segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

A técnica da faiança e do vidro no Antigo Egito

 

Os egípcios usavam vidro por volta de 3000 a.c. possivelmente um desenvolvimento da faiança que por sua vez era feita misturando-se seixos de quartzo triturado misturados com pequena quantidade de álcali. Segundo Robert Brill: “Se alguém acrescentou um excesso de álcali, ou se usou temperatura alta demais ou se, talvez, moeu parte dos detritos de experiências anteriores usando-os novamente na mistura, a reação química poderia ter prosseguido o suficiente para dissolver todos os grãos de quartzo e formar um retículo vítreo. É provável que a descoberta do vidro tenha ocorrido de um cozimento acidental ou, talvez, de uma manipulação intencional dos ingredientes empregados na faiança”. Há registro de peças de vidro da XVIII Dinastia no século XVI a.c. [1] São encontradas fábricas de vidro em Wadi Natrun no deserto da Líbia e rico em natrão (uma mistura de carbonato, bicarbonato, cloreto e sulfato de sódio efetiva para desidratação e preservação de corpos).[2] A técnica de fabricação de vidro no Egito teria origem como contato com Ásia[3], na fenícia, possivelmente descoberta casual de um processo natural de vitrificação[4] em que um negociante que ao atravessar o deserto da Síria, deixou seus potes onde iria preparar o jantar sobre uns blocos de potassa ou soda. Na manhã do dia seguinte percebeu que a potassa havia derretido com a areia formando pequenos pedaços de vidro que poderia ser usado na fabricação de pérolas e adornos[5]. As técnicas de fabricação de vidro pouco se desenvolveram inicialmente como imitação de pedras preciosas por volta de 2500 a.c. no Egito e Mesopotâmia. Os recipientes de cristal aparecem por volta de 1500 a.c. ao mesmo tempo em que a técnica de soprar vidro é desenvolvida na Síria, prescindindo neste caso de um molde.[6] O sopro de vidro de origem Síria durante o século I a.c. chegou a Alexandria no Egito no século seguinte.[7] Segundo Flinders Petrie as primeiras evidências de vidro no Egito datam da XIV Dinastia.[8] Foram encontradas fábricas de vidro na XVIII dinastia próximas aos palácios reais de Amenófis / Amenhotep III (1391-1353 a.c.) em Malqata e na XIX dinastia na cidade de Lisht. Demócrito se refere a produção de vidro maleável no Egito[9]. O vidro transparente apareceu no reino de Tutancamon (1300 a.c.) e a partir de 700 a.c. os vasos egípcios de vidro conhecidos como alabastros difundiram-se por todo Mediterrâneo sendo copiados pelos fenícios[10]. A técnica na fabricação de vasilhas de cristal possivelmente foi trazida do Oriente Médio de artesãos locais trazidos como escravos. O fato de não se encontrar nos túmulos da aristocracia representação da fabricação de vidro mostra que trata-se de uma atividade que era monopólio real uma vez que no Império Novo as representações nos túmulos reais eram invariavelmente de cenas religiosas.[11] A faiança era feita com um pó de quartzo ao invés de argila[12], sendo revestida com uma pasta vítrea. Levado ao fogo o produto assumia um aspecto vítreo em tonalidade azul sendo usado na fabricação de contas, vasos, ladrilhos e estatuetas.[13] O produto é considerado um dos primeiros sintético produzidos com objetivo de substituir o lápis lazuli e o desenvolvimento desta técnica pode ter levado  um conhecimento que mais tarde seria importante  para a extração do cobre a partir do minério in natura.[14] A descoberta da esmaltagem da faiança tem sido associada com a indústria do cobre. Azulejos azuis foram encontrados na tumba de Zoser da III Dinastia.[15]



[1] METZGER, Norman. Homens e moléculas, Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 120

[2] SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p.40; WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 57

[3] MOKHTAR, Gamal. História geral da África, II: África antiga, Brasília : UNESCO, 2010, p.74

[4] HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.109

[5] LOON, Hendrick. História das invenções: o homem fazedor de milagres, Sâo Paulo:Brasiliense, 1961, p.113

[6] DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.127, 129; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 51

[7] STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 144

[8] ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.126

[9] PAPUS. Tratado de ciências ocultas, Rio de Janeiro:Planeta, 1973, p.35

[10] MOKHTAR, Gamal. História geral da África, II: África antiga, Brasília : UNESCO, 2010, p.127

[11] STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 142

[12] DONADONI, Sergio. Museu Egípcio do Cairo, São Paulo: Mirador, 1969, p. 141

[13] CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.136; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 49

[14] HODGES, Henry. Technology in the ancient world, New York: Barnes & Noble Books, 1970, p. 62, 65

[15] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 161



domingo, 30 de janeiro de 2022

A dinâmica exportadora e do mercado interno colonial

 

