domingo, 29 de novembro de 2020

Portugal, religião e as especiarias

 

Uma carta do primeiro vice rei Francisco de Almeida enviada a D. Manuel mostra os interesses portugueses na quebra do monopólio de especiarias de Veneza: “Toda a nossa força seja no mar. Desistamos de nos apropriar da terra. As tradições antigas de conquista, o império sobre reinos tão distantes não convém [...] Com as nossas esquadras teremos seguro o mar e protegidos os indígenas em cujo nome reinaremos  de fato sobre a Índia; e se o que queremos são os produtos dela, o nosso império marítimo assegurará o monopólio português contra o turco e o veneziano”. [1] O relato de Vasco da Gama deixa claro que seu interesse na Índia era fundamentalmente pela busca de especiarias: pois seu objetivo era o de “meramente para fazer descobertas. O rei perguntou-lhe então o que fora descobrir: pedras ou homens ? Se fora para descobrir homens, porque não trouxera nada ?”.  O samorim se queixa diante de Vasco da Gama que se seu interesse era de homens então teria de ter trazido alguns presentes. Perguntado por dois tunisianos que falavam espanhol, ao chegar e Calicute: “que diabos é que os trouxe aqui ?”, Vasco da Gama respondeu: “Viemos procurar cristãos e especiarias”.[2] De Calicute Vasco da Gama partiu em 1498 “com grande regozijo pela nossa sorte em termos feito tão grande descoberta [...] pois já tínhamos achado e descoberto o que vínhamos buscar assim de especiarias como de pedras preciosas”. Em 1502 ao partir novamente para Índia ao chegar ao largo de Calicute em 30 de outubro exigiu ao samorim que se rendesse e que expulsasse da cidade todos os muçulmanos. Diante da contemporização do samorim Vasco da Gama para demonstrar que não estava para brincadeiras, mandou capturar no porto um certo número de pescadores e negociantes enforcando-os, esquartejando seus corpos e colocando suas mãos, pés e cabeças num cesto enviado à terra junto com uma mensagem para que o samorim usasse tais corpos para fazer caril, uma espécie de tintura de tecidos, o que mostra que seus ideais estavam muito longe de objetivos religiosos.[3] Segundo H. Plumb “E os filhos de Cristo seguiam esta senda de sangue, construindo as suas igrejas, missões e seminários, porque, afinal, a rapina era uma cruzada: por muito grande que fosse a recompensa de Vasco da Gama, de Albuquerque, de Pacheco e dos outros neste mundo, a sua glória seria ainda maior no outro mundo”.[4] Charles Boxer destaca que a busca pelo ouro foi um fator importante na continuação pelas viagens ao longo da costa africana especialmente após 1442 e lista como principais motivos a motivar o início dos descobrimentos: (i) um zelo de cruzada contra os muçulmanos, (ii) o desejo de se apoderar do ouro de Guiné, (iii) a questão da busca do reino do mítico Preste João e (iv) a procura das especiarias orientais.[5] O padre espanhol Bartolomeu de Las Casas critica o comércio de escravos que acompanhou a saga portuguesa no comércio com a Africa no século XVI sob a justificativa de promover a fé cristã: “é de maravilhar a forma como os historiadores portugueses glorificam e chamam de ilustres esses feitos tão vis e representam a exploração como um grande sacrifício a serviço de Deus”.[6] 

[1]CAMINHA. João Carlos. História marítima. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980, p. 60

[2]BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 58

[3]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.171, 183

[4]BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 20

[5]BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 50

[6]RESTON, Os cães do Senhor, São Paulo: Record, 2008, p.125



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