quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Geb e Nut egípcios

 

 

Papiro hierático de Greenfield XXI Dinastia, British Museum, Londres[1]. Deusa solar mãe Nut representa o ceu que protege a todos[2] Ceu e terra teriam sido unidos no passado dos tempos de modo que o ceu representa apenas uma das metades do mundo sendo o ceu masculino ativo e a terra feminino passiva. Da fecundação da terra pelo ceu surgiram todos os seres vivos. No Egito, contudo, há uma simbologia inversa: a deusa mae Nut representa o ceu é a esposa do deus Geb / Gueb que representa a terra.[3] O evento fundamental com Gueb e Nut é a separação em que Nut é soerguida por Chu/Shu, o Deus do Ar [4], e a crença que no início ambos constituíam uma unidade.[5] O “ventre de Nut” é a abóboda do ceu.[6] No papiro Bremmer Rind do período ptolomaico em Tebas é dito: “Criei todas as serpentes e tudo o que surgiu delas. Em então Shu e Tefnut deram origem a Geb e Nut, e então Get e Nut deram à luz ao Osíris corporal, Hórus, Seth, Ísis e Nephtys, uma fêmea após um macho deles, e eles criaram as suas multidões nesta terra”.[7] O ceu é um imenso lago, o oceano universal, a nout celeste sobre a qual navega a barca solar.[8] O Genesis 1:7 consta descrição similar: “Deus fez o firmamento que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento”. A aparente abóboda do ceu separava as duas águas, onde consta a presença de comportas que despejam as águas do dilúvio. Segundo o Genesis 7:11 “nesse dia jorraram todas as fontes do grande abismo e abriram-se as comportas do ceu”.



[1]SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 39

[2]https://en.wikipedia.org/wiki/Nut_(goddess)

[3]LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos, São Paulo:Cultrix, 1990, p. 53

[4]CLARK, Rundle. Símbolos e mitos do Antigo Egito, São Paulo:Hemus, (s.d.), p.255

[5]CLARK, Rundle. Símbolos e mitos do Antigo Egito, São Paulo:Hemus, (s.d.), p.42

[6]CLARK, Rundle. Símbolos e mitos do Antigo Egito, São Paulo:Hemus, (s.d.), p.163

[7]SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 141

[8]POCHAN, André. O enigma da grande pirâmide, Rio de Janeiro: Difusão, 1977, p. 212



Feliberto Caldeira Brandt

 

Em 1810 Felisberto Caldeira Brandt Pontes e Pedro Antonio Cardoso associaram-se para importar uma máquina a vapor da empresa Walsh & Bolton para seu engenho na Bahia na Ilha de Itaparica [1], mas a máquina teve de ser abandonada apenas com apenas um ano de uso por falta de técnicos para sua manutenção [2] segundo depoimento do almirante Jaceguai em suas Memórias.[3]  O espírito inovador de Felisberto Caldeira Brandt, marquês de Barbacena foi o introdutor da vacina de Jenner na América portuguesa em 1804 sendo ele o primeiro inoculado no Brasil.[4] Caldeira Brandt importou e contratou técnicos da Inglaterra para um barco a vapor com o inconveniente de que se uma peça quebrasse seria necessário comprar novas peças de Londres ou então continuaria trabalhando com a peça quebrada o que realmente aconteceu. Felisberto Caldeira Brandt Pontes contratou o engenheiro inglês John Gyles em 1820 para adaptar as fornalhas de seu engenho ao sistema usado na Jamaica, com resultado desastroso.[5] Stuart Schwartz argumenta que o problema foi que John Gyles quis trabalhar para outros engenhos e com isso Caldeira Brandt recusou a pagá-lo pois exigia exclusividade [6].



[1]SILVA, Maria Beatriz Nizza. A primeira gazeta da Bahia: Idade d’ouro do Brasil, São Paulo:Cultrix, 1978, p.98

[2]SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Os senhores de engenho e a cultura científica. Ciência e Cultura, Campinas, v. 31, n. 4, p. 389-394; JÚNIOR, Manuel Diegues. População e açúcar no Nordeste do Brasil, São Paulo:CNA, 1954, p.144

[3]CALMON, Pedro. História da civilização brasileira, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1933, p.211

[4]CALÓGERAS, Pandiá. O marquês de Barbacena, Rio de Janeiro:Cia Editora Nacional, 1932, p.17 cf. MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 64

[5]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo:Duas Cidades, 1979, p.46

[6]SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 279



Usura na idade medieval

 

