terça-feira, 31 de agosto de 2021

O conhecimento para os gregos

 

Sócrates fez sua a máxima do oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”[1] ou “Só sei que nada sei” e mesmo Platão na Apologia reconhece que Sócrates nunca se colocara como mestre de ninguém, pois o conhecimento de si mesmo, de sua própria natureza é que deve ser a verdadeira meta do saber[2]: “eu nunca fui, quanto a mim, mestre de ninguém. Mas se alguém desejou me escutar, quando falava e cumpria minha tarefa, que fosse jovem ou velho, jamais eu o recusei”.[3] Para se alcançar a sabedoria, conhecer a realidade como ela é, é necessário despojar-se de todas as ideias préconcebidas adquiridas pela doxa ou senso comum acrítico (paradoxal = o que se opõe ao senso comum). Para Sócrates ao ler um livro o leitor apenas reforça o conhecimento que já possui, pois o conhecimento não pode ser adquirido pela leitura.[4] Na parte final do Menon, Sócrates explica que o conhecimento de algo se apoia na capacidade  de se apresentar razões daquilo que se sabe sobre a coisa, o que garante um aspecto de permanência de tal conhecimento, o que não se observa quando se emite uma opinião não fundamentada de algo, onde a pessoa está sujeita a mudar sua opinião quando confrontada com alguma razão minimamente fundamentada ou mesmo com mera aparência de bem fundamentada.[5] Cícero em Tusculan Disputation explica que quando Apolo diz: “Conhece-te a ti mesmo” diz “conhece a tua alma”, pois a mente de cada um é o que cada um é.[6] Rodolfo Mondolfo observa que a inscrição de Delfos de “Conhece-te a ti mesmo” é uma advertência ao homem para que reconhecesse os limites da natureza humana e não aspirasse as coisas divinas, porém, Sócrates chega após o desenvolvimento de sua filosofia ao aspirar maior proximidade com as coisas divinas, o que desfaz a recomendação original do Oráculo. O que ainda resta é sua humildade em reconhecer que o caminho para a sabedoria não se trata de um fácil saber e afirma a consciência de sua própria ignorância[7]

[1] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I, São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 158

[2] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 131

[3] PLATÃO, Apologia de Sócrates, In: VALLE, Lilian. Os enigmas da educação, Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 142

[4] MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 106

[5] HARE, R. Platão, São Paulo: Loyola, 1996, p. 32

[6] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 152

[7] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 159



segunda-feira, 30 de agosto de 2021

A produção de fumo no Brasil colonial

 

Na época da invasão holandesa (1624-1654) a Coroa Portuguesa, sem opção, permitiu o comércio direto de traficantes brasileiros com angolanos, usando como moeda de troca produtos produzidos localmente como aguardente, tabaco e búzios, rompendo desta forma o fluxo de comércio triangular que predominava até então. A Companhia das Índias Ocidentais holandesa havia conquistado Senegal em 1617, Cabo Verde e a Costa do Ouro em 1624, Angola em 1641 e o Castelo de São Jorge da Mina em 1673 encerrando desta forma a hegemonia luso espanhola no comércio de escravos. Com a restauração em 1640 conseguiu recuperar alguns destes postos de tráfico de escravos, mas sua posição já não era a mesma de antes. O número de navios que saíam do Brasil e traficavam diretamente com a África aumentou de 11 em 1681-1685 para 60 em 1696-1700.[1] As autoridades portuguesas limitara este comércio direto em 1698 a quatro mil arrobas anuais de fumo e só admitiam o envio de produto de baixa qualidade, contudo, a pressão dos comerciantes da Bahia conseguiu que em 1730 fossem exportadas 95 mil arrobas. Na Bahia haviam várias fábricas de fumo em pó ou “casas de pisar tabaco”. Russell Wood mostra que uma proposta de comércio direto entre os mercadores baianos e a Índia em 1700 foi bem recebida em Goa. No século XVIII verificou-se a presença de embarcações que saíam da Ásia para o Brasil e que retornavam à Ásia ao invés de seguirem para Lisboa, em espacial após 1775 com o fim do monopólio português do fumo, que incentivou os comerciantes baianos a comerciarem diretamente do Brasil para a Índia, se estabelecendo desde então um comércio intenso entre as duas regiões.[2] Segundo Pierre Verger: “graças ao fumo, os negociantes da Bahia criaram um movimento comercial importante que, desde o começo do século XVIII, escapava ao controle de Lisboa”.[3] Segundo Jean Baptiste Nardi: “o comércio de fumo para a compra de escravos na África – ou escambo – constitui a grande originalidade do fumo no período colonial. Não somente porque foi o único gênero colonial a ser utilizado no tráfico (com tal importância) como também pelo fato de que representava uma condição sui generis dentro dos quadros do antigo sistema colonial, ou seja, um comércio quase independente da metrópole”.[4] Jean Baptista Nardi aponta a indústria do fumo como contribuindo para desvincular a economia da colônia com a da metrópole muito antes da crise do sistema colonial e para a manifestação da crescente nacionalidade brasileira. A técnica de cultivo, no início, foi copiada dos índios. Depois da colheita as folhas já curadas tinham de ser torcidas e enroladas em cordas, tarefa penosa reservada a escravos. [5]



[1] NARDI, Jean Baptiste. O fumo no Brasil colônia. Tudo é história, São Paulo: Brasiliense, 1987, n.121, p.55

[2] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 219

[3] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 118

[4] NARDI, Jean Baptiste. O fumo no Brasil colônia. Tudo é história, São Paulo: Brasiliense, 1987, n.121, p.51

[5] HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira, A época colonial, tomo I, livro 2, Administração, Economia, Sociedade, São Paulo: Difel, 1982, p. 211



domingo, 29 de agosto de 2021

Portugal: um Estado de cruzados

 

