sábado, 31 de outubro de 2020

O Partenon em Londres

 

Em 1801 Thomas Bruce, conde de Elgin, então embaixador do Império Britânico no Império Otomano (que dominava a Grécia) conseguiu do sultão de Constantinopla uma licença para poder carregar qualquer peça dentro do Partenon, desde que não prejudicasse  a integridade da obra e assim foram levadas estátuas e frisos (mármores) para o Museu Britânico. As metópes do lado sul mostram a Centauromaquia Tessaliana (a batalha entre os lápios, ajudados por Teseu contra os centauros).[1]



[1]https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rmores_de_Elgin



Razão áurea e o Partenon

 

A intensa atividade dos artesãos atenienses atraiu artesãos estrangeiros para suas oficinas por todo mediterrâneo e Oriente Médio entre os quais possivelmente Policletos de Argos [1] autor de esculturas como Diadúmeno ("O Portador do Diadema"), Doríforo e o Discóforo.[2] Fídias era especialista em diversas técnicas a ponto de Plutarco a ele se referir como aquele que “resolvia tudo, conhecia tudo”.[3] Na arquitetura grega as colunas do templo dórico do Partenon / Parthenón mantém uma razão de 1,618 entre o diâmetro das colunas e o vão entre elas. Esta é uma constante real algébrica irracional, conhecida como número áureo denotada pela letra grega (PHI), em homenagem ao escultor Phideas (Fídias) (500 a 432 a.c.)[4], que a teria utilizado para conceber o Parthenon. Nos Elementos de Euclides a constante surge em conexão com a geometria do pentágono regular.[5] O pentagrama do grego - penta (cinco) + gramma (linha) usado pelos pitagóricos é um pentágono regular estrelado onde o ponto de interseção P de duas diagonais divide cada uma delas na proporção áurea. No entanto, o Partenon foi construído em 447 a.C., mais de um século antes que Euclides descobrisse a razão áurea.[6]



[1]https://pt.wikipedia.org/wiki/Policleto

[2]DUNAN, Marcel; BOWLE, John. Larousse encyclopedia of ancient & medieval history, Paris:Larousse, 1963, p.128 https://pt.wikipedia.org/wiki/Diad%C3%BAmeno

[3]EYDOUX, Henri Paul. Á procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 166

[4]BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.186

[5]STEWART, Ian. O fantástico mundo dos números, Rio de Janeiro, Zahar, 2016, p.216

[6]VENTURA, Felipe. Os mitos e verdades da proporção áurea, 2015, http://gizmodo.uol.com.br/mitos-proporcao-aurea/



Homero

 

Segundo Rostovtzeff com a pujança da Ilíada e a Odisséia de Homero escritas na metade do século IX a.c. [1] unindo todos os deuses em uma grande família, a ascenção do comércio e consolidação da democracia a sociedade grega foi se consolidando na Grécia um sentimento de nacionalidade.[2] (a crítica atual reconhece que por terem estilos bem distintos dificilmente estas duas obras foram escritas pela mesma pessoa [3] no entanto George Sarton informa ter sido Zenodoto de Efeso o autor da Ilíada [4] considerado como o primeiro bibliotecário da Biblioteca de Alexandria [5].  Heródoto disse que Homero viveu 400 anos antes de seu próprio tempo, o que o colocaria em torno de 850 a.C.. Em 1795 Friedrich Wolf argumentou que Homero nunca existiu como personagem real mas como uma ficção ou foi um mero compilador das histórias dos aedos que ganhou o crédito da autoria como tendo transcrito uma tradição oral mais antiga que vinha sendo passada por gerações. [6]



[1]SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p.136

[2]ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Rio de Janeiro:Zahar, 1983, p.114

[3]JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.63

[4]SARTON, George. Historia de la ciência, Buenos Aires:Editorial Universitaria Buenos Aires, 1959, p. 37

[5]SARTON, George. Historia de la ciência, Buenos Aires:Editorial Universitaria Buenos Aires, 1959, p. 149

[6]https://pt.wikipedia.org/wiki/Homero



Hefesto

 

Entre os deuses gregos Hefesto / Héphaistos [1] (Vulcano para os romanos) deus da metalurgia e do fogo, cujos símbolos são um martelo de ferreiro, uma bigorna e uma tenaz, embora por vezes tenha sido retratado empunhando um machado. Hefesto também era conhecido como Chalkeús (χαλκεύς), "o artesão de cobre" ou Klutotéchnes (κλυτοτέχνης), "célebre artífice", e que na Ilíada é descrito como tendo fabricado a armadura de Aquiles. Humphrey Kitto mostra na Grécia antiga entre os ofícios apenas os ferreiros com Hefesto e os oleiros com Prometeu possuem divindades protetoras sendo os homens que praticam tais ofícios conhecidos como demiourgi.[2] Hefesto é descrto como o artesão divino sempre disposto a executar qualquer trabalho com a ajuda dos Cíclopes ferreiros [3]. Homero no canto oitavo da Odisseia narra a história de Ares e Afrodite na qual Hefestos forjou uma rede de ferro, tal como um tecido fino e tão diáfana que era invisível. Zeus e Hera tiveram como filho Hefesto que nasceu coxo, feio e deformado, com pés tortos, sendo motivo de riso entre os demais deuses do Olimpo, o que reflete o desprezo grego pelos artesãos.[4] Em outra versão Hefesto teria sido lançado para a Terra pelo pai Zeus depois que numa discussão Hefesto havia tomado a defesa da mãe Hera. No relato de Homero, ele despencou durante nove dias e noites até cair no oceano, onde foi criado pelas ninfas  Tétis (mãe de Aquiles) e Eurínome. Hefesto exercia seu ofício nas forjas de Lemnos ou do Etna, era feio e coxo, o que era um reflexo pelo desprezo ao trabalho (por ser artesão jamais poderia de igualar em beleza e perfeição aos demais deuses)[5] e auxiliado pelos gigantes Ciclopes que tinham um único olho no meio da testa.[6] Hefesto era casado com Afrodite, a união da perícia com a beleza, no entanto embora os ferreiros gozassem de alguns dos privilégios dos poetas eles não tinham o mesmo prestígio social.[7]