Segundo Pirenne: “A ideia do lucro e ainda a própria possibilidade de realizar lucro são incompatíveis com a situação do latifúndio medieval. Como não tivesse meio algum, por falta de mercados externos, de produzir em função da venda, não precisava esforçar-se para obter da sua gente da sua terra um excedente que constituiria para ele um estorvo. Uma vez que é obrigado a consumir, ele mesmo, suas rendas, limita-se a ajustá-las às suas necessidades. Sua existência está assegurada pelo funcionamento tradicional de uma organização que nem ao menos trata de melhorar”.[1] Na França do século XII o lucro comercial e a usura ainda era visto como pecado mortal.[2] Santo Ambrósio referia-se a propriedade privada como “uma usurpação execrável”.[3] Tomás de Aquino referia-se ao lucrum moderatum. [4] Segundo Wiliam Letwin a filosofia medieval “o mercador era identificado com o pecado da cobiça, e ate mesmo o puro ato do comércio, negotium, era considerado como essencialmente vicioso”. [5] O judeu Jacob d´Ancona em 1270 revela a hipocrisia de muitos prelados católicos: “Ó, como tais blasfemos pregam a pobreza mas, como outros homens, cobiçam a riqueza, queixando-se contra o comércio como se fosse um perigo para a alma e chamando o mercado de ministro do demônio. Do mesmo modo declaram que a usura é um crime contra a generosidade divina, mas seus próprios prelados emprestam dinheiro por penhores e lucros além dos permitidos aos judeus, enquanto ainda outros cristãos emprestam a eles, como os Salimbeni [de Florença] emprestaram sem vergonha ao abade [cisterciense] de Fiastra a 100 por cento de juros quando eles caíram na ruína. Pois em toda a parte os cristãos dizem falsidades sobre o dinheiro, declarando que os seus empréstimos são de graça, enquanto os nossos [dos judeus] são usurários, mas com falsas contas de preço e pagamento escondem seus grandes lucros. Assim esses pios cidadãos, que não passam eles próprios de usurários, declaram com um documento falso que venderam bens a quem lhes tomou dinheiro, e que deve pagar por ele num dia posterior a um preço maior, e usam de muitos estratagemas além desses”.[6]



[1]PIRENNE, Henri. História econômica e social da Idade Média, São Paulo. Ed. Mestre Jou, 1978, p. 69

[2]DUBY, Georges. O tempo das catedrais.Lisboa:Estampa, 1979., p.115

[3]BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.349

[4]FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 59, 200

[5]GIANNETTI, Eduardo. Vícios privados, benefícios públicos ? São Paulo:Cia. das Letras, 1993, p. 118

[6]SELBOURNE, David. Cidade da luz, Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 245



terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O racionalismo nos séculos XII e XIII

 

Para Averrois não é possível a conciliação entre fé e razão, pois a razão não é capaz de alcançar as verdades alcançadas somente por Deus[1]. Para Pierre Guichard  será pelo contato com a obra de Averrois no século XIII que irá nascer o intelectual ocidental portador de uma visão laica do mundo, paradoxalmente isto ocorre em um momento em que o ciclo da filosofia aristotélica já havia se encerrado no Oriente[2] Cesare Cantu observa que Averrois limitou-se comparar textos de Aristoteles sem nenhuma contribuição original o que fez com seu trabalho fosse abandonado logo que surgiram melhores traduções do grego, tendo sido sua obra cultivada principalmente entre judeus e cabalistas espanhóis.[3] Roger Arnaldez, contudo, observa que Averrois caiu em desgraça quando foi condenado em Córdoba em 1195 e teve suas obras de filosofa banidas ou queimadas, mas não suas obras médicas e outras obras estritamente científicas.[4] Jacob d´Ancona, seguidor de Maimônides, em sua viagem à China em 1270 foi questionado sobre os ensinamentos em círculos judeus, entre os quais os cabalistas da comunidade judaica de Gerona na Espanha, de que acreditavam no que é contra a natureza e a razão, ao que Jacob respondeu: “Não é a aparência, nem a informação dos outros, nem as crenças e profecias dos idólatras que devem ser nossos guias, pois esse é o caminho do erro, mas a reverência pelo Nome Divino, junto com o uso da razão e do intelecto, que são dons do Santo Deus. Assim, não podemos ser enganados nem acreditar que as esferas [estrelas] tem almas, nem que a natureza das coisas pode ser explicada com letras ou números [referência à cabala judaica], nem que dá azar calçar a bota esquerda antes da direita, nem que as árvores produzem pássaros”.[5] Para Edouard Perroy “não houve, sem dúvida, em toda a civilização ocidental época mais preocupada com a lógica e o raciocínio, assim como com as discussões, classificações e com a abstração, que o século XIII” reflexo do reatamento cultural com Bizâncio o que intensificou o contato com as filosofias pré cristãs dos filósofos gregos.[6]

