quarta-feira, 31 de março de 2021

A condenação da magia em Roma

 

Segundo Raymond Bloch “no princípio e no decurso da história de Roma, numerosos são os vestígios de magia e de misticismo elementar; não havia nenhum nascimento que não fosse protegido por uma divindade, nenhum crescimento que não tivesse os seus numina”, e assim também as atividades agrícolas como o arroteamento do solo, passagem do arado, semeadura, germinação do grão, colheita, tudo era regido pela crença nos numina, ou seja, pelos “poderes divinos” que no princípio era simbolizado pelo culto dos lares. [1] Derek Colins mostra que o conceito de magia havia se confundido com maleficum – crime, calúnias ou envenenamentos, de modo que não se observa na legislação romana mais antiga como as Doze Tábuas qualquer condenação direta a feitiços mágicos.[2] A lei Cornelia previa a condenação de  assassinos e envenadores – sicariis et veneficiis e assim mutos proaticntes de magia foram condenados. Não estavam claras as fronteiras entre as honras e rituais devidas aos deuses (religio) e aquilo que poderia ser considerado como excessivo a que os romanos chamavam de superstitio (significado diferente do atual superstição) e que Cicero distingue da religio.[3] Em 158 d.c. Apuleio foi acusado de magia e em sua defesa alegou que suas práticas eram de culto religio usual. No Asno de ouro, Apuleio se refere aos encantamentos usados por uma maga que incluíam ”todo o tipo de incensos aromáticos, placas de metals com inscrições secretas, vários pedaços de cadáveres, sangue das vítimas e caveiras de criminosos mortos em combate com as feras no anfiteatro”.[4] Com Agostinho no século IV já há uma associação direta da supestitio como as magicae artes, ou malae artes pactuadas com demônios, ou seja, associadas a algum malefício. O cânone 36 do Concílio de Laodicéia, realizado entre 341 e 381 especifica que "padres e clérigos não podem ser feiticeiros [magoi], encantadores [epaoidoi] ou astrólogos [mathematikoi] e não devem fazer amuletos [phylakteria], que são veneno para a alma”.[5] Com o Codigo Teodosiano (438 d.c.) a condenação aos magos é clara: “Deve ser punido e vingado de modo merecido com as leis mais severas o conhecimento (scientia) daqueles que, com auxílio das artes mágicas (magicae artes) ou ameaçam a segurança de alguém ou fizeram com que mentes castas se voltassem à luxúria”.[6]

[1] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.179

[2] COLLINS, Derek. Magia no mundo grego antigo, São Paulo: Madras, 2009, p. 209

[3] COLLINS, Derek. Magia no mundo grego antigo, São Paulo: Madras, 2009, p. 215

[4] FUNARI, Pedro. Roma, vida pública e vida privada, São Paulo: Atual, 1993, p. 19

[5] LUCK, Georg. Arcana Mundi: magic and the occult in the Greek and roman worlds, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006, p.23

[6] COLLINS, Derek. Magia no mundo grego antigo, São Paulo: Madras, 2009, p. 237




terça-feira, 30 de março de 2021

Mercantilismo e o Brasil colonial: os impactos na industrialização

 

Segundo a denominada "Nova História do Capitalismo" tal como proposta por historiadores como Eric Williams(na figura), Edward Baptist e Sven Beckert, a industrialização dos EUA estaria ligada ao acesso a algodão barato, fruto da exploração violenta dos escravizados, de modo que o escravismo não foi um elemento incompatível com o capitalismo, pelo contrário, foi um de seus fundamentos. Eric Williams argumenta que o capitalismo mercantil do século XVIII dependeu dos lucros do tráfico de escravos de  forma que desenvolveu a riqueza da Europa por meio da escravidão assim como do monopólio dos produtos coloniais e com isso ajudou a criar o capitalismo industrial do século XIX. [1] Grandes industriais ingleses como Gascoyne de Liverpool, John Gladstone e John Moss tinham relações próximas ao tráfico de escravos, assim como os empresários de Bristol ligados à Índias Ocidentais eram grandes investidores na Great Western Railway: “a história do crescimento do tráfico de escravos é basicamente a história do desenvolvimento de Liverpool [...] Em 1795 Liverpool respondia  por cinco oitavos do comércio escravo britânico e por três sétimos de todo o comércio escravo europeu”.[2] Numa tentativa de justificar moralmente este sistema mercantil difundiu-se preconceito de que os brancos eram inadequados as rudezas do trabalho nos trópicos e o racismo contra negros: “a ascensão e queda do mercantilismo é a ascensão e queda da escravidão”.[3] Eric Hobsbawn mostra paradoxalmente a revolta de escravos em Santos Domingos / Haiti acabou beneficiando o crescimento dos Estados Unidos como nação industrial pois o fracasso da França napoleônica em retomar o controle do Haiti (1791-1804) levou a liquidação do império francês remanescente nas América o que beneficiou os Estados Unidos que pode adquirir a Louisiana em 1804 com uma área que corresponde atualmente a 23% seu território[4].