Jorge Caldeira (figura) mostra que as perspectivas marxistas de Caio Prado Junior tendem a minimizar o papel do mercado interno, dos extratos intermediários da sociedade e o papel do ouro como incrementando as capacidades de acumulação primitiva na Colônia, simplificando a análise com uma sociedade dividida entre senhores de engenho e escravos e uma economia baseada no latifúndio agrário exportador[1]. A derrubada desse modelo explicativo, que não se sustenta em dados empíricos, corresponde a uma verdadeira revolução geocêntrica na historiografia brasileira.[2] Roberto Simonsen já havia questionado o modelo baseado no latifúndio em seu livro História Econômica do Brasil de 1935 e menciona o depoimento de Alfredo Ellis no século XVII: “as sesmarias maiores logo eram retalhadas, senão por compra e venda, ao menos por sucessão hereditária, de modo que se transformavam em pequenas fazendolas. Com isso pensamos que a propriedade rural paulistana no seiscentismo tem sido de cerca de cem alqueires em média; evoluindo no setecentismo para maiores proporções, em vista de haverem os paulistas emigrado para as minas e para o sertão mais distante, tornando menos densa a população rural”.[3] Este modelo explicativo que aparece nas teses de Caio Prado Júnior, contudo já se encontra em linhas gerais presente na obra de conservadores como Oliveira Vianna que também identifica o latifúndio exportador como fonte de atraso no país que impede o surgimento de uma ideologia liberal. Em ambas as perspectivas marxista e conservadora não há espaço para o empreendedor, toda a lógica de desenvolvimento se ancora a subordinação ao governo central que o comanda.[4] Para Oliveira Vianna o poder local do senhor de engenho enfraquecia a coesão nacional e o poder central com efeitos deletérios sobre a economia, constituindo “nódulos de povoamento”.[5] Segundo Manoel Albuquerque: “A estrutura social da área de produção açucareira constituiu-se em um exemplo clássico das formas de dominação colonialista. O engenho era o organismo social que formava a base do poder econômico, jurídico político e ideológico desse setor da classe produtora escravista”[6]. Estudos empíricos confirmam a fragilidade do argumento de Caio Prado Júnior, como observado no estudo da economia feito por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que destacam o papel do mercado interno em Dependência e Desenvolvimento na América Latina de 1967[7], por exemplo, nos embates entre as oligarquias locais e os grupos exportadores quando da guerra dos Farrapos iniciada em 1835 e a disputa entre os pecuaristas produtores de charque no sul do Brasil cuja produção era voltada principalmente para o mercado e era usado como base da alimentação dos escravos, sobretudo no Sudeste. Sobre o charque produzido no Rio Grande do Sul incidiam mais impostos do que ao charque estrangeiro, produzido no Uruguai e na Argentina. O marxista João Fragoso já reconhece o peso do mercado interno da dinâmica colonial: “na Colônia havia a presença de um mercado interno de acumulações endógenas e de uma comunidade mercantil residente”.[8]

[1] GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968; VINHAS, M. Problemas agrários camponeses do Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968

[2] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.21

[3] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.216

[4] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.302

[5] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.66

[6] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 64

[7] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.112, 293; CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina, Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p.44

[8] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.294



Tradição Umbu: milênios sem inovação

 

No sul do Brasil predominaram sociedades do tipo caçador coletor os quais os artefatos encontrados ficaram conhecidos como “tradição Umbu” data de 12 mil ap. caracterizado por instrumentos em pedra tais como pontas de flechas ou dardos para a caça. A tradição Humaitá predominou sobre ambientes de floresta datado de 9 mil ap.[1] Entre os artefatos encontrados estão boleadeiras, uma arma de arremesso para caça feita de tiras de couro trançado com pesos nas pontas até hoje presente entre os vaqueiros sulistas, conhecidos no pampa como gaúchos[2]. A “Tradição Vieira”[3] nos campos meridionais do Rio Grande do Sul e Uruguai é caracterizada por uma cerâmica com vasilhas de bases planas ou convexas, tamanhos pequenos, com formas de contorno simples, infletidos, ou uma combinação de ambas. A “Tradição Humaitá” no sul do Brasil, nordeste da Argentina e sudeste do Paraguai é caracterizada por grandes artefatos bifaciais. Já os resíduos de lascamento são muito semelhantes aos encontrados na “Tradição Umbu”. Segundo João Carlos Moreno de Sousa a análise do formato e modo de produção dos artefatos encontrados em sítios arqueológicos de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul mostra esses grupos, que viveram há cerca de 13 mil anos atrás na parte oriental da América do Sul, tinham culturas diferentes o que pode levar a um questionamento do conceito de “Tradição Umbu” proposta a partir dos trabalhos de Eurico Theófilo Miller e que perdura desde a década de 1980 na arqueologia brasileira.[4] O sítio arqueológico Pororó, no Alto Vale do Jacuí, Rio Grande do Sul (RS) foi descoberto em 2010 pelo arqueólogo Saul Milder, da Universidade Federal de Santa Maria. João Carlos Moreno de Sousa do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostra que os artefatos líticos encontrados em Pororó datados de 2,5 mil anos atrás são muito semelhantes aos encontrados em outros sítios tais como os da “Cultura Garivaldinense”, em referência ao sítio Afonso Garivaldino Rodrigues, no Médio Vale Rio Jacuí de 5 mil anos atrás, o que mostra que tais técnicas permaneceram sem qualquer inovação por  milênios. Segundo Moreno de Sousa: “Apesar do aparecimento de novos tipos de pontas e outras ferramentas, algumas tradições persistem, como se fossem algo muito forte na memória social desses grupos, talvez uma questão de identidade social [...] Por muito tempo, na arqueologia, todos os povos de caçadores-coletores que produziam essas pontas de pedra lascada e viveram nas Américas entre 14 mil anos atrás e a colonização europeia foram categorizados como ‘Tradição Umbu’, que inicialmente descrevia um período específico no nordeste do RS e acabou generalizado enquanto categoria. Mas quando observamos essa continuidade longeva das tecnologias da Cultura Garivaldinense e comparamos, por exemplo, com outras tecnologias do Sul e Sudeste, que são muito diferentes, notamos que essas sociedades eram bastante diversas culturalmente e não podem ser tratadas como um grupo homogêneo”. [5]



[1] NOELLI, Francisco. A ocupação humana na região Sul do Brasil: arqueologia, debates, perspectivas - 1872-2000. Revista USP, v.44, p.230 http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/29849