[1]JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.17

[2]KITTO, Humphrey Davey Findley. Os gregos. Coimbra:Armenio Amado, 1970, p. 69

[3]GRIMAL, Pierre, A mitologia grega, São Paulo: Brasiliense, 1953, p. 48

[4]FLORENZANO, Maria Beatriz. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 20

[5]FLORENZANO, Maria Beatriz. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 20

[6]JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.132

[7]KIDSON, Peter. Artes plásticas. In: FINLEY, Moses. O legado da Grécia, Brasília:UNB, 1998, p. 441



sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Fídias

 

Daniel Boorstin reconhece que Fídias foi indicado por Péricles para coordenar a construção do Partenon mas somente podemos ter certeza da sua contribuição artística na estátua de Atena em ouro posta em seu interior [1]. Moses Finlay informa que não há comprovação de que as esculturas no Partenón foram feitas por Fídias [2]. Segundo Marcel Dunan e Jardé o projeto do Partenon foi realizado aos arquitetos Ictinus e a execução a Calicrates [3], cabendo a Fídias as esculturas incluídas no templo entre as quais se destacava a estátua de Atena com 12 metros de altura feita de madeira e recoberta de ouro e marfim.[4] Fídias foi acusado de ter roubado parte do ouro a ele entregue para construção da estátua o o que levou a ter de retirar todas as placas de ouro de modo a pesá-las e mostrar que nada havia sido roubado.[5] Em Olímpia no templo de Zeus, Fídias esculpiu a colossal estátua de Zeus, [6] revestido com placas de marfim e coberta com um manto de ouro. Aos pés da estátua uma inscrição, segundo Pausânias, revelava ter sido Fídias seu escultor.[7] Fílon / Filo de Bizâncio em sua descrição das sete maravilhas do mundo em De Septem Orbis Miraculis: “a habilidade de execução é tão incrível quanto é sagrada a imagem de Zeus. O trabalho provoca elogios e a imortalidade provoca a honra”.[8] A oficina de Fídias foi encontrada no final do século XIX e resgatados inúmeros instrumentos o que constitui uma evidência de a divisão moderna de técnicas não necessariamente existia na antiguidade.[9] Para Moses Finley “Fídias exemplificou de forma perfeita a ligação entre a arquitetura e a religião”.[10] Plutarco, na Vita de Péricles, exalta a técnica de Fídias ou Policleto: “até hoje, perante o Zeus olímpico ou a Hera de Argos, nunca brotou em nenhum jovem hábil e bem dotado o desejo vir a ser um Fídias ou um Policleto”.[11]



[1] BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.134

[2]FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 169

[3] JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.13

[4]JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.111; BOWRA, Maurice. Grécia Clássica, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1969, p. 107

[5]BOWRA, Maurice. Grécia Clássica, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1969, p. 122

[6]DUNAN, Marcel; BOWLE, John. Larousse encyclopedia of ancient & medieval history, Paris:Larousse, 1963, p.123

[7]ROMER, Elizabeth. As sete maravilhas do mundo, São Paulo:Melhoramentos, 1996, p.26

[8]ROMER, Elizabeth. As sete maravilhas do mundo, São Paulo:Melhoramentos, 1996, p.29

[9]ROMER, Elizabeth. As sete maravilhas do mundo, São Paulo:Melhoramentos, 1996, p.50

[10]FINLEY, Moses. Os gregos antigos, Lisboa: Edições 70, 1984, p.137. In: VAINFAS, Ronaldo; FARIA, Sheila; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina. História Volume único, São Paulo:Saraiva, 2010, p.49

[11]CASTELNUOVO, Enrico. O artista. LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.145



quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Adelardo de Bath

 

Adelardo de Bath (1080-1152) aponta: “Quando examino os escritos famosos dos antigos – nem todos, mas a maioria – e comparo seus talentos com o conhecimento dos modernos, julgo os antigos eloquentes e chamo aos modernos estúpidos”.[1] E ainda: “se a vontade do Criador é a de que as ervas nasçam da terra, tal vontade não é despida de razão [...] Uma coisa é o que eu aprendi dos mestres árabes sob o comando da razão, outra aquilo o que, de tua parte, seduzido pela máscara da autoridade, estás preso como que por um cabresto. Com efeito, que outro nome, se não o de cabresto, deve ser dado à autoridade ? Permites que a autoridade te conduza como os animais domesticados que não sabem nem para onde nem por que são levados” [2]. Para Adelardo há uma relação direta entre os fenômenos da natureza e a vontade de Deus e que deve ser motivo de investigação: “Examine as coisas mais de perto, considere, além disso, as circunstâncias especiais, destaque as coisas em vez de admirar os efeitos”.[3] Adelardo de Bath condenava “o vício desta geração que só considera aceitáveis as descobertas feitas pelos antigos e pelos outros” Para ele, seguir a autoridade dos antigos em vez da razão é “entregar-se à mais bestial credulidade e deixar-se arrastar para uma armadilha perigosa”. O dominicano Alberto Magno “quem acredita que Aristóteles é um deus, tem de acreditar que nunca errou. Mas, se acredita que foi um homem, então pode errar como nós”.[4]