Mesmo com a conquista de Ceuta uma licença assinada em 1438 pelo rei português D. Duarte autoriza por dois anos atividade comerciais com os mouros apoiada em bula do papa Eugênio IV (1437).[1] O papa Martinho V concedeu a D. João I em 1418 a bula Sane Charissimus conferindo a conquista portuguesa no Norte da África o status de cruzada[2]. O papa Eugênio IV pela bula Rex Regum de 1436 expressamente declarou que “ficariam sujeitas a D. Duarte e seus sucessores as terras por ele conquistadas aos infiéis”[3] o que assegurou ao rei Afonso V (1438-1481) o cognome de “O Africano”. Em 1442 pela bula Etsi suscepti o papa reconheceu ao Infante D. Henrique, depois de indicado mestre da Ordem do Nosso Senhor Jesus Cristo que este poderia reter, administrar e legar as terras, portuguesas ou não, que lhe fossem doadas bem como as ilhas do mar Oceano, entre as quais Madeira, Porto Santo, Açores e Cabo Verde.[4] Na bula Dum diversas (1452) o papa autoriza o rei de Portugal a atacar e submeter os sarracenos, pagãos e outros descrentes de Cristo reduzindo-os à escravidão perpétua transferindo suas terras ao rei.[5] Em 13 de Janeiro de 1435, através da bula Sicut Dudum, o papa Eugénio IV mandou restituir á liberdade os negros cativos das ilhas Canárias que se convertessem ao cristianismo. Em 1476, o Papa Sisto IV reiterou as preocupações expressas em "Sicut dudum" na sua bula papal Regimini gregis, na qual ameaçava excomungar todos os capitães ou piratas que escravizassem os cristãos. A Ordem de Cristo teria sua primazia espiritual ao sul do Bojador confirmada pelas bulas Romanus Pontifex (1455) do papa Nicolau V e Inter Coetera (1456) do papa Calixto III. As bulas Eternis Regis de 1481 aprovada pelo papa Sisto VI e Orthodoxae fidei de 1486 do papa Inocêncio VIII confirmaram a legitimidade dos descobrimentos portugueses. Antonio Baião destaca que o esirito de cruazada era um sentimento nacional do povo português e não apenas restrito à figura do infante D. Henrique que deve ser visto “como um instrumento unificador dos impulsos parciais das classes, o que equivale dizer das forças sociais em movimento” . Delbrück, sintetiza: “Portugal é rigorosamente um estado de cruzados”.[6]



[1] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos, Lisboa:Europa América, 1959, p.77

[2] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.82

[3] VIANNA, Hélio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.29

[4] VIANNA, Hélio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.29

[5] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 44

[6] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.321



sábado, 28 de agosto de 2021

1815: Brasil elevado à condição de Reino por sugestão da França

 

Durante os trabalhos no Congresso de Viena em 1815 para estabelecer as novas condições da Europa após a derrota de Napoleão os representantes portugueses entre os quais Conde de Palmela escreveram ao Ministro da Guerra Marquês de Aguiar transmitindo a sugestão que fizera o representante francês príncipe de Talleyrand de que o Brasil fosse elevado à categoria de Reino Unido aos de Portugal e Algarves, a fim de que “se estreitasse por todos os meios possíveis o nexo entre Portugal e o Brasil, devendo este país, para lisonjear os seus povos, para destruir a ideia de colônia, que tanto lhes desagrada, receber o título de Reino”, o que de fato veio a ocorrer em 16 de dezembro do mesmo ano. O fato encontra-se realmente assim na correspondência reservada dos plenipotenciários portugueses ao Congresso de Viena.[1] Mesmo antes desta medida, nos acordos internacionais de abril de 1815 na França, D. João já assinava como “Prince Régent du Royaume de Portugal et de celui du Brésil”.[2]

[1] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.5436/14482

[2] VIANNA, Helio. História do Brasil, segunda parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.34



Patins ingleses para o Rio de Janeiro

 

O investimento direto da Inglaterra no Brasil mais do que triplicou entre 1865 e 1885[1]. Richard Graham (figura) no seu livro Grã Bretanha e o início da modernização no Brasil narra uma estória em de um brasileiro do século XIX vestido impecavelmente no estilo inglês com terno de casimira e gravata em pleno dia quente. Quando interpelado por estar vestido daquela forma respondeu sem hesitar: “É que não se sabe se estará chovendo em Londres!”.[2] O jornalista francês Max LeClerc ao aportar ao Rio de Janeiro em 1889 narra os costumes da elite carioca: “Sob um clima abrasador, em uma cidade onde o termômetro atinge facilmente os 40 graus à sombra, os brasileiros se obstinam a viver e a se vestir como se fossem europeus. Eles trabalham nas horas mais quentes do dia, das 9 da manhã às quatro da tarde, como se fossem negociantes londrinos. Eles passeiam nas ruas usando jaquetões escuros, cartolas de copa alta e se submetem ao martírio com a mais perfeita resignação. O problema é que, apesar das aparências, eles não dispõem de meios para viver nos trópicos. A municipalidade do Rio de Janeiro não garante sequer o saneamento adequado da cidade, periodicamente assolada pela febre amarela”.[3] Perfumes de empresas como John Gornell, produtos de beleza da Rowland´s e sabonetes de William Rieger eram comercializados. Segundo Maria Graham esposa de oficial da marinha inglesa e amiga da imperatriz Leopoldina, em visita ao Rio de Janeiro: “Fui a terra fazer compras com Glennie. Há muitas casas inglesas, tais como seleiros e armazéns não muito diferentes do que chamamos na Inglaterra um armazém italiano de secos e molhados, mas, em geral, os ingleses aqui vendem suas mercadorias ao atacado a retalhistas nativos ou franceses”.[4] O inglês Alexander Caldcleugh comenta: “o comércio brasileiro pode ser considerado inteiramente nas mãos dos britânicos, como se existisse um exclusivo de monopólio a seu favor no tratado de 1810”. Segundo John Mawe: “o mercado ficou inteiramente abarrotado tão grande e inesperado foi o fluxo de mercadorias inglesas no Rio após a chegada do Príncipe Regente”.[5] Por conta de encalhes de produtos britânicos devido as guerras continuadas e da organização do bloqueio continental foram enviados diversos produtos e entre os absurdos incluem patins[6] e produtos inadequados como roupas de lãs superfinas e outros produtos de luxo “a um povo tão incapaz de adotá-los como de convencer-se de sua utilidade”. [7]

[1] CARVALHO, José Murilo. A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 141

[2] QUEIROZ, Suely. A abolição da escravidão. Coleção Tudo é história, n.17, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 39; GRAHAM, Richard. Grã Bretanha e o início da modernização no Brasil 1850-1914, Rio De Janeiro: Brasiliense, 1973, p. 119

[3] GOMES, Laurentino, 1889, Rio de Janeiro: GloboLivros, 2013, p.75

[4] FIORE, Elizabeth. Presença britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo:Pau Brasil, 1987, p. 30

