói grego que figura tão enormemente na Ilíada. Esta possui características únicas, como esses olhos, que parecem estar abertos e fechados simultaneamente. O bigode elegante e ondulado, o fato de as orelhas estarem separadas do painel ao redor. Alguns críticos afirmam que Schliemann teria feito a máscara com um ourives contemporâneo para valorizar sua descoberta.[2]

[1] Seleções do Reader’s Digest, Os últimos mistérios do mundo, Lisboa, 1979, p.308; HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.43

[2] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeeks, Coursera Week 1 lecture 3 Mycenaean Civilization (ca. 1500-1150 BCE) https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/B2p2v/mycenaean-civilization-ca-1500-1150-bce



A descoberta de Troia

 

Schliemann fez sua primeira grande descoberta com a cidade de Troia baseado nos textos de Homero. E ele encontrou um sítio, no canto noroeste da Turquia moderna, chamado Hissarlik.[1] Enquanto ele escavava, encontrou um estrato sobre o período, mais ou menos, em que teria ocorrido a lendária guerra de Troia onde encontrou uma enorme quantidade de tesouros que, chamou de tesouro de Príamo, conforme o nome do rei de Troia, em Ilíada. O “tesouro de Priam” nas ruínas da cidade hitita de Hissarlik ou Troia, próxima à costa do mar Egeu na Ásia Menor, atual Turquia, data, contudo, aproximadamente mil anos antes da guerra de Troia, revelou seis lingotes de prata de cerca de sete polegadas de comprimento. Descoberto pelo arqueólogo Henrich Schliemann em 1876 o tesouro de Príamo junto ao túmulo de Agamenon revelara formas de pedra para fundição das jóias.[2] Um selo da idade do bronze com inscrições em hieróglifos hititas ao invés de letras gregas sugere que Troia possa ter sido uma cidade não grega que fazia parte da cultura hitita na Anatólia central.[3]



[1] SZEGEDY-MASZZAK, Andrew. The ancient greeks, Coursera Week 1 lecture 3 Mycenaean Civilization (ca. 1500-1150 BCE) https://www.coursera.org/learn/ancient-greeks/lecture/B2p2v/mycenaean-civilization-ca-1500-1150-bce

[2] CERAM, Walter. Deuses, túmulos e sábios, Rio de Janeiro:Bib. Exército, 1971, p.51

[3] READER’S DIGEST. Os últimos mistérios do mundo, Rio de Janeiro, 2003, p. 35



domingo, 14 de agosto de 2022

A invenção dos cemitérios

 

