quinta-feira, 31 de março de 2022

A escravidão e o legado negativo sobre a percepção do trabalho pela sociedade

 

Para Honório Rodrigues: “a escravidão, que foi o sustentáculo dos senhores, criou, possivelmente, vários complexos, entre os quais a objeção pelo trabalho manual. Em 1757 frei Domingos do Loreto Couto observa que os que exercem ofícios mecânicos perdem a presunção de alvos ou nobres.[1] Nas palavras de Fernando de Azevedo: “a escravatura desonrou o trabalho nas suas formas rudes. Enobreceu o ócio e estimulou o parasitismo, contribuiu para acentuar entre nós a repulsa pelas atividades manuais e mecânicas, e fazer-nos considerar como profissões vis as artes e os ofícios. Segundo a opinião corrente, trabalhar, submeter-se a uma regra qualquer, era coisa de escravo”.[2] Para Fernando de Azevedo: “produto da época e das condições de vida social da metrópole, transferiu-se para a colônia, com os costumes, os usos e a religião, a mentalidade para a qual a liberdade se tornou sinônimo de ociosidade e o trabalho qualquer coisa de equivalente à servidão”.[3] Emília Viotti mostra que a escravidão marcou profundamente o conceito do trabalho na colônia: “durante todo esse período, a história do trabalho é, sobretudo, a história do escravo”.[4] Segundo Emília Viotti “a escravidão não teve apenas uma influência dissolvente sobre a sociedade inteira, mas corrompeu a noção de dever e do respeito, desonrou o trabalho, enobreceu o ócio, abalou a hierarquia e destruiu a disciplina. Segundo a opinião corrente, trabalhar – submeter-se uma regra qualquer – é coisa de escravos”.[5] Em 1883 Joaquim Nabuco em O abolicionismo relata que a escravidão: “impossibilita o progresso material do país, corrompe-lhe o caráter, desmoraliza-lhe os elementos constitutivos, tira-llhe a energia e a resolução, rebaixa a política [...] desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias, promove a bancarrota, desvia os capitais de seu curso natural, afasta as máquinas, excita o ódio entre as classes, produz uma aparência ilusória de ordem, bem estar e riqueza [...] O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa organização toda, física, intelectual e moral, acha-se terrivelmente afetada pelas influências com que a escravidão passou trezentos anos a permear a sociedade brasileira”.[6] Para João Severiano Maciel da Costa em 1821: “o maldito sistema de trabalho por escravos, além de outros males, fez-nos o grandíssimo de infamar de tal sorte o trabalho agrícola que os homens livres da mais baixa classe, antes querem morrer de fome, e entulhar as vilas e cidades na medicidade e miséria do que receberem um pão honrado, ganhado por seus braços”.[7] Para Emília Viotti: “O trabalho manual, era visto como obrigação de negro, de escravo. Trabalho é pra negro. A ideia de trabalho trazia consigo uma sugestão de degradação. Também para o negro, o trabalho, fruto da escravidão, aparecia como obrigação penosa, confundia-se com o cativeiro, associava-se às torturas do eito. A liberdade deveria, necessariamente, aparecer-lhe como promessa de ausência de obrigações e de trabalho. Dessa forma a escravidão ultrajava a ideia de trabalho, e, o que é ainda mais grave, degradava as relações entre os homens”.[8] Luis Antonio em 1768 referia-se a “dificuldade de continuar o cultivo da terra onde o povo não pratica, aonde não há quem sirva, por se reputar o trabalho por desprezo”.[9]

[1] RODRIGUES, José Honório. Aspirações nacionais. Rio de Janeiro: Fulgor, 1963, p. 96

[2] AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura, Rio de Janeiro: INL, 1976, p. 81.

[3] Cf. TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.584

[4] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 14

[5] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 336

[6] QUEIROZ, Suely. A abolição da escravidão. Coleção Tudo é história, n.17, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 53

[7] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 393

[8] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 15

[9] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.243



O passado ibérico em Capistrano de Abreu

 

Para Capistrano de Abreu falta a Varnhagen  uma periodização da história do Brasil e uma visão de conjunto à sua obra, que se perde por vezes no detalhe de alguns episódios da história. Capistrano de Abreu faz uma periodização da história do Brasil que leva em conta aspectos econômicos e sociais, em que numa primeira fase elogia a rebelião dos brasileiros durante os três primeiros séculos, com destaque para os movimentos de interiorização com as bandeiras, com o gado e com as minas. O historiador Capistrano de Abreu se refere a "Civilização do Couro"[1] para descrever a importância da pecuária no interior nordestino. Numa segunda fase mostra a decepção e frustração com a não concretização de uma independência liderada por brasileiros que parecia madura e numa terceira fase, demonstrando certa frustração, destaca a aceitação e legitimação da "independência possível" liderada pelo Estado português. Segundo José Carlos Reis, “Capistrano de Abreu enxerga a possibilidade "de abrir um novo futuro, sustentado por um novo passado. O Brasil nação não será oficial, o sujeito da história do Brasil não é o estado Imperial, mas o povo brasileiro, em sua diversidade e unidade. No passado, Capistrano põe ênfase na vida desse povo, por um lado, ativo na ocupação do território, por outro, passivo e ineficaz na produção da verdadeira independência”.[2] Para Capistrano de Abreu  o “povo foi durante três séculos capado e recapado, sangrado e ressangrado”, como escreveu em carta ao amigo português Lúcio de Azevedo, de 16 de julho de 1920 (figura). [3] Sérgio Buarque de Holanda em 1936 “ao recusar as nossas raízes ibéricas aprofundou a reflexão de Capistrano de Abreu sobre a ruptura do futuro brasileiro com o seu passado colonial ibérico"[4].