[5] FIORE, Elizabeth. Presença britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo:Pau Brasil, 1987, p. 31

[6] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.3875/14482

[7] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 217; SODRÉ, Nelson Werneck. As razões da independência, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1978, p.141



O crédito no século XIX

 

Stuart Schwartz (figura) mostra as Irmandades como a Ordem Terceira de São Francisco e a Ordem Terceira do Carmo constituíam uma das principais fontes de crédito na colônia ao emprestarem dinheiro a juros.[1] Jorge Souza mostra que o capitão Pero de Lima devia 400 contos ao mosteiro dos beneditinos de Salvador. No Rio de Janeiro o mosteiro de São Bento mantinha créditos de mais de mil e quatros contos com a elite da capital como o general Salvador Correia de Sá[2]. No século XVII a maior parte dos empréstimos realizados na Bahia eram concedidos pela Santa Casa de Misericórdia de Salvador.[3] Jorge Caldeira aponta o papel das Irmandades no fomento da economia local.[4] Em seu estudo das corporações de ofícios no Rio de Janeiro de 1820 a 1850 Eulália Lobo mostra que “As irmandades e as corporações desempenhavam importante papel mesmo depois do fechamento oficial das corporações, em 1824. As irmandades funcionavam como bancos, defendiam os interesses das corporações”. Oliveira Lima se refere a que “Nos tempos coloniais quase não se fazia negócio algum a crédito, nem se punha comumente dinheiro a juros no Brasil: entesourava-se no pé de meia e vendia-se contado. Nem se formava ideia exata do valor e influência do capital, ou se emprestava”.[5]

[1] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 180; CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.107

[2] SOUZA, Jorge Vitor. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na américa portuguesa, 1580-1690, Rio de Janeorp, UFF, 2014, p. 203

[3] FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; FARIA, Sheila de Castro. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX), São Paulo:Atual Editora, 1998, p.42

[4] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 154

[5] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.3758/14482



quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A navegação de altura: invenção dos portugueses no século XV

 

É inegável a contribuição dos portugueses no conhecimento baseado no experimentalismo e a compilação dos conhecimentos em navegação e cartografia numa época em que tais registros estavam impregnados de registros fantasiosos. Segundo Luis Albuquerque: “os dois métodos astronômicos para determinação da latitude baseado no cálculo das alturas meridiana de uma estrela ou do Sol provinham direta ou indiretamente de obras que serviram de instrução os astrólogos dos séculos IX e XIII [...] No entanto o fato das navegações terem, por um lado imposto uma revisão ou uma simplificação de tais processos mostra por outro lado a utilização prática de noções que durante séculos  apenas se utilizavam das práticas secretas da astrologia é já uma razão para explicar como a náutica astronômica pôde  ser, como na verdade foi, um fator de progresso para a astronomia de posição [...] Não é menos importante salientar que a prática de uma navegação astronômica, bem como a necessidade de serem observadas as condições físicas da atmosfera e dos mares ajudou a criar um clima propício para o surto de um experimentalismo que veio a dar no concurso do século XVI alguns dos frutos mais sazonados da ciência portuguesa”. Em 1484 o rei João II de Portugal indicou uma comissão de matemáticos para elaborar tabelas de declinação do sol a ser usada no mar em conjunto com astrolábios e quadrantes para se determinar a altura do sol ao meio dia e assim, pela consulta às tabelas se avaliar a latitude[1]. Luís de Albuquerque mostra que não há qualquer evidência do uso de navegação astronômica no Mediterrâneo no século XIV. Este foi um aperfeiçoamento dos navegadores portugueses[2] como se observa no Livro de Marinharia de João de Castro de 1516.[3] Antonio Barbosa [4] da mesma forma argumenta ser totalmente falsa a tese da origem e uso da navegação astronômica no Mediterrâneo antes da navegação de altura dos navegadores portugueses no Atlântico.



[1] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and water wheel, New York:Harper Collins, 1994, p.278

[2] ALBUQUERQUE, Luis. Introdução a história das descobertas portuguesas, Lisboa:Europa América, 1959, p. 51

[3] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Europa América, 1959, p 264

[4] António Barbosa - Novos subsídios para a história da ciência náutica portuguesa da época dos descobrimentos. (Memória apresentada no I Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo, Lisboa, 1937) In: BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.232



quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A Geografia de Ptolomeu

 

Jean Gimpel identifica já no século XII e XIII um renascimento cultural que se refletiu na tradução de diversos textos gregos como os de Hipócrates, Aristóteles, Euclides, Arquimedes e Heron de Alexandria realizada por Adelardo de Bath (traduziu os Elementos de Euclides)[1], Gerardo de Cremona (levou 40 anos para traduzir o Almagesto de Ptolomeu em 1175 que se tornou a edição mais popular entre os eruditos medievais e traduziu também o Canone da Medicina de Avicena)[2] e outros.[3] Uma cópia da obra de Ptolomeu em grego foi levada de Constantinopla para Florença por Palla Strozzi em 1400 onde pode ser traduzida por Manuel Crisóloras e seus discípulos.[4] Giacomo d’ Angelo da Scarperia faria a tradução de grego para o latim da Geografia de Ptolomeu, a qual mais tarde Regiomontano apontaria os erros de tradução. Os cartógrafos medievais, até então sem acesso à Geografia de Ptolomeu, preferiram, com razão, o traçado dos portulanos para registrar as regiões do Mediterrâneo, obtendo um resultado mais coerente com a experiência. Em relação ao mediterrâneo contudo só em 1554 com Mercator teremos um traçado independente de Ptolomeu, mas ainda assim seu planisfério de 1568 exagera a grandeza da Ásia e preenche a África com nomes indicados por Ptolomeu o que revela a autoridade com que ainda gozava Ptolomeu.[5]

[1] COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.42

[2] McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.184; BRONOWSKI, J. A escalada do homen, São Paulo:Martins Fontes, 1979, p.177; THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.109; COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.78

[3] GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.152

[4] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.148

[5] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.220



A influência de Roger Bacon em Colombo

 

