sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O pragmatismo do português na era dos descobrimentos

 

Bruneto Latini (1230-1294) que inspirou a obra de Dante sobre o Inferno, escreveu em Tesoretto sobre a existência de uma pátria habitada por criaturas disformes e espantosas como homens com os pés apontando para trás e com oito dedos em cada pé, ou com olhos nos ombros e alguns de um olho só bem no meio da testa. O mapa de Andrèa Bianco em 1436 mostra ao lado do paraíso, no oriente da Àsia, homens sem cabeça e com os olhos e a boca no peito [1]. Sérgio Buarque de Holanda em Visões do Paraíso ao comentar a frequência com tais estórias sobre o paraíso estão presentes antes da descoberta das Américas, o que parecia se confirmar com a visão de índios nus, florestas virgens e papagaios falantes, escreve: “A frequência com que até em mapas itinerários surgem essas figuras indefectivelmente vinculadas à paisagem edênica (o jardim do Éden) faz crer que correspondessem a um sentir geral, porventura nascido de tradições anteriores ou alheias à própria difusão do cristianismo”[2]. Para Sergio Buarque de Holanda tais estórias estão bem mais presentes nos textos dos colonizadores espanhois do que nos portugueses o que revela um aspecto mais pragmático dos portugueses que já haviam terminado há dois séculos sua Reconquista quando se lançaram nas navegações ultramar no século XVI [3]: “O gosto da maravilha e do mistério quase inseparável da literatura de viagens na era dos grandes descobrimentos ocupa espaço singularmente reduzido dos escritos quinhentistas portugueses sobre o Novo Mundo”.[4] O inglês Walter Raleigh, contudo, em 1600 descreve a presença de Ewaipanomas seres sem cabeça na Guiana próximo ao Orinoco.[5]



[1] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo;Brasiliense, 1994, p. 18

[2] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visão do Paraíso. São Paulo:Brasiliense, 1994, p. 19, 215

[3] AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000, p. 281

[4] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo: Brasiliense, 1992, p.1

[5] AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000, p. 248



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