 [1]LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.48

[2] TATON, René. A ciência antiga e medieval: a idade média, tomo I, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 111

[3] GREGORY, Tullio. Natureza. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 301

[4] FUMAGALLI, Mariateresa. O intelectual. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.141





quarta-feira, 28 de outubro de 2020

O tempo medieval

 

Marc Bloch em sua obra A sociedade feudal descreve a chamada “cultura do feudalismo” marcada entre outras características pela indiferença pelo tempo e sua falta de interesse em mensurá-lo acuradamente. [1] O registro de nascimento era transmitido por uma tradição oral por parte dos pais. Um negociante declara em 1299 ter nascido em 1254 “segundo a lembrança de minha mãe”.[2] Os cronistas da época se limitam em geral a se referir a “naquele tempo”, “pouco depois” sem precisar datas [3]. Lucien Febvre destaca que o “tempo do relógio” era muito menos significativo que o “tempo vivenciado” dentro visão de mundo medieval. [4] Jacques le Goff por sua vez aponta o “tempo dos tecelões” no século XIV como reorientando a percepção de tempo medieval diante da nova conjuntura do trabalho marcada pela ascenção social de mestres artesãos.[5] Jacques Rossiaud destaca que com a ascenção dos mercadores e das cidades no século XIV desenvolve-se uma preocupação de se contabilizar tudo. O florentino Lapo di Giovanni Niccoline contabiliza em 67 anos, 2 meses e 26 dias o tempo em que sua permeneceu na casa brasonada: “numa cidade mercantil, tudo é ratio; o citadino deve agir de uma forma razoável, após contabilização e dedução lógica”.[6]



[1]BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia, São Paulo:Unesp, 1997, p.36

[2]RONCIERE, Charles. A vida privada dos notáveis toscanos no limiar da Renascença. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.267

[3]LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 159

[4]BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia, São Paulo:Unesp, 1997, p.41

[5]GOFF, Jacques le. Para uma outra idade média. Rio de Janeiro:Vozes, 2013, p.89

[6]ROSSIAUD, Jacques. O citadino e a vida na cidade. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.119



terça-feira, 27 de outubro de 2020

Omobono

 

A evolução técnica e econômica que se inicia em torno do século XI e que se afirma no século XII, com o desenvolvimento do comércio e das cidades seguido da especialização dos ofícios conduz ao que Jacques Le Goff denomina uma “transformação mental e espiritual”.[1] Neste momento contrastando com as teses de Max Weber que na Ética protestante entende que esta revalorização do trabalho como meio de salvação se fará somente com o protestantismo, Jacques Le Goff entende que já neste século XI “a concepção do trabalho penitência é substituída pela ideia do trabalho enquanto meio positivo para salvação”. [2] Significativo é que em 1199 Omobono um Santo que conhecemos pelo apelido homo bonus, mercador de Cremona, é canonizado, patrono dos alfaiates, costureiras, e dos comerciantes de tecidos [3]. Canonizado com a Bula "Quia pietas" Omobono é o primeiro leigo, não um nobre, elevado às honras dos altares. Sua estátua foi erigida perto da estátua da Virgem Maria, na entrada principal da catedral da cidade. Ao longo do século XIII temos diversos exemplos representações da honra dos ofícios exercidos nas cidades como no portal da igreja de S. Marcos, na base do campanário florentino, no palácio comunal de Siena.[4] No século XIII na classificação dos pecados a preguiça é considerada “a mãe de todos os vícios, por uma sociedade que resolutamente valoriza atividade e o trabalho”. [5]

[1]LE GOFF, Jacques. Para uma outra idade média, Petrópolis: Vozes, 2013, p.217

[2]LE GOFF, Jacques. Para uma outra idade média, Petrópolis: Vozes, 2013, p.218

[3]FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 294

[4]ROSSIAUD, Jacques. O citadino e a vida na cidade. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.117

[5]CASAGRANDE, Carla; VECCHIO, Silvana. Pecado. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 392



segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Geber

 