João José Reis aponta que as reformas liberais prometidas por Pedro I incluíam que as municipalidades providenciassem a remoção dos mortos das áreas urbanas por questões sanitárias fazendo com que as irmandades e paróquias abandonassem o costume de enterrar seus mortos nas igrejas. Em 1836 um levante popular na Bahia contra a proibição dos enterros nas igrejas ficou conhecido como Cemiterada em protesto contra a lei nº 17 de 1835 que previa monopólio dos enterros a uma companhia privada. As irmandades se queixavam de que com a nova regra e a criação de cemitérios geridos pela iniciativa privada, haveria uma queda de associados, e nas suas rendas, pois a garantia de uma sepultura nos templos era certeza de uma vida bem aventurada no além túmulo. O convento de São Francisco claramente se manifestou contrário a nova lei diante da perda de rendimentos. Os dominicanos anteviam consequências mais graves: “ninguém tomará entusiasmo e gás pelas celebrações dos sacrifícios e exposição dos fatos religiosos e a religião decerto ficará em decadência [...] e a ruína total desta Província e de todo o Império”.[1] Entre as irmandades da Bahia que questionaram a nova lei encontravam-se a Santissimo Sacramento da Rua do Passo, Santíssimo Sacramento do Pilar, Nossa Senhora do Rosário dos Quinze Mistérios, ordens Terceira do Carmo, de São Francisco e de São Domingos. As irmandades alegavam que a nova lei violava a Constituição de 1824 em seu artigo 179 que estabelecia como regra a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros com base na liberdade, segurança individual e na propriedade. Pela Constituição a única hipótese de estabelecimento de monopólios privados era no caso dos inventores ao qual o parágrafo segundo assegurava o direto de monopólio de suas descobertas.[2] Para aristocracia a sepultura perpétua nas Igrejas garantia a glória da família pelas gerações vindouras já para os escravos uma cova na capela da irmandade dignificava sua morte. Na análise de José Reis: “o surto epidêmico de meados do século XIX serviu como catalisador das mudanças que já vinham lentamente trabalhando a mentalidade do século, inclusive no que diz respeito ao modo de morrer”.[3] No protesto de 1836 uma multidão destruiu o cemitério de Campo Santo em Salvador inaugurado três dias antes por uma empresa privada que recebeu o monopólio do Estado. Apesar da resistência a epidemia de cólera que atingiu uma vasta área do Império em 1855-1856 terminou por levar a um inexorável movimento de secularização dos cemitérios. Em 1855 o cemitério de Campo Santo começou a operar plenamente. Diante do horror da pandemia já não se ouviam protestos contra os enterros nas igrejas, contudo muitos viram a pandemia como uma punição de Deus, de modo que para de certa forma compensar os danos às confrarias foram autorizados cemitérios  na Quinta dos Lázaros onde alguma irmandades e ordens terceiras puderam instalar seus cemitérios mantidos ainda hoje. Com o afastamento de vivos e mortos instaurou-se um “estranhamento entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, acompanhado de um esfriamento das relações das pessoas com o sagrado” o que levou a secularização da mentalidade da época, declínio das irmandades e novas formas de de associação como grêmios literários e associações de classe.



[1] REIS, João José. A morte é uma festa, São Paulo: Cia das Letras, p. 395

[2] REIS, João José. A morte é uma festa, São Paulo: Cia das Letras, p. 386

[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p121



Testamento de ex escravo beneficiando ex senhor

 

Na pesquisa em inventários do Rio de Janeiro de 1790-1830 Manolo Florentino e João Gois encontram apenas 4% dos inventariados que não tinham escravos, sendo claramente assimétrico o acesso a tais escravos o que reforçava a posição social de uma elite mostrando se tratar muito mais do que uma sociedade possuidora de escravos, mas uma sociedade escravista, que usa a posse de escravos como elemento de diferenciação social. A ex escrava Maria da Conceição em 1836 em seu testamento deixou como herança de seus bens (entre os quais cinco escravos e uma casa) a sua amiga parda Roza Eufrásia.[1] José Reis destaca que nos testamentos de ex escravos é comum encontrar os ex senhores como beneficiários como por exemplo o testamento de 1828 do ex escravo Manuel Vieira: “deixo a meu Senhor, o Reverendo Padre Jerônimo em reconhecimento da sua escravidão, 4 mil reis o qual se for falecido no tempo do meu falecimento  se dará essa quantia a seus herdeiros e caso estes  não queiram aceitar por ser diminuta quantia se distribuirá em missas pela alma do dito Senhor”. José Reis conclui: “o sistema estava tão bem ideologicamente montado que este escravo, decerto bem tratado, agradecia sua escravidão e quiçá desejava-a eternizada no outro mundo”.[2]



[1] REIS, João José. A morte é uma festa, São Paulo: Cia das Letras, p. 128

[2] REIS, João José. A morte é uma festa, São Paulo: Cia das Letras, p. 264



sábado, 13 de agosto de 2022

A falsificação de dinheiro na Bahia do século XIX

 

