segunda-feira, 29 de março de 2021

O positivismo e a função social da propriedade

 

O termo “função social da propriedade” foi utilizado por Auguste Comte, em 1851, fundador da teoria positivista, onde condenou os excessos capitalistas e as utopias socialistas, defendendo uma função social da propriedade[1]: “O positivismo está duplamente empenhado em sistematizar o princípio da função social, que trata da natureza social da propriedade e sobre a necessidade de regulá-la”[2]. Para Auguste Comte o saber filosófico tem como alicerce as ciências positivas, baseada na aversão de quaisquer formas de conhecimento a prior, isto é, não resultantes da experiência. A filosofia coloca-se à serviço da ciência, cujos resultados deve unificar e completar. Para Comte “a noção de direito deve desaparecer do domínio político, com a noção de causa do domínio filosófico [...] O positivismo não admite nunca senão deveres de todos para com todos; pois que seu ponto de vista sempre social não pode comportar nenhuma noção de direito, constantemente fundada na individualidade”. [3] Segundo Ivan Lins: “Contrapondo-se ao laissez faire, desde os seus opúsculos iniciais e partindo do princípio, já citado, de que sendo social em sua formação, deve a riqueza ser também social em sua aplicação, considerava Comte a propriedade como uma função pública e não como um direito individual de usar e abusar. Daí propugnar por uma legislação do trabalho que protegesse o operário”.[4] A religião da humanidade proposta do Comte segundo Miguel Lemos “indica o estado de completa unidade do indivíduo e da sociedade quando todos os aspectos daquele e desta, tanto morais como físicos, convergem habitualmente para um destino comum”,[5] neste sentido Comte criou o termo “altruísmo” que significa “viver para outrem”.[6] O que determina se uma decisão deve ser tomada para o bem público é saber se ela está de acordo como a moral baseada na fraternidade universal.[7] Segundo Ângela Alonso: "O que distingue os positivistas das outras teorias cientificistas é um exacerbado senso de missão social de que se consideravam portadores e que orientava suas ações visando sempre o bem-estar coletivo [...] como uma ideologia modernizadora, moralmente orientada, que se opõe ao liberalismo [entendido como abstenção do Estado na vida econômica]". Eles "atuavam como uma vanguarda informada por uma filosofia da história, o comtismo, que lhes servia de guia moral e prático, que pretendia, através de reformas paulatinas, encurtar o caminho entre o atraso brasileiro e o estado positivo da humanidade." [8]

Coube ao francês Leon Duguit (na figura), sob influência positivista, desenvolver a tese de que o direito do proprietário é limitado pela missão social que possui. [9] Leon Duguit destaca o papel da sociologia jurídica, seguindo Émile Durkheim para o qual no plano metodológico, os fatos sociais devam ser estudados segundo os mesmos processos seguidos pelas ciências físico naturais, o que se integra a uma perspectiva positivista inspirada por Auguste Comte. Para León Duguit a solidariedade deve ser entendida como fundamento do Direito, ou seja, a interdependência entre os diferentes seres humanos. Suas conclusões não se fundamentam em qualquer metafísica, mas na base experimental que nos leva a concluir que a norma jurídica como toda normal social é o produto do fato social.[10] Na doutrina francesa Renouard e Nicolas Binctin destacam que uma criação tecnológica tem uma função muito importante quanto ao progresso social e ao bem estar, tal progresso deve beneficiar uma grande parte da população.[11] Segundo Leon Duguit: “A propriedade repousa exclusivamente na utilidade social e não deve existir senão na medida desta utilidade social. O legislador pode, portanto, aportar à propriedade individual todas as restrições para que cumpra as demandas sociais correspondentes. A propriedade não é um direito intangível sagrado, mas inspirada nas necessidades sociais as quais deve responder. Se chega um momento em que a propriedade já não corresponde a uma necessidade social, o legislador deve intervir para organizar uma outra forma de apropriação da riqueza”. [12]



[1] GRAU, Eros Roberto. Função Social da Propriedade (Direito econômico). Enciclopédia do Direito. vol. 39, p. 17-27, São Paulo: Saraiva, 1979

[2] COMTE, Auguste. Teoria Positivista: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989.

[3] Catecismo positivista. COMTE. Curso de filosofia positiva, São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 279

[4] LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil, Brasiliana, n.322, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1967, p.562

[5] MESQUITA, André Campos. Augusto Comte, sociólogo e positivista, São Paulo:Lafonte, 2013, p. 81

[6] MESQUITA, André Campos. Augusto Comte, sociólogo e positivista, São Paulo:Lafonte, 2013, p. 85

[7] JUNIOR, João Ribeiro. O que é positivismo. São Paulo:Brasiliense, 1982,. p.28

[8] ALONSO, Ângela. De positivismo e positivistas: interpretações do positivismo brasileiro. in Positivismo. Teoria e prática. Hélgio Trindade (org.), Porto Alegre, 2007, p. 171

[9] DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. São Paulo: Ícone, 1996

[10] REALE, Miguel Filosofia do direito, São Paulo:Saraiva, 1993, p.440



[11] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.41; RENOUARD, Augustin. Du droit industriel dans sés reports avec les principes du droit civil sur les personnes et sur les choses. Guillaumin, Paris, 1860, p.406

[12] DUGUIT, Léon. Traité de droit constitucionnel: v.3, Paris: Ancienne Librairie Fontemoing & Cia., 1923, p. 618 cf. SCUDELER, Marcelo. Patentes e sua função social. Piracicaba, 2006 Dissertação de mestrado do Programa de pós graduação em Direito, Universidade Metodista de Piracicaba.

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