Os melhores tratados alquímicos do Renascimento foram traduções de textos árabes como a Summa Perfectionis Magisterii [1] (O Tratado do magistério da perfeição) que supostamente teria sido escrita por Geber (721-815) contemporâneo dos primeiros abássidas.[2] A Summa apesar de constituir uma versão mutilada de Geber se tornou uma referência em alquimia na idade média possivelmente foi escrita pelo monge Paulo de Taranto no século XIII. A Summa de Geber usa a técnica de ocultação literária conhecida de ocultistas da Renascença como Agrippa em De occulta philosophia (1533) e conhecida como "dispersão do conhecimento".[3] Essa técnica, amplamente empregada no corpus jabiriano, refere-se à prática de desmembrar um discurso e separar as respectivas partes para que não possam ser lidas sequencialmente. O termo gibberish que se refere um texto initeligível foi cunhado no século XVI e remete pejorativamente aos textos do alquimista Geber [4]. O autor da Summa assume que todos os metais são compostos de uma mistura de corpúsculos de enxofre e mercúrio e fornece uma descrição detalhada das propriedades metálicas. O texto pratica uma forma de numerologia referido como o “método do equilíbrio” (mīzān) que consistia em determinar a quantidade das “quatro naturezas” (quente, fria, úmida e seca) em uma substância por meio da análise de cada letra do alfabeto árabe de seu nome. Cada letra era associada a um valor numérico. Os textos jabirianos também argumentam que todas as coisas contêm uma realidade “oculta” (bāṭin), bem como a “manifesta” (zāhir). Esse livro foi elogiado por Petrus Bonus, autor de Margarita Preciosa escrito em 1330, devido a sua clareza se comparado a outros alquimistas, onde por exemplo encontramos uma receita para se fazer ácido sulfúrico [5]. O autor da Summa destaca que a alquimia apareceu no Ocidente na metade do século XII quando Robert de Ketton traduziu para o latim De Compositione alchemiae de Morenius a partir do original em árabe. Geber é o nome latinizado de Jabir ibn Hayyan. A primeira biografia de Jābir, no al-Fihrist, foi escrita no século décimo por Ibn al-Nadīm. Os Setenta Livros de Jabir foram traduzidos para o latim por Gerard de Cremona no século XII. Ao descrever um de seus fornos Geber conclui: “se alguém puder inventar algo mais engenhoso, não permita que nossa invenção possa retardar tais desenvolvimentos”.[6]



[1]https://books.google.com.br/books?id=tZ-WXuo84ioC&printsec=frontcover

[2]SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.189

[3]https://www.britannica.com/biography/Abu-Musa-Jabir-ibn-Hayyan

[4]DE ROLA, Stanislas. Alquimia. Lisboa:Ed. Del Prado, 1996, p. 15

[5]GOLDFARB, Da alquimia à química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.143

[6]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.743



sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Indústria doméstica medieval

 

Em Reims, Arras e Lille a maior parte das residências domésticas eram usadas pelos homens de ofícios como local de venda e produção dos produtos que fabricavam.[1] Ashley destaca que assim como o surgimento da indústria artesanal é associada com a subordinação da vila com a unidade econômica mais ampla representada pela cidade, do mesmo modo o surgimento do sistema doméstico foi parte de um desenvolvimento posterior subordinado a uma unidade econômica ainda maior representada pela nação [2]. Thomas Ashton destaca que “mesmo nas regiões á volta de Londres, Manchester e Birmingham havia homens e mulheres trabalhando laboriosamente sem o auxílio que a ciência e a técnica haviam dado aos seus camaradas da fábrica, da fundição e da mina”.[3] Arnold Toynbee destaca o papel da indústria doméstica inglesa antes da Revolução Industrial: “A classe dos empresários capitalistas estava ainda na infância. Uma grande parte de nossas mercadorias era ainda produzida pelo sistema doméstico. As manufaturas estavam pouco concentradas nas cidades e apenas parcialmente separadas da agricultura. O manufatureiro era literalmente o homem que trabalhava com as suas próprias mãos na sua própria casa. Uma característica importante na organização industrial da época estava na existência de um número de pequenos mestres manufatureiros que eram inteiramente independentes, possuindo capital e terra, pois combinavam a cultura de pequenas terras pastoris alodiais com o seu artesanato”.[4] Jacques Rossiaud contudo observa que “O local de trabalho e a vida familiar não são inseparáveis, como uma certa imagem tradicional poderia fazer crer. Em Florença, a maioria dos artesãos alugou a sua oficina e vive noutra rua e, até, noutro bairro.[...] sabe-se que os proletários «de unhas azuis» dos centros flamengos produtores de tecidos eram, por vezes, obrigados a viver nos subúrbios porque os donos da cidade não os queriam ver dentro das muralhas depois de terem terminado o seu dia de trabalho [5]

[1]CONTAMINE, Philippe. Os arranjos do espaço privado século XIV-XV. In: In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.458

[2]UNWIN, George. Industrial Organization in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, Claredon Press:Oxford, 1904, p.4

[3]ASHTON, Thomas. A revolução industrial, Sintra:Pub. Europa-América, 1977, p.118

[4]TAKAHASHI, H. Uma contribuição para a discussão. In: DOBB, Maurice. Do feudalismo ao capitalismo, Lisboa:Publicações Dom Quixote, 1972, p.188

[5]ROSSIAUD, Jacques. O citadino e a vida na cidade. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.112



quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Tempo do mercador

 

No século XII surgem os sinos laicos para proclamação do tempo do trabalho, que se juntam aos sinos dos conventos das igrejas que marcavam as horas canônicas dos ofícios religiosos.[1] Segundo Paulo Miceli o controle do tempo foi uma das principais atribuições da Igreja medieval.[2] Com os primeiros relógios mecânicos o tempo deixa de ser marcado somente pelos sinos das igrejas e passa a ser marcado pelos relógios das torres de vigia [3]. Há uma secularização do tempo uma vez inserido no ambiente das atividades econômico e sociais que estavam florescendo no século XIII [4]. Robert Delort que a cidade industrial e o mercado ao fim da idade média marca a “grande mutação intelectual” o advento do “tempo leigo” “tempo urbano” [5] o “tempo do mercador”.[6] O relógio colocado na torre comunal em Caen em 1317 mostra o triunfo do “tempo dos mercadores” sobre o “tempo da Igreja” [7] Até a primeira metade do século XVI o “tempo vivido” relativo ao senso comum tornava desnecessária a marcação de tempo mais precisa [8] sendo demarcada por sinos dispostos nas igrejas ou mesmo pelas autoridades urbanas para anunciar e impor a sua definição de jornada de trabalho [9].  



