quinta-feira, 25 de março de 2021

O oráculo da serpente Glycon

 

A vontade dos deuses era conhecida pelos augures romanos consultando-se as vozes da natureza, de modo que qualquer perturbação desta ordem era considerada um sinal nefasto de tal modo que as assembleias municipais deviam suspender suas sessões tão logo relampejasse ou trovejasse.[1] Um espelho de bronze de Vulceios datado de 400 a.c. mostra um haruspice etrusco que examina o fígado de uma vítima,[2] uma atividade correlacionada com a análise de fenômenos naturais como trovoadas.[3] Os sacerdotes árbitros destas questões eram eleitos pelo colégio de intérpretes dos livros sibilinos, escolhidos entre os representantes plebeus.[4] O senado romano segundo relato do poeta Luciano em seu poema A Guerra Civil consultou o grande arúspice etrusco Arunte para uma consulta. Um touro foi sacrificado para se consultar suas entranhas, que ao ser degolado espirrou um líquido denso e esverdeado, prenúncio de uma desgraça iminente, o que veio a ocorrer com a guerra civil que se instaurou logo depois entre Cesar e Pompeu, que acabou com a República e deu origem ao Império. Luciano, contudo, escreveu esta estória depois dos fatos.[5] Segundo Mario Giordani o exame de entranhas de animais era uma prática de origem etrusca que teri sido introduzida em Roma na crise motivada pela Segunda Guerra Púnica (218 a.C. – 201 a.C) quando foram consultados harúspices provenientes da Etrúria para saber os destinos da guerra. O prestígio dos oráculos em Roma era enorme com consultas feitas por ordem do Senado e através dos ofícios de um sacro colégio de sacerdotes.[6] Em Roma a presença de tais oráculos era uma mostra da tolerância cultural com as tradições gregas. Lucino ridiculariza como fraude um oráculo na Bitínia na forma de serpente chamada Glycon representação do deus Asclépio com cabeça humana, que chegou a atrair a atenção do imperador Marco Aurélio.[7] Luciano se refere aos artifícios de mágica usados pro Alexandre de Abonuteichus de modo a impressionar os crédulos que colocavam suas perguntas ao oráculo em envelopes lacrados. Alexandre tinha um artifício para abrir tais envelopes, acrescentar o que seria resposta do oráculo sem que o fiel percebesse, recompondo o selo lacrado.[8] Uma moeda em bronze cunhada por Antonino Pio representa o oráculo da serpente Glycon.



[1] ONCKEN, Guilhermo. História Universal – História de Grécia e Roma, Francisco Alves:Rio de Janeiro, v.IV, p.600

[2] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.254

[3] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.143; ROSS, Norman. The epic of man, Life Magazine, 1962, p. 170

[4] BLOCH, Leon. Lutas sociais na Roma Antiga, Lisboa:Pub. Europa America, 1956, p.81

[5] DEARY, Terry. Terríveis romanos. São Paulo:Melhoramentos, 2002, p. 25

[6] HADAS, Moses. Roma Imperial, Biblioteca de História Universal Life, Rio de Janeiro: José Olympio, 1969, p. 133

[7] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 471

[8] LUCK, Georg. Arcana Mundi: magic and the occult in the Greek and roman worlds, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006, p.71



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