domingo, 22 de novembro de 2020

Ferreiros em Palmares

 

O embaixador da Nigéria, Alberto da Costa e Silva mostra que muitos muçulmanos ex escravos vindos da Bahia se destacaram devido a habilidade nos ofícios adquiridos no Brasil. A mesquita Central em Lagos na Nigéria, demolida há alguns anos [1], foi iniciada pelo brasileiro mestre de obras João Baptista da Costa e concluída por seu discípulo sarô Sanusi Aka [2]. Em Porto Novo em Benin há uma mesquita com estilo de igreja católica brasileira construída por pedreiros, marceneiros e mestres de obras do século XIX. Gilberto Freyre qualificou estes ex escravos como pioneiros do capitalismo na África.[3] As habilidades de negros em metalurgia e como artesãos expostas por Gilberto Freyre contraria a crença de que os escravos não eram capazes de adquirir habilidades mais elevadas [4]. Juliana Ribeiro destaca a associação do domínio do ferro e o poder político na África central de onde vinham os escravos: “é fato que alguns sobas controlavam minas de ferro e o trabalho de ferreiros, tanto que muitas regiões da África central passaram a ser povoadas por causa da existência dessas minas. Afinal, controlar uma mina significava agregar pessoas, não só os súditos em si, mas também povos que não sabiam trabalhar o ferro. E é preciso lembrar que a ideia de poder na África central não está associada a extensão do território dominado e sim à quantidade de pessoas submetidas à figura do chefe. Assim, fica clara a associação entre o ferro e a legitimação do poder”. [5]  No quilombo dos Palmares há o registro de ferreiros artesãos conforme relatório de viagem do capitão João Blaer aos Palmares em 1645 [6]. A expedição holandesa de 1645 ao quilombo encontrou quatro forjas [7], usadas na fabricação de facões, além de pontas de flechas e lanças. O governador de Pernambuco Fernão de Sousa Coutinho em depoimento de 1671 revela que os negros rebelados já possuíam “tendas de ferreiro e outras oficinas, com que poderão fazer armas, pois usam de algumas de fogo que de cá levam, e este sertão é tão fértil de metais e salitre que tudo lhes oferece para a sua defesa, se lhes faltar a indústria eu também se pode temer dos muitos que fogem, já práticos em todas as mecânicas”.[8]

[1]GOMES, Laurentino. Escravidão v.1, Rio de Janeiro:Globo Livros, 2019, p. 20

[2]COSTA E SILVA, Alberto da. O Brasil, a África e o Atlântico no século XIX. Estud. av. [online]. 1994, v.8, n.21, p.21-42. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200003&lng=en&nrm=iso

[3]COSTA, Sergio Correa da. Brasil, segredo de Estado, São Paulo:Record, 2001, p. 56

[4]EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.82

[5]SILVA, Juliana Ribeiro. Homens de ferro. Os ferreiros na África central no século XIX. Mestrado História Social da USP, São Paulo, 2008, p. 36

[6]FRANÇA, Jean Marcel. Três vezes zumbi: a construção de um herói brasileiro, São Paulo:Três Estrelas, 2012, p.38

[7]GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.406

[8]CARNEIRO, Edison. O quilombo dos Palmares, São Paulo:Martins Fontes, 2001, p. 36, XLIII ; BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.62



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