[1]GOFF, Jacques. Trabalho. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 629

[2]MICELI, Paulo. O feudalismo, São Paulo: Atual, 1986, p. 22

[3]LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 169

[4]NISBET, Robert. História da ideia do progresso. Brasília:UNB, 1980, p. 100; MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 151

[5]DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.64

[6]LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.94

[7]FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 56

[8]ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 43

[9]PIPONNIER, Françoise. Cotidiano. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 321



terça-feira, 20 de outubro de 2020

A galinha inventora

 

Uma forma de barro era usada para purgar o caldo extraído da cana de açúcar chamado pão de açúcar. Após a purga, que durava 30 dias, a fôrma era emborcada sobre uma mesa e então o açúcar se tornava visível.[1] Se coloca uma camada de barro (1) para auxiliar o processo de branqueamento do açúcar, processo conhecido como barrear o açúcar. Ao misturar com água evitando bulir com o açúcar após seis dias o barro está seco e é retirado, cavando-se o açúcar pelo meio e colocando nova camada de barro e repetindo o processo conforme a qualidade do açúcar de modo que o açúcar vai branqueando. Ambrósio Fernandes Brandão em Diálogos das grandezas do Brasil de 1618 explica que no processo de branqueamento do açúcar “o que se fez por experiência de uma galinha, que acertou de saltar em uma forma com os pés cheios de barro, e ficando todo o mais açúcar pardo, viram só o lugar da pegada ficou branco “.[2] Ao observar ao acaso que uma galinha com os pés sujos de barro pisou em uma das formas cheias de açúcar, e no entorno de onde ficou marcada sua pegada se fez um círculo branco, passaram a “barrear” o açúcar para clareá-lo. O açúcar vai se branqueando em diferentes graus desde a parte superior (açúcar branco – 3) ao menos branco (mascavado – 4 e 5) até se atingir o buraco da forma no fundo por onde o melaço escorreu durante o processo de purga. A separação dos cristais de açúcar do mel que o envolve é feita neste processo de purga por gravidade, o que nos processos mais modernos será feito por máquinas centrifugadoras [3]. Antonil explica o processo de purga: “Como o açúcar vai purgando, assim se vai branqueando por seus grãos, a saber, mais na parte superior, menos na do meio, pouco na última e quase nada nos pés das formas, aos quais chamam cabuchos, e este menos purgado é o que se chama mascavado. Também como vai purgando, vai descendo o barro pouco a pouco dentro da forma, e se purgar bem devagar, descendo só meia mão, que chamam medida de chave, e vem a ser desde a raiz do dedo polegar até a ponta do dedo mostrador, a purgação será boa e de rendimento de mais açúcar, e forte; mas se purgar apressadamente, renderá pouco”.



[1]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo:Duas Cidades, 1979, p.171

[2]LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 108

 [3]FERNANDES, Hamilton. Açúcar e álcool ontem e hoje, Rio de Janeiro:Canavieira, 1971, p.93; SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 111, 112; CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 23



Mestres pedreiros

 

A influência dos mestres pedreiros nas construções não raras vezes era objeto de divergências com arquitetos. Por volta de 1400 quando da construção da catedral de Milão [1] os mestres pedreiros da Lombardia na Itália argumentaram contra o arquiteto francês Jean Mignot que “a ciência da geometria não deveria interferir nessas questões, pois a ciência é uma coisa e a arte é outra”. O arquiteto francês, por sua vez, critica o trabalho realizado pelos maitres és pierres (mestre em pedras) lombardos como colocando em risco a construção pois “a arte sem a ciência (a prática sem a teoria) não é nada” - ars sine scientia nihil est. [2] Para a escolástica medieval a prática da ars (técnica) sem o conhecimento adequado (scientia) que leve em conta conceitos teológicos da relação entre números e proporções não levaria a lugar nenhum (nil), os dois são inseparáveis. Os habitantes de Milão em reação demitiram o arquiteto francês. [3] O episódio marca o confronto entre dois tipos de construtores, o “mestre em pedramagister lapidum e o arquiteto. [4] No século XV artistas e artesãos se confundem, meros executantes das obras encomendadas pelos eclesiásticos [5]. Ainda no século XIV não há nenhum termo para designar o artista como para designar o intelectual. Artista e artesão são ambos denominados como artifex. O termo em latim ars refere-se mais ao domínio da técnica e do ofício do que propriamente à ciência.[6] Este mesmo episódio é narrado por esotéricos como Tim Wallace como sendo a frase dita pelos maçons que defendiam a necessidade de manter os seus projetos [7]. Jean Delumeau cita como exemplos de engenheiros artistas renascentistas Francesco di Giorgio, Leonardo da Vinci e Durer [8]: Em 1525 Durer publicou Instruction concerning measurement with compasses and straight edge, mostrando aos alemães todo o conhecimento científico que pode apurar em suas viagens à Itália. [9] Para Daniel Boorstin ao analisar o papel de Leonardo da Vinci e Michelângelo: “essas duas maiores figuras da arte italiana da Renascença dramatizaram movimento moderno que levou o artesão a ser artista”. [10] Para Jean Delumeau “A nossa época atual tende a opor arte e técnica; mas nem sempre assim foi. Talvez o diálogo entre a arte e a técnica nunca tenha sido tão fecundo como no tempo do Renascimento”.[11] Embora o termo “engenheiro” tenha sido utilizado somente com Gille ao se referir aos “engenheiros do Renascimento”, Delumeau considera a expressão apropriada.[12]