[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 246

[2] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro: FGV., 2003, p.110

[3] http://bndigital.bn.gov.br/dossies/biblioteca-nacional-200-anos/os-personagens/capistrano-de-abreu/

[4] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro: FGV., 2003, p.17



quarta-feira, 30 de março de 2022

Tales e os setes sábios de Roma

 

Charles Singer aponta a filosofia romana do estoicismo e o apreço pela retórica, a aceitação resignada do destino regido por forças dos astros, como as razões para o desprezo dos romanos pelas questões científicas.[1] Mary Beard destaca que nos grafiti encontrados em banheiros no “Banhos dos sete sábios” no porto de Óstia se observa inscrições como “Tales aconselha aqueles que cagavam muito a realmente se empenharem nisso” o que revela o conhecimento do povo do sábio grego “se Tales de Mileto não significasse absolutamente nada, então o conselho sobre defecação dificilmente teria alguma graça. Para fazer um comentário sarcástico contra as pretensões da vida intelectual, você precisava ter algum conhecimento a respeito dela”.[2] No texto atribuído a Higino Fabulae, CCXXI, Os Sete Homens Sábios, os sete sábios são: Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene. Plutarco em Moralia, O jantar dos sete homens sábios lista os sete sábios como Tales, Bias, Pítaco, Solon, Quílon, Cleóbulo e Anacarses. Platão, no diálogo intitulado Protágoras, expõe a seguinte lista: Tales, Pítacos, Bias, Solon, Cleóbulo, Mison e Quílon.[3] Proclus (410-485) atribui a Tales vários teoremas fundamentais da geometria entre os quais os de os ângulos internos da base de um triângulo isósceles são iguais e o de dois triÇangulos são congruentes se tiverem dois ângulos iguais e um lado iguais.[4]



[1] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.7, 82

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 464

[3] https://manuelcohen.photoshelter.com/image/I00005.baKT6VEvo

[4] ROONEY, Anne. A história da matemática, São Paulo: M. Books, 2012, p. 77



Roma e a condenação aos magos

 

Os magos eram originários, provavelmente de uma comunidade sacerdotal da região da Medeia e teriam entrado em contato com o mundo grego por volta de 540 a.c. com a conquista de Ciro das cidades gregas da Ásia Menor. As tragédias de Édipo tirano de Sófocles e Orestes de Eurípedes mencionam magos no século V a.c. O historiador Xantos da Lídia (499 – 440 a.c) mencionado por Clemente de Alexandria em Stromata, se refere aos magos.[1] Segundo Raymond Bloch “no princípio e no decurso da história de Roma, numerosos são os vestígios de magia e de misticismo elementar; não havia nenhum nascimento que não fosse protegido por uma divindade, nenhum crescimento que não tivesse os seus numina”, e assim também as atividades agrícolas como o arroteamento do solo, passagem do arado, semeadura, germinação do grão, colheita, tudo era regido pela crença nos numina, ou seja, pelos “poderes divinos” que no princípio era simbolizado pelo culto dos lares.[2] Derek Colins mostra que em Roma o conceito de magia havia se confundido com maleficum – crime, calúnias ou envenenamentos, de modo que não se observa na legislação romana mais antiga como as Doze Tábuas qualquer condenação direta a feitiços mágicos.[3] Uma lei específica para reger a questão da magia será publicada apenas em 81 a.C., com Sila a chamada Lex Cornelia de Sicarii et Veneficis. A lei Cornelia previa a condenação de  assassinos e envenenadores – sicariis et veneficiis e assim mutos praticantes de magia foram condenados. Não estavam claras as fronteiras entre as honras e rituais devidas aos deuses (religio) e aquilo que poderia ser considerado como excessivo a que os romanos chamavam de superstitio (significado diferente do atual superstição) e que Cicero distingue da religio.[4] Com a promulgação das leis Ad populum de Constâncio II (317-361), todos os praticantes das artes magicaes, foram reduzidos à condição de maleficus e de inimici generis humani com a aproximação entre o crime de maleficium (magia) e de maiestas (lesa-majestade) .



[1] CHEVITARESE, André; CORNELLI, Gabrielli; SELVATICI, Monica. Uma outra história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Anablume, 2006, p.68

[2] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.179

[3] COLLINS, Derek. Magia no mundo grego antigo, São Paulo: Madras, 2009, p. 209

[4] COLLINS, Derek. Magia no mundo grego antigo, São Paulo: Madras, 2009, p. 215




terça-feira, 29 de março de 2022

O papel do faraó após a IV Dinastia e as pirâmides

 

A grande pirâmide de Quéops, de 146 metros de altura[1], construída pelo arquiteto Nefermaat e seu filho Hemiun[2], é a maior das três pirâmides de Gizé (pronuncia-se Guiza) no Egito foi construída por volta de 2500 a.c. pelo primeiro faraó da IV Dinastia[3] e sua construção levou 23 anos,[4] entretanto por alguma razão o faraó não foi enterrado no local, talvez porque a pirâmide não tenha ficado pronta a tempo[5]. A partir da IV Dinastia os faraós passam a ser designados por 5 epítetos reais: 1-Hórus Vivo (rei, faraó que vive no palácio) 2-Hórus de Ouro, 3-Duas Senhoras (deusas protetoras da realeza faraônica, Alto e Baixo Egito) 4-Filho de Rá 5-Rei do Alto e do Baixo Egito (após a unificação do Sul e do Norte por Menés)[6]. A quarta dinastia marca o ápice das construções no Egito: “os faraós não construiriam novamente nada parecido em escala e perfeição”.[7]

[1] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 112

[2] STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 170

[3] McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.42

[4] CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.141

[5] DEARY, Terry. Espantosos egípcios, São Paulo:Melhoramentos, 2004, p. 29; ULRICH, Paul. Os grades enigmas das civilizações desaparecidas, Grécia, Roma e Oriente Médio, Rio de Janeiro, Otto Pierre Ed, 1978, p.179

[6] HUTFLESZ, Amanda Martins. Mini Curso: O Egito no Tempo dos Faraós, 2022

[7] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 12





Papiros mágicos egípcios

 

