domingo, 29 de novembro de 2020

Rede indígena

 

Hans Staden narra que as mulheres indígenas trabalhavam mais que os homens cabendo-lhes as tarefas de preparo da comida, fabricação de bebidas, vasilhames, redes, o cuidado das crianças, da plantação de mandioca e milho bem como a tecelagem [1]. Lemos Brito destaca as técnicas dos índios do norte do país na confecção de kiçadas ou redes assim como sacos ou matirires, as cobertas ou tapiciranas e as esteiras ou cabas, bem como as peneiras ou panacus.[2] Na carta de Pero Vaz de Caminha ele se refere um peça de pano usada para carregar as crianças ao peito da mãe [3]. Alfred Metraux relata que entre as tribos tupi guarani o mobiliário era modesto, não usavam mesas para comer, e de modo geral compunha-se de redes tecidas de algodão, no litoral e tecidas de fibras na Amazônia.[4] Os homens tupinambás teciam redes para captura de inimigos e para a pesca bem como confeccionavam cestos de folhas de palmeiras enquanto as mulheres trabalhavam com a fiação de algodão, tecelagem de redes e fabricação de cestos trançados e junco e vime além de preparação de potes e vasilhas de barro.[5] Luis Amaral escreve: “Em todo o Brasil predominava na fiação o chamado método bacairi. Aliás em todo o continente faltava ao fuso a parte arredondada, e isso é tido como ausência total da noção de roda, coisa inadmissível pois a roda é intuitiva e revelada pelo sol, pela lua, pelas sombras, acreditamos que a abstenção de seu uso pelos ameríndios era questão de tabu: todos foram heliólatras e o sol apresentava-se redondo”.[6] Frei Vicente do Salvador, na segunda metade do Século XVI e a primeira do XVII, descreveu o interior de uma habitação coletiva de indígenas: "A noite toda têm fogo para se aquentarem, porque dormem em redes ao ar, e não têm cobertores nem vestido, mas dormem nus, marido e mulher na mesma rede, cada um com os pés para a cabeça do outro, exceto os principais chefes indígenas, que como têm muitas mulheres dormem sós nas suas redes, e dali quando querem se vão deitar com a que lhes parece, sem se pejarem de que os vejam." [7]



[1]AGUIAR, Luiz Antonio. Hans Staden: viagens e aventuras no Brasil. São Paulo: Melhoramento, 1988, p. 54

[2]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.131

[3]LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 74

[4]COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.265

[5]SILVA, Rafael Freitas. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro:Babilônia, 2015, p. 40

[6]LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 75

[7] SALVADOR, Vicente, História do Brasil, 1627



Portugal, religião e as especiarias

 

Uma carta do primeiro vice rei Francisco de Almeida enviada a D. Manuel mostra os interesses portugueses na quebra do monopólio de especiarias de Veneza: “Toda a nossa força seja no mar. Desistamos de nos apropriar da terra. As tradições antigas de conquista, o império sobre reinos tão distantes não convém [...] Com as nossas esquadras teremos seguro o mar e protegidos os indígenas em cujo nome reinaremos  de fato sobre a Índia; e se o que queremos são os produtos dela, o nosso império marítimo assegurará o monopólio português contra o turco e o veneziano”. [1] O relato de Vasco da Gama deixa claro que seu interesse na Índia era fundamentalmente pela busca de especiarias: pois seu objetivo era o de “meramente para fazer descobertas. O rei perguntou-lhe então o que fora descobrir: pedras ou homens ? Se fora para descobrir homens, porque não trouxera nada ?”.  O samorim se queixa diante de Vasco da Gama que se seu interesse era de homens então teria de ter trazido alguns presentes. Perguntado por dois tunisianos que falavam espanhol, ao chegar e Calicute: “que diabos é que os trouxe aqui ?”, Vasco da Gama respondeu: “Viemos procurar cristãos e especiarias”.[2] De Calicute Vasco da Gama partiu em 1498 “com grande regozijo pela nossa sorte em termos feito tão grande descoberta [...] pois já tínhamos achado e descoberto o que vínhamos buscar assim de especiarias como de pedras preciosas”. Em 1502 ao partir novamente para Índia ao chegar ao largo de Calicute em 30 de outubro exigiu ao samorim que se rendesse e que expulsasse da cidade todos os muçulmanos. Diante da contemporização do samorim Vasco da Gama para demonstrar que não estava para brincadeiras, mandou capturar no porto um certo número de pescadores e negociantes enforcando-os, esquartejando seus corpos e colocando suas mãos, pés e cabeças num cesto enviado à terra junto com uma mensagem para que o samorim usasse tais corpos para fazer caril, uma espécie de tintura de tecidos, o que mostra que seus ideais estavam muito longe de objetivos religiosos.[3] Segundo H. Plumb “E os filhos de Cristo seguiam esta senda de sangue, construindo as suas igrejas, missões e seminários, porque, afinal, a rapina era uma cruzada: por muito grande que fosse a recompensa de Vasco da Gama, de Albuquerque, de Pacheco e dos outros neste mundo, a sua glória seria ainda maior no outro mundo”.[4] Charles Boxer destaca que a busca pelo ouro foi um fator importante na continuação pelas viagens ao longo da costa africana especialmente após 1442 e lista como principais motivos a motivar o início dos descobrimentos: (i) um zelo de cruzada contra os muçulmanos, (ii) o desejo de se apoderar do ouro de Guiné, (iii) a questão da busca do reino do mítico Preste João e (iv) a procura das especiarias orientais.[5] O padre espanhol Bartolomeu de Las Casas critica o comércio de escravos que acompanhou a saga portuguesa no comércio com a Africa no século XVI sob a justificativa de promover a fé cristã: “é de maravilhar a forma como os historiadores portugueses glorificam e chamam de ilustres esses feitos tão vis e representam a exploração como um grande sacrifício a serviço de Deus”.[6] 