Na Bahia entre os anos de 1823 e 1829 há a preponderância da circulação de moedas falsas de cobre que compunham a quase totalidade do meio circulante, o que foi possível graças a incapacidade do governo em reprimir a produção e em sustar sua inserção na circulação. Segundo Alexander Trettin: "Na Bahia, a partir de 1826, o governo provincial, representante do poder do Imperador, se viu forcado pelas circunstancias a dar livre curso as moedas falsas de cobre. Demonstrando claramente sua incapacidade de impor o monopólio sobre o sistema monetário e de reprimir efetivamente a produção das moedas falsas que inundavam a praça comercial da Província. Numa curiosa inversão, o Estado, ao invés de coibir a circulação de moedas falsas, passou a aceitá-las".[1] Com relação aos cadinhos com marcações maçônicas encontrados em espaço oficiais, como a Casa da Moeda, no Rio de Janeiro, a Casa dos Contos, em Minas Gerais, a Casa de Fundição do Ouro, em Goiás, não há qualquer conexão com a hipótese de um membro da maçonaria estar falsificando dinheiro para custear sublevações no Brasil. Provavelmente o fabricante que os produzia na região da Boêmia, valia-se do símbolo do quatro de cifra para marcar seus produtos, assim como tantos outros artesãos e manufaturas o faziam. José Reis se refere a Bahia como paraíso dos falsários que fabricavam moedas  a partir do cobre usado na indústria naval e nos engenhos de açúcar. O inglês William Pennel se refere a uma situação calamitosa no comércio. Em 1828 o governo promoveu, sem sucesso, a substituição das moedas, diante da desconfiança dos comerciantes. Um nova tentativa, mais bem sucedida foi implementada em 1834, porém ainda em 1836 o cônsul inglês informava que metade do cobre em circulação era falso.[2]

[1] TRETTIN, Alexander, O derrame de moedas falsas de cobre na Bahia (1823-1829) , Salvador: UFBA / FFCH-PPGH, 2010. Dissertação (mestrado) – UFBA / FFCH-PPGH, 2010

[2] REIS, João José. A morte é uma festa, São Paulo: Cia das Letras, p. 52



Preço de um escravo no Brasil independente

 

Manolo Florentino estima entre 200$000 (duzentos mil) reis e 380$000 o preço de cada escravo no Rio de Janeiro no início do século XIX muito embora os jornais indiquem 250$000 chegando a 539$000 em 1825.[1] No oeste paulista Warren Dean estima em 550 mil reis o preço médio de um escravo em 1845 chegando a 2 contos de reis (dois milhões de reis) em 1875 para seguir uma queda para 920 mil reis em 1885 à medida em que torna-se mais clara a iminência do fim da escravidão.[2] Com o fim do tráfico atlântico de escravos pela Lei Eusébio de Queiroz de 1850 o preço dos escravos disparou.[3] Manolo Florentino mostra que o tráfico de escravos pode ser dividido em três etapas a primeira indo de (1790-1807) com número estável de desembarques, uma segunda etapa de 1810-1825 quando se verifica um aumento das entradas especialmente após a transferência da metrópole para o Rio de Janeiro e uma terceira etapa de 1826-1830) com crise da oferta africana diante das leis que restringiam tais embarques.[4] Guilherme Resende mostra que os preços dos escravos têm um auge no período 1851–1872, sendo menores em 1873–87 e mais ainda em 1800–1850. Laurentino Gomes argumenta que apesar de tais variações o preço de um escravo nunca foi superior a quatro vezes o custo anual de sua própria subsistência o que o tornava ainda assim um bom investimento.[5] José Reis mostra que na Bahia o preço de um escravo aumentou muito como resultado da perseguição inglesa ao tráfico intercontinental de escravos o que elevou  o preço médio de um escravo de 175 mil reis em 1810 para 450 mil reis em 1840.[6] O aumento do preço dos escravos em 1851–1872 pode estar refletindo tanto um crescimento de produtividade (diante da alta do preço do açúcar no mercado internacional na década de 1850 e o boom do algodão durante a guerra de secessão dos Estados Unidos), quanto a restrição de oferta causada pela cessação do tráfico africano.