Thales Pereira, Nuno Palma, Andrea Papadia e Leonardo Weller testam essa hipótese de que a escravidão era compatível com o capitalismo nascente porque conseguia uma produtividade mais alta, o que levou aos fazendeiros a preferirem a produção escravista à qualquer modernização. A analisando o caso brasileiro no período de boom do algodão, ocorrido quando da guerra de secessão norte americana, que restringiu o fornecimento de algodão por parte daquele país abrindo a possibilidade de produtores alternativos como o Brasil. Maranhão e Ceará, experimentaram esse forte crescimento na produção de algodão, porém enquanto no Maranhão tinha praticamente só trabalho escravo e no Ceará havia somente trabalho livre. Assim, pela hipótese da "Nova História do Capitalismo", a produção do Maranhão deveria ter crescido mais do que aquela do Ceará, no entanto, Thales Pereira pode observar que houve apenas uma diferença marginal nas produtividades das duas províncias, ou seja, o crescimento econômico não ocorreu simplesmente por exploração de mão de obra escrava, de modo que a escravidão não foi capaz de fomentar um capitalismo industrial, pelo contrário ela retardou o início da industrialização no Brasil. [5]

[1] WILLIAMS, Eric. Capitalismo & escravidão, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p.284

[2] WILLIAMS, Eric. Capitalismo & escravidão, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p.157, 68

[3] WILLIAMS, Eric. Capitalismo & escravidão, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p.286, 194

[4] HOBSBWAN, eric. A era das revoluções (1789-1804) , Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p.88

[5] Palma, Nuno Pedro G. and Papadia, Andrea and Pereira, Thales and Weller, Leonardo, Slavery and Development in Nineteenth Century Brazil (November 2020). CEPR Discussion Paper No. DP15495, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3753894



A difusão da bússola na Europa

 

Para Tales o ímã tinha alma porque podia mover o ferro. [1] Tales descreveu a propriedade de certos minérios de ferro tem de atrair pequenos pedaços de ferro, característica também mencionada por Platão e Lucrécio. Em 1269 Pedro Maricourt (Petrus Peregrinus) em Epístola sobre a bússula, mencionava uma bússula com agulha giratória.[2] George Sarton define a divulgação por Pedro de Maricourt um francês retornando das Cruzadas em 1269 em sua epístola de Magnete, como um dos marcos principais da história da ciência.[3] Jacques le Goff aponta que a difusão da bússola se observa somente após 1280[4]. Luís de Albuquerque aponta a carta Pisana de 1275 testemunha larga experiência de navegações feita com rumo magnético[5].  No século XII uma tradição atribui a Flavio Gioia da cidade de Amalfi na Itália como o primeiro a introduzir a bússola marítima na Europa.[6] Chiara Frugoni destaca que a informação de que Flávio Gioia teria inventado a bússola foi resultado de uma tradução equivocada, que teria posicionado uma vírgula fora de lugar, criando um personagem inexistente: “Em Amalfi, na Campânia, foi inventado o uso do magneto por Flávio, diz-se” quando na verdade o texto correto seria “Em Amalfi, na Campânia, foi inventado o uso do magneto, Flávio o diz” [7]. Na Inglaterra o monge Alexander Neckam em The Natures of things e De utensilibus mostra em 1180 as primeiras referências à bússola marítima.[8] Thomas de Catimpré em De natura rerum relata o uso da bússola pelos navegantes, assim como ímã são usados com propriedades mágicas bem como para detectar esposas infiéis. Roger Bacon por sua vez revela que muitos navegantes prefiriam não revelar o uso da bússola mantendo a técnica em segredo para não terem o risco de serem acusados de magia[9]. Há evidências de que os olmecas (1500-600 a.c) que viviam no sul do México conheciam material magnético usado em cerimoniais religiosos e que poderia ser usado como bússola, o que poderia justificar o exato alinhamento dos templos maias que viveram na mesma região de 1 a 900 dc.[10]



[1] RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental, Rio de Janeiro:Nova Fronteira,2016, p.23

[2] ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.9-10; KLEMM, Friedrich, A history of western technology, London:Ruskin House, 1959, p. 91

[3] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.190; HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.133; NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.286

[4] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 204

[5] ALBUQUERQUE, Luis. Introdução a história das descobertas portuguesas, Lisboa:Europa América, 1989, p. 55

[6] ALBUQUERQUE, Luís de. Ciência e experiência nos descobrimentos portugueses, Lisboa: Biblioteca Breve, 1983, p. 88; DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.290 https://en.wikipedia.org/wiki/Amalfi

[7] FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2007, p. 133

[8] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.II, Columbia University Press, 1923, p.190; STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.398; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.208

[9] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.II, Columbia University Press, 1923, p.388

[10] TERESI, Dick. Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.259



segunda-feira, 29 de março de 2021

O positivismo e a função social da propriedade

 

O termo “função social da propriedade” foi utilizado por Auguste Comte, em 1851, fundador da teoria positivista, onde condenou os excessos capitalistas e as utopias socialistas, defendendo uma função social da propriedade[1]: “O positivismo está duplamente empenhado em sistematizar o princípio da função social, que trata da natureza social da propriedade e sobre a necessidade de regulá-la”[2]. Para Auguste Comte o saber filosófico tem como alicerce as ciências positivas, baseada na aversão de quaisquer formas de conhecimento a prior, isto é, não resultantes da experiência. A filosofia coloca-se à serviço da ciência, cujos resultados deve unificar e completar. Para Comte “a noção de direito deve desaparecer do domínio político, com a noção de causa do domínio filosófico [...] O positivismo não admite nunca senão deveres de todos para com todos; pois que seu ponto de vista sempre social não pode comportar nenhuma noção de direito, constantemente fundada na individualidade”. [3] Segundo Ivan Lins: “Contrapondo-se ao laissez faire, desde os seus opúsculos iniciais e partindo do princípio, já citado, de que sendo social em sua formação, deve a riqueza ser também social em sua aplicação, considerava Comte a propriedade como uma função pública e não como um direito individual de usar e abusar. Daí propugnar por uma legislação do trabalho que protegesse o operário”.[4] A religião da humanidade proposta do Comte segundo Miguel Lemos “indica o estado de completa unidade do indivíduo e da sociedade quando todos os aspectos daquele e desta, tanto morais como físicos, convergem habitualmente para um destino comum”,[5] neste sentido Comte criou o termo “altruísmo” que significa “viver para outrem”.[6] O que determina se uma decisão deve ser tomada para o bem público é saber se ela está de acordo como a moral baseada na fraternidade universal.[7] Segundo Ângela Alonso: "O que distingue os positivistas das outras teorias cientificistas é um exacerbado senso de missão social de que se consideravam portadores e que orientava suas ações visando sempre o bem-estar coletivo [...] como uma ideologia modernizadora, moralmente orientada, que se opõe ao liberalismo [entendido como abstenção do Estado na vida econômica]". Eles "atuavam como uma vanguarda informada por uma filosofia da história, o comtismo, que lhes servia de guia moral e prático, que pretendia, através de reformas paulatinas, encurtar o caminho entre o atraso brasileiro e o estado positivo da humanidade." [8]

