quinta-feira, 31 de março de 2022

A escravidão e o legado negativo sobre a percepção do trabalho pela sociedade

 

Para Honório Rodrigues: “a escravidão, que foi o sustentáculo dos senhores, criou, possivelmente, vários complexos, entre os quais a objeção pelo trabalho manual. Em 1757 frei Domingos do Loreto Couto observa que os que exercem ofícios mecânicos perdem a presunção de alvos ou nobres.[1] Nas palavras de Fernando de Azevedo: “a escravatura desonrou o trabalho nas suas formas rudes. Enobreceu o ócio e estimulou o parasitismo, contribuiu para acentuar entre nós a repulsa pelas atividades manuais e mecânicas, e fazer-nos considerar como profissões vis as artes e os ofícios. Segundo a opinião corrente, trabalhar, submeter-se a uma regra qualquer, era coisa de escravo”.[2] Para Fernando de Azevedo: “produto da época e das condições de vida social da metrópole, transferiu-se para a colônia, com os costumes, os usos e a religião, a mentalidade para a qual a liberdade se tornou sinônimo de ociosidade e o trabalho qualquer coisa de equivalente à servidão”.[3] Emília Viotti mostra que a escravidão marcou profundamente o conceito do trabalho na colônia: “durante todo esse período, a história do trabalho é, sobretudo, a história do escravo”.[4] Segundo Emília Viotti “a escravidão não teve apenas uma influência dissolvente sobre a sociedade inteira, mas corrompeu a noção de dever e do respeito, desonrou o trabalho, enobreceu o ócio, abalou a hierarquia e destruiu a disciplina. Segundo a opinião corrente, trabalhar – submeter-se uma regra qualquer – é coisa de escravos”.[5] Em 1883 Joaquim Nabuco em O abolicionismo relata que a escravidão: “impossibilita o progresso material do país, corrompe-lhe o caráter, desmoraliza-lhe os elementos constitutivos, tira-llhe a energia e a resolução, rebaixa a política [...] desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias, promove a bancarrota, desvia os capitais de seu curso natural, afasta as máquinas, excita o ódio entre as classes, produz uma aparência ilusória de ordem, bem estar e riqueza [...] O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa organização toda, física, intelectual e moral, acha-se terrivelmente afetada pelas influências com que a escravidão passou trezentos anos a permear a sociedade brasileira”.[6] Para João Severiano Maciel da Costa em 1821: “o maldito sistema de trabalho por escravos, além de outros males, fez-nos o grandíssimo de infamar de tal sorte o trabalho agrícola que os homens livres da mais baixa classe, antes querem morrer de fome, e entulhar as vilas e cidades na medicidade e miséria do que receberem um pão honrado, ganhado por seus braços”.[7] Para Emília Viotti: “O trabalho manual, era visto como obrigação de negro, de escravo. Trabalho é pra negro. A ideia de trabalho trazia consigo uma sugestão de degradação. Também para o negro, o trabalho, fruto da escravidão, aparecia como obrigação penosa, confundia-se com o cativeiro, associava-se às torturas do eito. A liberdade deveria, necessariamente, aparecer-lhe como promessa de ausência de obrigações e de trabalho. Dessa forma a escravidão ultrajava a ideia de trabalho, e, o que é ainda mais grave, degradava as relações entre os homens”.[8] Luis Antonio em 1768 referia-se a “dificuldade de continuar o cultivo da terra onde o povo não pratica, aonde não há quem sirva, por se reputar o trabalho por desprezo”.[9]

[1] RODRIGUES, José Honório. Aspirações nacionais. Rio de Janeiro: Fulgor, 1963, p. 96

[2] AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura, Rio de Janeiro: INL, 1976, p. 81.

[3] Cf. TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.584

[4] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 14

[5] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 336

[6] QUEIROZ, Suely. A abolição da escravidão. Coleção Tudo é história, n.17, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 53

[7] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 393

[8] COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia, São Paulo:Unesp, 1998, p. 15

[9] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.243



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