[1]CAMINHA. João Carlos. História marítima. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980, p. 60

[2]BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 58

[3]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.171, 183

[4]BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 20

[5]BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 50

[6]RESTON, Os cães do Senhor, São Paulo: Record, 2008, p.125



sábado, 28 de novembro de 2020

A tese hidráulica e o Egito Antigo

 

Em 1957 Wittfogel defendeu a tese conhecida como “tese hidráulica” de a irrigação artificial introduzida por volta de 3000 a.c. foi elemento central para busca de um poder centralizado e para integração dos reinos do Alto e Baixo Egito pelo rei Menés, pois somente um poder central conseguiria empreender a tarefa de irrigação de modo a otimizar os rendimentos de uma economia predominantemente agrícola [1]. Em Medinet et Faium, a chamada “Veneza do Egito” há um antiquíssimo curso de água artificial de cerca de 300 quilômetros conhecido como “Bahr Yusuf” ou “Canal de José” que teria sido construído pelo José bíblico no tempo do faraó Amenemhat III (1860-1814 a.c.). [2] O papiro de Wilbour da XX Dinastia mostra que sob Ramsés V a semeadura da maior parte da superfície cultivada era controlada administrativamente pelo governo central,[3] no entanto esta fonte é mais tardia. A unificação conseguida em torno de um projeto tecnológico de irrigação desenvolveu tanto no Egito como na Mesopotâmia o que Mary Austin denomina “coletivismo da utilidade indivisível”. [4] Jean Vernant observa que a tese não se aplica na Grécia [5]. Esta tese desenvolve o conceito de “modo de produção asiático” exposto por Marx, segundo o qual, muitas sociedades, principalmente asiáticas, dependiam largamente da construção de obras de irrigação em larga escala, organizada sob o controle de um poder central despótico. Karl Wittfogel publicou em 1957 “Despotismo oriental: um estudo comparativo do poder total” em que defende a tese de os poderosos estados da antiguidade foram montados em função de grandes obras hidráulicas o que levou a um despotismo oriental.[6] Esta tese foi contestada posteriormente a partir dos estudos arqueológicos que detectaram a ausência de indícios de grandes obras de irrigação no III e II milênio a. C. Os soberanos da XII Dinastia (1990 a.c. a 1780 a.c.) concluíram a canalização da primeira catarata começada durante a VI Dinastia. [7] Lewis Mumford observa que uma das grandes realizações do primeiro faraó Menés ao unificar os reinos do Norte e do Sul foi o desvio do curso do Nilo para regularização da irrigação: “aceitando esse duro desafio, as aldeias, numa antiga fase aprenderam as vantagens da ajuda mútua, do planejamento a longo prazo, da aplicação paciente a uma tarefa comum, tudo isso repetido estação após estação. A autoridade, sobrevivente por longo tempo, do Conselho de Anciãos denota uma antiga mobilização comunal da força de trabalho sob uma liderança competente, embora local”.[8] Etimologicamente o termo faraó representa uma grande casa, ou seja, um palácio [9]. Segundo Ciro Flamarion a irrigação não é causa do surgimento do Estado centralizado mas pelo contrário, a irrigação centralizada somente se tornou possível após a existência de um Estado centralizado.[10] Kurt Butzer mostra que embora a agricultura fosse praticada por quase dois milênios antes da unificação política dos Reinos do Alto e Baixo Egito por volta de 3000 a.c. a evidência mais antiga de irrigação artificial é uma cabeça de clava de calcário de cerca de 25 cm de altura, símbolo do poder real, que mostra o rei Escorpião (rei Narmer ou Menés, possivelmente [11]) um dos últimos reis pré dinásticos cortando um dique de irrigação para dar início a inundação dos campos datada de 3200 a.c.. Para Karl Butzer é difícil aceitar a tese de Baumgartel de que a cena mostra a construção de um templo.[12] Uma das distinções mais honoríficas no Antigo Egito era a de “Escavador de canal”. [13] Heródoto relata que o Alto Egito era um pântano até que o primeiro faraó Menés / Narmer [14] construiu diques ao sul de Mênfis o que permitiu que o delta do rio fosse drenado  e transformado em uma imensa reserva de terra aumentando a área cultivada.[15] Uma inscrição de 1870 a.c. registra a construção de um canal de 150 côvados de comprimento, 20 côvados de largura e 15 de profundidade tornando possível a navegação à primeira catarata[16]. O grego Menes deriva do egípcio mena que significa “o fundador”, o que segundo alguns autores pode indicar que a Menés não é um personagem histórico.[17]


[1]HODGES, Henry. Technology in the ancient world, New York: Barnes & Noble Books, 1970, p. 91

[2]KELLER, Werner, E a Bíblia tinha razão, Sâo Paulo: Melhoramentos, 1964, p.92

[3]CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito antigo. Coleção Tudo é história, n° 36, São Paulo:Brasiliense, 1986, p.37; CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 13

[4]MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 149

[5]VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego, Rio de Janeiro:Difel, 2002, p. 25

[6]VAINFAS, Ronaldo; FARIA, Sheila; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina. História Volume único, São Paulo:Saraiva, 2010, p.28

[7]GRIMBERG, Carl. História Universal: a aurora da civilização, v.1, Chile:Publicações Europa, 1989, p. 49

[8]MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 70, 72

[9]CHILDE, Gordon. Early forms of society. In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, 1958, p. 53

