A influência dos mestres pedreiros nas construções não raras vezes era objeto de divergências com arquitetos. Por volta de 1400 quando da construção da catedral de Milão [1] os mestres pedreiros da Lombardia na Itália argumentaram contra o arquiteto francês Jean Mignot que “a ciência da geometria não deveria interferir nessas questões, pois a ciência é uma coisa e a arte é outra”. O arquiteto francês, por sua vez, critica o trabalho realizado pelos maitres és pierres (mestre em pedras) lombardos como colocando em risco a construção pois “a arte sem a ciência (a prática sem a teoria) não é nada” - ars sine scientia nihil est. [2] Para a escolástica medieval a prática da ars (técnica) sem o conhecimento adequado (scientia) que leve em conta conceitos teológicos da relação entre números e proporções não levaria a lugar nenhum (nil), os dois são inseparáveis. Os habitantes de Milão em reação demitiram o arquiteto francês. [3] O episódio marca o confronto entre dois tipos de construtores, o “mestre em pedra” magister lapidum e o arquiteto. [4] No século XV artistas e artesãos se confundem, meros executantes das obras encomendadas pelos eclesiásticos [5]. Ainda no século XIV não há nenhum termo para designar o artista como para designar o intelectual. Artista e artesão são ambos denominados como artifex. O termo em latim ars refere-se mais ao domínio da técnica e do ofício do que propriamente à ciência.[6] Este mesmo episódio é narrado por esotéricos como Tim Wallace como sendo a frase dita pelos maçons que defendiam a necessidade de manter os seus projetos [7]. Jean Delumeau cita como exemplos de engenheiros artistas renascentistas Francesco di Giorgio, Leonardo da Vinci e Durer [8]: Em 1525 Durer publicou Instruction concerning measurement with compasses and straight edge, mostrando aos alemães todo o conhecimento científico que pode apurar em suas viagens à Itália. [9] Para Daniel Boorstin ao analisar o papel de Leonardo da Vinci e Michelângelo: “essas duas maiores figuras da arte italiana da Renascença dramatizaram movimento moderno que levou o artesão a ser artista”. [10] Para Jean Delumeau “A nossa época atual tende a opor arte e técnica; mas nem sempre assim foi. Talvez o diálogo entre a arte e a técnica nunca tenha sido tão fecundo como no tempo do Renascimento”.[11] Embora o termo “engenheiro” tenha sido utilizado somente com Gille ao se referir aos “engenheiros do Renascimento”, Delumeau considera a expressão apropriada.[12]
[1]https://en.wikipedia.org/wiki/Milan_Cathedral
[2]Uma história social do
conhecimento: de Gutenberg a Diderot, Peter Burke, Rio de Janeiro:Jorge Zahar,
2003, p.79; LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de
Janeiro:Vozes, 2016, p. 207; CARREIRA, Eduardo. O pincel invisível do pintor:
notas sobre o simbolismo iniciático nas artes medievais. In: RIBEIRO, Maria
Eurydice. A vida na idade média, Brasília:UNB, 1997, p. 82
[3]MARCHI, Cesare. Grandes
pecadores, grandes catedrais, São Paulo:Martins Fontes, 1991, p.124
[4]LE GOFF, Jacques. A
civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 207
[5]DUBY, Georges. História
artística da Europa: Idade Média, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 17
[6]LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presençã, 1989, p.22
[7]MURPHY, Tim Wallace. O
código secreto das catedrais. São Paulo:Pensamento, 2007, p. 115
[8]DELUMEAU, Jean. A
civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.152
[9]KLEMM, Friedrich, A history of western technology, London:Ruskin House,
1959, p. 131
[10]BOORSTIN, Daniel. Os
criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.512
[11]DELUMEAU, Jean. A
civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.198
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