Ptolomeu rejeitara o cálculo de Eratóstenes (que havia morrido em 194)[1] de aproximadamente 40 mil km para a circunferência da terra considerando que cada grau mediria apenas 90 km ao invés de 112 km (total de 360 graus). Posteriormente reduziu ainda mais esta estimativa adotando os cálculos de Posidônio (135 a.c. – 51 a.c.) e Estrabão de que a terra tinha 28.960 km de circunferência.[2] Pelas estimativas de Ptolomeu a Ásia estaria a 7500 milhas de distância da Espanha.[3] Cristóvão Colombo teve acesso ao livro Imago mundi do bispo de Cambrai Pierre d’Ailly escrito em 1410 durante o domínio do antipapa Benedito XIV. Neste livro é adotada uma medida da circunferência terrestre ainda menor que a adotada por Ptolomeu, o que fez o navegador acreditar que a chegada às Índias pelo Ocidente através do mar seria um empreendimento viável[4]. Segundo o Imago mundi: “é evidente que este mar [da Espanha à Índia indo pelo ocidente] é navegável em muito poucos dias se o vento for bom”.[5] No Tableau du Monde de Pierre d’Ailly escrito em 1410 são citados trechos de Aristóteles, Sêneca e Plínio que falam da possibilidade de navegação entre a costa oeste da Espanha e a Arábia e Índia. O trecho de Imago Mundi de Pierre d´Ailly que diz que o oceano entre o oeste da Europa e o leste da Ásia não poderia ser tão extenso e bravio, foi copiado quase que literalmente o trecho da obra Opus Majus escrita em 1269 por Roger Bacon. No Opus majus, Bacon afirmou a possibilidade de viajar por mar da Espanha para a Índia. Na quarta parte da Opus Majus Bacon analisa a Geografia de Ptolomeu e avalia o equador em 56 milhas e dois terços, o que o leva a avaliar a circunferência com um erro de apenas um catorze avos. Roger Bacon acredita que a grande massa de terra no hemisfério norte deve ser contrabalançada por um grande continente no hemisfério sul.[6] No século XIII dois navegadores genoveses, os irmãos Vivaldi, zarparam de Gênova para atingir a Índia pelo oceano.[7] Humboldt afirma que o livro de Pierre d’Aillly que cita esta passagem de Roger Bacon foi mais importante para convencer os reis Fernando e Isabel em financiar sua expedição à América do que as cartas de Toscanelli, embora Thornlike conteste que Colombo tenha lido este documento antes de sua viagem.[8] Daniel Boorstin relata que Colombo chegou a escrever à margem na sua cópia do Imago Mundi mencionando que estava presente quando Bartolomeu Dias se apresentou ao soberano português para anunciar o sucesso ao contornar a África.[9] Joseph Hoffner, contudo, atribui como certo que Colombo tinha conhecimento do mapa de Toscanellli[10]. Em uma carta de 25 de junho de 1474 dirigida ao cônego da Sé de Lisboa Fernão Martins, Toscanelli descreve que “É certo que muitos outros falaram do caminho mais curto que há daqui até as índias, onde existem as especiarias, pelo mar, mais curto que a via pela Guiné”.[11] Bartolomeu de Las Casas na Historia de las Indias (o manuscrito foi publicado apenas no século XIX) e o autor anônimo de Historie dell Ammiraglio reproduzem a carta de Toscabelli e atribuem uma influência decisiva sobre Colombo.[12] Carlos Malheiros contudo atribui a Colombo uma elevada dose de obstinação: “A sua capacidade de fé atinge os paramos do sublime ou do absurdo. Colombo não raciocina, não analisa. Crê. Para os nossos tempos céticos, esse último filho da Idade Média, contaminado pela ânsia de riquezas e de glórias, que caracteriza a autora da Renascença, é quase ininteligível. Uns querem que tenha sido um inspirado, outros um sábio, outros, ainda, um aventureiro, impelido e transfigurado por uma ambição formidável. Ele é consequência das circunstâncias, mas uma onsequência ativa, pois que a sua obstinação é prodigiosa”.[13]

[1] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 125

[2] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.102

[3] RESTON,James. Os cães do Senhor. São Paulo: Record, 2008, p. 185

[4] COSTA, José Silveira da. A escolástica crsitã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.162

[5] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.218; RESTON,James. Os cães do Senhor. São Paulo: Record, 2008, p. 141

[6] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.219

[7] GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.167

[8] GILLISPIE, Charles. Dicionário de biografias científicas, Rio de Janeiro:Contraponto, 2007, p. 188

[9] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.167

[10] HOFFNER, Joseph. Colonialismo e evangelho, São Paulo:USP, 1973, p.145

[11] RESTON,James. Os cães do Senhor. São Paulo: Record, 2008, p. 140

[12] VASCONCELLOS, Ernesto; GAMEIRO, Alfredo; MALHEIROS, Carlos. In: História da Colonização Portuguesa no Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Centenário de Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1921, Primeira Parte: O descobrimento, V.1 Os precursores de Cabral, p. LXIX

[13] VASCONCELLOS, Ernesto; GAMEIRO, Alfredo; MALHEIROS, Carlos. In: História da Colonização Portuguesa no Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Centenário de Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1921, Primeira Parte: O descobrimento, V.1 Os precursores de Cabral, p. LXXXVI



terça-feira, 24 de agosto de 2021

A tomada de Ceuta (1415)

 