[10]CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito antigo. Coleção Tudo é história, n° 36, São Paulo:Brasiliense, 1986, p.24, 47, 102

[11]MALKOWSKI, Edward. O Egito antes dos faraós. São Paulo:Cultrix, 2010, p. 168, 208; CHILDE, Gordon. Early forms of society. In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, 1958, p. 51

[12]BUTZER, Karl. Early hidraulic civilization in Egypt, Chicago:University Chicago Press, 1976, p.47 https://oi.uchicago.edu/sites/oi.uchicago.edu/files/uploads/shared/docs/early_hydraulic.pdf

[13]JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 21

[14]DUNAN, Marcel; BOWLE, John. Larousse encyclopedia of ancient & medieval history, Paris:Larousse, 1963, p.41

[15]JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 35;DROWER, M. water supply, irrigation and agriculture, In: In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, v.I, 1958, p. 529

[16]JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 178

[17]WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 6, 225



Cidade das três portinhas

 

Um fator que explica o crescimento do mercado interno na colônia foi o crescimento cada vez maior de imigrantes vindos da metrópole. Portugal vinha emitindo sucessivas cartas régias no intuito de restringir a emigração como a de 1667, 1674, 1694, os decretos de 1709 e 1711 e as provisões de 1709, 1713 e 1744. A lei de 1720 dizia: “não tendo bastado as providências dos decretos de 1709 e 1711 para obstar a que do reino passe para o Brasil a muita gente que todos os anos dele se ausenta, mormente da província do Minho, que sendo tão povoada, já não tem a gente necessária para a cultura das terras, cuja falta é tão sensível, que se torna urgente acudir com um remédio eficaz, a frequência com que se vem despovoando o reino”.[1] Lemos Brito comenta lei do século XVIII sob o impacto da lei que vetava a construção de fábricas na colônia, exigia que o colono português que auferisse alguma riqueza no Brasil seria obrigado a retornar à metrópole, porém para não ter de regressar ele construía casebres simples, em local da cidade que Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), na figura, se referia como  “cidade das três portinhas” onde ia morar de modo a provar que continuava pobre. Segundo Lemos Britto os morros de casebres, as favelas da cidade, tiveram essa origem.[2]



[1]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.9

[2]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.162; MATTOS, Euclides, Das Bellas Artes no Brasil, v.III. Arquitetura, Rio de Janeiro, 1917, p.32 https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/628/1/817702.pdf TRAJANO FILHO, Francisco Sales. A cidade das três portinhas": Arquitetura, cidade e colonização portuguesa na visão de Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879). In: XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, 2010, Vitória/ES. Anais eletrônicos do XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, 2010. FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. Grandjean de Montigny e a evolução da arte brasileira, Empresa A Noite: Rio de Janeiro, 1941 http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon326659/icon326659.pdf



sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Quanat persa

 

Em Lagash o rei Entemanna em 3000 a.c. construiu um canal que se estendia do sul do Tigre até o meridiano 46 do Eufrates. Um outro canal chamado Nahrwan paralelo ao Tigre de Bagdá a Kut al Amara se estendia por 320 km e 120 metros de largura [1].  Sprague de Camp destaca que tão importante era a irrigação na babilônia que uma maldição comum da época era “que seu canal possa ser preenchido com areia”.[2] O Tigre e Eufrates possuem um curso muito mais irregular que o Nilo vem como de seu período de inundações, devido ao maior acúmulo de lodo em seu leito.[3] Quando o rei assírio Sargão II invadiu a Armênia em 714 a.c. ele conheceu um sistema de irrigação até então desconhecido na Mesopotâmia, o qanat (em árabe, de origem semita que significa cavar) ou kariz (em persa) [4] que era dotado de diversos poços verticais que permitiam acesso a um canal horizontal que levava a água do aquífero para as cidades sem os riscos de contaminação ou evaporação no trajeto. Sendo água filtrada pela terra, o fluxo era seguro e limpo, por isso era ideal tanto para beber como para rega. A tecnologia se difundiu assumindo diferentes terminologias: karez (Afeganistão e Paquistão), kanerjing (China), falaj (Emirados Àrabes Unidos) e foggara / fughara (África do Norte).[5]



[1]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 52

[2]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 46

[3]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 51

[4]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 61

[5]MAYS, Larry. A very brief history of hydraulic technology during antiquity. Environ Fluid Mech, 2008, v.8, p.471-484



Rodas do rosário

 

Claudio Manuel da Costa deixou registrado em seu poema Vila Rica [1], em uma nota de página o registro da introdução de rodas para esvaziamento das catas, conhecida como “rodas do rosário”  no ano de 1711, por um clérigo alcunhado “Bonina Suave”, em que se erigia no mesmo lugar a Vila Rica de Albuquerque [2]. O mecanismo era formado por duas rodas cujo diâmetro variava de quatro a seis metros unidas por tábuas formando recipientes, sendo as rodas movimentadas pela passagem da água que acionava por meio de uma corrente, caixões de madeira abertos e inclinados de modo a mergulhar no rio e subir cheio de lama para depois ir despejando por inclinação seu conteúdo. O mesmo mecanismo também é mencionado pelo mineiro de Serro Frio, João Barbosa Moreira. [3] Lemos Brito observa que antes da vinda de D. João VI as únicas máquinas hidráulicas conhecidas era o rosário. O ouro aproveitado era o que vinha em pepitas, em folhetas ou em pó, pois ainda não se conhecia a extração de metal pelo antimônio ou pelo azougue.[4] Segundo Sérgio Buarque de Holanda: “Só por volta de 1725 se aperfeiçoaria, no entanto, essa máquina, se é exato que em Vila Rica, nesse tempo melhorou-a Manuel Pontes, alcançando logo privilégio para fabricá-la”.[5] Sérgio Buarque de Holanda destaca o pouco empenho dos portugueses em aperfeiçoar as técnicas de mineração, sendo seu interesse maior em montar uma estrutura fiscal para arrecadação de tributos.[6] O governador Antonio de Albuquerque em 1711 se queixa da “necessidade que havia da arte de minerar debaixo de preceito, e que o ouro se não tirava por falta de ciência”. Em 1780 o desembargador José João Teixeira relata o mesmo problema: “sempre os mineiros foram fazendo os serviços minerais a seu arbítrio. Nunca passou a Minas um único engenheiro que pudesse dirigir os mesmos serviços”[7]



