segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O formato da Terra no tempo de Colombo

 

Tornada doutrina comum pela ordem Dominicana de Salamanca, a esfericidade da terra já não era questionada entre os eruditos antes de Colombo empreender sua viagem que levaria ao descobrimento da América. Nurnberg Hartmann Schedel (1440-1514) julgava-se autorizado em afirmar que “quase todos” estão convencidos da forma esférica da terra.[1] A Comissão portuguesa encarregada pelo rei João II de avaliar a proposta de Colombo não baseou sua rejeição na esfericidade da terra, o ponto de maior divergência era a alegada distância para se atingir a Ásia pelo ocidente navegando pelo oceano. Colombo alegava que tal viagem levaria apenas 2400 milhas náuticas, muito inferior por exemplo a viagem de 5000 milhas de Diogo Cão ao Congo, e que ainda estaria muito distante de fazer o contorno da África. W. Randles contudo observa que antes dos descobrimentos, ainda no século XV predominasse o entendimento de que a parte habitável da terra englobando Europa, Ásia e África seria plana, o “ecúmeno habitável”. Foi somente no período de 1480 e 1520 é que com a descoberta da América se consolidou o entendimento de que haveria zonas habitadas na esfera terrestre mesmo além do equador.[2] Em uma carta escrita em 1520 o italiano Alexandre Geraldini relata o depoimento do frade exegeta Nicolas de Lyre que aponta que no ecúmeno habitável não se nota qualquer curva, sendo inteiramente plano.[3] Em sua viagem a costa oriental do Brasil em 1501 Vespúcio, conforme texto publicado Mundus Novus de 1504, já deixara claro que havia regiões abaixo do equador habitáveis [4]. Para João de Castro em seu Tratado da Esfera de 1540 a grande experiência dos modernos, e principalmente as navegações de Portugal extirpou do mundo essa opinião dos antigos de que o ecúmeno seria plano [5]. Segundo Las Casas os adversários do projeto de Colombo acreditavam que aquele que navegasse sempre em direção ao poente não poderia retornar em seguida pois na volta precisariam estar subindo, o que os navios não poderiam fazer nem com o maior vento, seria como se tivessem de escalar uma montanha. [6] “Os Embaixadores” (1533) é uma pintura a óleo sobre madeira de Hans Holbein, o Jovem que mostra a figura de um globo terrestre ao lado do alaúde. O mapa representado ficou conhecido como o "Globo dos Embaixadores" [7] A primeira referência direta a globo terrestre somente ocorre em 1643 com o livro Hydrographie de Georges Fournier sem maiores detalhamentos, o que irá ocorrer em 1646 em Geographie Royale de Philippe Labbe: “os geógrafos cortam em vários círculos ou partes esta superfície  convexa do globo terráqueo (é assim que os novos professores desta ilustre ciência falam mais cultamente para expressar a Terra e a água juntas no centro do mundo)”.[8]



[1] HOFFNER, Joseph. Colonialismo e evangelho, São Paulo:USP, 1973, p.140

 [2] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 11

 [3] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 39

 [4] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 62, 98

[5] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 73

 [6] RANDLES, W. Da terra plana ao globo terrestre, Campinas: Papirus, 1994, p. 37

 [7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Embaixadores

 [8] RANDLES, W. Da Terra plana ao globo terrestre, Campinas:Papirus, 1994, p. 87



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