Coube ao francês Leon Duguit (na figura), sob influência positivista, desenvolver a tese de que o direito do proprietário é limitado pela missão social que possui. [9] Leon Duguit destaca o papel da sociologia jurídica, seguindo Émile Durkheim para o qual no plano metodológico, os fatos sociais devam ser estudados segundo os mesmos processos seguidos pelas ciências físico naturais, o que se integra a uma perspectiva positivista inspirada por Auguste Comte. Para León Duguit a solidariedade deve ser entendida como fundamento do Direito, ou seja, a interdependência entre os diferentes seres humanos. Suas conclusões não se fundamentam em qualquer metafísica, mas na base experimental que nos leva a concluir que a norma jurídica como toda normal social é o produto do fato social.[10] Na doutrina francesa Renouard e Nicolas Binctin destacam que uma criação tecnológica tem uma função muito importante quanto ao progresso social e ao bem estar, tal progresso deve beneficiar uma grande parte da população.[11] Segundo Leon Duguit: “A propriedade repousa exclusivamente na utilidade social e não deve existir senão na medida desta utilidade social. O legislador pode, portanto, aportar à propriedade individual todas as restrições para que cumpra as demandas sociais correspondentes. A propriedade não é um direito intangível sagrado, mas inspirada nas necessidades sociais as quais deve responder. Se chega um momento em que a propriedade já não corresponde a uma necessidade social, o legislador deve intervir para organizar uma outra forma de apropriação da riqueza”. [12]



[1] GRAU, Eros Roberto. Função Social da Propriedade (Direito econômico). Enciclopédia do Direito. vol. 39, p. 17-27, São Paulo: Saraiva, 1979

[2] COMTE, Auguste. Teoria Positivista: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989.

[3] Catecismo positivista. COMTE. Curso de filosofia positiva, São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 279

[4] LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil, Brasiliana, n.322, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1967, p.562

[5] MESQUITA, André Campos. Augusto Comte, sociólogo e positivista, São Paulo:Lafonte, 2013, p. 81

[6] MESQUITA, André Campos. Augusto Comte, sociólogo e positivista, São Paulo:Lafonte, 2013, p. 85

[7] JUNIOR, João Ribeiro. O que é positivismo. São Paulo:Brasiliense, 1982,. p.28

[8] ALONSO, Ângela. De positivismo e positivistas: interpretações do positivismo brasileiro. in Positivismo. Teoria e prática. Hélgio Trindade (org.), Porto Alegre, 2007, p. 171

[9] DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. São Paulo: Ícone, 1996

[10] REALE, Miguel Filosofia do direito, São Paulo:Saraiva, 1993, p.440



[11] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.41; RENOUARD, Augustin. Du droit industriel dans sés reports avec les principes du droit civil sur les personnes et sur les choses. Guillaumin, Paris, 1860, p.406

[12] DUGUIT, Léon. Traité de droit constitucionnel: v.3, Paris: Ancienne Librairie Fontemoing & Cia., 1923, p. 618 cf. SCUDELER, Marcelo. Patentes e sua função social. Piracicaba, 2006 Dissertação de mestrado do Programa de pós graduação em Direito, Universidade Metodista de Piracicaba.

domingo, 28 de março de 2021

Militarismo de Roma

 

Mary Beard mostra como o poderio do império romano pode se estabelecer devido a flexibidade com que as novas áreas conquistadas eram integradas: “O que se pode afirmar com certeza é que os romanos praticamente não fizeram nenhuma tentativa, mesmo durante essa fase mais tranquila de controle imperial [Pax Romana], de impor suas normas culturais ou erradicar as tradições locais”[1], tendo como exceção os druidas na Britânica acusados de sacrifícios humanos e os cristãos. Em alguns casos as próprias áreas invadidas solicitavam a Roma a intervenção como é o caso da cidade de Teos que solicitou ao imperador romano que invadisse a cidade anexando-a ao Império de modo a dar maior tranquilidade a sua população contra o rei local[2]. Os inimigos de Roma contudo contestam o projeto imperial romano pacífico. Segundo Tácito, referindo-se ao poder romano na Britânia: “eles criam a desolação e chamam isso de paz” “solitudinem faciunt, pacem appellant”[3]. Mary Beard, porém, observa que os povos conquistados eram tão militaristas quanto Roma.[4] Tito Lívio destaca que as boas relações com as províncias invadidas foram a chave para a dinâmica da expansão romana em seus primórdios. Tácito observa que a maneira como muitas províncias se aculturavam e adotavam as tradições romanas acaba servindo aos interesses de Roma: “Eles, em sua ignorância, davam a isso o nome de civilização, mas na realidade era parte de sua escravização” (humanitas vocabatur, cum pars servitutis esset).[5] Em muitas províncias eram estendidos os direitos de cidadania romana aos nascidos na região, incluindo o direito de voto: “isso preparou o terreno para um modelo de cidadania e de pertencimento que teve enorme importância para as ideias romanas de governo, direitos políticos e etnicidade e nacionalidade. Esse modelo foi logo estendido ao exterior e acabou sustentando o Império Romano”.[6] O imperador Septímio Severo tinha origem no território romano na África. Trajano e Adriano eram da província romana da Espanha.[7] Esse processo culminou em 212 quando Caracala transformou todo habitante livre do Império em cidadão romano, de modo que mais de 30 milhões de habitantes das províncias tornaram-se legalmente cidadãos romanos. [8]



[1] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 481

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 192

[3] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 504

[4] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 20

[5] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 486

[6] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 163

[7] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 69, 515

[8] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 68



Espártaco buscava o fim da escravidão ?