[1]PERROY, Edouard. A idade média: o período da Europa feudal (sec. XI - XIII), tomo III, v. 2, São Paulo:Difusão Europeia, 1974, p. 161

[2]GUICHARD, Pierre. Islã. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 714, 718

[3]CANTU, Cesare. História Universal, volume XIV, São Paulo:Editora das Américas, 1955, p. 304

[4]GILLISPIE, Charles. Dicionário de biografias científica, volume 1, Rio de Janeiro:contraponto, 2007, p.153

[5]SELBOURNE, Jacob. Cidade da Luz, Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 258

[6]PERROY, Edouard. A idade média: o período da Europa feudal (sec. XI - XIII), tomo III, v. 2, São Paulo:Difusão Europeia, 1974, p. 153



segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

A difusão do papel na Europa

 

Fábricas de papel foram construídas no Cairo no Egito em 900, no Marrocos em 1100 [1], Jativa na Espanha em 1150, Herault na França em 1189, Montefano na Itália em 1276 [2] com moinho de papel construído pelo artesão Ulman Stromer de Nuremberg. Jaen Delumeau aponta que a tecnologia do papel chegou na Europa trazida por mercadores genoveses e venezianos.[3] O domínio da fabricação do papel pelos árabes foi responsável pela grande expansão no intercâmbio de conhecimento e ideias no mundo árabe [4]. Os judeus em Játiva no século X e Toledo no século XI se especializaram nessa manufatura.[5] Jacob d’ Ancomo ao escrever sobre sua viagem à China em 1270 se refere a “melhor forma de se fabricar o papel a partir de uma pasta de madeira e da casca de amoreira”, o que revela que ele já conhecia o papel na Itália na sua época. O papel tornou-se um substituto econômico do dispendioso pergaminho feito de pele de carneiro. O conhecimento do papel pode se difundir pelo mundo árabe chegando à Europa com a invasão dos mouros islâmicos à Portugal e Espanha no século XII. [6]

[1]McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.109

[2]USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 319

[3]DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.191

[4]LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.82

[5]HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.148

[6]CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 130; SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.189



As descobertas portuguesas e o preço das especiarias

 

A conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 fez com que Veneza obtivesse deles o monopólio do comércio das especiarias para a Europa. Com a expansão otomona os pedágios cobrados para o transporte de especiarias elevaram em torno de 800% o custo pelas rotas tradicionais.[1] A pimenta vendida a três cruzados o quintal na Índia, era comercializada  no Egito a oitenta cruzados e a muito mais em Veneza. O preço da pimenta que na Índia era de dois cruzados o quintal multiplicava-se por trinta ou quarenta antes de passar às mãos dos venezianos. Roberto Simonsen estima que e a pimenta da Índia era comercializada no mercado de Antuérpia por um preço vinte vezes superior o seu custo no país de origem [2]. A conquista da nova rota comercial com as Indias conquistada pelos portugueses fizeram baixar muito o preço das especiarias, em especial a pimenta [3], muito embora seja um erro imaginar que a rota de especiarias através do Egito e Arábia tenha cessado abruptamente.[4] Em 1503 o preço da pimenta em Lisboa era apenas um quinto do de Veneza [5]. Portugal por sua vez conseguia vender o produto em Lisboa por um preço de dez a quinze vezes maior do que o na Índia. Erasmo envia carta ao rei português queixando-se das elevadas taxas de lucro dos venezianos. Em 1512 a conquista das ilhas Molucas na Indonésia pelos portugueses, a ilha das especiarias, transformou Lisboa em um centro do comércio ultramarino.[6] Tais conquistas portuguesas foram confirmadas pelas bulas Precelsae devotionis (1514) e Praeclara charissimi (1551), que confirmavam e mandavam observar o Tratado de Tordesilhas. O reconhecimento espanhol da conquista portuguesa das Molucas viria apenas em 1529 com a capitulação de Saragoça pela qual a Espanha cedia os direitos as Molucas mediante uma indenização de Portugal. O monopólio do porto de Lisboa leva a Veneza em 1515 a comprar de Lisboa a pimenta que necessitava para consumo interno. As rotas tradicionais chegaram a ser reestabelecidas no final do século XVI superando a nova rota vinda dos navios portugueses [7]. Fernand Braudel observa que os venezianos recuperaram a rota de especiarias pelo Egito cerca de vinte e cinco anos após a viagem de Vasco da Gama, depois de terem sem sucesso tentado participar financiando a aventura dos descobrimentos.[8]

[1]AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.87

[2]SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.39

[3]COSTA, Sergio Correa da. Brasil, segredo de Estado, São Paulo:Record, 2001, p. 72