[1]https://en.wikipedia.org/wiki/Milan_Cathedral

[2]Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot, Peter Burke, Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 2003, p.79; LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 207; CARREIRA, Eduardo. O pincel invisível do pintor: notas sobre o simbolismo iniciático nas artes medievais. In: RIBEIRO, Maria Eurydice. A vida na idade média, Brasília:UNB, 1997, p. 82

[3]MARCHI, Cesare. Grandes pecadores, grandes catedrais, São Paulo:Martins Fontes, 1991, p.124

[4]LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 207

[5]DUBY, Georges. História artística da Europa: Idade Média, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 17

[6]LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presençã, 1989, p.22

[7]MURPHY, Tim Wallace. O código secreto das catedrais. São Paulo:Pensamento, 2007, p. 115

[8]DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.152

[9]KLEMM, Friedrich, A history of western technology, London:Ruskin House, 1959, p. 131

[10]BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.512

[11]DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.198

[12]DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.154; II, p.265



Invenção da seda

 

Por volta de 2600 a.c. na China a concubina do imperador Huang ti descobriu que poderia desenrolar um delicado fio de seda do casulo de um inseto (mbobix mori) que ficou conhecido como bicho da seda e que deu origem a um lucrativo comércio inicialmente restrito aos membros da família real e da nobreza [1]. Em 1132 a.c já se tingia a seda para os vestidos na dinastia Shang.[2] Seda chinesa da dinastia Shang foi encontrada em tumbas egípcias, testemunho do comércio na região.[3] Uma pintura em tábua encontrada na província de Xinjiang na China datada de 600 d.c relata a história de uma princesa que escondeu o bicho da seda e sementes de amoreira (as folhas de amoreira são o alimento do bicho da seda) em um enfeite real em sua cabeça para levar a tecnologia ao reino distante da Índia de onde havia sido enviada em casamento [4]. Abbott Usher contudo relata que a indústria da seda já estava estabelecida no décimo século a.c.[5] Uma primeira tentativa de produção de seda na Europa teria sido realizada com o imperador Justiniano em 530, em que segundo a lenda ovos de bicho da seda foram transportados para Constantinopla, provavelmente por Khotan, em bengalas ocas ou gomos de bambu [6], de monges do Monte Athos [7] nestorianos [8], no entanto o oriente continuou sendo fornecedor de seda até o século XII [9]. O monopólio chinês da seda, por sua vez, se manteve até meados do século VI quando seus segredos foram roubados da China, levados para Bizâncio e introduzidos na Europa. De fato, a China foi muitas vezes conhecida como Seres ou Sina, nomes derivados do chinês ssu que significa seda [10]. Segundo Aristóteles coube a Pânfila, filha de Plateus a invenção de um método para esvaziar os casulos do mbombix / bombyx mori em um longo fio contínuo. Pelo processo de Pânfila os casulos eram recolhidos depois da saída do inseto, cardados os filamentos e fiados. O fio resultante era mais frágil, mais grosseiro e menos brilhante do que o processo chinês que só ficou conhecido no Mediterrâneo no século VI a.c.[11] Paul Herrmann se refere a propaganda imperial pela qual a invenção se deve à imperatriz Si Li Shi primeira dama de Huang Ti que ao observar os frutos de uma amoreira pode observar serem constituídos de finíssimos fios os quais seus delicados dedos puderam desenrolar o delicado novelo colocando-o em um tear para confecção de um tecido. Todo o processo de fabricação da seda era considerado tarefa sagrada, um presente dos deuses, e mantido em segredo.[12]



 [1]LOON, Hendrick. História das invenções: o homem fazedor de milagres, Sâo Paulo:Brasiliense, 1961, p.61; COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.99

 [2]BARRETO, Elias. Enciclopédia das grandes invenções e descobertas. São Paulo:Cascino Editores, 1971, p.42

 [3]https://www.ancient.eu/Silk/

[4]MacGREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos, Rio de Janeiro:Intrínseca, 2013, p.363; ZISHKA, Anton. A guerra secreta pelo algodão, Porto Alegre: Globo, 1936, p. 18

 [5]USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 81

[6]LOON, Hendrick. História das invenções: o homem fazedor de milagres, Sâo Paulo:Brasiliense, 1961, p.62

 [7]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.197; DELORT, Robert. Animais. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 74

[8]DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.147

 [9]BRAUDEL, Fernand. Civilização material e capitalismo, séculos XV-XVIII, Rio de Janeiro:Cosmos, 1970, p.264

 [10]RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Oriente, Roma e Idade Média. v.2, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.28, 29, 64

 [11]GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia, Lisboa:Cosmos, 1973, p. 238

[12]HERRMANN, Paul. As primeiras conquistas. São Paulo:Boa Leitura Editora, 3ª edição, p. 145



Os teares de Samuel Slater

 