 

Segundo Moses Finley uma proporção significativa da atividade industrial e comercial em Roma era executada por escravos.[1] Embora o cinema em filmes como Espártaco tenha difundido a imagem de rebelião de escravos contra a escravidão, toda a evidência da Roma Antiga sugere que a escravidão era vista como uma instituição aceita como inevitável, até mesmo pelos escravos. Espártaco e seus companheiros possivelmente lutavam pela sua liberdade, mas não pelo fim da escravidão.[2] As grandes áreas agrícolas conhecidas como latifundium cultivadas por escravos em larga escala, foi uma inovação que foi fundamental para expansão da economia romana[3]. E foi nos latifundia romanos com os ergastulas, prisões de escravos rebeldes e cativos de guerras, em que houve o maior progresso com máquinas agrícolas: “o trabalho escravo especializado na Antiguidade era tão bom como quaisquer outros: vê-se isso claramente na cerâmica fina, no trabalho em metal ou nos edifícios monumentais”.[4] As pinturas de vasos de Atenas dos séculos VI e V a.c. assinadas por Colquídio ou “o Cita” certamente referem-se a escravos. Cólquidios é o nome antigo da região e dos povos negros naturais da Russia no oeste do Cáucaso, localizada ao longo da costa oriental do Mar Negro. Público Cipião ao buscar votos no século II a.c. ao se deparar com um trabalhador brincou: “Meu Deus, você por acaso anda com as mãos ?“ o que lhe valeu perder a eleição, como sinal de que o respeito ao trabalho braçal era um valor da sociedade. [5]



[1] FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga, São Paulo:Martins Fontes, 2013, p.142

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 244

[3] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 63

[4] FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga, São Paulo:Martins Fontes, 2013, p. 218

[5] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 189



A Escola de Minas de Ouro Preto

 

José Murilo de Carvalho mostra que as primeiras iniciativas da siderurgia no período colonial datam de Eschwege em Congonhas do campo em 1812, João Monlevade em Caeté em 1817, a fábrica de Ipanema de Varnhagen de 1810 e a de Gaspar Soares em Minas Gerais por Manuel da Câmara em 1808. Depois destes pioneiros seguiu-se um interregno de cerca de sete décadas até que fundação da Escola de Minas de Ouro Preto em 1876. José Murilo de Carvalho explica tal declínio pela decadência da atividade mineradora e ascensão do café. Paralelemente a estes fatores José Murilo de Carvalho, ao contrário de argumento defendido por Maria Odila[1], entende que houve também uma descontinuidade entre a ilustração brasileira ao final do primeiro reinado e a geração de 1870 sob influência do cientificismo positivista. Tal descontinuidade se reflete na ausência de produção cientifica neste período intermediário[2] A grande obra de geologia até a criação da Comissão Geológica do Império, ainda era o Pluto brasiliensis de Eschwege publicado em 1833. A Comissão Geológica do Império foi uma expedição realizada entre 1875 e 1878 sob coordenação do geólogo Charles Frederick Hartt, que percorreu o Nordeste e Norte coletando um vasto acervo geológico posteriormente incorporado ao Museu Nacional. Um dos geólogos da Comissão Oliver Derby declarou em 1883 que “os últimos dez ou quinze anos testemunharam um marcante despertar no Brasil da importância da pesquisa científica”.[3] A Escola de Minas de Ouro Preto foi patrocinada pelo imperador Pedro II que em visita a Academia de Ciências de Paris em 1875 contratou a vinda do mineralogista Claude Henri Gorceix que trabalhou até 1891 como seu primeiro diretor. Uma dos primeiros problemas enfrentados foi o próprio recrutamento dos alunos uma vez que apenas a Politécnica, Escola Militar e a Academia da Marinha tinha condições de  preparar os alunos para o concurso de admissão da Escola de Minas de Ouro Preto.[4] Em contraste com um ensino baseado no desenvolvimento das capacidades de memória e retórica Henri Gorceix tinha o foco na criatividade e pesquisa científica com intensos trabalhos práticos e de laboratório: “o tempo das discussões frívolas sobre palavras e teorias, simples especulações do espírito, legadas pela Idade Média, das quais há muito o velho mundo desembaraçou-se, já passou”. [5] Outra característica inovadora da Escola de Minas de Ouro Preto era o tempo integral dos professores e alunos em contraposição à reforma de Leôncio de Carvalho que previa a frequência livre. O positivismo teve mínima influência na Escola de Minas de Ouro Preto. Segundo José Murilo de Carvalho: “Dificilmente se poderia dizer que havia uma demanda efetiva por geólogos e engenheiros de minas na economia exportadora e escravocrata de 1876. A criação da Escola foi, antes de tudo, um ato de vontade política, orientado em boa parte por motivos de natureza antes ideológica do que econômica. Embora os efeitos deste voluntarismo tenham sido restringidos pelas limitações ao nível da economia, não há dúvida de que eles se fizeram sentir e tiveram um impacto no próprio desenvolvimento econômico e tecnológico do país”. [6] José Murilo de Carvalho mostra que as possibilidades de emprego dos formados eram reduzidas, sendo a maioria seguindo carreira no ensino. Até 1873 o governo tinha concedido apenas três patentes em mineração, um retrato da virtual inexistência da pesquisa tecnológica no setor. As maiores mineradoras eram inglesas que não contratavam engenheiros brasileiros. Uma exceção a esta regra foi a contratação pela Companhia de Morro Velho em 1884 de Francisco de Paula Oliveira, após a intervenção direta de Henri Gorceix.[7]