[1] LAGO, Pedro Correa. Brasiliana IHGB 175 anos, Rio de Janeiro:Capivara, 2014, p. 328

[2]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.135

[3]PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 114

[4]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.120

[5]HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, A época Colonial: administração, economia, sociedade, tomo II, volume 1, São Paulo:Difel, 1982, p. 275

[6]HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, O Brasil monárquico: dispersão e unidade, tomo II, volume 2, São Paulo:Difel, 1964, p. 367

[7]IGLESIAS, Francisco. A industrialização brasileira, Coleção Tudo é história, n° 98, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 19



quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Shaduf

 

Um dispositivo chamado shaduf (cegonha [1]) ou cigonal[2]  introduzido no final da XVIII dinastia por volta de 1350 a.c. conforme arte de El Amarna[3], e que usa o princípio da alavanca [4] era usado em um sistema de elevatória da agua nos canais de irrigação [5], no entanto o mecanismo permitia elevar a água em apenas 3 metros, e ademais seu trabalho era tão intensivo que se limitava as culturas hortícolas ou para elevar as águas dos pântanos [6]. Com o cigonal um homem podia levantar cerca de 2500 litros de água a uma altura de dois metros em apenas um dia. Para irrigar as terras que a inundação não alcançava as águas eram retidas em tanques que eram abertos periodicamente para que todos os campos pudessem ser irrigados.[7] Embora fosse mais fácil de puxar o balde com uma corda, a força usada para usar um shaduf ainda era considerável, possivelmente de origem dos hicsos,[8] expulsos de forma definitiva em 1532 a.c. [9] O uso do shaduf permitia ampliar a área cultivável em aproximadamente 10 a 15 %.[10] A procedência do shaduf era a Mesopotâmia onde foi encontrado representado em um selo cilíndrico acádio datado de 2370-2200 a.c.[11] Um relevo no palácio de Senaqueribe em Nínive mostra o uso do shaduf [12]. Outro mecanismo usado no Egito no século II a.c. para obtenção de água de poço era a sakia ou saqiya, um mecanismo giratório, acionado por um animal atrelado a uma roda motriz na horizontal engrenada a outra roda, na vertical, que girava presa a diversos baldes [13], o qual Vitrúvio devia conhecer pois descreve uma variante do mesmo.[14] Ao chegarem ao fundo de sua trajetória os baldes recolhem água que vertem ao chegar no ponto mais alto, a três ou quatro metros de altura, numa calha de madeira que direciona a água para os campos de irrigação. Com a sakia um único homem podia enviar às plantações milhares de litros de água por dia [15]. Com a saqiya permite extrair água de 3,5 a 7,5 metros de profundidade e sua origem teria sido no Egito ou na Pérsia.[16] Uma tumba romana em Alexandria do segundo milênio mostra uma saqiya movida por bois.[17] O tanbur / tambur  era um parafuso de Arquimedes usado para elevação da água através de uma hélice que girava dentro de um cilindro inclinado [18] para irrigação em pequena escala.[19] No armazenamento de água em grandes reservatórios de cerâmica observa-se o uso de sifões na XVIII dinastia.[20] Ronaldo Wright observa que em três mil anos as únicas inovações importantes no Egito foram o shaduf por volta de 1300 a.c. e a roda hidráulica sagiya por volta de 300 a.c.. Ferramentas de pedra como facas e foices ainda eram usados em meados dos tempos imperiais. [21] Brian Fagan mostra que no Egito a irrigação era uma iniciativa local fora do controle do governo central [22] No plaácio de Senaquerib entre os assírios há a representação do uso do um shaduf para irrigação datado do século VII a.c. em linha ao longo de um mesmo rio, no entanto não há evidência de uso similar de mais de um shaduf  por rio entre os egípcios.

[1]CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.33

[2]DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.79

[3]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 99; CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito antigo. Coleção Tudo é história, n° 36, São Paulo:Brasiliense, 1986, p.27

[4]USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p.169, 177; CLARK, Grahame. A pré história, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p. 191

[5]LEWIS, Brenda. Great civilizations, Parragon:London, 1999, p.104; RAWLINSON, George. A history of ancient Egypt, London, 1881, p. 166; STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 97; WHITE, Jon Manchip. O Egito Antigo, Rio de Janeiro:Zahar, 1966, p. 160

[6]BAINES, John; MALEK, Jaromir. O mundo egípcio:deuses, templos e faraós. Rio de Janeiro, Edições del Prado, 1997, p.17

[7]NOVION, Hubert. Sakarah. Readers's Digest. As grandes civilizações desaparecidas, Lisboa:1981, p.24

[8]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.61; HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.102

[9]CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito antigo. Coleção Tudo é história, n° 36, São Paulo:Brasiliense, 1986, p.65

[10]STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 95

[11]HODGES, Henry. Technology in the ancient world, New York: Barnes & Noble Books, 1970, p. 118

[12]STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 97; ROAF, Michael. Mesopotâmia v.I, Lisboa:Ed. Del Prado, 1996, p. 125