[1] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 77, 151, 168, 171, 177

[2] CARVALHO, José Murilo. A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 208

[3] NARLOCH, Leandro. Escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.19; Preços de escravos e produtividade do trabalho cativo: Pernambuco e Rio Grande do Sul século XIX. Guilherme Resende, Flávio Rabelo Versiani, Luiz Paulo Ferreira Nogueról and José Raimundo Oliveira Vergolino, Anais do XLI Encontro Nacional de Economia [Proceedings of the 41st Brazilian Economics Meeting] from ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia [Brazilian Association of Graduate Programs in Economics], 2014 https://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i3-5e92f33f630bb2a13bbc28e70f1ebe2f.doc

[4] FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas. São Paulo: Unesp, 2017, p.41

[5] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.129

[6] REIS, João José. A morte é uma festa, São Paulo: Cia das Letras, p. 50



Os mármores do Partenon

 

A oficina de Fídias foi encontrada no final do século XIX e resgatados inúmeros instrumentos o que constitui uma evidência de a divisão moderna de técnicas não necessariamente existia na antiguidade.[1] Para Moses Finley “Fídias exemplificou de forma perfeita a ligação entre a arquitetura e a religião”.[2] Plutarco, na Vita de Péricles, exalta a técnica de Fídias ou Policleto: “até hoje, perante o Zeus olímpico ou a Hera de Argos, nunca brotou em nenhum jovem hábil e bem dotado o desejo vir a ser um Fídias ou um Policleto”.[3] Em 1801 Thomas Bruce, conde de Elgin, então embaixador do Império Britânico no Império Otomano (que dominava a Grécia) conseguiu do sultão de Constantinopla uma licença para poder carregar qualquer peça dentro do Partenon, desde que não prejudicasse  a integridade da obra e assim foram levadas estátuas e frisos (mármores) para o Museu Britânico. As metópes do lado sul mostram a Centauromaquia Tessaliana (a batalha entre os lápios, ajudados por Teseu contra os centauros).[4] O famoso poeta Lord Byron se opôs à ideia de retirar os famosos mármores da Grécia e chamou Elgin de "vândalo". O conde havia dito aos otomanos que um dos motivos para a retirada dos frisos da Grécia era para serem apreciados por pessoas de todo o mundo, no entanto, em princípio as peças não foram levadas ao museu. Com o enorme custo da transferência e um divórcio o conde foi à falência e se viu obrigado a vender os frisos ao Museu Britânico por US$ 438 mil em 1816. Após o fim da ocupação otomana da Grécia em 1832, o governo grego iniciou os pedidos para recuperação das relíquias que haviam sido tiradas do país, mas que o governo britânico se recusa devolver.[5]



[1] ROMER, Elizabeth. As sete maravilhas do mundo, São Paulo:Melhoramentos, 1996, p.50

[2] FINLEY, Moses. Os gregos antigos, Lisboa: Edições 70, 1984, p.137. In: VAINFAS, Ronaldo; FARIA, Sheila; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina. História Volume único, São Paulo:Saraiva, 2010, p.49

[3] CASTELNUOVO, Enrico. O artista. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.145

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rmores_de_Elgin

[5] https://www.bbc.com/portuguese/geral-59673475



terça-feira, 9 de agosto de 2022

A origem do gaúcho

 