Antonio Baião mostra que os preparativos para tomada de Ceuta começaram já em 1412.[1] Da frota portuguesa que partiu do Porto foi liderada pelo infante D. Henrique e a que partiu de Lisboa pelo infante D. João I e as galés que partiram do sul de Portugal foram lideradas por D. Pedro, em um total de 242 embarcações segundo Mateus Pisano. Charles Boxer a conquista de Ceuta, em 1415, foi mais representativa pela permanência dos lusitanos na região, do que propriamente pela conquista. A carta de Dulcert de 1339 se refere a presença de “ouro em abundância” na “terra dos negros” ao sul do Bojador próximo a Guiné.[2] Luís de Albuquerque mostra que antes da conquista da Guiné os portugueses já tinham conhecimento da existência de ouro na região tendo em vista que os arquivos medievais da Catalunha indicam que o cartógrafo maiorquino Jaime, citado por Duarte Pacheco Pereira teria vindo para Portugal a pedido do Infante D. Henrique antes da viagem a Guiné e que teria transmitido tais informações.[3] Para Russel Wood: “para os portugueses [do século XV], a Guiné estava associada ao ouro em pó”.[4] Foi somente em 1419 com a informação sobre a possibilidade de chegar as áreas produtoras de ouro, que teria animado a convocação de novas expedições. O eixo de interpretação passa a incluir a interação de interesses religiosos, sendo vista como uma cruzada contra os muçulmanos e uma busca ao reino do Preste João, e a possibilidade de ampliação de mercados. Segundo Oliveira Marques, os portugueses logo se deram conta que a tomada de Ceuta somente seria mantida se fossem capturadas outros territórios no Marrocos[5] muito embora o próprio infante D. Henrique nunca tenha viajado para parte alguma além de Marrocos.[6] Para Antonio Dias Farinha: “A expansão [com a tomada de Ceuta] é, antes de mais, a afirmação política do Reino no concerto das nações (traduzida no «senhor de Ceuta», a que depois se acrescentou «e de Alcácer Ceguer» e, mais tarde, «rei do Algarve Dalém-Mar em África»), em especial no contexto ibérico (a ameaça anexionista de Castela manter-se-ia no horizonte) e perante os Estados europeus interessados nas regiões do Sul; é também afirmação contra os Mouros (Salado não estava distante e havia que continuar a Reconquista) e, finalmente, resposta à ameaça turca, bem perigosa depois de 1453. A iniciativa portuguesa valeu também como antecipação ao «direito de conquista» das nações ibéricas sobre o reino de Fez, reconhecido por Castela pelo Tratado das Alcáçovas, em 1479. A expansão consagrou a legitimidade da dinastia de Avis no plano interno e o seu pleno reconhecimento na ordem internacional”. [7] D. Pedro, contudo, é contra a manutenção da conquista: “Ceuta é grande sumidouro de gente, de armas e de dinheiro; e os homens de autoridade de Inglaterra e desta Flandres já não falam na honra e boa fama que a sua conquista deu, mas sim no grande desacêrto que é conservá-la com tanta perda e prejuízo do país [...] Conquistar o reino de Fêz seria emprêsa difícil e de-pressa se perderia o seu fruto porque não há em Portugal gente e dinheiro para sustentar dois reinos; sustentar só os lugares da beira-mar era pior ainda, porque se não poderiam manter sem grande prejuízo e nenhum proveito” mas o rei D. Duarte decide em favor da corrente expansionista na conquista segundo orientação de D. João I que decide fazer a expedição de Tanger em 1437.[8]



[1] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.131

[2] ALBUQUERQUE, Luis. Introdução a história das descobertas portuguesas, Lisboa:Europa América, 1989, p. 143

[3] ALBUQUERQUE, Luis. Introdução a história das descobertas portuguesas, Lisboa:Europa América, 1989, p. 150

[4] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 100

[5] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal, Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016, p. 37

[6] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal, Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016, p. 52

[7] FARINHA, Antonio Dias. Os portugueses em Marrocos, Lisboa:Lazuli, 1999

[8] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.139



domingo, 22 de agosto de 2021

O papel da burguesia mercantil no início da era das navegações portuguesas

 

O nacionalismo precoce português, a ascendência precoce da monarquia sobre o feudalismo e a guerra contra os sarracenos afrouxaram os laços de servidão em Portugal a ponto de diversos historiadores portugueses como Gama Barros, Sérgio Bagú e Azevedo Amaral negarem a presença de um regime verdadeiramente feudal em Portugal.[1] Já no século XIII mercadores portugueses eram maioria na feira de Bruges comerciando vinhos, azeite, cortiça, cereais, mel, pescaria e peles em troca de panos e metais. Ao final do século XIV havia uma rica, influente e cosmopolita classe mercantil em Lisboa.[2] Oliveira Marques mostra que o desenvolvimento de Lisboa no século XIII caracteriza o final da Idade Média em Portugal  acompanhando o desenvolvimento do comércio com Londres seu principal ponto de destino, Flandres e outras cidades europeias. As exportações portuguesas consistiam em fruta, sal, vinho, azeite e mel principalmente ao passo que de Londres e Flandres Portugal recebia principalmente têxteis[3]. Luís de Albuquerque mostra que a criação de mercados começou a ser encorajada por Afonso III (1269) em diversas localidades impulsionando o comércio interno de modo que já em 1282 há registros de comerciantes portugueses em Flandres e algumas praças inglesas[4]. A revolução de 1383 será a pedra de toque que marca o prestígio desta burguesia mercantil: “ao iniciar-se o século XIV  a burguesia comercial está no vértice do seu poder, enriquecida e próspera”.[5] Segundo Damião Peres (figura): “Em 1290 as relações comerciais [com a importação, por exemplo, de tecidos finos de linho e seda entre outros produtos] com a França eram já tão importantes, que Filipe o Belo concedeu aos mercadores portugueses que freqüentavam o pôrto de Harfleur importantes privilégios, concessão confirmada por vários monarcas franceses que àquele sucederam: Filipe IV em 1341, João 11 em 1350 e 1362, Carlos V em 1364 [...] Esta burguesia comercial, rica, activa, inteligente, não podia deixar de sentir as mesmas  aspirações das suas congéneres das restantes nações marítimas da Europa; a sua influência na génese da expansão marítima portuguesa não pode negar-se. Influência bem poderosa, porquanto é certo que desde meados do século XIV a sua acção política era progressiva. Em 1353, ao celebrar-se o primeiro tratado comercial anglo-luso, o enviado português que conduziu as negociações era um burguês importante, Afonso Martins Alho, representante dos cidadãos de Lisboa e Pôrto e das associações de armadores existentes nessas duas cidades; a outra parte contratante era o rei de Inglaterra [...] Difícil, se não impossível, é determinar a exacta medida em que cada um dos factores  apontados - político, económico, militar, religioso, cientÍfico - exerceu a sua acção estimu[1]lante. Conforme o momento, o sucesso, a classe social, assim êles se tornam perceptÍveis em  grau diferente; justamente nisso reside a origem de repetidas discussões, quando cada autor  pretende, como por vezes tem sucedido, arvorar em predominante, duma maneira geral e absoluta, determinado factor”[6]



[1] SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1979, p.27, 28, 44, 52, 81

[2] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.16,17

[3] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal. Rio de Janeiro: Tinta da China , 2016, p.40

[4] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Europa América, p. 17

[5] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Europa América, p. 34

[6] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.125




sábado, 21 de agosto de 2021

A conquista de Santarém e de Lisboa

 

