quinta-feira, 24 de março de 2022

Antonio Vieira e o cometa que é a Voz de Deus

 

Rocha Pita atribuiu a peste da varíola a passagem do “horroroso cometa” de 1666[1] “pois as maiores ruínas nas repúblicas enos viventes trouxeram sempre diante estes sinais, tal foi o que apareceu no Brasil um ano antes dos estragos que se lhe seguiram”.[2] Em 1685 registra um “tremendo eclipse da lua, que naquela província da Bahia se viu com horror”.[3] O jesuíta Valentim Estancel (1621-1705) professor da Escola da Bahia[4] atribui ao eclipse de 1685 do Sol e outro da lua que “grandes males ameaçavam o Brasil”.[5] Suas observações de cometas foram citadas por Newton nas últimas página do Principia em 1687 e mantinha correspondência com Athanasius Kircher.[6] Valentin Estancel publicou Orbis Alfonsinus (1658) e Tiphys Lusitanus (1663) sobre instrumentos gnômicos para cálculos de posição do sol e de latitude local. Em Pernambuco o médico João Ferreira da Rosa no Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco descreve em 1685 uma infecção contagiosa, que teria sido desencadeada a partir de um eclipse e da disposição dos planetas, o que teria sido a primera descrição de febre amarela no Brasil[7].O padre Antonio Vieira dedicou um de seus sermões em 1695 ao cometa Jacob e se intitula: “Voz de Deus ao mundo, a Portugal e a Bahia. Juízo do cometa e visto em 27 de outubro de 1695 e continua ate hoje [...] Dei ao cometa o segundo nome de Voz de Deus. Se acaso o não entendes assim e és do número daqueles que chamam aos cometas  causas naturais  e não reconhecem neles outro mistério  ou documento mais alto, eu te afirmo que essa mesma incredulidade e dureza é já um defeito fatal do mesmo cometa e princípio dos castigos que por ele e como ele pode ser nos venham anunciados. Digo, pois, que a razão mais verossímil de faltarem as notícias dos cometas no decurso de tantos séculos não foi por negligência ou desatenção dos históricos, senão porque verdadeiramente em todas aquelas idades não houve cometas”. O padre Antonio Vieira viria a morrer dois anos depois em 1697.[8] Ronaldo Vainfas observa que neste episódio apesar de Antonio Vieira contar com idade avançada, com oitenta e nove anos, estava lúcido, além de demonstrar interesse por astronomia tendo lido Stella Nova do alemão Kepler. [9]

[1] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 303

[2] PITA, Sebastião da Rocha. História da América portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p.169  https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/574177/000970492_Historia_America_portuguesa.pdf

[3] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 158

[4] AZEVEDO, Fernando. As ciências no Brasil, São Paulo: Melhoramentos, 1959, p.99

[5] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 241

[6] GESSNER, Samuel.  The use of useless instruments: the gnomonic inventions by V. Estancel in transit through the portugueses empire (1650-1680). In: GRANATO, Marcus; LOURENÇO, Marta. Scientific instruments in the history of science, Rio de Janeiro, MAST, 2014 http://site.mast.br/scientific_instruments_in_the_history_of_science_studies_in_transfer_use_and_preservation/GESSNER_p53-68.pdf

[7] CAMENIETZKI, Carlos Ziller.Quando o ceu era perfeito. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.75, dezembro 2011, p. 21; CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 172

[8] MOURÃO, Ronaldo Freitas. Dicionário Enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 842; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 191

[9] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 267



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