[2] FORDE, Daryll. Foraging, hunting and fishing. In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, 1958, v. I. p. 165

[3] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.42

[4] https://jornal.usp.br/ciencias/analise-de-artefatos-de-pedra-pode-mudar-teoria-sobre-pre-historia-na-america-do-sul/

[5] MOURA, Sebastião. Análise de pontas de pedra lascada indica uma tradição tecnológica de mais de 8 mil anos, 27/01/2022 https://jornal.usp.br/ciencias/analise-de-pontas-de-pedra-lascada-indica-uma-tradicao-tecnologica-de-mais-de-8-mil-anos/



A técnica hidraulica entre os incas

 

Em Machu Picchu (Velho Pico)[1] descoberta em 1911 pelo arqueólogo norte americano Hiram Bingham, professor da Universidade de Yale, foram encontrados aquedutos que forneciam água potável aos moradores.[2] A cidade era conhecida simplesmente como Picchu e sua localização exata era mantida como segredo militar na época, sendo rebatizada como Machu Picchu por Hiram Bingham quando de sua redescoberta em 1911.[3] Os primeiros conquistadores espanhóis ignoravam a existência de Machu Pichu escondida pela floresta virgem e montanhas, nem o segredo de sua existência revelado pelo povo inca conquistado. Além das muralhas Machu Picchu é marcada por grandes terraços cultiváveis conhecidos como andenes[4] (na figura) dotados de um sofisticado sistema de canais que permitia a irrigação constante dos cultivos, evitando a erosão e preservando o solo e as montanhas, feitos de pedra empilhada[5]. Em Sacsahuamán acima de Cusco existem enormes reservatórios de água subterrâneos. Rios como o Urubamba foram canalizados o que revela uma técnica hidráulica avançada[6]. Sobre o desenvolvimento de engenharia hidráulica dos incas Simone Waisbard conclui: “Esta ciência hidráulica, os Incas possuíam-na efetivamente. As descobertas de Hiram Bingham em Machu Picchu, as de Paul Fejos  nas três cidades desconhecidas durante muito tempo que superam a cidade perdida dos incas, a exploração recente de Vilcabamba la Vieja pelo americano Gene Savoy, demonstraram a perfeita maestria dos engenhos do Cusco no manejo da água corrente, tanto para fins utilitários quanto decorativos ou cerimoniais”.[7] O inca Viracocha construiu um aqueduto de duzentos quilômetros com canalização de trinta centímetros de diâmetro descrevendo uma curva para oeste e para o sul a partir de Cusco.[8]



[1] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 127

[2] LEONARD, Joathan. América pré colombiana, Rio de Janeiro:José Olympio Editora. Biblioteca de História Universal Life, 1971, p.137

[3] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 334, 338

[4] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 230

[5] RIBAS, Ka W. A ciência sagrada  dos Incas, São Paulo:Madras, 2008, p. 96

[6] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 66

[7] WAISBARD, Simone. Tiahuanaco: 10000 anos de enigmas incas. São Paulo:Hemus, 1971, p. 204

[8] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 221



sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A taclla - o arado inca

 

Siegfried Huber admite o uso de um tipo de arado entre os incas. [1] Os incas sulcavam o solo com a taclla, taklla, chaquitaclla um arado manejado com os pés com uma ponta de madeira ou bronze, uma espécie de enxada.[2] O agricultor tinha de pressionar com quase todo seu peso para que a colher fosse introduzida no solo. As madeiras usadas eram as mais duras como o lloque, chachacomo ou tassta.[3] As mulheres vinham atrás removendo os pedregulhos seja com as mãos ou usando a lampa, uma enxada simples[4]. O ano agrícola era aberto pelo sapainca e governadores que abriam sulcos na terra com uma taclla de ouro[5] para a primeira semeadura, porém, esta tarefa era meramente simbólica[6]. Os incas aravam a terra ao som de músicas conhecidas como jailli: “ho vitória, ho, vitória ! Aqui cavando com o arado, aqui sulcando ! Aqui o suor, aqui a labuta ! - Ayau jailli, ayau jailli ! Kayqa trajilla, kayqa suka ! Kayqa maki; kayqa jumpi !. Os índios com sua taclla não abrem um sulco na terra, como diz o padre Cobo, abrem camellones. Outros instrumentos agrícolas incas incluem a casuna, jalmana, raucana, a chira a chinca de cuerno, huactana, allachu, huarmicpananan e a cupana.[7] Waldemar Soriano observa que tais técnicas foram em sua grande maioria herdadas de povos mais antigos: “na era inca, científica e tecnologicamente ninguém tentava descobrir, criar ou inventar coisas novas. Na verdade, havia uma recusa a qualquer inovação, exceto aquela que importara na segurança do sistema. Caso contrário, nem sequer lhes gostava experimentar, vivendo unicamente da antiguidade e tradição. Suas cerimônias religiosas e cívicas constituíam verdadeiros arquivos ou museus vivos, ou coleções de ritos e hinos arcaicos sem inovações de nenhum tipo. Não haviam desenvolvido as forças produtivas, nem as novas formas de pensamento”.[8]



[1] SCHMIDT, Carlos Borges. Arados no velho e no novo mundo, Diário de São Paulo, 16/10/1960

[2] CARDOSO, Ciro Flamarion. América pré colombiana. Coleção Tudo é História, n° 16, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 99; GADE, Daniel; RIOS, Roberto. Chaquitaclla, the native footplough and its persistence in central andean agriculture https://www.mot.be/webhdfs/v1/website/opzoeken/lectuur/artikels/chaquitaclla.pdf