Os laços históricos entre Portugal e Inglaterra, datam do século XII quando da expulsão dos mouros islâmicos e a conquista de Lisboa em 1147 com o apoio de cruzados ingleses e flamengos.[1] Segundo cronista árabe da época, Afonso Henriques no mesmo ano tomou aos mouros Santarém no Ribatejo, próximo a Lisboa, com ataques noturnos degolando seus inimigos enquanto dormiam ”como um um chefe de bandidos [...]  tal foi o modo porque este inimigo de Deus tomou a maior parte dos castelos das províncias de Belatha / Balata e Al-Kazer / Al-Kassr / Alcácer do Sal”[2] o que leva Oliveira Martins à concluir por uma conquista “quasi per latrocinium” de castelos isolados, ainda que tal forma de conquista fosse demasiado insuficiente para conquistar o sistema de fortalezas muçulmanas. Segundo Antonio Baião, Santarém era no segundo quartel do século XII o mais forte reduto sarraceno da margem direita do Tejo.[3] Para conquista de Lisboa Afonso Henriques irá contar com o suporte dos ingleses. Segundo Antonio Baião: “A rendição de Lisboa mourisca em 1147 teve alta retumbância europeia, não só pela larga comparticipação de povos nórdicos nesse feito guerreiro, como pela fama de sua riqueza e quási inexpugnabilidade. A preciosa cooperação dos cruzados teve como conseqüência imediata o estabelecimento de fortes e duradouros vínculos entre a nação e essa gente de além Pirenéus”.[4] Segundo Antonio Baião: “É certo, contudo, que nas guerras da reconquista cristã, caracterizadamente guerras de destruição, mas quais se talavam os campos, se incendiavam as povoações e se espalhava a desolação e a morte na zona que constituía as flutuantes fronteiras entre cristãos e árabes, o êxito era mais devido ao valor individual, ao ardil e à agilidade dos cavaleiros, do que a uma eficaz acção tactica de conjunto, que quási não existia. E assim poderia afirmar-se que a política militar dos primeiros tempos da monarquia, de que resultou a consolidação do novo reino de Portugal, foi principalmente fundamentada nas qualidades combativas dos portugueses e no seu fervoroso patriotismo, virtudes estas postas dedicadamente ao serviço duma organização social que, como vimos, pode bem considerar-se a precursora remota da nação armada, que veio a generalizar-se como a fórmula militar mais eficiente dos tempos modernos”.[5]



[1] BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América, São Paulo:Globo, 2006, p.91

[2] MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa:Versial, 2010, p. 65, Edições Kindle

[3] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.48

[4] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.53

[5] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.102



A crise na agricultura de Portugal no século XIV

 

Antonio Baião (figura) destaca a crise na agricultura do século XIV: “As medidas adotadas tôdas de caráter coercitivo [para o cultivo obrigatório dos campos]  não deram nem podiam, evidentemente, dar qualquer resultado satisfatório. E, consequentemente, as tintas do quadro tornaram-se mais sombrias no reinado de D. Fernando - agravadas as causas do mal pela desastrada política externa do rei inconstante. A situação da lavoura, tal como a pintam as côrtes de 1371, é verdadeiramente angustiosa. As extorsões feitas pelos funcionários régios aos lavradores eram apontadas como a causa de alguns se terem desfeito das suas terras e mudado de profissão - e com isso não podia deixar de sofrer o cultivo dos campos [...] Os moços de lavoira abandonam a faina dos campos para irem prestar serviços nas casas nobres e abastadas, ou então para se dedicarem a outros ofícios menos pesados e mais remuneradores; e) por outro lado, aumentava a vadiagem e a mendicidade, para o que se punham em prática expedientes de toda a ordem”.[1] O Regimento dos Corregedores de 1352, por exemplo, determina que  os vereadores deverão nomear em cada freguesia dois homens-bons para terem contados todos os que não são mesteirais ou que não tenham rendimento para serem coagidos ao trabalho agrícola mediante um salário estabelecido. Paralelamente são tomadas medidas de proteção às feiras. Em Vila-Mendo, de 1229, preceitua que todos aqueles, nacionais ou estrangeiros que acorrerem à feira geral a realizar três vezes por ano durante oito dias vão e voltem seguros, não sendo penhorados nem perseguidos, quer sejam devedores, fiadores ou, até homicidas, desde oito dias antes de principiar a feira até oito dias depois de termina. Vários concelhos mantinham normas proibindo a exportação de pão e carne destinados ao consumo de Lisboa ou a importação de produtos que a própria localidade produzia, o que impedia um maior desenvolvimento do comércio. Na feira de Viana cuja concessão foi outorgada por D. Dinis em 1286, os moradores da região ficavam proibidos de comprar ou vender para outras feiras. Uma lei de D. Fernando de 1375 proibia comerciantes estrangeiros de realizar qualquer operação de comércio em Portugal exceto nos portos de Lisboa e Algarve. A indústria de panos conservará sua característica de indústria doméstica, monopolizada pelas mulheres, destinada a atender as necessidades locais. A exportação de panos de cor era proibida por carta régia de 1254, sinal do reduzido quantitativo de produção. [2]



[1] BAIÃO, Antonio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:Editorial, Atica, 1937, p.91

[2] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.132, 142



sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Academia de Belas Artes: construção de um edifício sem alicerces

 

Segundo Maria de Lourdes Fávero “em matéria de ensino as diretrizes emanadas da Corte eram feitas como se visassem a estabelecer a rotina; paralisar as iniciativas, em vez de estimulá-las”.[1] Mesmo após a independência esta condição de atraso na educação se prolongou de modo que ao final do Império em 1879 o Brasil tinha seis instituições de ensino superior sendo que nenhuma universidade, ou seja, as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife; as Faculdades de Medicina do Ru de Janeiro e da Bahia; a Escola Politécnica do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto. Em 1768 um pedido da Câmara de Sabará para criação de um aula de cirurgia teve o pedido negado.[2] Os inconfidentes mineiros em seu movimento de 1789 tinham como uma de suas propostas a criação da Universidade de Vila Rica.[3] Na vinda da família real em 1808 D. João VI incumbiu José Bonifácio para ser diretor de uma universidade a ser criada, mas a o projeto não foi afrente por oposição dos ministros portugueses que receavam desaparecesse uma das principais bases em que se assentava a superioridade da metrópole[4].  Em compensação foi criada a Academia de Belas Artes organizada com artistas franceses sob a orientação de Lebreton que chegou em 1816 e denominada inicialmente como Escola de Ciências, Artes e Ofícios. O grupo reunia o pintor Debret, Nicolas Taunay e seu irmão o escultor Augusto Taunay e seu assistente François Bonrepos, o arquiteto Grandjean de Montigny, o professor de mecânica François Ovide e o gravador em talha Simon Pradier.[5] Maler chegou a conjecturar que tantos artistas teriam vindo como exílio para fugir ao governo de Napoleão, ,as o próprio Ministério de Estrangeiro negou essa conjectura. Oliveira Lima aponta a incongruência da medida pois o Brasil estava muito mais necessitado de um ensino industrial do que artístico: “as belas artes necessitam apoiar-se sobre as artes mecânicas, quando não o edifício fica sem alicerces: não se pode iniciar uma construção pela cumeeira”. A Escola contudo somente seria aberta em 1826 diante da turbulência política que se seguiu à independência.