[13]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.63

[14]DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.362

[15]DEARY, Terry. Espantosos egípcios, São Paulo:Melhoramentos, 2004, p. 92

[16]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 99

[17]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 100

[18]STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 97

[19]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 99

[20]USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p.132

[21]WRIGHT, Ronald. Uma breve história do progresso, São Paulo:Record, 2007, p.196

[22]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 100



Ferro no Brasil colonial do século XVIII

 

Em 1795 a proibição à indústria na colônia é atenuada ao se permitir a instalação de forjas para fabricação do ferro necessário para produzir as ferramentas para a extração do ouro, contudo, somente após o período colonial que a siderurgia irá se desenvolver.[1] Afonso Sardinha em 1590 já havia iniciado a exploração de mina de ferro em Biraçoaiaba com dois pequenos fornos tratando diretamente o minério.[2] Em 1609 foi organizada uma sociedade para exploração de minas de ferro em Santo Amaro possivelmente com uso de forjas catalãs.[3] Pedro Tacques em História da Capitania de São Vicente se refere ao funcionamento de uma fábrica em 1776 para extração de ferro na Serra a Araçoaiaba / Biraçoiaba [4] no entanto segundo depoimento de Domingos Ferreira Pereira de fato, não foi estabelecida uma fábrica; quando muito, um ou dois pequenos fornos que pouco ou nada produziram, pois as experiências se limitaram às amostras enviadas a Portugal. [5] Em 1780 o governador Rodrigo José de Menezes de Vila Rica encaminhou à metrópole um pedido para o estabelecimento de uma fábrica de ferro mas teve seu pedido negado. Com a vinda da família real o Ministro Sousa Coutinho irá incentivar a vinda de técnicos estrangeiros como Eschwege que viria a fundar a Fábrica Patriótica em Congonhas do Campo em 1812 e ao alemão Varnhagen com a Real Fábrica de São João do Ipanema em 1821 visando a implantação da siderurgia no Brasil.[6]



[1] TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.18, 70

[2] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.115

[3] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 123

[4] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 131

[5] FRANÇA, Eduardo d'Oliveira. As minas de ferro em Biraçoiaba (São Paulo. Séculos XVI-XVII-XVIII). In: SIMPÓSIO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 3., 1965, Franca. Anais do III Simpósio dos Professores Universitários de História. São Paulo: FFCL-USP, 1967, p. 247-248. Intervenção do simposista. https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2018-12/1543951552_355614b54770ed4382f2f5cf33980b28.pdf

[6] BARBOSA, Francisco de Assis. Dom João VI e a siderurgia no Brasil, Brasília:Batel, 2010, p.42



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A construção de Stonehenge

 

Os henges são círculos de grandes rochas com orientação astronômica ou funerária da cultura Windmill [1]. As pedras azuis do círculo interno foram trazidas de uma pedreira localizada a 40 quilômetros de distância [2] de Marlborough Downs [3], enquanto que as demais pedras dos círculos externos foram extraídas dos rochedos do sul do País de Gales, em Preseli HIlls [4] a 240 quilômetros [5] e transportados ao longo do rio Avon até a planície de Salisbury onde fica Stonehenge.[6] Thor Heyerdahl demonstrou técnica similar para construção e movimentação dos grandes monólitos na Ilha de Páscoa [7] descobertos por Jakob Roggeveen em 1722. Os linteis que se posicionam horizontal acima de dois megalitos ao longo do chamado círculo de Sarsen mostram encaixes cavados na sua face interior.[8] Seton Lloyd observa que Stonehenge é uma cópia de estrutura em madeira escavada em Woodhenge nos arredores de Stonehenge. Para sua construção, possivelmente foram feitos poços para o encaixe dos tenons para que assumissem posição vertical em um movimento que H. Stone estima que seriam necessárias a força de 180 homens. Uma rampa em madeira teria sido usada para se arrastar os linteis para posição horizontal no topo até o encaixe na junção. Algumas pedras foram deslocadas devido a tempestades e furacões, como o que atingiu a região em 1900 que derrubou a pedra 22 do círculo de Sarsen. No século XIX alguns hoteleiros das cercanias vendiam martelos para que os hóspedes pudessem extrair alguma lasca como recordação. Uma restauração feita em 1958 exigiu um guindaste de 60 toneladas para realizar esse encaixe. Para Stuart Piggott: “o monumento indica autoridade unificada e, mesmo, pessoal, não só pela concepção e realização da obra arquitetônica, mas pelo prestígio e pelo poder que podiam exigir uma tamanha força laboral e tão grande capacidade técnica, mesmo que essa exigência se restringisse a períodos curtos ou sazonais, ao longo de muitos anos. A continuidade da construção e reconstrução no mesmo sítio durante, provavelmente, mais de cinco séculos, prova uma continuidade similar de tradição e autoridade. Dificilmente podemos imaginar estas qualidades compatíveis com uma estrutura de barbarismo rudimentar, mas bem podiam existir numa estrutura de obrigações graduadas, numa sociedade com chefe, aristocracia, homens livres, tal como conhecemos na Europa dos finais da pré história e começo da história”.[9]



[1]Grande História Universal: o princípio da civilização, Barcelona:Folio, 2001, p.65

[2]McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.25

[3]NIEL, Fernand. Stonehenge, templo misterioso da pré história, São Paulo:Hemus, 1974, p.207

[4]MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 103

[5]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 66

[6]WESTWOOD, Jenifer. Lugares Misteriosos, Vol. 1, São Paulo:Ediciones del Prado, 1995, p. 26