[3] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 248

[4] TIME LIFE BOOKS, Incas: Lords of gold and glory. Alexandria, 1992, p.127; BAUDIN, Louis. El império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.195; BAUDIN, Louis. A vida quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 243; HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 65

[5] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 303

[6] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 227

[7] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 250

[8] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 256



quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A origem do algodão nas Américas

 

Tecidos e cerâmicas se destacavam na arte maia.[1] Um dos fragmentos de fibras vegetais trançadas mais antigo encontrados no Peru data de 3500 a.c.[2] Na caverna Guitarrero foram encontrados tecidos de fibras vegetais trançadas de cerca de 5780 a.c.[3] Os primeiros fragmentos de tecidos em algodão foram encontrados em Huaca Prieta no vale do Chicama datados de 2500 a.c.[4] Julius Bird do Museu de História Natural de Nova York registra vestígios de algodão em cavernas do Peru em 2000 a.c. O algodão  tem seu vestígio mais na África no Egito por volta de 370 a.c. O algodão e uma das poucas culturas comuns tanto a Europa como a América na época dos descobrimentos o que mostra um grande enigma de como ele teria atravessado o oceano ou se teria um desenvolvimento independente. Alguns botânicos acreditam que pudesse ser transferido de um lado a outro por pássaros migratórios que levariam suas sementes, porém a semente de algodão (género botânico Gossypium) não faz parte da dieta de nenhum pássaro conhecido.[5] Entre os incas fragmentos têxteis de tecido encontrados na península de Paracas no sul do Peru datam de 300 a.c.[6] usados em rituais funerários. Os desenhos alternam simetricamente o uso de cores. Ora o fio de urdidura é de qualidade e cor diferente do fio da trama, ora apresenta cores diferenciadas, as vezes com fios de ouro e prata.[7] Os incas conheciam a técnica do brocado, um tipo de tecido ricamente decorado, feitos em seda colorida, e com relevos bordados geralmente a ouro ou prata. O brocado utiliza a técnica de trama suplementar, que é adicionada à trama padrão que mantém juntos os fios do urdume. Segundo Sarmiento a técnica foi invenção do inca Viracocha.[8] Dos monastérios do Sol incas eram produzidas várias espécies de tecidos entre as quais os famosos chumpi ou kumpi.[9]

[1] BAITY, Elizabeth Chesley. A América antes de Colombo. Belo Horizonte:Itatiaia, 1963, p.134

[2] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.18

[3] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.109

[4] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.109, 138

[5] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 63

[6] MacGREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos, Rio de Janeiro:Intrínseca, 2013, p.187; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 54

[7] BAUDIN, Louis. A vida quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 182, 205

[8] BAUDIN, Louis. El império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.330

[9] FAVRE, Henri. A civilização inca, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.85





A espagiria de Paracelso e a alquimia

 

O ensinamento extraído da experiência era fundamental para Paracelso: “perscrutamini naturas rerum” – “investiga a natureza”[1]. Segundo William Bynum: “a importante inovação de Paracelso foi a separação entre o paciente e a doença”[2] Em Paragranum escrita em 1530 Paracelso afirma a necessidade de uma nova terapêutica.[3] Seu livro Cirurgia maior – Di grosse Wundartzney de 1536 foi uma de suas obras mais importantes.[4] Para o alquimista Nicolas Flamel em seu Thresor de Philosophie a alquima “é a ciência dos quatro elementos que se transformam mútua e reciprocamente uns em outros. Todos os filósofos coincidem nesse ponto”.[5] Para Paracelso a espagiria indica a arte de separar o puro do impuro de forma que, eliminadas as excrescências, a virtude remanescente possa operar – purum ab impuro segregare, ut, reiectis fecibus, virtus remanes operetur, por este motivo Paracelso é conhecido como o Espagirista. Titus Burckhardt explica que “O termo medicina espagirica vem das palavras gregas correspondentes a 'divisão' e 'união' – correspondendo aos termos alquímicos solve et coagula”.[6] Lucia Helena Galvão[7] mostra que o princípio do solve et coagula diz respeito da morte no mundo físico e renascimento no mundo espiritual. Para Julius Evola: “Como preceito geral, permanece sempre: Solve et coagula. Potier especifica: “Se estas duas. palavras te parecem demasiado obscuras e não próprias de Filósofo, direi algo mais extenso e compreensível. Dissolver é converter o Corno do nosso ímã em puro Espírito. Coagular é fazer de novo corporal este Espírito, segundo o preceito do Filósofo que diz: Converte o Corpo em Espírito e o Espírito em Corpo. Quem entender estas coisas, possuirá tudo; e quem as não compreender, nada terá”. Ao solve corresponde-lhe o símbolo da ascensão; ao coagula corresponde-lhe o da descida”[8]. Segundo Paracelso: “a magia tem o poder de experimentar e compreender as coisas que são inerentemente inacessíveis à razão humana. Pois a magia é uma grande sabedoria secreta, assim como a razão é uma grande loucura pública”.[9] Alguns dos trabalhos de Paracelso de outro lado era escritos de forma codificada em um alfabeto denominado Alfabeto dos reis magos. Nicolas Flamel em sua obra Testamento de Nicolas Flamel também usa um alfabeto codificado.[10] Paracelso acredita na correlação entre o macrocosmo e o microcosmo e na astrologia: “É preciso ter consciência de que a medicina deve ter nos astros a sua preparação e que os astros se tornam meios para cura. A preparação do médico terá que ser exercida de tal forma que o remédio seja preparado como por tramitação celeste, do mesmo modo com que são tramitadas as profecias e os outros eventos celestes”.[11]

[1] MANGOLD, Lydia Mez. Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.94

[2] BYNUM, William. Uma breve história da ciência. Porto Alegre:L&PM Pocket, 2018, p. 62