[4]CAMERON, Rondo. A concise economic history of the world, New York:Oxford University Press, 1998, p.121

[5]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.171

[6]ALBUQUERQUE, Manoel. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 156

[7]CAMERON, Rondo. A concise economic history of the world, New York:Oxford University Press, 1998, p.142

[8]FURTADO, Celso, Criatividade e dependência, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p. 176



sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O pragmatismo do português na era dos descobrimentos

 

Bruneto Latini (1230-1294) que inspirou a obra de Dante sobre o Inferno, escreveu em Tesoretto sobre a existência de uma pátria habitada por criaturas disformes e espantosas como homens com os pés apontando para trás e com oito dedos em cada pé, ou com olhos nos ombros e alguns de um olho só bem no meio da testa. O mapa de Andrèa Bianco em 1436 mostra ao lado do paraíso, no oriente da Àsia, homens sem cabeça e com os olhos e a boca no peito [1]. Sérgio Buarque de Holanda em Visões do Paraíso ao comentar a frequência com tais estórias sobre o paraíso estão presentes antes da descoberta das Américas, o que parecia se confirmar com a visão de índios nus, florestas virgens e papagaios falantes, escreve: “A frequência com que até em mapas itinerários surgem essas figuras indefectivelmente vinculadas à paisagem edênica (o jardim do Éden) faz crer que correspondessem a um sentir geral, porventura nascido de tradições anteriores ou alheias à própria difusão do cristianismo”[2]. Para Sergio Buarque de Holanda tais estórias estão bem mais presentes nos textos dos colonizadores espanhois do que nos portugueses o que revela um aspecto mais pragmático dos portugueses que já haviam terminado há dois séculos sua Reconquista quando se lançaram nas navegações ultramar no século XVI [3]: “O gosto da maravilha e do mistério quase inseparável da literatura de viagens na era dos grandes descobrimentos ocupa espaço singularmente reduzido dos escritos quinhentistas portugueses sobre o Novo Mundo”.[4] O inglês Walter Raleigh, contudo, em 1600 descreve a presença de Ewaipanomas seres sem cabeça na Guiana próximo ao Orinoco.[5]



[1] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo;Brasiliense, 1994, p. 18

[2] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visão do Paraíso. São Paulo:Brasiliense, 1994, p. 19, 215

[3] AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000, p. 281

[4] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo: Brasiliense, 1992, p.1

[5] AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000, p. 248



O intercâmbio cultural entre Grécia, o Egito e os judeus

 

Segundo Plutarco: “Pitágoras, nativo da ilha de Samos, o primeiro que deu nome à filosofia, defendeu que os princípios das coisas eram os números e as simetrias, ou seja, as conveniências e proporções que tem entre elas, a que ele chama também harmonias, e depois compõe estes dois elementos que se chamam geométricos’” [1]. O pai de Pitágoras era mercador da cidade de Tiro, cidade fenícia do Líbano, onde Pitágoras viajou bastante com seu pai e sofreu a influência do zoroastrismo [2]. Porfírio relata em sua Vida de Pitágoras [3] que Tales e Pitágoras tiveram influência do Egito [4]. Platão também parece ter ido ao Egito.[5] O mercador judeu Jacob d”Ancona ao escrever 1270 faz referência a uma antiga tradição oral judaica: “Os judeus tem motivo para seu orgulho. Pois quem não sabe que nosso profeta Jeremias foi o professor grego de Platão e que o grande Aristóteles, que seu nome fique registrado, aprendeu aos pés de Simão ?”. O Talmud afirma que o rabino Yehoshua bem Chanaya debateu com sábios de Atenas.[6] Leadbeater argumenta que o manuscrito da “Vida de Leland” que teria sido guardado na Biblioteca Bodleian e hoje perdido datado de 1436 se refere sobre a fundação da maçonaria pelos venezianos e que Peter Gower na antiguidade teria viajado ao Egito para sua iniciação, que seria um nome em inglês de origem no francês Pitagore (pronunciado como Petagore), o que comprovaria a relação da escola pitagórica com a maçonaria, no entanto, mesmo maçons como Albert Mackey reconhecem o documento como uma farsa.[7]



[1]LAFONT, Olivier. A química. In: COTARDIÈRE, Philippe. História das ciências: da antiguidade aos nossos dias, Rio de Janeiro:Saraiva, 2011, p.128

[2]HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.114

[3]ONCKEN, Guilherme. História Universal. História do Antigo Egito, v.I, Rio de Janeiro:Bertrand, p.326

[4]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.139

[5]STRATHERN, Paul. Platão em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 16

