João José Reis aponta que as reformas liberais
prometidas por Pedro I incluíam que as municipalidades providenciassem a
remoção dos mortos das áreas urbanas por questões sanitárias fazendo com que as
irmandades e paróquias abandonassem o costume de enterrar seus mortos nas
igrejas. Em 1836 um levante popular na Bahia contra a proibição dos enterros
nas igrejas ficou conhecido como Cemiterada em protesto contra a lei nº 17 de
1835 que previa monopólio dos enterros a uma companhia privada. As irmandades
se queixavam de que com a nova regra e a criação de cemitérios geridos pela
iniciativa privada, haveria uma queda de associados, e nas suas rendas, pois a
garantia de uma sepultura nos templos era certeza de uma vida bem aventurada no
além túmulo. O convento de São Francisco claramente se manifestou contrário a
nova lei diante da perda de rendimentos. Os dominicanos anteviam consequências
mais graves: “ninguém tomará entusiasmo e gás pelas celebrações dos
sacrifícios e exposição dos fatos religiosos e a religião decerto ficará em
decadência [...] e a ruína total desta Província e de todo o Império”.[1] Entre as
irmandades da Bahia que questionaram a nova lei encontravam-se a Santissimo
Sacramento da Rua do Passo, Santíssimo Sacramento do Pilar, Nossa Senhora do
Rosário dos Quinze Mistérios, ordens Terceira do Carmo, de São Francisco e de
São Domingos. As irmandades alegavam que a nova lei violava a Constituição de
1824 em seu artigo 179 que estabelecia como regra a inviolabilidade dos
direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros com base na liberdade,
segurança individual e na propriedade. Pela Constituição a única hipótese de estabelecimento
de monopólios privados era no caso dos inventores ao qual o parágrafo segundo
assegurava o direto de monopólio de suas descobertas.[2] Para
aristocracia a sepultura perpétua nas Igrejas garantia a glória da família
pelas gerações vindouras já para os escravos uma cova na capela da irmandade
dignificava sua morte. Na análise de José Reis: “o surto epidêmico de meados
do século XIX serviu como catalisador das mudanças que já vinham lentamente
trabalhando a mentalidade do século, inclusive no que diz respeito ao modo de
morrer”.[3] No protesto de 1836 uma multidão destruiu o cemitério de Campo Santo
em Salvador inaugurado três dias antes por uma empresa privada que recebeu o monopólio
do Estado. Apesar da resistência a epidemia de cólera que atingiu uma vasta
área do Império em 1855-1856 terminou por levar a um inexorável movimento de
secularização dos cemitérios. Em 1855 o cemitério de Campo Santo começou a
operar plenamente. Diante do horror da pandemia já não se ouviam protestos
contra os enterros nas igrejas, contudo muitos viram a pandemia como uma punição
de Deus, de modo que para de certa forma compensar os danos às confrarias foram
autorizados cemitérios na Quinta dos
Lázaros onde alguma irmandades e ordens terceiras puderam instalar seus
cemitérios mantidos ainda hoje. Com o afastamento de vivos e mortos instaurou-se
um “estranhamento entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, acompanhado
de um esfriamento das relações das pessoas com o sagrado” o que levou a
secularização da mentalidade da época, declínio das irmandades e novas formas
de de associação como grêmios literários e associações de classe.
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