[3] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 112

[4] FARIAS, Robson Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.35

[5] DE ROLA, Stanislas. Alquimia. Lisboa:Ed. Del Prado, 1996, p. 17

[6] BURCKHARDT, Titus. Alquimia: ciência do cosmos, ciência da alma. Londres: Fons Vitae, 1967, p. 17

[7] GALVÃO, Lucia Helena. A alquimia na idade média, Nova Acrópole Brasil. minuto 17 https://www.youtube.com/watch?v=8whFz7B-qDQ&t=1060s

[8] EVOLA, Julius, A tradição hermética. Lisboa: Edições 70, 1971, p. 169

[9] BELL, Madison Smartt. Lavoisier no ano um. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 43

[10] COSTA, Marcos. O livro obscuro do descobrimento do Brasi, Rio de Janeiro:Leya, 2019, p. 67

[11] ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 274



quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O ouroboros nos textos medievais

 

Os manuscritos herméticos medievais são ilustrados com frequência pelo dragão ouroboros, símbolo da eternidade[1], que morde “boros” a própria cauda “oura”, simbolizando a eternidade, acompanhado da mensagem <O uno é o todo> Hen to pan[2]. Na alquimia o ouroboros simboliza a transmutação da matéria.[3] No Egito o papiro mágico ilustrado de Brooklyn revela a imagem de um ouroboros[4]. No segundo sarcófago de Tutankhamon são mostrados suas serpentes ouroboros.[5] Ao recriar-se a si mesmo simboliza a matéria em transformação, logo, a própria alquimia. Segundo Julius Evola o símbolo ouroboros represente ao mesmo tempo o Universo e a “Grande Obra”: “A fórmula que expressa esse princípio encontramo-la já na Crisopea de Cleópatra: “Um o Todo” que devemos assimilar a “o Telesma, o Pai de todas as coisas, está aqui” da Tábua de Esmeralda. Não se trata, portanto, neste caso, de uma teoria filosófica (hipótese da redutibilidade de todas as coisas a um princípio único), mas sim de um estado concreto devido a uma certa supressão da lei de dualidade entre o Eu e o não-Eu e entre dentro e fora, que salvo raros instantes domina a comum e mais recente percepção da realidade”.[6] Esta imagem inspirou Kekulé a desvendar a estrutura do benzeno.  



[1] HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.174

[2] LAFONT, Olivier. A química. In: COTARDIÈRE, Philippe. História das ciências: da antiguidade aos nossos dias, Rio de Janeiro:Saraiva, 2011, p.147

[3] LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos, São Paulo:Cultrix, 1990, p. 150

[4] JACQ, Christian. O mundo mágico do antigo Egito, Rio de Janeiro:Bertrand do Brasil, 2001, p.110

[5] CLARK, Rundle. Símbolos e mitos do Antigo Egito, São Paulo:Hemus, (s.d.), p.75, 76

[6] EVOLA, Julius, A tradição hermética. Lisboa: Edições 70, 1971, p. 37



terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Maçonaria e as conjurações baiana e mineira

 

Em 1796 o padre botânico Manuel Arruda da Câmara formado em medicina em Montpellier e com passagem filosofia e ciências naturais na Universidade de Coimbra fundou o Aerópago de Itambé em Recife em Pernambuco[1] considerada a pioneira das lojas maçônicas no Brasil[2]. Na Bahia Cipriano Barata, estudante da Universidade de Coimbra e Marcelino de Souza foram denunciados à Inquisição de Lisboa em 1798 por questionarem doutrinas da Igreja, mais tarde dando origem ao movimento da Conjuração Baiana. O historiador Joaquim Felício dos Santos (1822-1895) mostra que quase todos os conjurados na Bahia eram pedreiros livres. Aquino observa, contudo, que a loja Maçônica Cavaleiros da Luz não era frequentada pelos soldados, artesãos e elementos das camadas populares.[3] Dentre os 33 presos processados haviam 11 escravos, cinco alfaiates, seis soldados, três oficiais, dois ourives, um pedreiro, um professor, um carpinteiro, um bordador, um negociante e um cirurgião.[4] Também encontravam-se entre os conspiradores membros das camadas mais humildes como alfaiates, sapateiros, pedreiros, cabeleireiros, soldados, gravadores, carapinas, ambulantes[5]. Membro da elite baiana, Jorge Borges Barros conseguiu fugir para Lisboa antes que os conjurados baianos na revolução dos alfaiates de 1798, cujos líderes eram exclusivamente mulatos[6], fossem descobertos entre os quais alguns maçoms[7]. Na ilha da Madeira José Borges Barros tornou-se grão-mestre da maçonaria. Logo envolveu-se na falsificação de papel moeda e moeda metálica para introdução no Brasil para financiar movimentos de revolta contra a Coroa portuguesa. As primeiras denúncias ao Santo Ofício de lojas maçônicas no Brasil datam do início do século XIX. Augusto de Lima Júnior em História da Inconfidência Mineira constata a existência de lojas maçônicas em funcionamento na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais no final do século XVIII e este teria sido um dos pontos de aproximação do movimento mineiro com Thomas Jefferson em apoio a causa dos inconfidentes.  Nos autos da devassa da inconfidência há o registro de que a casa de Antonio Vieira da Cruz primo do padre José da Silva e Oliveira Rolim funcionava em dezembro de 1788 um templo maçônico oculto, no Alto da Cruz em Vila Rica, sendo que maçoms os inconfidentes Tomás Antonio Gonzaga, Luís Beltrão de Gouveia e Tiradentes.[8] Segundo Mario Mello em Maçonaria no Brasil publicado em 1909, em 14 de julho de 1797 (data de aniversário da tomada ada Bastilha) foi fundada a Loja Cavaleiros da Luz na Bahia[9] depois “Virtude e razão”[10] devida ao francês Larcher[11].  Em 1802 o inglês Thomas Lindley já notara a atividade maçônica na Bahia muito embora sem as suas lojas regulares como em Lisboa e no Porto.[12] A primeira loja maçônica regular a funcionar no Brasil foi a Loja Reunião fundada em 1801 em Praia Grande em Niteroi [13]