[6]SELBOURNE, David. Cidade da luz, Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 197, 198

[7]LEADBEATER, C. Pequena história da maçonaria, Rio de Janeiro: Pensamento, 1968, p. 129; MACKAY, Albert. The history of freemasonry, 1898, http://www.freemasons-freemasonry.com/mackeyph10.html



quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O galeão padre Eterno

 

Em 1659 o governador do Rio de Janeiro, Salvador Correa de Sá montou um estaleiro na Ilha do Governador e iniciou a construção de navios usando as madeiras nobres do Brasil projetado por técnicos vindos da Europa e construído por carpinteiros indígenas. Entre os navios construídos se destacou o “Padre Eterno” galeão (na Figura) construído em 1665 na Ilha do Governador de 53 metros de comprimento, algo extraordinário para a época [1], mas que naufragou no Oceano Índico algum tempo depois. O galeão tinha 180 pés de quilha, ou de comprimento na parte inferior, seis pontes, 180 escotilhas e outros tantos canhões de ferro. Sua carga era de 4.000 caixas de açúcar, cada caixa pesando 1.500 libas e de 2.500 grossos rolos de tabaco; era normalmente tripulado por 3 a 4.000 homens. Pedro Teles se refere a algumas fontes que mencionam que o Padre Eterno foi construído no Arsenal da Bahia em 1716. Embora os portugueses o anunciassem como a maior embarcação do mundo certamente haveriam outros navios maiores em sua época como o Sovereign of the seas construído em 1637 pelo rei da Inglaterra, de qualquer forma, segundo Pedro Teles, era um navio de tamanho muito grande para seu tempo. Segundo Laurentino Gomes: “sua existência era testemunho das ambições da elite escravagista brasileira no auge do ciclo do açúcar e às vésperas da descoberta do ouro de Minas Gerais”.[2] A ilha do Galeão no Rio de Janeiro recebeu esse nome segundo o Monsenhor Pizarro em referência a construção de uma outra embarcação contratada pelo negociante de azeite de peixe e sal Francisco José da Fonseca. No Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro em 1764 foi construída a nau São Sebastião de 60 metros de comprimento cuja imponência foi cantada em versos do poeta Basílio da Gama. Os franceses a chamavam de Le Grand Dragon e foi a embarcação usada para levar a infanta Maria Isabel à Espanha em 1816 para se casar com o rei de Espanha Fernando VI.[3] Depois da nau São Sebastião o Arsenal de Marinha só voltou a construir outro navio em 1824.[4]



[1] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1997, p.65

[2] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.374

[3] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 197

[4] TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da construção naval no Brasil, Rio de Janeiro:Femar, 2001, p.25



A bússola e a geomancia chinesa

 

Na China o magnetismo era objeto de geomancia a arte de adaptar as residências com o “sopro cósmico”. Usada inicialmente para práticas de magia e adivinhações [1] o dispositivo incluía uma colher de magnetita que girava sobre uma placa polida de bronze indicando o sul tal como mostrado em um baixo relevo datado de 114 no Museu de Zurique. As bússolas eram usadas pela geomancia para determinar a orientação mais auspiciosa para as construções, para posicionar a cama de um doente ou a mês de um estudante para aumentar seu rendimento.[2] Needham registra que as primeiras bússolas usadas em navegação datam de 618, entretanto um ensaio do século IV a.c. relata a utilização bússulas em viagens.[3] Shen Kuo desenvolveu a bússola de agulha magnética no século XI.[4] Buscando proteger a bússola de eventuais ataques supersticiosos de marinheiros que acreditavam nos poderes de bruxaria do instrumento [5], os comandantes foram levados a proteger a bússola em bitáculas, um cilindro de madeira usando para acondicionar a bússola do navio. Ainda no tempo de Colombo um piloto que usasse a bússola poderia ser acusado de comércio com satanás, embora ele próprio e navegadores experientes como Fernão de Magalhães tivessem várias bússolas a bordo.[6] Segundo Kirkpatrick em espanhol brújula deriva de uma mistura do italiano bussola e do murciano brujeria (bruxaria).[7]

[1] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Oriente, Roma e Idade Média. v.2, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.59; McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.125

[2] CLARK, Peter. A evolução das cidades, História em Revista, Rio de Janeiro:Time Life, 1993, p.78

[3] TERESI, Dick. Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.238

[4] MAHAJAN, Shobhit. História das invenções, Berlim:Verlag, 2008, p. 30

[5] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.157

[6] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.209

[7] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.81




Invenção da bússola

 