[1] ODILA, Maria. Aspectos da ilustração no Brasil, Revista do Instituto Histórico e geográfico Brasileiro, n.278, 1968

[2] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.19

[3] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.23

[4] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.41

[5] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.72

[6] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.2

[7] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.84



O positivismo e o atraso na institucionalização das ciências no Brasil

 

O papel do positivismo na construção da ciência no país tem sido destacado pela histografia mais recente a partir dos estudos de autores como, por exemplo, de Roque Spencer de Barros e Ângela Alonso, uma vez que tradicionalmente os autores tendiam a minimizar influência positivista pelos seus aspectos religiosos o que o afastaria do ethos científico. Antonio Cândido destaca o período de 1870 como de “renovação mental” e com a intensificação dos estudos de ciências naturais: “parece-nos que semelhante movimento não estará sem correspondência, nem é ocasionalmente que coincide com as primeiras tentativas da burguesia de tomar a si a direção econômica e política da Nação”.[1] Para Roque Spencer de Barros o Brasil no século XIX especialmente após 1870 com o ocaso do império criou-se um movimento de ilustração de forma semelhante ao iluminismo europeu do século XVIII: “a nossa ilustração guardou a crença absoluta no poder das ideias, a confiança total na ciência e a certeza de que a educação intelectual é o único caminho legítimo para melhorar os homens, para dar-lhes inclusive um destino moral”. Nesse sentido, o positivismo fornecia uma filosofia da história a servir como guia de ação para esta intelectualidade.[2] João Camilo de Oliveira Torres argumenta que o positivismo surgiu no Brasil para preencher uma lacuna no campo das ideias e que ganhou espaço dentro nos cursos de engenharia das escolas militares e escola Politécnica [3]. José Murilo de Carvalho aponta que no Brasil o positivismo tinha uma tendência para especulações filosóficas ao invés da pesquisa científica. Um exemplo da influência negativa do positivo é o de um professor de eletricidade formado na Politécnica do Rio de Janeiro que não acreditava em eletromagnetismo pois segundo Comte não seria possível conhecer a estrutura as estrelas.[4] Luiz Otávio Ferreira mostra que o positivismo está ligado ao ensino das engenharias civil e militar no Brasil o que revela a historiografia destacou como um suposto desprezo pelas “ciências desinteressadas”. Um artigo de Otto de Alencar de 1896 membro da Sociedade Positivista “Alguns erros matemáticos da Síntese Subjetiva de Augusto Comte” denuncia limitações teóricas da matemática comtiana. Em 1918 Amoroso Costa aprofunda a crítica de Otto de Alencar e demonstra a esterilidade do conceito de ciência em Comte que teria atingido seu ápice no século XVIII.[5]

Para Erno Paulinyl o radicalismo em defesa da ciência pura da Sociedade Brasileira da Ciência foi uma reação contra o positivismo comtiano dos engenheiros defensores de uma ciência aplicada. Luiz Otávio, por sua vez, entende que ação dos cientistas da Academia como uma estratégia para se diferenciar dos engenheiros e construir um novo tipo de intelectual: o científico puro. Segundo Luiz Otávio: “A história da construção de uma tradição positivista no Brasil está intimamente relacionada com o ensino de engenharia durante o Império”. Otto de Alencar (1901) e Amoroso Costa (1918) viriam a escrever trabalhos importantes contestando a lógica comtiana na matemática, revelando assim o anacronismo científico da obra de Auguste Comte, rompendo com a mentalidade pragmática dos positivistas e abrindo caminho para a defesa da “ciência desinteressada”. Entre os artigos de Oto de Alencar destaca-se Quelques erreurs de Comte publicado no Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais  reeditado em 1900.[6] Amélia Hamburguer, por sua vez, discorda de muitos historiadores que entendem que o positivismo se afastava da verdadeira ciência ou mesmo que foi o responsável pelo atraso científico no país. Para a autora, que faz a análise de algumas teses defendida nas Escola Militar, Escola Politécnica e Faculdades de Medicina da Bahia e no Rio de Janeiro deve-se considerar o que significava ciência na época: “o positivismo de Auguste Comte se difundiu no Brasil não apenas como um sistema filosófico mas adquiriu foros de teoria científica, sendo reconhecido em nossas escolas profissionais. Como sistema era defendido por um número relativamente pequeno de profissionais, mas esteve perfeitamente integrado ao conjunto das teorias reconhecidas no país até o final do século XIX”.[7] A influência positivista foi um dos fatores que retardou a criação de uma universidade no Brasil. Para Comte o Estado deve renunciar a todo sistema completo de educação geral, e nesse sentido, Miguel Lemos, denuncia em 1891 as propostas de criação de uma universidade no Brasil como “extravagantes”: “a fundação de uma universidade só teria como resultado estender e dar maior intensidade às deploráveis pretensões pedantocráticas da nossa burguesia, cujos filhos abandonam as demais profissões, igualmente úteis e honrosas, para só preocupar-se com a aquisição de um diploma qualquer”.[8] Para Miguel Lemos: “No momento presente, o governo deveria suprimir todo o ensino oficial chamado superior e secundário, deixando-o entregue à livre iniciativa particular”.[9] O positivista Teixeira Mendes anatematiza a universidade como “fábrica de doutores” tendo em vista que “a ciência oficializada não presta”. Para Comte a universidade como expressão da Igreja em uma era medieval não seria a instituição apropriada para a era positiva da ciência. [10] Para Angela Alonso[11] a geração de 1870 deve ser compreendida a partir de um marco analítico que destaque a experiência compartilhada de seus membros, ou seja, não havia nestes grupos um interesse propriamente "intelectual", mas antes uma ação coletiva animada por um profundo desejo de intervenção política. A atuação do grupo não pode ser vista como revolucionária, e sim reformista, pois a maioria dos seus membros demandava reformas estruturais na ordem imperial, e não sua supressão. Será desta burguesia formada por militares, médicos e engenheiros que irá surgir o movimento positivista no Brasil.[12] Os positivistas se colocavam numa intransigente defesa contra todo o tipo de privilégios sejam filosóficos, científicos, artísticos, clínicos ou técnicos e em um constante esforço para a completa liquidação dos privilégios e monopólios.[13]