Hariadne Soares mostra que  os sacerdotes-magos dos Papiros Mágicos, eram agentes de poder no Egito tardio e sua emergência e atuação estendeu-se do século III ao V d. C., período em que observamos em nossa documentação a presença massiva de sortilégios e encantamentos, que nos indicam à afirmação dos sacerdotes-magos como homens que adquirem prestígio e influência em suas comunidades devido ao conhecimento esotéricos de que dispõem”. [1] O contexto histórico de produção dos papiros mágicos, dos séculos II a.C. ao V d.C., corresponde ao período de dominação romana sobre o Egito. Enquanto no passado faraônico a organização e manutenção das atividades religiosas nos templos egípcios estavam sob o controle dos sacerdotes. Todavia, durante o domínio romano, o ofício passou às mãos de um funcionário de Alexandria, de modo que os sacerdotes perderam tal prerrogativa sobre as atividades religiosas e sobre a administração dos recursos financeiros dos templos. É nesse contexto que se intensifica a produção de literatura mágica que trata da compilação do conhecimento da ars magica. Magos e adivinhos constituem uma vertente dos diversos homens divinos (theioi andres) que, a partir do século III, passaram a exercer uma influência cada vez maior na vida espiritual e política do Império Romano.[2]



[1] SOARES, Hariadne.  Magia e poder no Egito tardio: a emergência dos sacerdotes magos como 'theioi andres' (séc. III ao V d.C.), Tese Doutorado UFES, 2020

[2] SOARES, Hariadne da Penha. A atuação dos magos e adivinhos como theioi andres no Egito tardo-antigo: práticas e rituais de adivinhação nos Papiros Mágicos Gregos (séc. III e IV). Romanitas – Revista de Estudos Grecolatinos, n. 9, p. 147-161, 2017



segunda-feira, 28 de março de 2022

A cama de Tutankhamon

 

A tumba de Tutankhamon (Tut ankhn amon - “a imagem viva de Amon”) revelou móveis elaborados entre os quais uma cama de ébano (figura), palavra de origem egípcia[1]. O Êxodo 22:27 se refere a coberta usada para dormir, uma capa que era usada para dormir uma vez que uma cama com estrados altos fosse privilégio dos faraós.[2] Ezequiel 23:41 se refere ao divã, porém não com intuito de dormir: “E te assentaste sobre um leito de honra, diante do qual estava uma mesa preparada; e puseste sobre ela o meu incenso e o meu azeite”. A cama como móvel para dormir ocorre na Mesopotâmia, em 3.000 a.C. onde, em algumas pinturas, o rei era retratado deitado em uma cama embaixo de uma parreira de uvas. O relato mais antigo de uma cama, porém sem estrado, é provavelmente a de Ulisses na Odisseia denominada charpoy de origem indiana (significa quatro pés) e tecida de corda e precursora da charpoya. Uma cama datada em torno de 3600 a.C. foi encontrada em Sibudu Cave na África do Sul.[3]



[1] DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.123; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 72

[2] KELLER, Werner, E a Bíblia tinha razão, Sâo Paulo: Melhoramentos, 1964, p.192

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Cama



As tentativas de equiparação do Colégio da Bahia às Universidades de Coimbra e Évora

 

Na Bahia por diversas vezes, sem sucesso, foi pedido elevar ao estatuto de universidade o colégio local dos jesuítas por oposição dos jesuítas da Universidade de Coimbra. A primeira petição da Câmara da Bahia data de 20 de dezembro de 1662, sendo uma segunda petição encaminhada em 1671 “para conferir graus universitários aos estudantes de teologia” de modo que não fosse necessário enviar seus filhos para se formar em Coimbra.  Pedro Calmon aponta ainda um pedido de 1681 na Bahia solicitando a equiparação do colégio local com a universidade de Évora (figura). [1] Ronaldo Vainfas aponta que apesar das diversas tentativas na década de 1660 o Colégio da Bahia jamais conseguiu a equiparação com as Universidades de Coimbra e Évora.[2] O padre Antonio Vieira em 1688 ao tratar das universidades, numa figura de pura retórica, destaca a primazia da “imensa universidade das almas” e destaca que a gula do saber havia matado Eva no paraíso. Jesus viera não para o estudo de ciências, mas para a “ciência somente da salvação”. [3]

[1] CALMON, Pedro. História da civilização brasileira, Brasília: Senado Federal, 2002, p. 134

[2] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 38

[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.256



Abacistas versus algebristas

 

A noção de algoritmo teve origem com o matemático árabe Abu Adullah Mohammad Ibn Musa Al-Khwarizmi (cerca de 780-850). Sua obra, que inclui tabelas de funções trigonométricas,[1] chegou ao Ocidente por um texto latino do século XII, em que seu nome aparece na forma latinizada Algorismus. O cálculo algoritmo se contrapunha aos cálculos realizados com ábaco, então em voga. Uma de suas obras: Cálculo por restauração e redução, Al-Khwarizmi expõe técnicas para resolver problema aritméticos. Pela restauração (al-jabr) um termo negativo pode se tornar positivo ao ser passado para o outro lado do sinal de igual de uma equação. A redução é o processo inverso. Ao ser traduzido para o latim a palavra al-jbr do título se tornou álgebra.[2] Por demandar muito papel, objeto de luxo na idade Média, e por ter origem de um infiel, o uso dos algoritmos somente viria a ter maior disseminação na Europa no século XVI[3]. Uma batalha foi travada entre abacistas, apegados a complicada aritmética greco romana com auxílio de um ábaco, e algebristas para solução de problemas matemáticos[4]. A invenção da imprensa acabou favorecendo o uso dos algarismo hindu arábicos em detrimento do ábaco.  Lancelot Hogben observa o menosprezo para com os algebristas na Espanha, pela expressão pejorativa usada na época “curandeiro e algebrista”[5].



