sexta-feira, 20 de agosto de 2021

A Universidade e a burguesia mercantil em Portugal medieval

 

Aldo Janotti  mostra que a estrutura agrária e o baixo nível de instrução do clero português acabou condenando a Universidade de Lisboa fundada por D. Diniz em 1290 a um isolamento das demais universidades e uma existência intelectual apagada: “Portugal partiu para a descoberta geográfica do mundo sem antes ter completado a descoberta intelectual da Europa”.[1] Para Aldo Janotti faltou a Portugal as condições sociais e econômicas adequadas para integrar Portugal à Europa. Não houve renascimento urbano e a ascenção do comércio que se observa a partir de Afonso III (1248-1279) esteve sempre ligado a produtos agrícolas (azeite, cera, cortiça, mel, vinho, peles, frutas, cevada e trigo).  Vários concelhos mantinham normas proibindo a exportação de pão e carne destinados ao consumo de Lisboa ou a importação de produtos que a própria localidade produzia, o que impedia um maior desenvolvimento do comércio. Na feira de Viana cuja concessão foi outorgada por D. Dinis em 1286, os moradores da região ficavam proibidos de comprar ou vender para outras feiras. Uma lei de D. Fernando de 1375 proibia comerciantes estrangeiros de realizar qualquer operação de comércio em Portugal exceto nos portos de Lisboa e Algarve. A indústria de panos conservará sua característica de indústria doméstica, monopolizada pelas mulheres, destinada a atender as necessidades locais. A exportação de panos de cor era proibida por carta régia de 1254, sinal do reduzido quantitativo de produção. [2]

Oliveira Marques mostra que o desenvolvimento de Lisboa no século XIII caracteriza o final da Idade Média em Portugal  acompanhando o desenvolvimento do comércio com Londres seu principal ponto de destino, Flandres e outras cidades europeias. As exportações portuguesas consistiam em fruta, sal, vinho, azeite e mel principalmente ao passo que de Londres e Flandres Portugal recebia principalmente têxteis[3]. A primeira regulamentação dos ofícios em Portugal data de 1489, numa época em que as guildas europeias já estavam em declínio, o que se explica segundo Marcelo Caetano diante do incipiente desenvolvimento da indústria em Portugal.[4] Gama Barros duvida que antes do século XVI  possam ter existido em Portugal corporações de ofícios, o que leva Aldo Janotti conciur que não havia uma burguesia mercantil medieval, pois os mercadores que existiam na época  estiveram longe de ser a classe mais numerosa da sociedade, o que revela o arcaísmo social português, sem grandes núcleos urbanos (exceto por Lisboa e Porto), ao colocar a economia portuguesa em atraso quando comparada com outras economias medievais de sua época como a francesa ou italiana: “na realidade a burguesia medieval portuguesa não seria um fato histórico e sim um fato historiográfico. Não teria existência temporal, e sim existência livresca”.[5] Segundo Costa Lobo: “nos princípios do século XV, Portugal pode descrever-se como um vasto matagal, entressachado, afora algumas cidades e vilas, de pequenas povoações, circundadas de breves arroteas”. Para Aldo Janotti este será um elemento crucial faltante que terá impacto no desenvolvimento da Universidade de Lisboa. **

Outros historiadores, contudo, entendem que havia em Lisboa uma burguesia mercantil nascente que teve um papel importante nos descobrimentos. Luís de Albuquerque mostra que a criação de mercados começou a ser encorajada por Afonso III (1269) em diversas localidades impulsionando o comércio interno de modo que já em 1282 há registros de comerciantes portugueses em Flandres e algumas praças inglesas[6]. A revolução de 1383 será a pedra de toque que marca o prestígio desta burguesia mercantil: “ao iniciar-se o século XIV  a burguesia comercial está no vértice do seu poder, enriquecida e próspera”.[7] A Casa dos Vinte e Quatro (figura) foi criada em 16 de dezembro de 1383, por D. João, Mestre de Avis (futuro D. João I) com o objetivo de permitir que os mesteiraes (termo do português medieval referindo-se aos mestres da corporação[8]) participassem no governo da cidade elegendo um presidente chamado Juiz do Povo.[9] Entre os vinte e quatro representantes em Lisboa e no Porto eram nomeados quatro deles, os procuradores dos mesteres para representar os interesses da corporação no Conselho Municipal com direito de voto[10]. O termo mesteirais designa, na sociedade portuguesa medieval, um grupo de artífices dentro de uma postura corporativista, profissional e organizada, dentro de trabalhos artesanais, também chamado de corporação de ofício. A origem provém dos povos godos pelo qual é o mister ou ofício que define a condição servil, de modo que os servos eram designados ministeriales de onde teria origem o termo mesteirais.[11]



[1] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.13

[2] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.132, 142

[3] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal. Rio de Janeiro: Tinta da China , 2016, p.40

[4] CUNHA, Luiz Antonio. Aspectos sociais da aprendizagem de ofícios manufatureiros no Brasil colônia. Forum:Rio de Janeiro, v.2, out/dez 1978, p.46

[6] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Europa América, p. 17

[7] ALBUQUERQUE, Luís de. Introdução à história dos descobrimentos portugueses, Lisboa: Publicações Europa América, p. 34

[8] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 32

[9] http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/acervo/fundo-historico/fundo-camara-municipal-de-lisboa/casa-dos-vinte-e-quatro/

[10] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 264

[11] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 110



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