[1] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 82

[2] BARROS, Roque Spencer. A ilustração brasileira e a ideia de universidade, São Paulo:Ed. Convivio, 1986, p. 7-24

[3] TORRES, João Camilo. O positivismo no Brasil, Brasília: Câmara dos Deputados, 2018, p.37

[4] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.77

[5] FERREIRA, Luiz Otávio. O ethos positivista e a institucionalização das ciências no Brasil. Antropologia brasiliana, Ciência e educação na obra de Edgar Roquette Pinto. Rio de Janeiro: Ficocruz, 2008

[6] MOURÃO, Ronaldo Freitas. Dicionário Enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 737

[7] HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia; PETY, Michel; PETITJEAN, Patrick. A ciência nas relações Brasil-França, São Paulo:USP, 1996, p.49-63

[8] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.396; COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 187

[9] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 251

[10] TORRES, João Camilo. O positivismo no Brasil, Brasília: Câmara dos Deputados, 2018, p.224

[11] ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002

[12] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 128

[13] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 252, 274



Reforma agrária de Graco

 

Com a reforma da propriedade rural por Tiberio Graco em 133 a.c. distribuindo lotes de terras públicas ao spobres durante o período de crise da República formou-se as bases para formação de uma classe média de pequenos proprietários rurais.[1] Estas terras, recém conquistadas pelos romanos, até então eram distribuídas entre os romanos ricos. Mary Beard que talvez a motivação de Tibério seja o rancor que nutriu contra o Senado desde que ele se recusara a ratificar um tratado que ele negociara quando servia na Espanha[2].  O irmão de Tibério, Caio apresentou um plano de reformas ainda mais radical.[3] Segundo Mary Beard: “A reforma agrária de Tibério Graco, por mais popular que possa ter sido para os pobres romanos, foi uma provocação para os italianos ricos, cujas terras públicas foram retiradas, e também excluiu os italianos pobres das distribuições”.[4] No entanto Perry Anderson observa que mesmo nessa época nunca houve na República romana uma reforma agrária duradoura ou significativa a ponto de reverter a polarização social da propriedade da terra a despeito da constante turbulência entre os trabalhadores do campo[5]. Na agricultura com a reforma agrária de Tibério Graco em 133 a.c. o Estado romano previa a ager publicus[6] ou pascua publica[7], o domínio público do estado, terras que pertenciam coletivamente ao povo romano, que poderiam ser ocupadas mediante um pagamento anual[8], as quais cabia ao Senado e magistrados administrar este patrimônio coletivo[9].

[1] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.97

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 221

[3] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 212

[4] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 231

[5] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 59

[6] FLORENZANO, Maria Beatriz. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 65

[7] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 125

[8] ONCKEN, Guilhermo. História Universal – História de Grécia e Roma, Francisco Alves:Rio de Janeiro, v.IV, p.631; GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 51

[9] CORASSIN, Maria Luiza. A reforma agrária na Roma Antiga, Coleção Tudo é história n.122, SãoPaulo:Brasiliense, 1988, p. 29



sábado, 27 de março de 2021

Profecia no Egito Antigo

 

Segundo Guilherme Oncken os sacerdotes egípcios dominavam a “linguagem dos deuses” estabelecendo uma separação completa entre o profano e o sagrado: “a consequência disto era o vulgo não saber o que significavam a ciência e a religião, que a tradição transmitira e cujas formas seguia com supersticiosa exatidão, ao passo que o sacerdócio se separava cada vez do povo e vivia num mundo quimérico, cujos fantásticos ideais não podiam nunca ser postos em prática”.[1] Byron Shafer mostra que o acesso às forças ocultas podia se dar por meio de sonhos alguns dos quais registrados em livros dos Sonhos como os de Hor de Sebannytos do século II a.c.[2] Hor de Sebannytos foi um profeta de grande prestigio por ter profetizado com sucesso ao imperador Ptolomeu VI a retirada dos selêucidas e seu imperador Antioco IV do Egito o que de fato veio a ocorrer apenas um mês após sua profecia.[3] A interpretação dos sonhos era uma prática importante uma parte de heka, ou magia, como praticada no Egito. A profecia de Neferti da época de Amenemhat I previu acontecimentos terríveis no final do Antigo Império.[4] Flavio Josefo em Contra Apion se refere a relato do historiador Manetho de que o faraó Amenophis (possvivelmente Amenophis IV 1364-1347 a.c.) desejava se trnar “observador dos deuses” e consultou um porfeto chamado Amenophis conhecido por sua habilidade de prever o futuro.[5] O templo de Amun, chamado Umm Ubayd, era o local do famoso oráculo no oásis de Siwa. Em 332 a.c. Alexandre o Grande foi saudado como faraó pelo oráculo quando visitou o oásis. O general de Esparta Lisandro, o poeta Píndaro e o geógrafo grego Strabo visitaram Siwa para assistir a cerimônias com os oráculos egípcios. A estátua do deus se movia em seu pedestal moveu ao responder as perguntas indicando uma resposta positiva ou negativa conforme o movimento. Em alguns centros de culto, as estátuas "falavam" aos fiéis, pois os sacerdotes podiam estar escondidos dentro do santuário e poderia fornecer uma resposta abafada, mas audível.[6] Nos festivais religiosos no Egito eram usados artifícios mecânicos de modo que as estátuas dos deuses pudessem fazer movimentos tais com virar os olhos ou movimentar as mãos e os pés.[7] Athanasius Kircher se refere a alguns destes engenhos mecânicos dos egípcios[8]. O Louvre guarda exemplo de uma estátua falante, uma cabeça de chacal cuja mandíbula inferior era móvel em que através de um barbante podia-se fechar sua boca.[9]