[1] GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada, São Paulo:Cia das Letras, 2013, p. 91; SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.162

[2] BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática. São Paulo:Cia das Letras, 2011, p.194; RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Oriente, Roma e Idade Média. v.2, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.107

[3] O nascimento da álgebra, Peter Schreiber, In: A Ciência na Idade Média, Scientific American do Brasil, agosto 2008, p. 16

[4] STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.474; ROONEY, Anne. A história da matemática, São Paulo: M. Books, 2012, p. 60

[5] HOGBEN, Lancelot. Las matemáticas al alcance de todos. Joaquín Gil: Buenos Aires, 1943, p. 356



domingo, 27 de março de 2022

A esfericidade da Terra na Idade Média

 

Arquimedes construiu dois planetários com partes móveis que foram levados à Roma após o saque de Siracusa e determinou que a superfícies de qualquer fluido em repouso é igual à superfície de uma esfera cujo centro é o mesmo que o da Terra, ou seja, a superfície dos oceanos não é plana.[1] Eratóstenes estimou com boa aproximação o raio terrestre e desenvolveu uma esfera armilar um modelo esférico com faixas que se cruzavam e que era usado para explicar o movimento dos astros.[2] Para Aristóteles em seu livro Sobre os céus, a terra é esférica, pois tendo em vista sua tendência de se colocar no centro do universo ela deve se dispor de forma simétrica em torno deste ponto, tendo como estimativa para sua circunferência em torno de 45 milhas, cerca de 1,8 vezes o valor moderno. David Lindberg mostra que esta tese aristotélica é a que prevaceleceu por toda a idade média, sendo um mito que os medievais acreditassem seriamente em sua planicidade.[3] A Geografia de Ptolomeu também descreve uma terra esférica assim como uma esfera armilar. A obra foi redescoberta pelo monge bizantino Maximus Planudes em 1295 e foi difundida pela Europa no século XIV.[4] Heródoto por volta de 430 a.c. zomba da confecção de mapas muito distantes dos mapas mais confiáveis de que dispunha: “me faz rir quando vejo algumas pessoas desenhando mapas do mundo sem qualquer razão a os guiar, eles representam um oceano como se fosse um rio cercado pro terra, e a extensão de terra como se fosse um círculo, como se fosse desenhada por um compasso e com a Europa e Asia representadas com o mesmo tamanho”. Nos mapas da época Africa era contínua a Asia, porém Heródoto desta que os dois continentes estavam unidos por um único ponto em comum na altura do Egito.[5] Ptolomeu, divergindo de Heródoto, representa a união da África com a Àsia por uma faixa de terra que denomina Terra Incognita.[6]

[1] STRATHERN, Paul. Arquimedes e a alavanca em 90 minutos, Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 32, 50

[2] ROONEY, Anne. A história da matemática, São Paulo: M. Books, 2012, p. 54

[3] LINDBERG, David C. The Beginnings of Western Science. University of Chicago Press. Edição do Kindle. 2007, p.55

[4] AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000, p. 50

[5] JAMES, Peter; THORPE, Nick. Ancient inventions, London: Randon House, 1995, p.61

[6] JAMES, Peter; THORPE, Nick. Ancient inventions, London: Randon House, 1995, p.63




A escravização e a Igreja no Brasil Colônia

 

Dauril Alden em “The making of an enterprise: the Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond, 1540-1750” conclui que a expulsão dos jesuítas teve como importante fundamento os aspectos econômicos diante do patrimônio e riqueza acumulados pelos inacianos, embora este não tenha sido o único fator.[1] Segundo Fabrício Santos, ao lado da disputa em torno do controle da população indígena, a questão das propriedades jesuítas e a arrecadação de dízimos gerava rivalidades em especial na capitania de São Paulo, Grão-Pará e Maranhão, opondo a Companhia a colonos e às outras ordens religiosas. Mesmo antes da decisão de expulsão em 1759 a carta régia de 8 de maio de 1758 determinava o confisco dos bens  pertencentes aos jesuítas que fossem possuídos sem especial licença régia, contra as Ordenações do Reino livro 2º título 18: "Que nenhuma igreja, ou mosteiro de qualquer ordem ou religião que seja, possa possuir alguns bens de raiz, que comprarem ou lhe forem deixados, mais que um ano e dia, antes os venderão", dispositivo que até então vinha sendo ignorado. Segundo o inventário o Colégio da Bahia possuía imóveis no valor total de 190 milhões de réis, e seus rendimentos somavam 11 milhões de réis. Na Bahia a Companhia de Jesus possuía um total de cinco engenhos: Sergipe do Conde em Santo Amaro, Petinga e Sant'Ana em Ilhéus, pertencentes ao colégio de Santo Antão de Lisboa; Pitanga e Cotegipe, pertencentes ao colégio da Bahia. Os engenhos de Sergipe do Conde e Sant’Ana foram obtidos como resultado longa disputa judicial em torno do testamento de Mem de Sá. Sob a administração dos jesuítas, o engenho Sergipe do Conde tornou-se “um dos mais afamados que há no Recôncavo à beira mar da Bahia” segundo testemunho de Antonil em 1711.[2] Na Bahia, Gabriel Soares de Souza informe que em 1587 haviam 41 engenhos, aumentando para 50 engenhos em 1612 e 80 engenhos em 1629. Se em 1587 cerca de 30% destes engenhos eram de cristãos novos esse percentual aumenta para cerca de 50% em 1618. Ronaldo Vainfas argumenta que essa presença cada vez maior de cristãos novos na atividade econômica açucareira estará diretamente relacionada com a defesa dos cristãos novos por parte do padre Antonio Vieira. A própria Companhia de Jesus era proprietária de engenhos com escravizados, o que mostra que as possibilidade de influência de padre Antonio Vieira estariam fortemente comprometidas caso este entrasse em choque com tais interesses econômicos.[3] Dados de 1743 mostram que na fazenda Santa Cruz (figura) haviam 750 escravos, na fazenda Campos de Goitacases 500, no Engenho São Cristóvão 250, e na Fazenda Papucaia 225. Somados os engenhos sob controle dos jesuítas em 1743 mantinham um  total de 4863 escravos em grande parte formada por reprodução interna e acentuada mestiçagem, dessa maneira não precisavam recorrer ao mercado atlântico de escravos.[4]

