Marc Bloch em sua obra A
sociedade feudal descreve a chamada “cultura
do feudalismo” marcada entre outras características pela indiferença pelo
tempo e sua falta de interesse em mensurá-lo acuradamente.[1] O
registro de nascimento era transmitido por uma tradição oral por parte dos
pais. Um negociante declara em 1299 ter nascido em 1254 “segundo a lembrança de minha mãe”.[2] Os
cronistas da época se limitam em geral a se referir a “naquele tempo”, “pouco
depois” sem precisar datas[3]. Lucien
Febvre destaca que o “tempo do relógio” era muito menos significativo que o
“tempo vivenciado” dentro visão de mundo medieval.[4] Segundo Lucien
Febvre até a primeira metade do século XVI “reina em todas parte a fantasia,
a imprecisão, a inexatidão. A realidade de homens que nem mesmo sabem
exatamente a sua idade: são incontáveis os personagens históricos desse
tempo que nos deixam a escolha entre
três ou quatro datas de nascimento, às vezes afastados por vários anos”.[5] Em Portugal
do século XVII o padre Antonio Vieira, nascido em Lisboa, sabia sua própria
data de nascimento, mas não sabia a data de nascimento de irmãos e irmãs, apenas
tinha uma estimativa.[6] Marc
Bloch cita exemplos de indiferença para com o tempo. Em 1284 foi preciso fazer
um inquérito para se determinar a idade da jovem condessa de Champagne, uma das
maiores herdeiras do reino dos Capetos, o que revela mais do que um desprezo
pela idade, mas um desprezo pela exatidão dos números.[7] Jacques
le Goff destaca que na perspectiva medieval o tempo pertence a Deus de modo que
captá-lo, medi-lo ou dele tomar vantagem é considerado pecado[8].
Trata-se de um tempo divino e linear que conduz uma visão teleológica da
história que se consuma no dia do juízo final.
[1] BURKE, Peter. A escola
dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia, São Paulo:Unesp,
1997, p.36
[2] RONCIERE, Charles. A
vida privada dos notáveis toscanos no limiar da Renascença. In: ARIÉS,
Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à
Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.267
[3] LE GOFF, Jacques. A
civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 159
[4] BURKE, Peter. A escola
dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia, São Paulo:Unesp,
1997, p.41
[5] KOYRE,
Alexandre. Estudos de história do pensamento filosófico. Brasília:Forense,1982,
p.283
[6] VAINFAS, Ronaldo. Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p.28
[7] BLOCH, Marc. A
sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.96