[1] GOMES, Laurentino. 1822, Rio de Janeiro:Globo Livros, 2015, p.240; SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 18

[2] SILVA, Hailton Meira da. Cultura Geral maçônica, Rio de Janeiro:Menthor, 2009, p.272

[3] AQUINO, Fernando, Gilberto, HIran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.360

[4] AQUINO, Fernando, Gilberto, HIran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.359

[5] COSTA, Emília Viotti. Da monarquia à República: momentos decisivos, São Paulo:Brasiliense, 1987, p.32, 123; SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 383

[6] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.125

[7] CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1937, p.171

[8] Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, Brasília: Câmara dos Deputados, 1981, p. 506

[9] GARCIA, Paulo. Cipriano Barata ou liberdade acima de tudo, Rio de Janeiro: TopBooks, 1997, p.178

[10] CALMON, Pedro. História da civilização brasileira, Brasília: Senado Federal, 2002, p. 171

[11] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.362

[12] CALMON, Pedro. História da civilização brasileira, Brasília: Senado Federal, 2002, p. 170

[13] SILVA, Hailton Meira da. Cultura Geral maçônica, Rio de Janeiro:Menthor, 2009, p.277



O milho e a batata entre os incas

 

A escassez de terrenos férteis levou os incas a construírem cidades como Cusco e Ollantaytambo sobre terrenos estéreis sobre declives rochosos poupando assim os solos férteis para a agricultura[1]. A cultura do milho maiz encontra-se nas margens dos lagos mexicanos e nas culturas em terraços no Peru[2]. A caverna Bat no sul do Novo México Central é um sítio seco e produz datas mais antigas pelo teste carbono 14 do que em locais úmidos[3] onde foram encontradas espigas de milho de uma espécie primitiva junto com utensílios datados de 2500 a.c[4]. Entre o povo zapoteca em Monte Albáno o centro mais importante de Oaxaca[5], foi encontrado no túmulo 104 pintura data de 600 d.c. que mostra o deus do milho. Valcárcel observa que “nenhum país do mundo conquistou mais espécies vegetais, e de tão grande valor nutritivo como o Peru”.[6] Para conservação de batatas os incas (chamada de papa), nos vales húmidos, usavam caixotes de madeira misturados com muña, planta similar à hortelã, conseguindo a estocagem dos alimentos por oito meses.[7] Um processo conhecido como chunu permitia a preservação de batatas numa forma de farinha desidratada que podia ser armazenada por anos.[8]



[1] BAUDIN, Louis. El império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.123

[2] BRAUDEL, Fernand. Civilização material e capitalismo, séculos XV-XVIII, Rio de Janeiro:Cosmos, 1970, p.134

[3] COON, Carleton. A história do homem. Belo Horizonte:Itatiaia, 1960, p.362, 367

[4] COE, Michael. O México. Lisboa:Editorial Verbo, 1970, p.49

[5] LONGHENA, Maria. O México antigo, Barcelona:Folio, 2006, p. 145

[6] BAUDIN, Louis. A vida quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 209

[7] BAUDIN, Louis. A vida quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 211

[8] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 59



segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

O renascimento carolíngio e o papel dos mosteiros alemães

 

Carlos Magno promoveu um renascimento da arquitetura e literatura romanas, construindo o paláco Aquisgrano no estilo de Roma antiga.[1] Em Aachen (figura) Carlos Magno construiu a residência imperial, o que era destinada a ser “a segunda Roma”.[2] A capela palatina de Aix conforme o modelo da basílica imperial de São Vital de Ravena, ou a basílica Saint German de Auxerre são marcos da arquitetura carolíngia[3]. Frances Gies destaca que o renascimento carolíngio estimulou a reconstrução de igrejas merovíngias numa escala ainda maior como nos casos de Colonha e Rheims.[4] O professor de Alcuíno, Alberto de York destaca a import^ncia dos resgate da cultura clássica: “que desgraça seria deixar que o conhecimento que fora elaborado pelos sábios da antiguidade perecesses em nossa geração”[5]. Nas iluminuras e nas encardenações de marfim a arte carolíngia alcançou seus maiores êxitos e das oficinas de Saint Denis, Tours, Metz, Hautvillers, Corbie e Aix La Chapelle saíram os artesãos que produziram obras primas tais como a Bíblia de São Paulo extra muros, o sacramentario de Drogon, o Saltério de Utrecht ou a Bíblia de Carlos o Calvo[6]. O renascimento carolíngio foi marcado pelo desenvolvimento de bibliotecas com as do mosteiro de Corbie e a de São Martinho de Tours sob a direção de Alcuíno.[7] Segundo São Bernardo de Clavaral no século XII: “um mosteiro sem biblioteca é como um castelo sem arsenal”.[8] Jacques Verger mostra que o renascimento carolíngio foi, antes de tudo, “uma revolução escolar”.[9] Outras realizações do renascimento carolíngio incluem a renovação da cultura escrita, consagrando o latim como língua oficial, a língua dos doutos[10], e a uniformização da escrita com o emprego da minúscula redonda usada nos documentos oficiais, bem como na valorização dos documentos antigos e preservação de textos de autores clássicos como Cícero e Virgílio.[11] Segundo Christopher Dawson: “a nós pode parecer patético, ou mesmo absurdo, que um mero monge como Alcuíno e um rei bárbaro e analfabeto como Caros Magnos pudessem sonhar em construir uma nova Atenas em um mundo que possuía nada mais que os rudimentos de uma civilização e, em breve, seria assolado por uma nova onda de invasões e barbarismos. [...] Depois do colapso do império carolíngio, foram os grandes monastérios, especialmente aqueles localizados no sul da Alemanha – São Gall, Reichenau e Tegernsee – que se tornaram ilhas remanescente de vida intelectual, em meio a uma nova invasão de barbarismo, a qual, mais uma vez, ameaçou submergir a cristandade ocidental”. [12] Robert Delort destaca que o renascimento carolíngio foi ofuscado pelas invasões do século X, de modo que normandos, sarracenos e húngaros visam particularmente pilhar os ricos monastérios e queimar suas construções junto com seus manuscritos trabalhos de sábios como o monge Alcuíno de York[13], Rabanus Maurus ou Eginhard.[14] Frances Gies mostra que o renascimento carolíngio ocorre após um período de seis séculos desde que os romanos de desinteressaram pela ciência e filosofia gregas e assim com os clássico gregos o que levou ao latim se transformar na língua franca da classe intelectual medieval: “talvez o mais estranho hiato da história da cultura ocidental”.[15]