[1] AMANTINO, Márcia. Os bens da Companhia: meios para a missão. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.201; SANTOS, Fabricio. A expulsão dos jesuítas da Bahia: aspectos econômicos, Rev. Bras. Hist. 28 (55) Jun 2008 https://doi.org/10.1590/S0102-01882008000100009

[2] MENEZES, Sezinando. A administração e a posse de bens materiais pela Companhia de Jesus. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.217

[3] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 31, 36

[4] AMANTINO, Márcia. Os bens da Companhia: meios para a missão. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.209



sábado, 26 de março de 2022

Francisco Freire Alemão cientista do Mendanha em Campo Grande, Rio de Janeiro

 

Segundo Fernando de Azevedo em Cultura do Brasil na mesma ocasião Saint Hilaire levou consigo 554 chapas pertencentes à notável Flora Fluminense de frei José Mariano da Conceição Veloso, residente de Minas Gerais e primo-irmão por parte de mãe, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes[1]. Concluída em 1790, apenas doze anos após a morte de Lineu, a obra com 1.639 descrições de plantas em latim e as correspondentes ilustrações botânicas, representadas em 11 tomos representou um esforço notável para a época, mas só foi publicada postumamente, em 1824, quando o então bibliotecário Frade Antônio d’Arrabida sugeriu a impressão da obra. José Veloso tentou sem sucesso a publicação da obra em Lisboa concluída em 1790 apesar do Decreto Real de 9 de julho de 1792, ordenando a impressão da “Flora Fluminensis”. O atraso na publicação levou à perda da prioridade de autoria da maior parte dos novos nomes de gêneros e espécies descritos por frei Vellozo.[2] A obra de José Mariano deixou um legado. Francisco Freire Alemão (1797-1874) nascido em Campo Grande no Rio de Janeiro foi botânico da Escola Central inspirado no trabalho de frei José Veloso e como diretor do Museu Nacional foi uma dos organizadores da Sociedade Vellosiana em homenagem ao frei José Velloso em 1851. Francisco Freire publicou diversos trabalhos de descrição botânica de plantas nativas do Brasil entre os quais os trabalhos realizados junto a Comissão Científica de Exploração de 1862 com os resultados das pesquisas no Ceará.[3]



[1] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 532

[2] BEDIAGA, Begonha; LIMA, Harooldo Cavalcanti . A “Flora Fluminensis” de frei Vellozo: uma abordagem interdisciplinar Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 1, p. 85-107, jan.-abr. 2015 https://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v10n1/1981-8122-bgoeldi-10-1-085.pdf

[3] PEREIRA, Nuno Alvares. Francisco Freire Alemão: cientista do Mendanha, Rio de Janeiro: Publit, 2006



quinta-feira, 24 de março de 2022

O Livros dos Mortos no Antigo Egito

 

O capítulo 162 do Livro dos Mortos (papiro de Ani no Museu Britânico, traduzido por Karl Lepsius em 1842) revela que “Isso é um grande livro secreto. Não o deixeis ver a qualquer pessoa, seria um ato detestável. Aquele que o conhece e guarda segredo, continua a ser. O nome deste livro é a soberana do templo escondido”.[1] O livro dos Mortos, uma adaptação de antigos textos funerários como os Textos dos Sarcófagos[2] reúne diferentes partes sendo as mais antigas escritas por volta de 3000 a.c.[3] no segundo período intermediário. O Livro dos Mortos é escrito em rolos de papiro de altura entre 30 a 40cm e o comprimento que varia de 1 metros até as versões completas eu podem chegar a 37 metros, como o Papiro Greenfield do Museu Britânico[4]. O Livro dos Mortos deveria ser colocado sobre a cabeça da múmia para que decorasse todas as suas preces, que lhe seriam úteis na caminhada no além. No Livro de Amduat o capítulo XXVI tinha como objetivo, após ser recitado, devolver o coração ao morto. Uma vez absolvido o morto pode ter o destino de ver no campo dos juncos ou na barca de Rá em companhia dos deuses.  O livro de Amduat conta a história de Ra, o deus do sol egípcio que viaja pelo submundo, desde o momento em que o sol se põe no oeste e nasce novamente no leste, a mesma jornada percorrida pelo faraó morto para se tornar um com Ra e viver para sempre[5]. Os textos dos chamados “encantamentos de água” usados para controlar as cheias do Nilo deve se manter em segredo: “Não os reveleis ao homem comum. È um mistério da casa da Vida”.[6] O deus Amon é descrito como “o mais misterioso dos misteriosos, aquele cujo mistério é desconhecido”.[7]  Sob o domínio persa a casa da vida do principal santuário de Sais foi restaurada em nome de Dario I: “Eu a fundei com todos os seus alunos, filhos de boa origem, e não de condição humilde: pus a sua frente sábios de toda a ordem para todos os trabalhos. Sua majestade mandou dar-lhes todas as espécies de coisas que convinham à execução de seus trabalhos"[8] um documento datado de 2300 a.c. mostra o lamento do sacerdote por ter seus segredos roubados: ‘os escritos do augusto recinto do templo foram lidos [ ...] o lugar dos segredos está agora desnudado [...] a magia está revelada”.[9]



[1] JACQ, Christian. O mundo mágico do antigo Egito, Rio de Janeiro:Bertrand do Brasil, 2001, p.49

[2] João, Maria Thereza David. Dos textos das pirâmides aos textos dos sarcófagos: a “democratização” da imortalidade como um processo sócio-político. Dissertação. Rio de Janeiro – 2008. Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2008_JOAO_Maria_Thereza_David-S.pdf>

[3] GRIMBERG, Carl. História Universal: a aurora da civilização, v.1, Chile:Publicações Europa, 1989, p. 31

