domingo, 30 de janeiro de 2022

A dinâmica exportadora e do mercado interno colonial

 

Jorge Caldeira (figura) mostra que as perspectivas marxistas de Caio Prado Junior tendem a minimizar o papel do mercado interno, dos extratos intermediários da sociedade e o papel do ouro como incrementando as capacidades de acumulação primitiva na Colônia, simplificando a análise com uma sociedade dividida entre senhores de engenho e escravos e uma economia baseada no latifúndio agrário exportador[1]. A derrubada desse modelo explicativo, que não se sustenta em dados empíricos, corresponde a uma verdadeira revolução geocêntrica na historiografia brasileira.[2] Roberto Simonsen já havia questionado o modelo baseado no latifúndio em seu livro História Econômica do Brasil de 1935 e menciona o depoimento de Alfredo Ellis no século XVII: “as sesmarias maiores logo eram retalhadas, senão por compra e venda, ao menos por sucessão hereditária, de modo que se transformavam em pequenas fazendolas. Com isso pensamos que a propriedade rural paulistana no seiscentismo tem sido de cerca de cem alqueires em média; evoluindo no setecentismo para maiores proporções, em vista de haverem os paulistas emigrado para as minas e para o sertão mais distante, tornando menos densa a população rural”.[3] Este modelo explicativo que aparece nas teses de Caio Prado Júnior, contudo já se encontra em linhas gerais presente na obra de conservadores como Oliveira Vianna que também identifica o latifúndio exportador como fonte de atraso no país que impede o surgimento de uma ideologia liberal. Em ambas as perspectivas marxista e conservadora não há espaço para o empreendedor, toda a lógica de desenvolvimento se ancora a subordinação ao governo central que o comanda.[4] Para Oliveira Vianna o poder local do senhor de engenho enfraquecia a coesão nacional e o poder central com efeitos deletérios sobre a economia, constituindo “nódulos de povoamento”.[5] Segundo Manoel Albuquerque: “A estrutura social da área de produção açucareira constituiu-se em um exemplo clássico das formas de dominação colonialista. O engenho era o organismo social que formava a base do poder econômico, jurídico político e ideológico desse setor da classe produtora escravista”[6]. Estudos empíricos confirmam a fragilidade do argumento de Caio Prado Júnior, como observado no estudo da economia feito por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que destacam o papel do mercado interno em Dependência e Desenvolvimento na América Latina de 1967[7], por exemplo, nos embates entre as oligarquias locais e os grupos exportadores quando da guerra dos Farrapos iniciada em 1835 e a disputa entre os pecuaristas produtores de charque no sul do Brasil cuja produção era voltada principalmente para o mercado e era usado como base da alimentação dos escravos, sobretudo no Sudeste. Sobre o charque produzido no Rio Grande do Sul incidiam mais impostos do que ao charque estrangeiro, produzido no Uruguai e na Argentina. O marxista João Fragoso já reconhece o peso do mercado interno da dinâmica colonial: “na Colônia havia a presença de um mercado interno de acumulações endógenas e de uma comunidade mercantil residente”.[8]

[1] GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968; VINHAS, M. Problemas agrários camponeses do Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968

[2] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.21

[3] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.216

[4] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.302

[5] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.66

[6] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 64

[7] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.112, 293; CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina, Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p.44

[8] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.294



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