[1] FÁVERO, Maria de Lourdes. Universidade do Brasil das origens à construção. Rio de Janeiro:UFRJ, 2000, p.9, 24

[2] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.256

[3] CALMON, Pedro. História da civilização brasileira, Brasília: Senado Federal, 2002, p. 160; GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.294

[4] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.2350/14482

[5] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.2374/14482



A balança comercial no tempo da vinda da família real ao Brasil

 

O ato de transformação do Brasil em Reino em 1815 era o reconhecimento de sua dominância como centro econômico.[1] Segundo relatório do deputado Manuel Fernandes Tomás na Corte portuguesa em Lisboa em fevereiro de 1821 o comércio com o Brasil em 1818 havia dado um déficit à Coroa portuguesa de 4 milhões e 265 mil cruzados.[2] De 1796 a 1807 em apenas três anos o saldo foi favorável à metrópole[3]. Em 1796 o Brasil mandou para Portugal gêneros no valor de 353 milhões de cruzados enquanto Portugal exportou 300 milhões. Em 1807 o Brasil exportou 189 milhões de cruzados e Portugal exportou apenas 149 milhões de cruzados.[4] Dados de 1796 mostram que o Brasil importou cerca de 7 mil contos e exportou cerca de 10 mil contos (Heitor Lima registra exportações de 11,5 mil contos)[5] com saldo positivo para a colônia brasileira. Do total de cerca de 7,6 mil contos das exportações de Portugal para as colônias, cerca de 7 mil contos era para o Brasil, ou seja, a colônia brasileira consumia 92% das exportações portuguesas para suas colônias o que demonstra que o Brasil era o grande mercado para os produtos portugueses.[6] Em 1806 a balança comercial teve saldo positivo de 6,8 mil contos sendo 23,2 mil contos de exportações e 16,4 mil de importações.[7] Em 1805 tinham entrado no Rio de Janeiro 800 navios portugueses; em 1820 foram apenas 200. Segundo Oliveira Lima[8] (figura) a vinda da família real para colônia aumentou consideravelmente as importações que em 1806 eram (segundo um mapa anexo à correspondência de D. Rodrigo de Souza Coutinho) do valor de 3.600 contos, em 1813 tinham subido a 7.052 contos e em 1816 atingiam 9.084 contos.

[1] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 305

[2] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 317

[3] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 294

[4] MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa:Versial, 2010, p. 408, Edições Kindle

[5] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 294

[6] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 34

[7] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.273

[8] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.1304/14482



Imprensa Régia

 

Em 1808 com a vinda da família real foi criada a Imprensa Régia mas já em 1806 Diogo Pereira Ribeiro de Canto publicou “Canto em XX oitavas em homenagem ao governador e capitão general da capitania de Minas Gerais”, um folheto impresso pelo padre Joaquim José Viegas de Menezes.  O prelo e tipos fabricados em Londres foram inicialmente destinados para uma imprensa destinada ao serviço do ministério de Estrangeiros e Guerra em Lisboa e ainda estavam encaixotados quando vieram para o Rio de Janeiro trazidos por António de Araújo em 1808. O objetivo da tipografia no Brasil era o de imprimir legislação, papéis diplomáticos de várias repartições. A primeira publicação da Imprensa Régia, ou Impressão Régia, foi a Relação de Despachos da Corte de caráter administrativo.[1] A sede da tipografia oficial ficava na rua do Passeio onde em 1890 seria instalado o Museu Pedagógico ou Pedagogium. A Imprensa Régia foi dirigida até 1830 por uma junta, formada pelo desembargador o português José Bernardes de Castro, e de dois brasileiros, o futuro marquês de Maricá e o futuro visconde de Cairu.[2] A lei de 7 de dezembro de 1830 extinguiu a Junta de Direção e deu nova forma à administração da Tipografia Nacional.[3]



[1] LAGO, Pedro Correa. Brasiliana IHGB 175 anos, Rio de Janeiro:Capivara, 2014, p. 168

[2] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.134/14482

[3] http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/204-impressao-regia



A Universidade e a burguesia mercantil em Portugal medieval

 

Aldo Janotti  mostra que a estrutura agrária e o baixo nível de instrução do clero português acabou condenando a Universidade de Lisboa fundada por D. Diniz em 1290 a um isolamento das demais universidades e uma existência intelectual apagada: “Portugal partiu para a descoberta geográfica do mundo sem antes ter completado a descoberta intelectual da Europa”.[1] Para Aldo Janotti faltou a Portugal as condições sociais e econômicas adequadas para integrar Portugal à Europa. Não houve renascimento urbano e a ascenção do comércio que se observa a partir de Afonso III (1248-1279) esteve sempre ligado a produtos agrícolas (azeite, cera, cortiça, mel, vinho, peles, frutas, cevada e trigo).  Vários concelhos mantinham normas proibindo a exportação de pão e carne destinados ao consumo de Lisboa ou a importação de produtos que a própria localidade produzia, o que impedia um maior desenvolvimento do comércio. Na feira de Viana cuja concessão foi outorgada por D. Dinis em 1286, os moradores da região ficavam proibidos de comprar ou vender para outras feiras. Uma lei de D. Fernando de 1375 proibia comerciantes estrangeiros de realizar qualquer operação de comércio em Portugal exceto nos portos de Lisboa e Algarve. A indústria de panos conservará sua característica de indústria doméstica, monopolizada pelas mulheres, destinada a atender as necessidades locais. A exportação de panos de cor era proibida por carta régia de 1254, sinal do reduzido quantitativo de produção. [2]

