domingo, 28 de março de 2021

O positivismo e o atraso na institucionalização das ciências no Brasil

 

O papel do positivismo na construção da ciência no país tem sido destacado pela histografia mais recente a partir dos estudos de autores como, por exemplo, de Roque Spencer de Barros e Ângela Alonso, uma vez que tradicionalmente os autores tendiam a minimizar influência positivista pelos seus aspectos religiosos o que o afastaria do ethos científico. Antonio Cândido destaca o período de 1870 como de “renovação mental” e com a intensificação dos estudos de ciências naturais: “parece-nos que semelhante movimento não estará sem correspondência, nem é ocasionalmente que coincide com as primeiras tentativas da burguesia de tomar a si a direção econômica e política da Nação”.[1] Para Roque Spencer de Barros o Brasil no século XIX especialmente após 1870 com o ocaso do império criou-se um movimento de ilustração de forma semelhante ao iluminismo europeu do século XVIII: “a nossa ilustração guardou a crença absoluta no poder das ideias, a confiança total na ciência e a certeza de que a educação intelectual é o único caminho legítimo para melhorar os homens, para dar-lhes inclusive um destino moral”. Nesse sentido, o positivismo fornecia uma filosofia da história a servir como guia de ação para esta intelectualidade.[2] João Camilo de Oliveira Torres argumenta que o positivismo surgiu no Brasil para preencher uma lacuna no campo das ideias e que ganhou espaço dentro nos cursos de engenharia das escolas militares e escola Politécnica [3]. José Murilo de Carvalho aponta que no Brasil o positivismo tinha uma tendência para especulações filosóficas ao invés da pesquisa científica. Um exemplo da influência negativa do positivo é o de um professor de eletricidade formado na Politécnica do Rio de Janeiro que não acreditava em eletromagnetismo pois segundo Comte não seria possível conhecer a estrutura as estrelas.[4] Luiz Otávio Ferreira mostra que o positivismo está ligado ao ensino das engenharias civil e militar no Brasil o que revela a historiografia destacou como um suposto desprezo pelas “ciências desinteressadas”. Um artigo de Otto de Alencar de 1896 membro da Sociedade Positivista “Alguns erros matemáticos da Síntese Subjetiva de Augusto Comte” denuncia limitações teóricas da matemática comtiana. Em 1918 Amoroso Costa aprofunda a crítica de Otto de Alencar e demonstra a esterilidade do conceito de ciência em Comte que teria atingido seu ápice no século XVIII.[5]

Para Erno Paulinyl o radicalismo em defesa da ciência pura da Sociedade Brasileira da Ciência foi uma reação contra o positivismo comtiano dos engenheiros defensores de uma ciência aplicada. Luiz Otávio, por sua vez, entende que ação dos cientistas da Academia como uma estratégia para se diferenciar dos engenheiros e construir um novo tipo de intelectual: o científico puro. Segundo Luiz Otávio: “A história da construção de uma tradição positivista no Brasil está intimamente relacionada com o ensino de engenharia durante o Império”. Otto de Alencar (1901) e Amoroso Costa (1918) viriam a escrever trabalhos importantes contestando a lógica comtiana na matemática, revelando assim o anacronismo científico da obra de Auguste Comte, rompendo com a mentalidade pragmática dos positivistas e abrindo caminho para a defesa da “ciência desinteressada”. Entre os artigos de Oto de Alencar destaca-se Quelques erreurs de Comte publicado no Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais  reeditado em 1900.[6] Amélia Hamburguer, por sua vez, discorda de muitos historiadores que entendem que o positivismo se afastava da verdadeira ciência ou mesmo que foi o responsável pelo atraso científico no país. Para a autora, que faz a análise de algumas teses defendida nas Escola Militar, Escola Politécnica e Faculdades de Medicina da Bahia e no Rio de Janeiro deve-se considerar o que significava ciência na época: “o positivismo de Auguste Comte se difundiu no Brasil não apenas como um sistema filosófico mas adquiriu foros de teoria científica, sendo reconhecido em nossas escolas profissionais. Como sistema era defendido por um número relativamente pequeno de profissionais, mas esteve perfeitamente integrado ao conjunto das teorias reconhecidas no país até o final do século XIX”.[7] A influência positivista foi um dos fatores que retardou a criação de uma universidade no Brasil. Para Comte o Estado deve renunciar a todo sistema completo de educação geral, e nesse sentido, Miguel Lemos, denuncia em 1891 as propostas de criação de uma universidade no Brasil como “extravagantes”: “a fundação de uma universidade só teria como resultado estender e dar maior intensidade às deploráveis pretensões pedantocráticas da nossa burguesia, cujos filhos abandonam as demais profissões, igualmente úteis e honrosas, para só preocupar-se com a aquisição de um diploma qualquer”.[8] Para Miguel Lemos: “No momento presente, o governo deveria suprimir todo o ensino oficial chamado superior e secundário, deixando-o entregue à livre iniciativa particular”.[9] O positivista Teixeira Mendes anatematiza a universidade como “fábrica de doutores” tendo em vista que “a ciência oficializada não presta”. Para Comte a universidade como expressão da Igreja em uma era medieval não seria a instituição apropriada para a era positiva da ciência. [10] Para Angela Alonso[11] a geração de 1870 deve ser compreendida a partir de um marco analítico que destaque a experiência compartilhada de seus membros, ou seja, não havia nestes grupos um interesse propriamente "intelectual", mas antes uma ação coletiva animada por um profundo desejo de intervenção política. A atuação do grupo não pode ser vista como revolucionária, e sim reformista, pois a maioria dos seus membros demandava reformas estruturais na ordem imperial, e não sua supressão. Será desta burguesia formada por militares, médicos e engenheiros que irá surgir o movimento positivista no Brasil.[12] Os positivistas se colocavam numa intransigente defesa contra todo o tipo de privilégios sejam filosóficos, científicos, artísticos, clínicos ou técnicos e em um constante esforço para a completa liquidação dos privilégios e monopólios.[13]

[1] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 82

[2] BARROS, Roque Spencer. A ilustração brasileira e a ideia de universidade, São Paulo:Ed. Convivio, 1986, p. 7-24

[3] TORRES, João Camilo. O positivismo no Brasil, Brasília: Câmara dos Deputados, 2018, p.37

[4] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.77

[5] FERREIRA, Luiz Otávio. O ethos positivista e a institucionalização das ciências no Brasil. Antropologia brasiliana, Ciência e educação na obra de Edgar Roquette Pinto. Rio de Janeiro: Ficocruz, 2008

[6] MOURÃO, Ronaldo Freitas. Dicionário Enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 737

[7] HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia; PETY, Michel; PETITJEAN, Patrick. A ciência nas relações Brasil-França, São Paulo:USP, 1996, p.49-63

[8] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.396; COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 187

[9] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 251

[10] TORRES, João Camilo. O positivismo no Brasil, Brasília: Câmara dos Deputados, 2018, p.224

[11] ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002

[12] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 128

[13] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 252, 274



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