[1] ONCKEN, Guilherme. História Universal. História do Antigo Egito, v.I, Rio de Janeiro:Bertrand, p.304

[2] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 210

[3] BUNSON, Margaret. Encyclopedia of Ancient Egypt, New York:Facts on File, 2002, p. 171

[4] SHAFER, Byron. As religiões no Antigo Egito, São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 209

[5] LUCK, Georg. Arcana Mundi: magic and the occult in the Greek and roman worlds, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006, p.8

[6] BUNSON, Margaret. Encyclopedia of Ancient Egypt, New York:Facts on File, 2002, p. 288

[7] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 208

[8] YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética, São Paulo:Cultrix, 1995, p. 461, 464

[9] MONTET, Pierre. O Egito no tempo de Ramsés: a vida cotidiana, Sâo Paulo:Cia das Letras, 1989, p.294




Estradas romanas

Apesar do pouco apreço pelas elaborações filosóficas gregas, os romanos destacavam-se pelo seu interesse em engenharia na construção de aquedutos, fortalezas, estradas e pontes se destacaram em relação aos gregos. As estradas romanas do século II a.c se diferenciavam entre as viae glarea stratae – ruas de cascalho calcado e as viae silice stratae – ruas de pedra. [1] A proposta das estradas romanas era garantir durabilidade de modo que não necessitasse de manutenção periódica[2]. A via Ápia possivelmente a tecnologia usada tinha origem etrusca.[3] Os romanos aprendem dos italianos do sul a técnica de usar pozzolana sobre uma ou duas camadas de cascalho.[4] No século IV Constantino escreve: “Necessitamos de tantos engenheiros quanto é possível obter”. Dionísio de Helicarnasso no século V d.c. confirma a análise de Estrabão: “a extraordinária grandeza do Império Romano se manifesta acima de tudo em três coisas: os aquedutos, as estradas pavimentadas e a construção de sistema de esgoto”[5]. Marc Bloch observa que as estradas romanas foram construídas menos solidamente do que se supõe e sua deterioração se dava por falta de manutenção.[6] Em campo aberto as estradas eram retas como a Fossa Way na região rural de Simerset[7], o que exigia um trabalho de topografia com uso de quadrates, a groma e uma espécie de prumo o chorobate, usado para traçar o perfil do terreno. Vitruvius descreve um engenhoso mecanismo formado por engrenagens usado como hodômetro para contagem da distância percorrida pelas carruagens, conhecido como taxicab.[8] Entre as estradas romanas destaca-se a Via Appia (na figura), também chamada regina viarum (rainha das estradas)[9] na Itália meridional que ligava Roma a Capua e depois até Brindisi e que foi construída em 312 a.C. por Ápio Cláudio Cego [Appius Claudius Caecus] usando cascalho.  Outras estradas romanas incluíam a Via Latina na Italia meridional, Via Salaria entre Sabina e o Adriático, Via Clodia no mar Tirreno, via Flaminia na Úmbria, Via Aurelia na Liguria, via Cassia na Etrúria, Via Valeria na Itália Central, via Postumia entre Genova e Aquileia e a Via Aemilia entre Rimini e Placencia. Nas províncias encontramos a Via Domitia na Gália e a Via Egnatia na Macedônia[10].



[1] READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.101

[2] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 198

[3] FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 144

 [4] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.270, 112

 [5] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 237

[6]  BLOCH, Marc. A sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.82

[7] Time Life. Roma: ecos da glória imperial, Rio de Janeiro:Abril, 1998, p. 152

[8] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.36; USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p.197; Ancient Roman Taxi Meters - Ancient Inventions , 2013 https://www.youtube.com/watch?v=mJr5KhGehpI

[9] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 274

[10] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 107, 131




sexta-feira, 26 de março de 2021

Panteão de Roma

 

Uma construção que usa o concreto pozzolana romano é o Panteão de Roma com sua cúpula de 43,4 metros encomendado por Marco Agripa e reconstruído por Adriano por volta de 126 d.c  Adriano, contudo não reivindicou a reconstrução como uma de suas obras, e reutilizou o texto da inscrição original na nova fachada onde consta em letras de bronze o nome de Marco Agripa. As doze colunas de granito utilizadas no pórtico cada uma pesando 60 toneladas foram obtidas em Monte Claudiano, no Egito romano. As colunas foram esculpidas a partir de um único bloco de granito cinza egípcio. Cada uma das colunas foi arrastada por mais de 100 quilômetros da pedreira até o rio Nilo em trenós de madeira e transportadas em barcaças durante a cheia da primavera, quando o nível da água estava mais alto até os portos no Mediterrâneo, onde foram embarcadas em navios para a viagem até o porto romano de Óstia para depois seguirem novamente em barcaças, para Roma pelo rio Tibre.[1]



[1] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 495

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Pante%C3%A3o_(Roma)



Roma se curva à Grécia

 