[1] CORNELL, Tim; MATHEWS, John. Renascimento v.I ,Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado, 1997, p. 15

[2] DUBY, Georges. História artística da Europa: Idade Média, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 144

[3] PERROY, Edouard. A idade média, tomo III, Primeiro Volume, História Geral das Civillizações, São Paulo:Difusão Europeia, 1958, p. 144

[4] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 67

[5] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p. 94

[6] PERROY, Edouard. A idade média, tomo III, Primeiro Volume, História Geral das Civillizações, São Paulo:Difusão Europeia, 1958, p. 145; DUBY, Georges. História artística da Europa: Idade Média, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 165

[7] NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.155

[8] MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 61; AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada, Lorena: Cleofas, 2008, p. 106

[9] VERGER, Jacques. Universidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 641

[10] FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 260

[11] MENDONÇA, Sonia. O mundo carolíngio. Coleção Tudo é história, n° 99, São Paulo:Brasiliense, 1985, p.83

[12] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p. 95

[13] https://en.wikipedia.org/wiki/Alcuin

[14] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.220

[15] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 36



domingo, 23 de janeiro de 2022

A valorização do trabalho pelas ordens monásticas medievais

 

As regras monásticas de São Bento de Núrsia (480-547) considerado “o patriarca dos monges ocidentais” [1] destacam o valor do trabalho mas como obediência expiatória imposta ao homem em consequência do pecado original[2]. Pela Regra de São Bento capítulo 48(8): “quando eles vivem pelo trabalho de suas mãos, tal como nossos Pais e os apóstolos, então eles vivem como verdadeiros monges”.[3] Segundo o capítulo 48(1) da Regra (Regula) de São Bento: “a ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras com a leitura espiritual”.[4] A regra de São Bento contudo somente se tornou norma exclusiva dos mosteiros a partir do século IX. O texto da regra de São Bento é uma cópia do original feita por Tedomar, abade de Monte Cassino na época de Carlos Magno[5]. Segundo Jacques le Goff era a evolução de um trabalho penitência da Bíblia para um trabalho reabilitado que se tornava meio de salvação.[6] No século VI o monge Equitius quando convocado pelo papa a apresentar um relato de seu trabalho missionário apresentou-se aos mensageiros papais em vestes de camponês e com sandálias, segurando uma foice, o que mostra a dignidade de seu trabalho.[7] Segundo o testemunho de São Francisco de Assis: “Trabalhei com minhas mãos e ainda desejo trabalhar. Expressa a minha mais firme vontade que todos os outros irmãos exerçam algum tipo de trabalho manual que compreenda um modo de vida honesto. Os que não sabem como trabalhar devem aprender uma profissão, não por cupidez para poder receber o pagamento pelo trabalho, mas a fim de dar o bom exemplo e afastar o ócio”.[8] Reconhecendo o valor do trabalho manual na educação o monaquismo introduziu novos processos para os artífices de madeira, couro, metais e tecidos.[9] Foram alcançados progressos em muitas artes industriais como as de entalhe de madeira e fabricação de cerveja. [10] O evangelho Stonyhurst ou Evangelho de São João segundo São Cuthbert, é um pequeno evangeliário do século VII, escrito em latim, e com encadernação sofisticada em couro[11]. A regra de São Bento assimila as ferramentas do mosteiro, aos vasos e às mobílias sagradas cuja perda ou dano era considerado um sacrilégio.[12] Para Christopher Dawson “a regra de São Bento marca a assimilação final da instituição monástica ao espírito romano e à tradição da Igreja no Ocidente”. Segundo a regra “o mosteiro deve estar arranjado de tal forma que todas as coisas necessárias, como moinho de água, os jardins, hortas e oficinas se localizem dentro de sua área”.[13]



[1] AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada, Lorena: Cleofas, 2008, p. 67

[2] LE GOFF, Jacques. Para uma outra idade média, Petrópolis: Vozes, 2013, p.150, 171, 211

[3] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and water wheel, New York:Harper Collins, 1994, p.9; http://www.movimentopax.org.br/saoBento/Regra%20de%20Sao%20Bento.pdf

[4] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.446

[5] COSTA, Ricardo da; VENTORIM, Eliane; FILHO, Orlando Paes. Monges medievais, São Paulo:Planeta, 2004, p.18