Existem relatos da utilização da bússola na Europa no século XII, no entanto, na China o Livro dos Mestre do Vale do Demônio do século IV a.C descreve como mineiros exploradores de jade utilizavam uma primitiva bússola de magnetita para encontrar a direção. A tradição de feng shui (posição adequada) reflete o domínio desta tecnologia. Primitivivamente os chineses usavam uma técnica de adivinhação resultado do embate das forças do yin e do yang em que uma colher feita de magnetita ao centro do tabuleiro representava a Ursa Maior era girada segundo as regras do jogo [1]. Não há evidências de uma transmissão deste conhecimento chinês para a Europa, e o fato de não haver relatos no mundo islâmico da bússola nesta época, reforça esta tese.[2] Ian Mortiner argumenta que a bússola e as inovações tecnológicas embora facilitassem a realização das expedições exploratórias não foram o fator mais importante para tais realizações.[3] O mercador judeu Jacob d’Ancona que esteve na China em 1270 se refere “a bússola de Sinim feita com grande engenho e que é muito apreciada pelos marinheiros desses mares para saberm a posição do navio pelo meridiano quando o ceu está coberto de nuvens e não se vê nem o sol nem as estrelas”.[4] A bússola era uma caixa ou tigela feita de buxo no centro da qual uma agulha magnetizada girava sobre um pequeno eixo apontando o sul, tendo todas as demais direções marcadas na caixa.



[1] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.209

[2] TREVOR, Williams. História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da informação. Belo Horizonte: Gutenberg, 2009, p.106

[3] MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 142

[4] SELBOURNE, Jacob. Cidade da Luz, Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 71



Invenção do canhão

 

Alguns historiadores se referem ao uso de canhões pelos tártaros, tecnologia adquirida dos chineses Sung por volta de 1232 e que usaram tais armas em 1241 na batalha de Mohi ou batalha do rio Sajo na Hungria entre os mongóis e húngaros durante a invasão mongol da Europa.[1] No cerco de Calais em 1347 o rei Eduardo III usou canhões para bombardear as muralhas.[2] Em 1370 o monge e alquimista Berthold Schwarz fez experiências com a pólvora e desenvolveu os primeiros canhões. René Tatton data os primeiros canhões de 1319.[3] Schwarz foi acusado de magia e julgado pelo Tribunal da Inquisição.[4] Segundo Jérome Baschet na idade Média “a natureza não é, então, dissociada do sobrenatural; ela é, ao contrário, impregnada dele”.[5] A invenção logo se difundiu. O Satens Historika Museum em Estocolmo guarda o canhão Morko fabricado em 1390.[6] Na Alemanha o monge Bertoldo de Freitag inventou um canhão em 1314. Com a invenção dos canhões os castelos fortificados, que começaram a surgir a partir do século X [7], mostraram-se ineficientes diante do novo armamento e deixaram de seu construídos. [8] A cidade inexpugnável da idade média teve de buscar novas fortificações e contratar soldados que dessem combate ao inimigo em campo aberto como na defesa de Milão por Próspero Colonna em 1521.[9] Constantinopla fortificada por enormes muralhas [10] foi atacada em 1453 pelo sultão turco Maomé II com sessenta e oito canhões incluindo um enorme de 76 centímetros  de diâmetro do cano e que destruíram suas muralhas [11]. Os canhões foram também usados no cerco de Orleans em 1428 em que os ingleses atacaram a cidade francesa. [12] Somente no século XVI com a fundição do bronze e o suporte móvel os canhões passaram a ser usados nos exércitos.[13]

[1] SELBOURNE, Jacob. Cidade da Luz, Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 296

[2] MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 125

[3] TATON, René. A ciência antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 145

[4] Uma breve história das descobertas: da antiguidade ao século XX, São Paulo:Escala, 2012, p. 35

[5] BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América, São Paulo:Globo, 2006, p.544

[6] MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 125

[7] MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p.46

[8] GOFF, Jacques. A idade média explicada aos meus filhos, Rio de Janeiro:Agir, 2007, p. 43

[9] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 389

[10] PHILLIPS, Ellen, Viagens de descobrimento 1400-1500, Rio de Janeiro:Time Life, 1991, p.83

[11] CAMP, Sprague de. O homem e a energia, v.II, Rio de Janeiro:Ao Livro Técnico, 1968, p.116; CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 365

[12] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.156

[13] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 220



domingo, 20 de dezembro de 2020

Invenção da pólvora

 