[7]BONILLA, Luis. Breve historia de la técnica y del trabajo, Madrid:Ed. Istmo,1975, p.28; https://www.youtube.com/watch?v=SnKyRM9_1Bk

[8]NIEL, Fernand. Stonehenge, templo misterioso da pré história, São Paulo:Hemus, 1974, p.38, 207, 208; LLOYD, Seton. Building in brick and stone.In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.I, Oxford, 1956, p.493

[9]PIGGOTT, Stuart. A Europa antiga, Lisboa:Fund. Calouste Gulbenkian, 1965, p. 174




Antonil

 

O jesuíta italiano André João Antonil em trabalho escrito em 1711 descreve em detalhes os engenhos de açúcar da Bahia na sua obra Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas[1], assim como os trabalhos de Gabriel Soares Sousa [2] em Tratado descritivo do Brasil escrito em 1567 e o de Luís dos Santos Vilhena para fins do século XVIII em Notícias soteropolitanas. [3] A obra de Antonil (pseudônimo de João Antonio Andreoni segundo Capistrano de Abreu [4]), considerada por Ruy Gama como “de enorme importância para a história das técnicas no Brasil” [5] foi imediatamente censurada em Portugal devido ao receio de que pudesse despertar a cobiça de estrangeiros pelo ouro brasileiro, [6] tornando-se uma raridade bibliográfica [7]. O livro se inicia com a constatação: “o ser senhor de engenho é título que a muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”. Mesmo o tenente inglês Watkin Tench em visita ao Rio de Janeiro em 1787 escreve: “O Brasil é um território muito mal conhecido na Europa. Os portugueses, por razões políticas, não divulgam quase nenhuma informação sobre essa colônia. Daí, as descrições vinculadas nas publicações geográficas inglesas serem, estou certo, terrivelmente errôneas e imperfeitas” [8]. Capistrano de Abreu aponta que na verdade que o risco era que os próprios brasileiros tomassem conhecimento de suas riquezas e isso pudesse estimular anseios de independência [9]. O Rio de Janeiro havia sido atacado em 1710 por Jean François Duclerc e no ano seguinte por Duguay Trouin, o que revela que o receio de ataques de corsários em busca das riquezas do Brasil era justificado.[10] Para Capistrano de Abreu a razão da proibição foi evitar a disseminação deste conhecimento entre os próprios brasileiros.[11] O texto teve circulação livre somente em 1837 publicado por Julius Villeneuve. [12] Em 2001 um dos originais foi obtido pela Brown University por 232 mil dólares, sendo um dos seis exemplares conhecidos, um dos quais na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que disponibilizou a obra na internet.[13]

[1]FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.38 http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/cultura-e-opulencia-do-brasil-por-suas-drogas-e-minas/ http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or1320141/or1320141.pdf

[2]SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587, São Paulo:Cia Editora Nacional, Brasiliana, v.117, 1971

[3]RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, São Paulo:Cia de Bolso, 2006, p.256; JUNIOR, Caio Prado. História econômica do Brasil, São Paulo:Brasiliense, 1979, p.89

[4]VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. III, p. 342; SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.104

[5]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo:Duas Cidades, 1979, p.35, 291

[6]BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.132

[7]VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. III, p. 341

[8]FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Imagens do Brasil nas relações de viagem dos séculos XVII e XVIII, Revista Brasileira de Educação, set/out/nov/dez 2000,n.15, Rio de Janeiro:ANPED, p.8

[9]ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. São Paulo: PubliFolha, 2000, p. 186

[10]CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 6. SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.3, p. 71; CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 13

[11]CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 108

[12]SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 14

[13]SOUZA, Laura de Mello. O ouro da discórdia. Revista da História da Biblioteca Nacional, n° 71, agosto 2011, p.56 https://bndigital.bn.gov.br/artigos/cultura-e-opulencia-do-brasil-de-andre-joao-antonil/



terça-feira, 24 de novembro de 2020

Astronomia indígena

 

Entre os tupinambás certa estrela era denominada januare, cão, uma vez eu os índios ao deitarem-se a “estrela late em seu encalço como um cão para devorá-la”. Januare ou Jaguar é a estrela da tarde ou Vésper. Quando a lua permanece oculta por muito tempo devido a algum eclipse, acontece de surgir vermelha como sangue resultado de sua caçada.[1] A lua vermelha segundo a astronomia ocorre na primeira lua cheia do fim do mês de abril ou princípio de maio, na verdade trata-se de um fenômeno metereológico e não astronômico. [2] Os tupinambás utilizavam os conhecimentos dos movimentos do Sol e da Lua na navegação, pesca e agricultura[3]. Entre os tupis a lua era Jaci / Yaci [4] a mãe dos frutos que presidia todo o mundo vegetal.[5] Guaraci, Quaraci, Coaraci ou Coraci (do tupi kûarasy, "sol") na mitologia tupi-guarani é a representação do Sol. Tupã não era exatamente um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do som do trovão. A cerimônia do Kuarup entre os índios do Alto Xingu se inicia somente com a lua em quarto crescente ou lua cheia.[6] Entre os caiapós o princípio do mundo está associado ao par Sol e lua, ambos do sexo masculino.[7] Para os antigos guaranis haviam um tigre no ceu que em certas ocasiões de eclipses devorava o sol ou a lua.[8] Um dos mitos dos guaraiu tem o nome de abaangui, um homem de nariz caído com o aspecto de uma lua metamorfoseada, enquanto que zaguayu é visto como uma encarnação do sol.[9] Para os bororos o sol e a lua pertencem ao clã dos badedgeba [10].  Ehrenreich encontra outras analogias dos mitos dos guaraiu e os astros como a analogia entre o tema dos gêmeos Arubiatá e Nanderiquey que representa respectivamente a lua e o sol.[11] O sol é igualmente descrito no mito dos tembés como um mancebo que usa botoque e tem a cabeça coroada com plumas brilhantes. As plumas sobre a cabeça representam os raios solares e seu uso identificaria o chefe da tribo.[12] O padre salesiano Alcionílio Bruzzi publicou em 1962 A civilização dos Uapés em que destaca, sob a ótica da catequese católica, a astronomia indígena na descrição do planeta Vênus e da Lua.