Oliveira Marques mostra que o desenvolvimento de Lisboa no século XIII caracteriza o final da Idade Média em Portugal  acompanhando o desenvolvimento do comércio com Londres seu principal ponto de destino, Flandres e outras cidades europeias. As exportações portuguesas consistiam em fruta, sal, vinho, azeite e mel principalmente ao passo que de Londres e Flandres Portugal recebia principalmente têxteis[3]. A primeira regulamentação dos ofícios em Portugal data de 1489, numa época em que as guildas europeias já estavam em declínio, o que se explica segundo Marcelo Caetano diante do incipiente desenvolvimento da indústria em Portugal.[4] Gama Barros duvida que antes do século XVI  possam ter existido em Portugal corporações de ofícios, o que leva Aldo Janotti conciur que não havia uma burguesia mercantil medieval, pois os mercadores que existiam na época  estiveram longe de ser a classe mais numerosa da sociedade, o que revela o arcaísmo social português, sem grandes núcleos urbanos (exceto por Lisboa e Porto), ao colocar a economia portuguesa em atraso quando comparada com outras economias medievais de sua época como a francesa ou italiana: “na realidade a burguesia medieval portuguesa não seria um fato histórico e sim um fato historiográfico. Não teria existência temporal, e sim existência livresca”.[5] Segundo Costa Lobo: “nos princípios do século XV, Portugal pode descrever-se como um vasto matagal, entressachado, afora algumas cidades e vilas, de pequenas povoações, circundadas de breves arroteas”. Para Aldo Janotti este será um elemento crucial faltante que terá impacto no desenvolvimento da Universidade de Lisboa. **

Outros historiadores, contudo, entendem que havia em Lisboa uma burguesia mercantil nascente que teve um papel importante nos descobrimentos. Luís de Albuquerque mostra que a criação de mercados começou a ser encorajada por Afonso III (1269) em diversas localidades impulsionando o comércio interno de modo que já em 1282 há registros de comerciantes portugueses em Flandres e algumas praças inglesas[6]. A revolução de 1383 será a pedra de toque que marca o prestígio desta burguesia mercantil: “ao iniciar-se o século XIV  a burguesia comercial está no vértice do seu poder, enriquecida e próspera”.[7] A Casa dos Vinte e Quatro (figura) foi criada em 16 de dezembro de 1383, por D. João, Mestre de Avis (futuro D. João I) com o objetivo de permitir que os mesteiraes (termo do português medieval referindo-se aos mestres da corporação[8]) participassem no governo da cidade elegendo um presidente chamado Juiz do Povo.[9] Entre os vinte e quatro representantes em Lisboa e no Porto eram nomeados quatro deles, os procuradores dos mesteres para representar os interesses da corporação no Conselho Municipal com direito de voto[10]. O termo mesteirais designa, na sociedade portuguesa medieval, um grupo de artífices dentro de uma postura corporativista, profissional e organizada, dentro de trabalhos artesanais, também chamado de corporação de ofício. A origem provém dos povos godos pelo qual é o mister ou ofício que define a condição servil, de modo que os servos eram designados ministeriales de onde teria origem o termo mesteirais.[11]



[1] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.13

[2] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.132, 142

[3] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal. Rio de Janeiro: Tinta da China , 2016, p.40

[4] CUNHA, Luiz Antonio. Aspectos sociais da aprendizagem de ofícios manufatureiros no Brasil colônia. Forum:Rio de Janeiro, v.2, out/dez 1978, p.46

[6] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Europa América, p. 17

[7] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Europa América, p. 34

[8] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 32

[9] http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/acervo/fundo-historico/fundo-camara-municipal-de-lisboa/casa-dos-vinte-e-quatro/

[10] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 264

[11] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 110



quinta-feira, 19 de agosto de 2021

A Universidade em Portugal no tempo dos decobrimentos

 

Mesmo no tempo de Afonso III tanto nos contratos como nos testemunhos da Inquisição raros eram os documentos assinados, e mesmo em 1434 D. Duarte emite norma em que exige que para ser juiz seria necessário saber ler e escrever, mas apenas para cidade e vilas com mais de 400 habitantes, o que revela o algo índice de anafalbetismo, mesmo entre membros do clero. [1] Um sinal da fraqueza cultural da universidade portuguesa foram suas constantes mudanças de 1290 a 1308 esteve em Lisboa; de 1308 a 1338 em Coimbra; de 1338 a 1354 voltou a Lisboa; de 1354 a 1377 novamente em Coimbra, de 1377 a 1537 em Lisboa, e de 1537 em diante em Coimbra (na figura), o que evidencia que a universidade era considerada como um órgão de Estado anexo da Corte, em um embate que Aldo Janotti atribui a perspectiva cosmopolita e europeia de Lisboa contra a perspectiva rural e arcaísta da pequena cidade de Coimbra. Charles Boxer observa que nem todas as universidades eram reconhecidas dentro dos padrões desejados. O papa Nicolau IV proibiu o ensino de teologia na universidade de Lisboa ainda que a proibição não tivesse sido estritamente observada. Aldo Janotti conclui que “no início das grandes descobertas, no limiar da idade moderna, não possuía uma escola digna das aspirações culturais do Renascimento. Dessa forma, a universidade pouco contribuiu, ou melhor, nada contribuiu para a integração de Portugal no quadro da cultura europeia”.[2] Oliveira Marques, por sua vez, observa o intercâmbio da universidade de Lisboa com intelectuais estrangeiros e a ascenção do idioma português tendo sido no final do século XIII oficialmente adotado como língua escrita do país, substituindo o latim. [3] Em 1380 o papa Clemente VII negou aos teólogos formados em Lisboa a licença habitual para ensino em qualquer lugar (facultas ubique docendi), de modo que os frades mais promissores eram enviados para Oxford e Paris para por lá se formarem.[4] Charles Haskins[5] mostra que ao contrário do que se imagina havia relativamente poucos estudantes de teologia nas universidades medievais pois somente após a Contra Reforma a Igreja passou a recomendar um treinamento teológico para o sacerdócio.



[1] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.207

[2] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.217

[3] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal, Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016, p. 42

[4] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 30

[5] HASKINS, Charles. A ascenção das universidades, São Paulo: Danúbio, 2015, p.654/1743







Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...