Samuel Slater um jovem aprendiz de um dos parceiros de Arkwright em Derbyshire copiou os teares ingleses de Arkwright e emigrou para Rhode Island nos Estados Unidos em 1789, com apenas vinte e um anos, estabelecendo junto com Moses Brown uma fábrica em Pawtucket, Rhode Island. Ele tomou o cuidado de não levar na viagem quaisquer documentos ou desenhos ao embarcar para não ser preso, uma vez uma lei inglesa de 1781 proibia a exportação dos desenhos de máquinas [1], memorizando tudo para reproduzir em uma réplica que montou tão logo chegou aos Estados Unidos.[2] Entre 1790 e 1800 estabeleceram-se um total de doze grandes fábricas de tecidos e Slater ficou rico.  Em 1808 cerca de quinze fábricas nos Estados Unidos trabalhavam o algodão usando as máquinas de Slater. O presidente dos Estados Unidos o chamou de “o pai da revolução industrial nos Estados Unidos” ao passo que na Inglaterra ficou conhecido com “Slater o traidor”. A esposa de Slater, Hannah (Wilkinson) Slater desenvolveu um tipo de linha de costura de algodão tendo sido a primeira mulher a receber uma patente nos Estados Unidos. Slater conseguiu estabelecer diversas fábricas e seu lucro líquido chegou a 1.2 milhões de dólares em 1835 quando faleceu.[3] Em 1812 foi a vez de Francis Cabot Lowell, formado da Universidade de Harvard, copiar os teares ingleses estabelecendo uma fábrica em Lowell em Massachusetts, conhecida como “a Manchester das Américas”. Em pouco tempo Francis Lowell fez pressão junto ao governo norte americano para garantir tarifas protecionistas que garantissem sua produção contra a concorrência dos produtos ingleses.[4]



[1]MANTOUX, Paul. A revolução industrial no seculo XVIII, São Paulo:Unesp, p.252; INKSTER, Ian. Science and technology in history, London:MacMillan, 1991, p. 50; FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.94

[2]FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.94; ZISCHKA, Anton. A Guerra secreta pelo algodão, Porto Alegre: Globo, 1936, p.50

[3]WILKOF, Neil. Samuel Slater and the American industrial revolution: trade secret misappropriation then and now trade secret misappropriation then and now, 17/07/2015 http://ipkitten.blogspot.com.br/2015/07/samuel-slater-and-american-industrial.html

[4]GALL, Norman. Brasil repete história e rouba tecnologia. Jornal do Brasil Informática, 1º caderno, p.34, 14/12/1986



segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Escola de Sagres

 

Luis de Albuquerque destaca que não houve qualquer inovação verdadeiramente revolucionária no Portugal do século XV para empreender as grandes navegações. A assim denominada “escola de Sagres” supostamente criada para formação de navegadores portugueses quando do período do Infante D. Henrique deve ser entendida em seu sentido metafórico uma vez que não constituía uma escola formal de mestres e alunos com aulas regulares. Luis Albuquerque aponta que não há qualquer registro histórico de tal escola náutica como contemporâneos como Gomes Eanes de Zurara, Duarte Pacheco Pereira ou João de Barros. Apenas no século XIX é que a existência física de tal escola começou a ser questionada pela historiografia.[1] Para Francisco Contente Domingues "As referências à Escola de Sagres aparecem em Inglaterra no séc. XIX. Sendo D. Henrique filho de uma inglesa, a rainha D. Filipa de Lencastre, mulher de D. João I, houve uma sobrevalorização do seu papel". A primeira referência a uma escola naval só aparece em 1559, em Lisboa, com a fundação da Aula do Cosmógrafo-mor, Pedro Nunes, quase um século depois da morte de D. Henrique. John Reston atribui ao mito de Sagres um produto do romantismo português do século XVIII e que seria retomado no século XX com o ditador Antonio Salazar que colocou o infante D. Henrique como parte do slogan nacionalista “Deus, pátria e família”. Com a Revolução dos Cravos em 1974 o mito em torno de D. Henrique diminuiu. [2]



[1] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.85

[2] RESTON, Os cães do Senhor, São Paulo: Record, 2008, p.126



O formato da Terra no tempo de Colombo

 

Tornada doutrina comum pela ordem Dominicana de Salamanca, a esfericidade da terra já não era questionada entre os eruditos antes de Colombo empreender sua viagem que levaria ao descobrimento da América. Nurnberg Hartmann Schedel (1440-1514) julgava-se autorizado em afirmar que “quase todos” estão convencidos da forma esférica da terra.[1] A Comissão portuguesa encarregada pelo rei João II de avaliar a proposta de Colombo não baseou sua rejeição na esfericidade da terra, o ponto de maior divergência era a alegada distância para se atingir a Ásia pelo ocidente navegando pelo oceano. Colombo alegava que tal viagem levaria apenas 2400 milhas náuticas, muito inferior por exemplo a viagem de 5000 milhas de Diogo Cão ao Congo, e que ainda estaria muito distante de fazer o contorno da África. W. Randles contudo observa que antes dos descobrimentos, ainda no século XV predominasse o entendimento de que a parte habitável da terra englobando Europa, Ásia e África seria plana, o “ecúmeno habitável”. Foi somente no período de 1480 e 1520 é que com a descoberta da América se consolidou o entendimento de que haveria zonas habitadas na esfera terrestre mesmo além do equador.[2] Em uma carta escrita em 1520 o italiano Alexandre Geraldini relata o depoimento do frade exegeta Nicolas de Lyre que aponta que no ecúmeno habitável não se nota qualquer curva, sendo inteiramente plano.[3] Em sua viagem a costa oriental do Brasil em 1501 Vespúcio, conforme texto publicado Mundus Novus de 1504, já deixara claro que havia regiões abaixo do equador habitáveis [4]. Para João de Castro em seu Tratado da Esfera de 1540 a grande experiência dos modernos, e principalmente as navegações de Portugal extirpou do mundo essa opinião dos antigos de que o ecúmeno seria plano [5]. Segundo Las Casas os adversários do projeto de Colombo acreditavam que aquele que navegasse sempre em direção ao poente não poderia retornar em seguida pois na volta precisariam estar subindo, o que os navios não poderiam fazer nem com o maior vento, seria como se tivessem de escalar uma montanha. [6] “Os Embaixadores” (1533) é uma pintura a óleo sobre madeira de Hans Holbein, o Jovem que mostra a figura de um globo terrestre ao lado do alaúde. O mapa representado ficou conhecido como o "Globo dos Embaixadores" [7] A primeira referência direta a globo terrestre somente ocorre em 1643 com o livro Hydrographie de Georges Fournier sem maiores detalhamentos, o que irá ocorrer em 1646 em Geographie Royale de Philippe Labbe: “os geógrafos cortam em vários círculos ou partes esta superfície  convexa do globo terráqueo (é assim que os novos professores desta ilustre ciência falam mais cultamente para expressar a Terra e a água juntas no centro do mundo)”.[8]



