Entre os incas o
regime de trabalho se assemelhava a um coletivismo[1] uma vez
que o índio possui privativamente a colheita de sua tupu/tupo, ou seja, o lote de terra[2]. Entre
os ayllus andinos se pode dizer que cada criança nascia com o futuro garantido
porque cada homem dentro da comunidade tinha seu tupo de terra garantido e cada
mulher meio tupo[3].
Ayllu é a unidade social básica baseada no coletivismo, o nome dado às
comunidades étnicas da área andina, ligadas entre si por laços de parentesco. A
terra constituía propriedade estatal trabalhada coletivamente.[4] Mesmo na
capital Cusco a cidade também se organizada em comuna aylly.[5] Coexistia
entre os incas três regimes de propriedade: a propriedade nacional que incluía
edifícios públicos, pastos e minas; a propriedade coletiva com exploração comum
ou familiar e a propriedade privada de terras provenientes de doações, esta
última menos importante.[6] O
direito de propriedade era, portanto, muito limitado entre os incas. Na vida
cotidiana os jatunrunas (a grande
massa da população submetida ao trabalho compulsório[7]) não
distinguiam entre a propriedade pessoal e a estatal, pois dentro da comunidade
não se permitia a propriedade privada do solo, de modo que os informes da época
se referiam “terras dos incas”.[8] Os
produtos eram compartilhados pela comunidade segundo suas necessidades ficassem
o remanescente controlado pelo Estado[9]. Nos ayllu
todos os membros do grupo eram
solidários e herdavam em comum a marca, terreno inalienável que era dividido em
parcelas, em que a cada ano se procedia novas redistribuições. Cada ayllu
era comandado por um líder eleito, o mallcu orientado por um conselho de
anciãos, os amautas. Os domínios do Estado eram atribuídos as linhagens
imperiais (panac). Paralelamente a este domínio estatal os curaca mais
importantes possuíam terras particulares, no entanto, mesmo o nobres não tinham
o direito de desfrutar de mais terra do que o necessário para subsistência de
sua família.[10] Entre os incas não haviam escravos senão campesinos submetidos a prestações de
serviços calculadas por turnos, uma vez que a ninguém se obrigava a trabalhar
por toda sua vida.[11] No
período tardio sob Huayna Capac haviam os pina
y pinacuna (em quéchua o plural é
feito adicionando-se a partícula cuna)[12],
prisioneiros de guerra, que poderiam se enquadrar como escravos, contudo não há
registro de tráfico de pinas.[13] Os yana
eram “servidores perpétuos” que serviam
à aristocracia nos palácios, templos e campos, e podem constituir uma
escravatura disfarçada, ainda que pudessem ser vistos na sociedade como uma mão
de obra privilegiada pelo contato estreito com a nobreza.[14] A
estrutura política era altamente hierarquizada na forma de uma pirâmide em que
no topo estava o Sapa Inca. Na base da pirâmide estavam os puric, homens
trabalhadores. Cada dez homens tinham como chefe o cancha camayoc. A
cada dez cancha camayoc estavam submetidos em supervisor pachaca
curaca que por sua vez estavam submetidos ao hono curaca da tribo e
ao governador.[15] Em 1928 Louis Baudin publicou O império socialista dos incas em que
critica a perspectiva do testemunho de Garcilaso de la Veja que descreve a
bondade e sabedoria dos imperadores como elemento de união da sociedade inca. Louis
Badin ao contrário destaca o papel da violência para imposição de uma ordem
baseada em um comunismo agrícola[16]. José
Carlos Mariategui, o fundador do marxismo latino-americano, se refere a
comunismo inca, para descrever as comunidades indígenas (ayllus) na base da
sociedade inca anterior à colonização hispânica: “o socialismo, afinal, está
na tradição americana. A mais avançada organização comunista primitiva que a
história registra é a inca”.[17] Waldemar
Soriano destaca diversas teses que buscam explicar a forma de organização do
império inca: comunismo agrário, socialismo totalitário, escravismo patriarcal,
feudalismo, modo de produção comunal tributário conhecido como modo de produção
asiático, ou algum modo de produção andino sui generis, no entanto ele
reconhece que é possível identificar a coexistência de diferentes modelos.[18] Henri
Favre argumenta baseado nos trabalhos de John Murra que a sociedade inca tinha
muito mais analogia com a África e Oceania contemporâneas do que com a Europa
medieval.[19] De qualquer forma como observado por Toynbee pouquíssimas sociedades no mundo
conseguiram alcançar tal grau de desenvolvimento de forma isolada, sem contato
com outros povos.[20]
[1] CLARK, Grahame. A pré
história, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p. 278
[2] BAUDIN, Louis. El
império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.197
[3] SORIANO, Waldemar. Los
incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru
Editores, 1997, p. 158
[4] LONGHENA, Maria; ALVA,
Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.74
[5] HAGEN, Victor. Realm of the
incas, New York: New American Book, 1961, p. 46
[6] BAUDIN, Louis. El
império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.204
[7] SORIANO, Waldemar. Los
incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru
Editores, 1997, p. 226
[8] SORIANO, Waldemar. Los
incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru
Editores, 1997, p. 199
[9] BAUDIN, Louis. A vida
quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 232, 239
[10] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978,
p. 223
[11] SORIANO, Waldemar. Los
incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru
Editores, 1997, p. 284
[12] HAGEN, Victor. Realm of the
incas, New York: New American Book, 1961, p. 44
[13] SORIANO, Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del
Tahuantinsuyo, Peru:Amaru Editores, 1997, p. 294
[14] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978,
p. 230
[15] HAGEN, Victor. Realm of the
incas, New York: New American Book, 1961, p. 46
[16] VALLA, Jean Claude. A
civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 214
[17] MARIÁTEGUI, José Carlos. Por um socialismo indo-americano: ensaios escolhidos.
(seleção de Michael Löwy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. TIBLE, Jean. José
Carlos Mariátegui: Marx e América Indígena, cadernos cemarx, nº 6 – 2009,
p.97-114
[18] SORIANO, Waldemar. Los
incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru
Editores, 1997, p. 492
[19] FAVRE, Henri. A
civilização inca, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.30
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