terça-feira, 31 de agosto de 2021

O conhecimento para os gregos

 

Sócrates fez sua a máxima do oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”[1] ou “Só sei que nada sei” e mesmo Platão na Apologia reconhece que Sócrates nunca se colocara como mestre de ninguém, pois o conhecimento de si mesmo, de sua própria natureza é que deve ser a verdadeira meta do saber[2]: “eu nunca fui, quanto a mim, mestre de ninguém. Mas se alguém desejou me escutar, quando falava e cumpria minha tarefa, que fosse jovem ou velho, jamais eu o recusei”.[3] Para se alcançar a sabedoria, conhecer a realidade como ela é, é necessário despojar-se de todas as ideias préconcebidas adquiridas pela doxa ou senso comum acrítico (paradoxal = o que se opõe ao senso comum). Para Sócrates ao ler um livro o leitor apenas reforça o conhecimento que já possui, pois o conhecimento não pode ser adquirido pela leitura.[4] Na parte final do Menon, Sócrates explica que o conhecimento de algo se apoia na capacidade  de se apresentar razões daquilo que se sabe sobre a coisa, o que garante um aspecto de permanência de tal conhecimento, o que não se observa quando se emite uma opinião não fundamentada de algo, onde a pessoa está sujeita a mudar sua opinião quando confrontada com alguma razão minimamente fundamentada ou mesmo com mera aparência de bem fundamentada.[5] Cícero em Tusculan Disputation explica que quando Apolo diz: “Conhece-te a ti mesmo” diz “conhece a tua alma”, pois a mente de cada um é o que cada um é.[6] Rodolfo Mondolfo observa que a inscrição de Delfos de “Conhece-te a ti mesmo” é uma advertência ao homem para que reconhecesse os limites da natureza humana e não aspirasse as coisas divinas, porém, Sócrates chega após o desenvolvimento de sua filosofia ao aspirar maior proximidade com as coisas divinas, o que desfaz a recomendação original do Oráculo. O que ainda resta é sua humildade em reconhecer que o caminho para a sabedoria não se trata de um fácil saber e afirma a consciência de sua própria ignorância[7]

[1] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I, São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 158

[2] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 131

[3] PLATÃO, Apologia de Sócrates, In: VALLE, Lilian. Os enigmas da educação, Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 142

[4] MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 106

[5] HARE, R. Platão, São Paulo: Loyola, 1996, p. 32

[6] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 152

[7] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 159



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...