[1] HOFFNER, Joseph. Colonialismo e evangelho, São Paulo:USP, 1973, p.140

 [2] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 11

 [3] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 39

 [4] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 62, 98

[5] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 73

 [6] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 37

 [7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Embaixadores

 [8] RANDLES, W. Da Terra plana ao globo terrestre, Campinas:Papirus, 1994, p. 87



sábado, 17 de outubro de 2020

A terra plana de Lactâncio

 

Segundo Jó 26: 10 Deus “Marcou um limite sobre a superfície das águas em redor, até aos confins da luz e das trevas”. Segundo Amós 9:6  “Ele é o que edifica as suas câmaras superiores no céu, e fundou na Terra a Sua abóbada, e o que chama as águas do mar, e as derrama sobre a Terra; o Senhor é o Seu nome”. Em Lucas 4:5 o diabo leva Jesus a um monte onde pode lhe mostrar todos os reinos do mundo o que pressupõe a existência de uma terra plana.  Para Lactâncio (250-325) em Instituições Divinas seria ridículo imaginar uma terra esférica em que na outra face da Terra a chuva caísse de baixo para cima, ou que existisse uma raça humana vivendo de ponta-cabeça. Lactâncio considerava o estudo de astronomia como algo mal e sem sentido[1]. As teses de Lactâncio serão refutadas por Copérnico em Revolutionibus Orbium Coelestium Libri de 1543 o que mostra ainda que ainda eram debatidas em sua época: “Não se ignora, de fato, que Lactâncio, aliás célebre escritor, porém mesquinho matemático, fala de um modo muito ingênuo da forma da Terra, quando ridiculariza os que ensinaram que  terra tem a forma de um globo”.[2] Em carta escrita pelo humanista Rudolf Agricola em 1514 a seu amigo Vadianus, o autor revela suas dúvidas sobre as teses de Lactâncio e outros padres da Igreja que negam a existência de antípodas e da forma esférica da Terra. Em sua resposta Vadianus é enfático na defesa de uma terra esférica (una cum circumfluis undis globum absolvit): “Você erra, caro Lactâncio, nisto que sua juventude deveria ter-lhe ensinado a fundo. [...] Se você tivesse sido tão assíduo no estudo da literatura sagrada quanto o foi nas disputas artificiais, não teria dito isto, e teria talvez confirmado nossas opiniões, assim como você destruiu o ponto de vista de outros”. Na Itália o cônego Zacarias Lílio, mesmo conhecedor das descobertas de Colombo publicou uma defesa das teses de Lactâncio que afirmava que a terra era plana.  As teses de Lactâncio além do polonês Copérnico são atacadas por diferentes autores, o que é uma prova de que ainda estavam em evidência: em Tratado da Sphera do português João de Castro (1540), em Coloquio del sol do espanhol Pedro Mexia (1548), em Historia general de las Indias do espanhol Francisco Gomara (1552), em The castle of the knowledge do inglês Robert Recorde (1556), em Les trois mondes do francês Henri de la Popliniére (1582), em Historia natural y moral de las Indias do espanhol Jose Acosta (1590) e dos Conimbricences em Portugal (1593).[3]



[1]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 283

[2]RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 16, 42, 64, 124

[3]RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 125




sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Cusco umbigo do mundo

 

Maria Longhena explica que “inca” era o título dado ao soberano, tal como “César”, de modo que, a rigor, a expressão “império inca” é anacrônica pois entre o povo inca o império era conhecido como Tahuantinsuyo, o que significa “as quatro partes do mundo”[1] sendo Cusco o “umbigo do mundo”[2], capital e sede do poder central. Henri Favre, contudo, observa que os autores antigos não se referem a Cusco como umbigo do mundo.[3] Sancho de la Hoza ao descobrir Cusco julgou-a “digna de ser vista pela Espanha [..]. Ela está repleta de palácios senhoriais” sendo a cidade encimada pela imponente fortaleza de Sacsaihuaman.[4] Segundo Garcilaso de la Veja em Comentarios Reales de 1607-16117 “Cusco era o centro do império dos Incas e que este nome não lhe fora mal imposto já que na linguagem particular dos Incas, ele significava o umbigo da Terra”.[5]



[1] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.58

[2] MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII. Tomo IV, 2° volume, História Geral das Civilizações, São Paulo:Difusão, 1957, p. 40

[3] FAVRE, Henri. A civilização inca, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.69

[4] FAVRE, Henri. A civilização inca, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.65

[5] RANDLES, W.G.L. Da terra plana ao globo terrestre, São Paulo:Papirus, 1994, p.108



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...