Clóvis
Rodrigues embora destaque algumas
inovações técnicas no período colonial e escravocrata brasileiro reconhece o
descaso por tais inovações por parte dos grandes senhores de engenho: “obviamente
não lhes interessava modificar esse prodigioso status quo, já que a inesgotável
máquina geradora de toda a riqueza – representada pelo negro – ali estava dia e
noite, noite e dia, ao seu dispor” [1]. Cruz Costa aponta que este
passado colonial “cujo caráter se manterá
dominante através dos séculos de formação brasileira se gravará profunda e
totalmente nas feições e na vida do país”.[2] Luís dos Santos Vilhena (1787-1814) lamenta a ignorância dos mestres de açúcar
dos quais não se pode esperar a adesão para inovações: “mulatos e negros tão estúpidos que não conheci ainda um que soubesse
ler ou escrever o seu nome, e se algum branco executa a arte, nada difere
daqueles quanto à instrução”.[3] Os mestres de açúcar submetiam-se ao ambiente dominado pelo grande calor das
caldeiras e por isso na maioria das vezes reservado a escravos. Vilhena mostra
seu inconformismo quanto ao desprezo com os conhecimentos da técnicas de
engenhos : “é coisa digna de grande
admiração que um sapateiro ou alfaiate para ter o nome de mestre, passe por um
exame, e seja obrigado a tirar todos os anos uma licença : isto só para que não
bote a perder um pedaço de couro ou pano; e que a produção mais interessante ao
Brasil, que importa todos os anos milhões de cruzados; cuja manufatura requer
conhecimentos químicos, esteja nas mãos dos homens mais insensatos e
preguiçosos, intitulados mestres só porque eles o dizem”. [4] O professor baiano Vilhena inventou mecanismos para melhorar o desempenho de
engenhos.
Segundo
Antonil a casa das fornalhas era bastante insalubre e lembrava o “fumo perpétuo e via imagem dos vulcões
Vesúvio e Etna e quase do Purgatório ou do Inferno”[5] e muitas vezes reservados aos escravos portadores de doenças sexuais pois
acreditava-se nas propriedades terapêuticas do calor excessivo.[6] Segundo Manuel Diegues: “o mestre de
açúcar é o técnico que supervisiona toda a atividade do preparo do açúcar no engenho.
Outros técnicos em especializações particulares, ajudam o mestre do açúcar em
funções específicas: o caldeireiro que baldeia o caldo para as tochas e vai
também limpando, com a espanadeira a espuma fervente nas caldeiras, ajudando o
caldo; o tacheiro que se incumbe de acompanhar o desenvolvimento do caldo nas
tachas e o purgador que é o químico no preparo da cristalização do açúcar nas
formas”.[7] Mary del Priore mostra o mestre do açúcar era um negro livre encarregado de
manipular a caldeira mantendo a temperatura adequada, sendo um trabalhador
valorizado na economia colonial e que recebia um salário por safra. Em Campos
em 1790 recebia um mínimo de 600 e 800 reis por dia.[8] Segundo Antonil “a quem faz o açúcar, com
razão se dá o nome de mestre, porque o seu obrar pede inteligência,
atenção e experiência, e esta, não basta que seja qualquer, mas é necessária a
experiência local, a saber, do lugar e qualidade da cana, aonde se planta e se
móis. Porque ainda que a cana não seja qual deva ser, muito pode ajudar a arte,
no que faltou a natureza. E, pelo contrário, pouco importa que a cana seja boa,
se o fruto dela e o trabalho de tanto custo se botar a perder por descuido, com
não pequeno encargo de consciência para quem recebe avantajado estipêndio”.[9] Para Ruy Gama o empirismo de Antonil é oriundo do pensamento renascentista
italiano.[10] Gabriel
Magalhães destaca que o engenho não extinguiu, portanto, o papel do artesão na
figura do mestre de açúcar, ao contrário, intensificou a sua importância.
[1]RODRIGUES, Clóvis da Costa. A
inventiva brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1973. p.
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