Cesare Cantu contesta o argumento de que os romanos pouco se interessavam por filosofia e se baseia no argumento de Vico de que a língua latina possui diversas expressões que denotam seu sistema metafísico, de física e de moral. Outro elemento que aponta para um interesse em temas filosóficos é o avanço na jurisprudência e no direito romano que se funda em princípios muito mais antigos reunidos mais tarde na legislação das Doze Tábuas (450 a.c): “não temos pois, diante de nós, uma filosofia de escola, como na Grécia e na Alexandria; a filosofia romana é inteiramente prática, dirigida pela ciência da vida”.[1] Os versos de Horácio (na figura) (Orazio, Epistole, Il, 1, 156)[2] relembram constantemente que embora Roma tenha vencido a Grécia pelas armas, mas que se curvou à cultura helênica: Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio – A Grécia vencida conquistou, por sua vez, seu selvagem vencedor e trouxe a civilização ao rústico Lácio[3]. Numa carta de Plínio enviada a seu amigo Máximo que viajara à Grécia ele destaca “Demonstra respeito para com a Antiiguidade de sua cultura e seus grandes feitos, porém não menos com seus mitos. Tem sempre presente, além disso, que é o país que nos ensinou a Lei e o Direito, que não impusemos leis a esse povo depois de vencido, antes, ao contrário, foi ele que nos deu as suas depois que o pedimos”.[4]



[1] CANTU, Cesare. História Universal, v. IV, São Paulo:Editora das Américas, 1958, p.183

[2] https://it.wikipedia.org/wiki/Graecia_capta_ferum_victorem_cepit

[3] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 490

[4] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 168



quinta-feira, 25 de março de 2021

O oráculo da serpente Glycon

 

A vontade dos deuses era conhecida pelos augures romanos consultando-se as vozes da natureza, de modo que qualquer perturbação desta ordem era considerada um sinal nefasto de tal modo que as assembleias municipais deviam suspender suas sessões tão logo relampejasse ou trovejasse.[1] Um espelho de bronze de Vulceios datado de 400 a.c. mostra um haruspice etrusco que examina o fígado de uma vítima,[2] uma atividade correlacionada com a análise de fenômenos naturais como trovoadas.[3] Os sacerdotes árbitros destas questões eram eleitos pelo colégio de intérpretes dos livros sibilinos, escolhidos entre os representantes plebeus.[4] O senado romano segundo relato do poeta Luciano em seu poema A Guerra Civil consultou o grande arúspice etrusco Arunte para uma consulta. Um touro foi sacrificado para se consultar suas entranhas, que ao ser degolado espirrou um líquido denso e esverdeado, prenúncio de uma desgraça iminente, o que veio a ocorrer com a guerra civil que se instaurou logo depois entre Cesar e Pompeu, que acabou com a República e deu origem ao Império. Luciano, contudo, escreveu esta estória depois dos fatos.[5] Segundo Mario Giordani o exame de entranhas de animais era uma prática de origem etrusca que teri sido introduzida em Roma na crise motivada pela Segunda Guerra Púnica (218 a.C. – 201 a.C) quando foram consultados harúspices provenientes da Etrúria para saber os destinos da guerra. O prestígio dos oráculos em Roma era enorme com consultas feitas por ordem do Senado e através dos ofícios de um sacro colégio de sacerdotes.[6] Em Roma a presença de tais oráculos era uma mostra da tolerância cultural com as tradições gregas. Lucino ridiculariza como fraude um oráculo na Bitínia na forma de serpente chamada Glycon representação do deus Asclépio com cabeça humana, que chegou a atrair a atenção do imperador Marco Aurélio.[7] Luciano se refere aos artifícios de mágica usados pro Alexandre de Abonuteichus de modo a impressionar os crédulos que colocavam suas perguntas ao oráculo em envelopes lacrados. Alexandre tinha um artifício para abrir tais envelopes, acrescentar o que seria resposta do oráculo sem que o fiel percebesse, recompondo o selo lacrado.[8] Uma moeda em bronze cunhada por Antonino Pio representa o oráculo da serpente Glycon.



[1] ONCKEN, Guilhermo. História Universal – História de Grécia e Roma, Francisco Alves:Rio de Janeiro, v.IV, p.600

[2] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.254

[3] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.143; ROSS, Norman. The epic of man, Life Magazine, 1962, p. 170

[4] BLOCH, Leon. Lutas sociais na Roma Antiga, Lisboa:Pub. Europa America, 1956, p.81

[5] DEARY, Terry. Terríveis romanos. São Paulo:Melhoramentos, 2002, p. 25

[6] HADAS, Moses. Roma Imperial, Biblioteca de História Universal Life, Rio de Janeiro: José Olympio, 1969, p. 133

[7] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 471

[8] LUCK, Georg. Arcana Mundi: magic and the occult in the Greek and roman worlds, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006, p.71



Bar dos sete sábios em Óstia

 

Charles Singer aponta a filosofia romana do estoicismo e o apreço pela retórica, a aceitação resignada do destino regido por forças dos astros, como as razões para o desprezo dos romanos pelas questões científicas.[1] Mary Beard destaca que nos grafiti encontrados em banheiros no “Bar dos sete sábios” no porto de Óstia se observa inscrições como “Tales aconselha aqueles que cagavam muito a realmente se empenharem nisso” o que revela o conhecimento do povo do sábio grego “se Tales de Mileto não significasse absolutamente nada, então o conselho sobre defecação dificilmente teria alguma graça. Para fazer um comentário sarcástico contra as pretensões da vida intelectual, você precisava ter algum conhecimento a respeito dela”.[2] No texto atribuído a Higino Fabulae, CCXXI, Os Sete Homens Sábios, os sete sábios são: Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene. Plutarco em Moralia, O jantar dos sete homens sábios lista os sete sábios como Tales, Bias, Pítaco, Solon, Quílon, Cleóbulo e Anacarses. Platão, no diálogo intitulado Protágoras, expõe a seguinte lista: Tales, Pítacos, Bias, Solon, Cleóbulo, Mison e Quílon.



[1] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.7, 82

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 464

[3] https://manuelcohen.photoshelter.com/image/I00005.baKT6VEvo



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...