Roger Bacon escreveu sobre a pólvora por volta de 1260, provavelmente com base em informações de povos nômades sarracenos, alguns anos antes da viagem de Marco Polo à China (1271-1275) com histórias sobre a descoberta dos chineses. Marco Polo escreveu seu livro As viagens de Marco Polo durante em seu cativeiro em Gênova em 1296, numa obra minuciosa como nenhuma outra até então havia sido escrita sobre a Ásia na Europa. Portanto Roger Bacon não escreveu com base nas informações de Marco Polo. Um judeu da cidade de Ancona chamado Jacob d’Ancona também viajou para China (1270-1273) e também se refere à pólvora pelos chineses: “os alquimistas de Manci (sul da China) fizeram, por experiência, muitas máquinas, embora lhes falte a vontade de lutar, das quais eles chamam de raio que abala o ceu, pois, usando um pó mágico que explode (magico polve che scoppia) e que eles põem num tubo de ferro ou cobre, lançam um fogo rápido e voador a grande distância, e para grande dano do inimigo [...] Quando dão banquetes, é costume deles encher varas de bambu, com seu pó explosivo, ao qual ateiam fogo e se alegram com as faíscas de luz”.[1] Para composição da pólvora Bacon usou de um anagrama que uma vez decifrado revelaria as proporções de sete partes de salitre, cinco de carvão e cinco de enxofre. Seu enigma permaneceu sem solução por 650 anos até ser resolvido por um coronel do exército britânico.[2]

[1] SELBOURNE, David. Cidade da luz, Rio de Janeiro:Imago, 2001, p. 296

[2] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.85



Origem das caravelas

 

Na expansão portuguesa alcançada com as grandes navegações que se iniciam com a tomada de Ceuta na costa africana em 1415 em ataque aos “infiéis” muçulmanos, o que valeria a Portugal o apoio da Igreja à sua recente independência com a batalha contra os espanhois em Aljubarrota  em 1385 [1],  destaca-se o recurso ao uso das caravelas como embarcação ágil e capaz de navegar em águas de pouca profundidade como de cruzar os oceanos. Os mouros tinham Ceuta como sua base de operação de suas atividades de pirataria no estreito de Gibraltar e na costa de Marrocos [2]. A caravela, de origem moura [3], que usavam barcos conhecidos como caravos, surgiu no século XIII para navegação no mediterrâneo e no rio Douro usando velas latinas e entaboamento corrido do seu casco[4]. O termo “caravela” (ela – diminutivo dos caravos/carabos árabes) é mencionado na Bula Romanus Pontificex de 1455: “in velocissimis navibus, caravellis nuncupatis” – em naus velocíssimas chamadas caravelas [5]. Alvise da Cadamosto as elas se refere em 1546  como “os melhores embarcações à vela que navegavam os mares” [6]. A técnica de fabricação é mostrada em livros como Livro primeiro de architectura naval de João Batista Lavanha no século XVI [7] ou o Livro de fabrica de naus de Fernando Oliveira [8].

[1]BUENO, Eduardo. Brasil, terra a vista, Porto Alegre, L&PM, 2000, p.20

[2]LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 99

[3]COSTA, Sergio Correa da. Brasil, segredo de Estado, São Paulo:Record, 2001, p. 78

[4]PHILIPS, Ellen. Viagens de Descobrimento 1400-1500, São Paulo:Time Life, 1991, p. 19

[5]HOFFNER, Joseph. Colonialismo e evangelho, São Paulo:USP, 1973, p.140

[6]RESTON, Os cães do Senhor, São Paulo: Record, 2008, p.126

[7]ESTEVES, Carina. O Livro Primeiro de Architectura Naval de João Baptista Lavanha e a arquitectura naval ibérica no final do século XVI, princípios do XVII: o perfil do arquitecto naval, Tese de mestrado, História Marítima, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2011 https://repositorio.ul.pt/handle/10451/4495

[8]SOUSA, Carlos Manuel. O livro Fabrica das naus de Fernando Oliveira. Tese de mestrado, História Marítima, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2009



Faiança egípcia

 

A faiança era feita com um pó de quartzo ao invés de argila, sendo revestida com uma pasta vítrea. Levado ao fogo o produto assumia um aspecto vítreo em tonalidade azul sendo usado na fabricação de contas, vasos, ladrilhos e estatuetas.[1] O produto é considerado um dos primeiros sintético produzidos com objetivo de substituir o lápis lazuli e o desenvolvimento desta técnica pode ter levado  um conhecimento que mais tarde seria importante  para a extração do cobre a partir do minério in natura. [2] A descoberta da esmaltagem da faiança tem sido associada com a indústria do cobre. Azulejos azuis foram encontrados na tumba de Zoser da III Dinastia.[3]



[1]CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.136; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 49

[2]HODGES, Henry. Technology in the ancient world, New York: Barnes & Noble Books, 1970, p. 62, 65

[3]WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 161



sábado, 19 de dezembro de 2020

Usura da idade média

 