[4] https://hav120151.wordpress.com/2015/10/07/analise-iconografica-do-egito-antigo-e-novo-final/

[5] HUTFLESZ, Amanda Martins. Mini Curso: O Egito no Tempo dos Faraós, Aula 2

[6] JACQ, Christian. O mundo mágico do antigo Egito, Rio de Janeiro:Bertrand do Brasil, 2001, p.88

[7] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 267

[8] CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações: O Oriente e a Grécia Antiga: as civilizações imperiais, v. I, Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1998, p. 177

[9] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 115



Antonio Vieira e o cometa que é a Voz de Deus

 

Rocha Pita atribuiu a peste da varíola a passagem do “horroroso cometa” de 1666[1] “pois as maiores ruínas nas repúblicas enos viventes trouxeram sempre diante estes sinais, tal foi o que apareceu no Brasil um ano antes dos estragos que se lhe seguiram”.[2] Em 1685 registra um “tremendo eclipse da lua, que naquela província da Bahia se viu com horror”.[3] O jesuíta Valentim Estancel (1621-1705) professor da Escola da Bahia[4] atribui ao eclipse de 1685 do Sol e outro da lua que “grandes males ameaçavam o Brasil”.[5] Suas observações de cometas foram citadas por Newton nas últimas página do Principia em 1687 e mantinha correspondência com Athanasius Kircher.[6] Valentin Estancel publicou Orbis Alfonsinus (1658) e Tiphys Lusitanus (1663) sobre instrumentos gnômicos para cálculos de posição do sol e de latitude local. Em Pernambuco o médico João Ferreira da Rosa no Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco descreve em 1685 uma infecção contagiosa, que teria sido desencadeada a partir de um eclipse e da disposição dos planetas, o que teria sido a primera descrição de febre amarela no Brasil[7].O padre Antonio Vieira dedicou um de seus sermões em 1695 ao cometa Jacob e se intitula: “Voz de Deus ao mundo, a Portugal e a Bahia. Juízo do cometa e visto em 27 de outubro de 1695 e continua ate hoje [...] Dei ao cometa o segundo nome de Voz de Deus. Se acaso o não entendes assim e és do número daqueles que chamam aos cometas  causas naturais  e não reconhecem neles outro mistério  ou documento mais alto, eu te afirmo que essa mesma incredulidade e dureza é já um defeito fatal do mesmo cometa e princípio dos castigos que por ele e como ele pode ser nos venham anunciados. Digo, pois, que a razão mais verossímil de faltarem as notícias dos cometas no decurso de tantos séculos não foi por negligência ou desatenção dos históricos, senão porque verdadeiramente em todas aquelas idades não houve cometas”. O padre Antonio Vieira viria a morrer dois anos depois em 1697.[8] Ronaldo Vainfas observa que neste episódio apesar de Antonio Vieira contar com idade avançada, com oitenta e nove anos, estava lúcido, além de demonstrar interesse por astronomia tendo lido Stella Nova do alemão Kepler. [9]

[1] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 303

[2] PITA, Sebastião da Rocha. História da América portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p.169  https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/574177/000970492_Historia_America_portuguesa.pdf

[3] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 158

[4] AZEVEDO, Fernando. As ciências no Brasil, São Paulo: Melhoramentos, 1959, p.99

[5] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 241

[6] GESSNER, Samuel.  The use of useless instruments: the gnomonic inventions by V. Estancel in transit through the portugueses empire (1650-1680). In: GRANATO, Marcus; LOURENÇO, Marta. Scientific instruments in the history of science, Rio de Janeiro, MAST, 2014 http://site.mast.br/scientific_instruments_in_the_history_of_science_studies_in_transfer_use_and_preservation/GESSNER_p53-68.pdf

[7] CAMENIETZKI, Carlos Ziller.Quando o ceu era perfeito. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.75, dezembro 2011, p. 21; CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 172

[8] MOURÃO, Ronaldo Freitas. Dicionário Enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 842; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 191

[9] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 267



quarta-feira, 23 de março de 2022

As nove partes que formam o ser no Antigo Egito

 

Ka é a força vital[1], a chama da vida, o que distingue as pessoas vivas das mortas, o poder que fixa e torna o indivíduo um espírito animado[2]. Gaston Maspero considera o ka como uma réplica do homem vivendo o mesmo período de tempo que ele. Breatesd entendia tratar-se de uma espécie de anjo da guarda[3]. Ramsses II da XIX dinastia é citado como tendo vinte e dois Ka.  O Ba refere-se a personalidade de cada pessoa. O Khat é o corpo físico. Ka e Ba são as duas partes da alma, em que ka é a parte da alma que faz a conexão do corpo e ba é a essência moral das motivações, que lhe permitia liberdade no outro mundo[4], o sopro da vida, representado na forma de um pássaro, tal como uma cegonha que mostra a capacidade de migrar e retornar ao mesmo ponto.[5] O Ba é solto com a morte, e esse voa do túmulo para a região espiritual, e retorna mais uma vez. O Ba aparece no momento da união do corpo com o Ka. O Ka e o Ba deixam o corpo no momento da morte. O Ka viria visitar a múmia do falecido, e a união de ba e ka forma o corpo transfigurado ou A’Akh (representado na tumba por um íbis, trata-se do espírito liberado do corpo) após a morte.[6] O Akh é o terceiro elemento espiritual do morto, representava o estado agraciado de um indivíduo.[7] Akh é o ser imortal que une o Ba, a personalidade com o Ka, a chama da vida. Nas tumbas a existência de uma porta falsa representada em uma estela é o caminho pelo qual Ba pode entrar e sair do túmulo.[8] Nos hieróglifos antigos o Ba era representado por uma cegonha e posteriormente por um pássaro com cabeça humana tendo diante de si uma lamparina. David Silverman destaca a carcaterística de dualidade que permeava a sociedade egípcia de modo que o que acontecia na terra, também acontecia no mundo divino: “Havia um cargo, assim como um indivíduo que ocupava esse cargo. O cargo era uma constante divina, sempre existiu, sempre existiria. Contudo, o indivíduo nele que, por nascimento, posição ou poder subiu ao trono, tornava-se divino através do ritual da coroação”.[9] Desta forma no Egito Antigo nove eram as partes que forma o ser: Ib é o coração, shuyet a integridade do ser, Ren o nome dado no nascimento, Ba, a personalidade, Ka, a chama da vida, Khat o corpo físico, Akh, o ser imortal, Sahu o ser etéreo que será integrado aos outros aspectos da alma no momento do julgamento e Sechem a parte da alma ligada ao poder vital[[10].