[1]FERNANDES, Florestan . A função da social da guerra na sociedade tupinambá, São Paulo:Globo, 2006

[2]MOURÃO, Rogério Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1987, p. 483

[3]MIRANDA, Antonio Carlos. A dimensão do mito. São Paulo:Allprint, 2005, p.21

[4]COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.257

[5]MOURÃO, Rogério Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1987, p. 415

[6]SANTOS, Yolanda Lhuillier dos. Convite à Ciência. São Paulo:Logos, 1965, p.179, 218

[7]GONTIJO, Silvana. O mundo em comunicação, Rio de Janeiro:Aeroplano, 2001, p.90

[8]METRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as das demais tribos tupi-guaranis, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1950, p. 101; SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.2, p. 218

[9]METRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as das demais tribos tupi-guaranis, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1950, p. 66 http://www.brasiliana.com.br/obras/a-religiao-dos-tupinambas-e-suas-relacoes-com-as-das-demais-tribos-tupi-guaranis

[10]STRAUSS, Claude Lévi. O pensamento selvagem. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 264

[11]METRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as das demais tribos tupi-guaranis, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1950, p. 89

[12]MIRANDA, Antonio Carlos. A dimensão do mito. São Paulo:Allprint, 2005, p.31




segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Brocas no Antigo Egito

 

Flinders Petrie descobriu em 1881 próximo as pirâmides de Gizé um cilindro de granito (UC16036) [1] da IV Dinastia (2613-2494 a.c) conhecido como “Núcleo 7” que revela um notável conhecimento técnico dos egípcios que conseguiam perfurar o granito com brocas. A presença de traços no cilindro de forma contínua em espiral não poderia ser conseguida com uso de furador de arco, tampouco seria possível instrumentos de cobre perfurar o granito.[2] Edwards conclui com uma hipótese da qual a ciência não oferece qualquer respaldo: “constituindo-se o cobre, ao que se sabe, no único metal que os egípcios possuíam antes do médio Império, supõem-se que eles  empregavam um processo, hoje perdido, para dar ao cobre uma têmpera extremamente dura; esta hipótese, porém ainda não pode ser provada”.[3] Para Flinders Petrie considera que o cofre de granito da Câmara do Rei da Pirâmide de Gizé foram feitos com brocas de tubo, as quais deixam um miolo central, com traços no cilindro. Só depois que todos os buracos foram feitos e todos os miolos removidos é que o cofre deve ter sido trabalhado manualmente para atingir a dimensão desejada. Nas brocas modernas o cilindro de corte é de aço e as pontas de diamante.[4] Dificilmente os artesãos poderiam ter perfurado cerca de 20 centímetros de granito sem precisar remover suas brocas, o que revela o uso de máquinas de furar.[5] Petrie observa que o uso de brocas para furar pedras já era conhecido da I Dinastia.[6] Segundo Zaba, após analisar o desenvolvimento da matemática, medicina e de construção dos egípcios: “devemos estudar com apreço as ciências dos antigos [...] impõe-se proceder a revisão radical de nossos conceitos em relação aos temas da ciência egípcia, que até agora constituíram objeto de tratamento demasiadamente desfavorável”.[7] Kurt Lange se refere a vestígios de instrumentos egípcios dotados de longa haste de madeira tornada pesada por meio de blocos de pedra terminada por duas cavilhas de madeira que deviam arrastar a broca de pedra cônica. Os blocos de pedra deviam funcionar como volantes enquanto o eixo central girava tendo areia úmida como abrasivo.[8] Seton Lloyd sugere o uso de brocas e serras feitas com algum material abrasivo para modelagem das pedras. Martelos e esferas feitas de dolerite podem ter sido usados para o trabalho com a pedra. Polias e cabrestantes não eram conhecidos e não há também evidências do uso de rodas antes do Novo Reino. Os únicos instrumentos disponíveis eram alavancas, trenós e roletes e uma espécie de molinete espanhol para torcer cordas.[9]

[1]Petrie, William Matthew Flinders. Pyramids and Temples of Gizeh. p.77, pl.VII.7; Petrie, William Matthew Flinders. Tools and Weapons. LII.59; Trope, Betsy Teasley. Excavating Egypt. Great Discoveries from the Petrie Museum of Egyptian Archaeology. p. 44; Gorelick, L.. Ancient Egyptian stone drilling. p.40-47; Stevenson, Alice. The Petrie Museum of Egyptian Archaeology: Characters and Collections. p.9 http://petriecat.museums.ucl.ac.uk/detail.aspx#

[2]https://seuhistory.com/videos/invencoes-lendarias-o-nucleo-7

[3]EDWARDS, J. As pirâmides do Egito, Rio de Janeiro:Record, 1985, p.230

[4]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.83

[5]https://www.fascinioegito.sh06.com/maquinaria.htm

[6]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.67

[7]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.68

[8]LANGE, Kurt. Pirâmides, esfinges e faraós, Belo Horizonte:Itatiaia, 1958, p. 170

[9]LLOYD, Seton. Building in brick and stone. In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, v.I, 1958, p. 479



Cachaça no Brasil Colonial

 