Jean Claude Schmitt mostra que foi a universidade escolástica não se limitou a questões religiosas tendo levado ao “nascimento do espírito laico” onde foram elaboradas por exemplo a justificação teórica do trabalho manual assalariado e a doutrina do “preço justo” bem como do empréstimo monetário a juros tornado lícito apesar da determinação da Igreja em contrário.[1] Para a Igreja o empréstimo a juros era condenável porque significava o mesmo que cobrar pelo uso do tempo, que pertencia somente a Deus. A teoria aristotélica da esterilidade do dinheiro: “dinheiro não engendra dinheiro” também condenava a usura. Nesse sentido o controle na imposição de preços por parte das guildas era sujeito à críticas [2]. Em 1179 no III Concílio de Latrão a Igreja proibiu aos cristãos a prática da usura.[3] Por outro lado, Marx relativiza a restrição à usura: “A usura vive nos poros da produção, tal como os deuses de Epicuro vivem no espaço entre os mundos”.[4] Ian Mortimer mostra que com o advento dos relógios mecânicos e a dessacralização do tempo o argumento contrário ao uso de juros foi relativizado.[5]

[1]SCHMITT, Jean Claude. Clérigos e leigos. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 280

[2]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.45

[3]GUREVIC, Aron. O mercador. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.168; AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.38

[4]ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 216

[5]MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 152




Feiras de Champagne

 

As feiras de Champagne estabeleciam uma relação entre os países baixos e a Itália desde o século XII até o século XIV. As guildas comerciais surgidas especialmente após o final do século XII controlam a economia urbana estabelecendo uma relação direta entre produtores artesãos e meios de produção. Somente ns cidades flamengas e italianas chegou a surgie um estrato assalariado de trabalhadores urbanos de certa importância. Em Florença, Basileia, Estrasburgo e Gand tais guildas de artesãos ocuparam posições importantes no poder político municipal.[1] Os tecelões mais ricos não somente viajavam às feiras em Champagne para vender seus tecidos como empregavam tintureiros e tecelões bem como pequenos mestres de outros ofícios. Uma ordenança de 1270 mostrava uma clara distinção entre tecelões que distribuíam o trabalho e os mestres tecelões que eram empregados por eles. As feiras de Champagne pela utilização de letras de crédito exercem papel fundamental na expansão do comércio medieval [2]. No início do século XIII o rei francês Filipe Augusto deu salvo conduto régio aos mercadores que se dirigissem para a feira de Champagne.[3] Feria em latim significa dias de festa ou repouso, ocasião em que os mercadores organizavam suas mercadorias em praça pública, e que passaram a ser conhecidas como feiras.[4] Em Flndres do século XIV haviam diversas feiras, com as de Ypres, Thourout, Lille e Messine.[5] As feiras eram imunizadas pela “paz do mercado” assegurando alojamentos e armazenamento das mercadorias e pela anulação do aubaine que conferia ao senhor feudal o direito de se apossar dos bens daquele que morresse em suas terras.[6] Segundo Jacques le Goff “Há, inicialmente, os salvo-condutos concedidos em toda a extensão das terras condais. Em seguida, a isenção de todas as taxas servis sobre os terrenos onde se construíram alojamentos e estabelecimentos comerciais. Os burgueses foram, isentados das talhas e dos foros em troca de taxas fixas resgatáveis. Os terrádegos e as banalidades foram abolidos ou limitados consideravelmente. Esses mercadores não estavam sujeitos nem aos direitos de represailles e de Marque, nem ao direito de aubaine e de épave. Os condes, sobretudo, asseguravam o policiamento das feiras, controlavam a legalidade e a honestidade das transações, garantiam as operações comerciais e financeiras”.[7] No final do século XIII as feiras entram em declínio com o incremento do comércio marítimo entre o Norte da Europa e o Mediterrâneo.[8] Pierre Monet mostra o desenvolvimento do sistema de feiras a partir do século XII e das grandes companhias marítimas de comércio do século XIII para comércio de longa distância não fez com que desaparecesse o mercador isolado e itinerante do comércio local.[9]

[1]ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 215

[2]PERROY, Edouard. A idade média: o período da Europa feudal (sec. XI - XIII), tomo III, v. 2, São Paulo:Difusão Europeia, 1974, p. 133

[3]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.41

[4]PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 91

[5]MONTEIRO, Hamilton. O feudalismo: economia e sociedade, São Paulo:Ática, 1987, p.66

[6]AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.37

[7]LE GOFF, Jacques. Mercadores e Banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991

[8]LOYN, Henry. Dicionário da idade média. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1997, p.87

[9]MONNET, Pierre. Mercadores. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 212


Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...