[1] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 179

[2] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 64; Vatican Museums, Rome:Libreria Editrice Vaticana, 2011, p.102

[3] EDWARDS, J. As pirâmides do Egito, Rio de Janeiro:Record, 1985, p.34

[4] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 179

[5] MALKOWSKI, Edward. O Egito antes dos faraós. São Paulo:Cultrix, 2010, p. 248

[6] BUNSON, Margaret. Encyclopedia of Ancient Egypt, New York:Facts on File, 2002, p. 189

[7[ SILVERMAN, David. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 3, The Pharaoh and Kingship Part 5, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/

[8] BIANCHINI, Nicola. Mummies in ancient Egypt. National archaelogical Museum, Florence, 2014, p.13

[9] SILVERMAN, David. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 6, Mummies and mummification Part 3, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/

[10] HUTFLESZ, Amanda Martins. Mini Curso: O Egito no Tempo dos Faraós, Aula 1



A transposição do portal da morte no Antigo Egito

 

No julgamento final presidido por Osíris, havia a pesagem do coração do morto enquanto a harmonia, a justiça, a ordem e a verdade ocupavam o outro braço da balança representada pela deusa Maat ou o seu símbolo, uma pena[1] conforme mostra o papiro do escriba Ani da XIX dinastia[2]. A pesagem é confiada a Hórus e a Anúbis guardião das múmias com cabeça de chacal. O deus Thoth, o escriba dos deuses, de cabeça de íbis anota o resultado. Quarenta e dois juízes correspondente ao número de províncias do Egito assistem ao julgamento. O coração pesado indica a condenação do morto, e nesse sentido que Êxodo se refere ao “coração pesado do faraó” (Exodo 10:20 - A Torá usa três verbos diferentes nesse contexto: ch-z-k, para fortalecer, k-sh-h, para endurecer, e k-b-d, para tornar pesado). Uma ilustração, em papiro, no Livro dos Mortos mostra a cerimônia, realizada no Salão das Duas Verdades, supervisionada por Anúbis, o deus egípcio dos mortos. No livro dos mortos é narrada a peregrinação do alma no além após transpor a “porta da morte”. Numa primeira etapa deve transpor uma região de trevas e numa segunda etapa é a chegada ao Amenti, residência de Osíris onde será julgada no "salão das duas verdades" onde sua consciência seria pesada. Segundo o Texto das Pirâmides as fórmulas mágicas para proteção do morto devem ser proferidas com rigor a fim de "impedir que o morto caminhe de cabeça para baixo, beba a sua urina e se alimente com seus excrementos". O Livro dos mortos está escrito em papiro em 190 capítulos com preces que o morto teria de memorizar para salvar sua energia vital no pós morte. Caso não consiga provar sua justiça seu coração será devorado e entregue para  segunda morte.[3]



[1] CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.92

[2] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 65, 68

[3] HUTFLESZ, Amanda Martins. Mini Curso: O Egito no Tempo dos Faraós, Aula 1



domingo, 20 de março de 2022

O poder mágico dos números na idade média

 

Na idade medieval a crença nos poderes mágicos dos números e nos chamados quadrados mágicos tornou-se bastante difundida.[1] Os quadrados mágicos já se encontram presentes no livro das permutações chinês que data de 1000 a.c. Um quadrado mágico 4x4 cuja soma das linhas é 34 (4-14-15-1, 9-7-6-12, 5-11-10-8, 16-2-3-13) em é mostrado em A Melancolia, de Albrecht Dürer, 1514. Este quadrado mágico era conhecido como Tábua de Júpiter entre os cabalistas.[2] O culto aos números mágicos deu origem ao estudo da gematria, aos quais se atribuía inclusive poder de cura. Os quadrados mágicos eram conhecidos na China (de três linhas e três colunas que somam 15 conhecido como quadrado Lo Shu em 650 a.c.) assim como Egito, Índia e também entre os muçulmanos tendo sido descrito s no texto árabe Rasa il Ihkwan al Safa, ou Enciclopédia dos Irmãos Pureza escrito em Bagdá em 983. Na Europa o primeiro texto que trata dos quadrados mágicos é do grego bizantino Manuel Moschopoulos em 1300.[3] No Renascimento a tradução de escritos da cabala judaica promoveu o desenvolvimento da gematria em um movimento que começou com o espanhol Pablo de Heredia (1405-1486). Um dos mais antigos tratados cabalísticos a Sefer Yezirah (Livro da Criação) foi traduzido para o latim por Guillaume Postel em 1552 e por Johannes Pistor em 1587. [4] Entre os cabalistas o quadrado mágico de Saturno de 3x3 em que a soma de linhas e colunas é igual a 15 uma vez gravado sob uma lâmina de chumbo serve como amuleto em auxílio as parturientes e a vitória dos príncipes em suas batalhas.[5]

[1] HOGBEN, Lancelot. Las matemáticas al alcance de todos. Joaquín Gil: Buenos Aires, 1943, p. 240

[2] PAPUS, Tratado elementar de magia prática, São Paulo:Pensamento, 1978, p. 263; BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática. São Paulo:Cia das Letras, 2011, p.235; EVES, Howard. Introdução à história da matemática, Campina:Ed. Unicamp, 2004, p.318, 268

[3] ROONEY, Anne. A história da matemática, São Paulo: M. Books, 2012, p. 57

[4] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 74

[5] PAPUS, Tratado elementar de magia prática, São Paulo:Pensamento, 1978, p. 261