[6] GOFF, Jacques. Para um novo conceito de idade média. Lisboa:Editorial Estampa, 1979, p.14

[7] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p. 80

[8] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p. 256

[9] MONROE, Paul. História da educação. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1974, p.105

[10] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.265

[11] SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.169

[12] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 191

[13] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p. 75



O império socialista dos incas

 

Entre os incas o regime de trabalho se assemelhava a um coletivismo[1] uma vez que o índio possui privativamente a colheita de sua tupu/tupo, ou seja, o lote de terra[2]. Entre os ayllus andinos se pode dizer que cada criança nascia com o futuro garantido porque cada homem dentro da comunidade tinha seu tupo de terra garantido e cada mulher meio tupo[3]. Ayllu é a unidade social básica baseada no coletivismo, o nome dado às comunidades étnicas da área andina, ligadas entre si por laços de parentesco. A terra constituía propriedade estatal trabalhada coletivamente.[4] Mesmo na capital Cusco a cidade também se organizada em comuna aylly.[5] Coexistia entre os incas três regimes de propriedade: a propriedade nacional que incluía edifícios públicos, pastos e minas; a propriedade coletiva com exploração comum ou familiar e a propriedade privada de terras provenientes de doações, esta última menos importante.[6] O direito de propriedade era, portanto, muito limitado entre os incas. Na vida cotidiana os jatunrunas (a grande massa da população submetida ao trabalho compulsório[7]) não distinguiam entre a propriedade pessoal e a estatal, pois dentro da comunidade não se permitia a propriedade privada do solo, de modo que os informes da época se referiam “terras dos incas”.[8] Os produtos eram compartilhados pela comunidade segundo suas necessidades ficassem o remanescente controlado pelo Estado[9]. Nos ayllu todos os membros do grupo  eram solidários e herdavam em comum a marca, terreno inalienável que era dividido em parcelas, em que a cada ano se procedia novas redistribuições. Cada ayllu era comandado por um líder eleito, o mallcu orientado por um conselho de anciãos, os amautas. Os domínios do Estado eram atribuídos as linhagens imperiais (panac). Paralelamente a este domínio estatal os curaca mais importantes possuíam terras particulares, no entanto, mesmo o nobres não tinham o direito de desfrutar de mais terra do que o necessário para subsistência de sua família.[10] Entre os incas não haviam escravos senão campesinos submetidos a prestações de serviços calculadas por turnos, uma vez que a ninguém se obrigava a trabalhar por toda sua vida.[11] No período tardio sob Huayna Capac haviam os pina y pinacuna (em quéchua o plural é feito adicionando-se a partícula cuna)[12], prisioneiros de guerra, que poderiam se enquadrar como escravos, contudo não há registro de tráfico de pinas.[13] Os yana eram “servidores perpétuos”  que serviam à aristocracia nos palácios, templos e campos, e podem constituir uma escravatura disfarçada, ainda que pudessem ser vistos na sociedade como uma mão de obra privilegiada pelo contato estreito com a nobreza.[14] A estrutura política era altamente hierarquizada na forma de uma pirâmide em que no topo estava o Sapa Inca. Na base da pirâmide estavam os puric, homens trabalhadores. Cada dez homens tinham como chefe o cancha camayoc. A cada dez cancha camayoc estavam submetidos em supervisor pachaca curaca que por sua vez estavam submetidos ao hono curaca da tribo e ao governador.[15] Em 1928 Louis Baudin publicou O império socialista dos incas em que critica a perspectiva do testemunho de Garcilaso de la Veja que descreve a bondade e sabedoria dos imperadores como elemento de união da sociedade inca. Louis Badin ao contrário destaca o papel da violência para imposição de uma ordem baseada em um comunismo agrícola[16]. José Carlos Mariategui, o fundador do marxismo latino-americano, se refere a comunismo inca, para descrever as comunidades indígenas (ayllus) na base da sociedade inca anterior à colonização hispânica: “o socialismo, afinal, está na tradição americana. A mais avançada organização comunista primitiva que a história registra é a inca”.[17] Waldemar Soriano destaca diversas teses que buscam explicar a forma de organização do império inca: comunismo agrário, socialismo totalitário, escravismo patriarcal, feudalismo, modo de produção comunal tributário conhecido como modo de produção asiático, ou algum modo de produção andino sui generis, no entanto ele reconhece que é possível identificar a coexistência de diferentes modelos.[18] Henri Favre argumenta baseado nos trabalhos de John Murra que a sociedade inca tinha muito mais analogia com a África e Oceania contemporâneas do que com a Europa medieval.[19] De qualquer forma como observado por Toynbee pouquíssimas sociedades no mundo conseguiram alcançar tal grau de desenvolvimento de forma isolada, sem contato com outros povos.[20]



[1] CLARK, Grahame. A pré história, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p. 278

[2] BAUDIN, Louis. El império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.197

[3] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 158

[4] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.74

[5] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 46

[6] BAUDIN, Louis. El império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.204

[7] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 226

[8] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 199

[9] BAUDIN, Louis. A vida quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 232, 239

[10] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 223

[11] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 284

[12] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 44

[13] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 294

[14] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 230

[15] HAGEN, Victor. Realm of the incas, New York: New American Book, 1961, p. 46

[16] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 214

[17] MARIÁTEGUI, José Carlos. Por um socialismo indo-americano: ensaios escolhidos. (seleção de Michael Löwy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. TIBLE, Jean. José Carlos Mariátegui: Marx e América Indígena, cadernos cemarx, nº 6 – 2009, p.97-114

[18] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 492

[19] FAVRE, Henri. A civilização inca, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.30

[20] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 498



Doação de Constantino

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