A colônia de Sacramento abastecia a América espanhola com produtos internos da colônia, tais como carne seca, trigo, e principalmente peles de animais[1], em troca da prata espanhola.[2] A colônia de Sacramento havia sido fundada pelos portugueses em 1680 na esperança de desviar o fluxo de prata que vinha das minas do Potosi, mas acabou se tornando um centro de comércio de contrabando com o vice reinado do Peru de manutenção excessivamente dispendiosa diante dos constantes ataques dos espanhois.[3] A Colônia de Sacramento representava os interesses da metrópole portuguesa no contrabando de couros no extremo sul. Numa carta de 1700 o provedor de fazenda do Rio de Janeiro, Luiz Lopos Pegado registra as medidas tomadas para apreensão de uma grande quantidade de couros que o governador de Sacramento pretendia vender burlando o pagamento de direitos à Portugal. José Alípio Goulart se refere a testemunho de padres jesuítas e civis espanhóis que se queixam dos estragos feitos por vaqueiiros de Santa Fé  nas Vacarias do Mar e o contrabando praticado pelos portugueses. O desenvolvimento do comércio na região levou os espanhóis a fundarem Montenideu em 1762 para fiscalizar de forma mais efetiva ação dos portugueses. Oliveira Lima observa que com a entrega da colônia de Sacramento aos espanhóis pelo Tratado de Madri em 1751 pelo qual Colônia do Sacramento seria dos espanhóis e Sete Povos das Missões seria de Portugal. O antigo contrabando marítimo, segundo Oliveira Lima tornou-se em boa parte terrestre pela linha de fronteira ao invés de simplesmente atravessar o estuário, não cessando o lucro português que mais tarde passou aos brasileiros.[4] O inglês John Campbell em 1741 registra: “O comércio que se faz entre Buenos Aires e Europa só deve ser levado pelos navios procedentes da Espanha e pelo navio Asiento enviado pela South Sea Company da Inglaterra; mas além, afirma-se existe um grande comércio de contrabando [...] há uma terceira classe de comércio ilícito do qual posso falar perfeitamente. Esse é efetuado com os portugueses, os quais, como já assinalei, dominam a margem oposta do Rio da Prata. Dali eles aproveitam as ocasiões para enviar, de tempos em tempos, pequenas embarcações carregadas não apenas com seus próprios gêneros, mas com os que recebem da Europa, e isso a despeito do cuidado que o governo espanhol pode tomar ou pelo menos quer tomar, pois é só o interesse que tudo governa nas Índias”.[5]

[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 262

[2] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 153

[3] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p.52

[4] GOULART, José Alípio. Brasil do boi e do couro, Rio de Janeiro: Edições GDR, 1966, p. 64

[5] GOULART, José Alípio. Brasil do boi e do couro, Rio de Janeiro: Edições GDR, 1966, p. 58



sábado, 6 de agosto de 2022

O monismo de Tales

 

Os filósofos gregos buscavam o princípio das coisas e acreditavam encontrar nas coisas materiais.[1] Segundo Aristóteles em Metafísica, para Tales a água era origem de todas as coisas[2], por isso a terra está sobre a água[3]. Segundo Claudio Blanc: “Para Tales, o princípio arché é aquilo de que derivam e em que se resolvem todas as coisas, e aquilo que permanece imutável, mesmo nas várias formas que assume. tales identificou o princípio de todas as coisas com a água, pois está presente em todo lugar em que há vida e onde não existe água não há vida. Esta realidade originária foi denominada pelos primeiros filósofos de Physis, natureza e os primeiros filósofos que desenvolveram esta questão iniciada por Tales foram chamados de físicos".[4]  Sua conclusão é baseada em um dado experimental de que as coisas inanimadas com o tempo tendem a perder água e secar. A umidade por sua vez é a nutrição de todas as coisas e nesse sentido que muitas mitologias tem a criação associada com a água, tal como Homero afirma “Oceano, geração dos deuses”. Para Carlos Conte a palavra “phisis” a que Tales se refere não ser traduzida como água mas como “fonte originária” ou “águas primordiais”[5]. Tales ao compreender que tudo no universo tem um princípio único e comum fundamenta a doutrina do monismo (do grego monos que significa um).[6]

[1] MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de filosofia: lições preliminares. São Paulo:Mestre Jou, 1970, p.67

[2] GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia, São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 45; ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.29; SOUZA, José Cavalcante. Os pré socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. Coleção os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 7; LINDBERG, David C. The Beginnings of Western Science. University of Chicago Press. Edição do Kindle. 2007, p.28

[3] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.38

[4] BLANC, Claudio. A história da filosofia, Barueri: Camelot, 2021, p.15

[5] CONTE, Carlos Brasílio. Pitágoras: ciência e magia na Antiga Grécia,São Paulo: Madras, 2015, p.33

[6] MONTANELLI, Indro. História dos gregos, São Paulo:Ibrasa,1962, p. 68



Um resquício da teoria catastrofista de Cuvier ?