O avanço da geometria grega com a busca de soluções impossíveis

 

Baseando-se na possibilidade de construção de sólidos partir de diferentes polígonos regulares Arquimedes chegou a treze sólidos denominados sólidos arquimedianos como por exemplo uma bola de futebol que encaixa perfeitamente pentágonos e hexágonos[1]. Papus se refere a um tratado de Arquimedes, hoje perdido, sobre poliedros semi regulares.[2] Orgulhoso de suas descobertas geométricas Arquimedes esteve a um passo da descoberta do cálculo diferencial ao conseguir calcular a tangente de uma espiral.[3] Com base na construção de uma espiral Arquimedes consegue resolver os problemas da trissecção de um ângulo, de como desenhar um cubo que tenha o dobro do volume de um cubo determinado e como construir um quadrado igual a um círculo também conhecido como quadratura do círculo[4]. O ponto de partida é a espiral de Arquimedes, a qual ele não consegue construir usando apenas uma régua e compasso. Aristóteles revela a história lendária de que consultaram o oráculo de Delos para do que fazer para eliminar uma praga que afligia a cidade. O deus Apolo orientou que a solução seria trazida caso conseguissem dobrar o tamanho de seu altar. Para tanto simplesmente dobraram as dimensões do altar em forma de cubo, o que obviamente elevou seu volume de oito vezes e não duas como orientado. Apolo não ficou satisfeito e a praga prosseguiu na cidade. O matemático Gauss demonstrou que não era possível dobrar o volume de um cubo usando apenas régua e compasso.[5] Eurípedes narra uma história sobre a duplicação do cubo envolvendo o túmulo erguido para Glauco, filho do rei mítico Minos. David Lindemann em 1882 demonstrou que a quadratura do círculo com uso apenas de régua e compasso não é possível porque pi é um número irracional e transcendental, ou seja, um número que não pode ser descrito por uma equação com um número finito de termos.[6] Estes três problemas mesmo sem solução matemática possível impulsionaram o desenvolvimento da matemática grega.



[1] BERLINGHOFF, William; GOUVEA, Fernando. A matemática através dos tempos, São Paulo: Blucher, 2010, p.169

[2] STRATHERN, Paul. Arquimedes e a alavanca em 90 minutos, Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 63

[3] STRATHERN, Paul. Arquimedes e a alavanca em 90 minutos, Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 42

[4] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo. Ed. Unicamp, 2004, p.141

[5] ROONEY, Anne. A história da matemática, São Paulo: M. Books, 2012, p. 81

[6] BELLOS, Alex. Alex no país dos números, São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 171



A tetraktys pitagórica

 

Um tetraktys ou tétrade é uma representação pitagórica na forma de um triângulo, denominado "triângulo perfeito". Um número triangular é um número natural que pode ser representado na forma de um triângulo equilátero. O n-ésimo número triangular pode ser visto como o número de pontos de uma forma triangular com lado formado por n pontos, o que equivale à soma dos primeiros n números naturais. Para os pitagóricos, os números mantinham uma relação direta com a matéria, considerando, por exemplo, o número "um" como um ponto, o "dois" como uma reta, "três" uma superfície e o "quatro" uma pirâmide sólida[1]. As sequências dos pontos nas quatro fileiras formam a representação geométrica do quarto número triangular. Assumindo que 1 + 2 + 3 + 4 = 10, o número "dez" era visto como uma espécie de conjunto de quatro elementos, o "alicerce" das coisas do mundo correspondendo a um tetraktys. Para os pitagóricos tudo descende do tetraktys, isto é, do quaternário,[2] símbolo primário da filosofia pitagórica que representa a criação a partir do qual o universo e todas as coisas surgiram.[3] No poema Carmen aureum Pitágoras se refer a que os pitagórico juravam sobre o número quaternário a tetraktys.[4] A forma triangular da tetrakys representa a progressão aritmética da criação do abstrato ao concreto. O lado esquerdo do triângulo, 1, 2, 4, 8 representa o movimento da vida a partir da unidade enquanto que o lado direito 27, 9, 3 e 1 mostra a elevação da consciência e o retorno à unidade absoluta[5]. Helena Blavatsky observa que entre os pitagóricos o quatro era considerado sagrado, o quadrado perfeito no qual nenhuma das linhas que o limitam cruzam a outra em qualquer outro ponto, simbolizando a disposição da justiça moral e da equidade divina expressas de forma geométrica.[6] Segundo a descrição de Teon de Esmirna do século II os primeiros quatro números 1, 2, 3 e 4 cuja soma é igual a 10, o mais perfeito dos números, simboliza a harmonia das esferas em que o 4 representa o cosmos: “quando chegamos a ele reduzimos tudo à mônada outra vez e começamos a contar de novo”.[7] Para Teon de Smirna “os números são as fontes da forma e da energia no mundo. São dinâmicos e ativos inclusive entre eles, quase humanos em sua capacidade de influência mútua”.[8] Segundo Filolau o tetraktys representa o “grande, todo poderoso e faz tudo, a origem e o guia do divino como vida terrestre”.[9]



[1] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 74

[2] LÉVI, Éliphas. História da magia, São Paulo:Pensamento, 2010, p.80

[3] CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo:Palas Atena, 1990, p.29

[4] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I , São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 66

[5] MALKOWSKI, Edward. O Egito antes dos faraós. São Paulo:Cultrix, 2010, p. 262

[6] BLAVATSKY, Helena, Isis sem veu, v.1 Ciência, São Paulo: Pensamento, 1995, p.107

[7] GORMAN, Peter. Pitágoras, uma vida, São Paulo:Círculo do Livro, 1993, p. 146

[8] LAWLOR, Robert. Geometria sagrada, Lisboa:Edições del Prado, 1996, p.14

[9] ROONEY, Anne. A história da matemática, São Paulo: M. Books, 2012, p. 79



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...