Na época da invasão holandesa a Coroa Portuguesa sem opção permitiu o comércio direto de traficantes brasileiros com angolanos, usando como moeda de troca produtos produzidos localmente como aguardente, tabaco e búzios, rompendo desta forma o fluxo de comércio triangular que predominava até então. Navios saíam de Portugal em direção a África carregados de produtos para pagamento dos escravos. Depois eram carregados de escravos e aproveitavam os ventos favoráveis para sair da costa africana no Guiné e Benin em direção ao nordeste brasileiro (ao quais Antonio Vieira acreditarem serem resultado da providência divina em libertar os cativos do paganismo para o cristianismo) [1] e retornavam para Europa carregados de açúcar.[2] Segundo Manolo Fiorentino  a cachaça era um dos produtos mais valorizados na troca de escravos com Angola.[3] Uma ordem régia de 1649 já proibira a venda de cachaça no entanto a medida de difícil implementação a ponto do padre Vieira em 1662 denunciar que toda a cachaça produzida já estava vendida antes mesmo de sair dos alambiques.[4] Em 1659 em nova proibição as disposições régias previam que se o fabricante clandestino de aguardente fosse “homem de qualidade” seria condenado a seis meses de prisão além de multa de cem cruzados, se fosse escravo seria açoitado nas ruas [5]. A partir do século XVIII os portugueses cuidavam o comércio europeu enquanto que os brasileiros ficavam com o comércio com a África, de modo que os traficantes brasileiros tornaram-se cada vez mais poderosos, com fortunas maiores do que muitos fazendeiros e mineradores, além de promoverem a produção local de produtos e um comércio interno [6]. Em 1743 a Coroa através de uma Ordem do conselho Ultramarino proibira a produção de cachaça em Minas Gerais. Este mesmo dispositivo proibia a construção de engenhos de açúcar e aguardente, no entanto, depoimento do governador da capitania Antonio de Noronha de 1777 relata que a determinação vinha sendo burlada. [7] Em 1798 existiam 253 engenhos de aguardente no Rio de Janeiro. [8]



[1]GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.215, 338

[2]GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.99

[3]GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.226

[4]ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes, São Paulo:Cia das Letras, 2000, p. 317

[5]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.68

[6]CALDEIRA, Jorge. História do Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1997, p.78

[7]MENESES, José Newton. Os alambiques, a técnica da produção da cachaça e seu comércio na América portuguesa. In: BORGES, Maria Eliza. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.141

[8]LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 208



domingo, 22 de novembro de 2020

Ferreiros em Palmares

 

O embaixador da Nigéria, Alberto da Costa e Silva mostra que muitos muçulmanos ex escravos vindos da Bahia se destacaram devido a habilidade nos ofícios adquiridos no Brasil. A mesquita Central em Lagos na Nigéria, demolida há alguns anos [1], foi iniciada pelo brasileiro mestre de obras João Baptista da Costa e concluída por seu discípulo sarô Sanusi Aka [2]. Em Porto Novo em Benin há uma mesquita com estilo de igreja católica brasileira construída por pedreiros, marceneiros e mestres de obras do século XIX. Gilberto Freyre qualificou estes ex escravos como pioneiros do capitalismo na África.[3] As habilidades de negros em metalurgia e como artesãos expostas por Gilberto Freyre contraria a crença de que os escravos não eram capazes de adquirir habilidades mais elevadas [4]. Juliana Ribeiro destaca a associação do domínio do ferro e o poder político na África central de onde vinham os escravos: “é fato que alguns sobas controlavam minas de ferro e o trabalho de ferreiros, tanto que muitas regiões da África central passaram a ser povoadas por causa da existência dessas minas. Afinal, controlar uma mina significava agregar pessoas, não só os súditos em si, mas também povos que não sabiam trabalhar o ferro. E é preciso lembrar que a ideia de poder na África central não está associada a extensão do território dominado e sim à quantidade de pessoas submetidas à figura do chefe. Assim, fica clara a associação entre o ferro e a legitimação do poder”. [5]  No quilombo dos Palmares há o registro de ferreiros artesãos conforme relatório de viagem do capitão João Blaer aos Palmares em 1645 [6]. A expedição holandesa de 1645 ao quilombo encontrou quatro forjas [7], usadas na fabricação de facões, além de pontas de flechas e lanças. O governador de Pernambuco Fernão de Sousa Coutinho em depoimento de 1671 revela que os negros rebelados já possuíam “tendas de ferreiro e outras oficinas, com que poderão fazer armas, pois usam de algumas de fogo que de cá levam, e este sertão é tão fértil de metais e salitre que tudo lhes oferece para a sua defesa, se lhes faltar a indústria eu também se pode temer dos muitos que fogem, já práticos em todas as mecânicas”.[8]

[1]GOMES, Laurentino. Escravidão v.1, Rio de Janeiro:Globo Livros, 2019, p. 20

[2]COSTA E SILVA, Alberto da. O Brasil, a África e o Atlântico no século XIX. Estud. av. [online]. 1994, v.8, n.21, p.21-42. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200003&lng=en&nrm=iso

[3]COSTA, Sergio Correa da. Brasil, segredo de Estado, São Paulo:Record, 2001, p. 56

[4]EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.82

[5]SILVA, Juliana Ribeiro. Homens de ferro. Os ferreiros na África central no século XIX. Mestrado História Social da USP, São Paulo, 2008, p. 36

[6]FRANÇA, Jean Marcel. Três vezes zumbi: a construção de um herói brasileiro, São Paulo:Três Estrelas, 2012, p.38

[7]GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.406

[8]CARNEIRO, Edison. O quilombo dos Palmares, São Paulo:Martins Fontes, 2001, p. 36, XLIII ; BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.62



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...