 

Pela teoria do catastrofismo a cada grande cataclismo (e o grande dilúvio narrado no Gênesis seria o último destes eventos) Deus renovava a vida na Terra criando plantas e animais mais evoluídos de modo que os fósseis seriam marcas de formas de vida anteriores que haviam sido extintas em algum destes cataclismos. No final de cada cataclismo haveria a extinção dessa fauna que posteriormente era substituída por outra migrante de uma localidade não atingida pela catástrofe de modo que toda as formas vivas teriam sido criadas por Deus no início do universo tal como descrito no Genesis. A teoria do catastrofismo seria a única forma de compatibilizar a presença de variada fauna e flora terrestre dentro do curto intervalo de seis mil anos presente nas genealogias bíblicas desde Adão. Segundo Cuvier as espécies encontradas em fósseis tais como o mamute teriam sido extintas pela ocorrência de cataclismos, mas a comprovação de que o homem teria sido contemporâneo a tais espécies não explicava como somente o homem teria sobrevivido a tais cataclismos[1]. A cada novo cataclismo a Terra se tornava progressivamente mais habitável para animais e plantas avançados e para o homem. A natureza descontínua do registro fóssil, segundo Cuvier confirmava a sua tese baseada em descontinuidades. Segundo a teoria das catástrofes, os homens e os macacos eram sobreviventes do último período da Terra, o presente, de modo que não poderiam existir homens antediluvianos. Para Cuvier: “o homem fóssil não existe”[2]. Embora a tese catastrofista de Cuvier tenha ruído no século XIX Cassirer mostra que pelo menos um fragmento da teoria resistiu, a noção de plano de construção – ideia de que cada tipo de animal, sejam os vertebrados ou os moluscos, os articulados ou os radiados, descansa sobre um plano de organização próprio e peculiar a ele. Tal fragmento se articulou ao “vitalismo sem força vital”, de Jacob Uexküll (figura), pela qual os organismos vivos possuem uma força vital que é uma propriedade dos corpos materiais que não se reduz aos processos físicos químicos. No livro Umwelt und Innenwelt der Tiere (1909), ele introduziu o termo "Umwelt" para denotar o mundo subjetivo do organismo. Renan Freitas cita este exemplo para mostrar os riscos de uma história triunfalista da ciência, ou seja, na aceitação acrítica da história das teses que venceram na ciência.[3] Thomas Kuhn ao tratar da questão da incomensurabilidade do novo paradigma com o antigo refere-se que muitas vezes parte do vocabulário e dos aparatos conceituais do paradigma tradicional retornam no novo paradigma dentro de uma nova relação. Na Teoria da Relatividade Geral de Einstein o conceito da tendência do corpo em retornar a seu lugar de origem (no caso o centro da terra), presente no modelo aristotélico é retomado, desta forma, sobre a reconceitualização de um espaço tempo curvo que delimita o movimento dos corpos: “em alguns aspectos importante, embora de maneira alguma em todos, a teoria geral da relatividade de Einstein  está mais próxima da teoria de Aristóteles do que qualquer uma das duas está da de Newton”. [4]



[1] LEAKEY, Richard. Origens, Brasília:UNB, 1980, p. 23

[2] WENDT, Herbert. A procura de Adão. São Paulo:Melhoramentos, 1965, p. 125

[3] FREITAS, Renan. O eclipse da filosofia da ciência na história da ciência. In: Ciência em perspectiva: estudos, ensaios e debates, Rio de Janeiro, MAST, SBHC,  2003, p. 127

[4] KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 189, 253



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...