quinta-feira, 25 de março de 2021

O Arsenal de Guerra da Marinha

 

O Arsenal de Guerra da Marinha reunia oficinas com ferreiros, funileiros, serralheiros, tanoeiros, carpinteiros, torneiros, serralheiros, tanoeiros, cordoeiros, entre outros. Um manuscrito de 1776 revela que a “Casa do Trem” foi precursora do Arsenal. Entre estes artífices, alguns solicitavam patentes de suas invenções como Manuel Marques mestre da oficina de ferreiros e serralheiros do Arsenal Imperial da Marinha que e 1827 inventou um novo tipo de fechadura.[1] O Museu Histórico Nacional guarda uma medalha comemorativa da primeira fundição de artilharia de 1820, com a fundições dos primeiros canhões, época em que o Arsenal estava em processo de ampliação de suas instalações. Máquinas motrizes a vapor foram instaladas em 1847. Em 1850 o Arsenal de Guerra fez uma encomenda de seis canhões e peças de ferro fundido para ao estaleiro de Ponta de Areia, no entanto, trata-se de um caso pontual, esta demanda ainda era insuficiente para fomentar o surgimento de novas indústrias.[2] Diante da falta de mão de obra especializada Celso Sukow em sua história da educação faz referência ao recrutamento “manu militari” feito por meio de patrulhas do Arsenal feitas à noite em busca  de todo aquele que fosse encontrado nas ruas após o toque de recolher ou mesmo solicitando-se o encaminhamento de alguns presos junto ao chefe de polícia.[3]



[1] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 93

[2] CASTRO, Adler Homero Fonseca. O Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, Anais do Museu Histórico Nacional, v.28, 1996, p. 163-183

[3] CIAVATTA, Maria; SILVEIRA, Zuleide. Celso Sukow da Fonseca. Recife: Massangana, 2010, p. 70

[4] http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/6104



quarta-feira, 24 de março de 2021

Pecunia non olet

 

Os assentos eram montados contíguos, sem separação ao longo de um peitoril.[1] A urina, recolhida em vasos especiais, era empregada na limpeza de tecidos pelos tecelões.[2] Vespasiano restaurou um imposto para utilização dos banheiros públicos, o que segundo Suetônio e Dion Cassio levou a Tito reclamar com seu pai que desta forma, não podendo pagar, levaria a cidade e as pessoas em geral ficassem fedendo. Ao que se conta Vespasiano pegou uma moeda de ouro e disse Non olet (não tem cheiro). O episódio deu origem ao brocardo pecunia non olet que estabelece que para o Estado pouco importa se os rendimentos tributáveis não tiveram origem lícita ou moral.[3]

[1] ULRICH, Paul. Os grades enigmas das civilizações desaparecidas, Grécia, Roma e Oriente Médio, Rio de Janeiro, Otto Pierre Ed, 1978, p.123

[2] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 238

[3] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 448



Insulae romanas

 

Prédios de apartamentos conhecidos como insulaes foram construídos em Roma com vários andares, no entanto, devido às fundações feitas com tijolo, eram causa de muitos desmoronamentos a ponto que Trajano (27 a.c – 14 d.c) limitar as insulaes a 20 metros ou 70 pés romanos, enquanto que um século mais tarde Trajano reduziu sua altura a 60 pés. [1] As insulae eram comuns em Roma e no porto de Óstia. O epitáfio de um ex escravo inquilino chamado Ancarenus Nothus reflete o lamento pelas condições difíceis de moradia ao morrer: “Não estou mais preocupado se vou morrer de fome. Estou llivre de dores nas pernas e de ter de pagar o aluguel. Tenho comida e casa de graça por toda a eternidade”.[2] Como não haviam elevadores, quanto mais alto os andares mais pessoas viviam em condições próximas a de favelas.[3] Juvenal descreve as condições inadequadas dos que moravam nos andares mais altos quando comparado ao primeiro andar piano mobile: “sem nada para protegê-los da chuva senão as telhas”. Nos três primeiros séculos do império as olarias imprimiam carimbos nos tijolos indicando o nome do proprietário da terra em que eram feitos, o nome do oleiro e às vezes dos cônsules em exercício [4]. Muitas destas inscrições foram úteis para datação dos monumentos romanos como o Pantheon construído entre 118 e 128 d.c sob Adriano [5]. As ruínas mais bem conservadas foram encontradas na rua principal de Óstia, a Decanus Maximus.[6] Uma pesquisa do ano 300 sobre as habitações dos romanos revelou um total de 1797 domus e 46602 insulae [7].



[1]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.115

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 441

[3] FUNARI, Pedro. Grécia e Roma, São Paulo:Contexto, 2004, p.110

[4] BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.145

[5] BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.165

[6] Time Life. Roma: ecos da glória imperial, Rio de Janeiro:Abril, 1998, p. 57

[7] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 177



terça-feira, 23 de março de 2021

A vulgaridade do trabalho e da inovação em Roma antiga

 

A escravatura aumentava o tempo livre dos romanos que tinham em grande conta a ociosidade.[1] Cícero e Sêneca exaltam o ócio como superior ao trabalho. Cícero critica os que precisam trabalhar para ganhar a vida: “O dinheiro que vem de vender o seu trabalho é vulgar e inaceitável para um cavalheiro, pois os soldos  são efetivamente os grilhões da escravidão”.[2] Para Sêneca (na figura) em Brevitate Vitae: soli omnium otiosi sunt qui sapientiae vacant. - De todos, apenas aqueles que têm tempo para a sabedoria têm tempo livre [3]. Sêneca aponta que a maioria das invenções de sua época foram trabalhos de escravos, o povo simples, os únicos interessados em tais assuntos:[4] “foi certamente a razão que inventou tudo isto, mas não a verdadeira razão. Foi o homem, mas não o homem sábio que tudo descobriu; da mesma forma que inventaram os barcos, nos quais se atravessa rios e mares, barcos aparelhados com velas para aprisionar a força dos ventos, com leme na popa para mudar a rota em uma ou outra direção”.

[1] KITTO, Humphrey Davey Findley. Os gregos. Coimbra:Armenio Amado, 1970, p. 222

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 435

[3] CRUZ, Murillo. A norma do novo: fundamentos do sistema de patentes na modernidade: filosogia, história e semiótica. Rio de Janeiro, 1996. Tese Doutorado, Coppe/UFRJ, Engenharia de Produção, p.40

[4] MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.195; NISBET, Robert. História da ideia do progresso. Brasília:UNB, 1980, p. 56



Medicina e superstição na Roma antiga

 

Escribônio Largo em sua Compositiones medicamentorum expõe 21 receitas médicas de origem popular ou mágica a grande maioria à base de plantas[1]. No século II o historiador Catão, contudo, expõe seu desprezo pela medicina como “inútil e perniciosa”.[2] Para Catão Roma era saudável sem doutores, mas não sem medicamentos – sine medicis sed non sine medicina[3]. Cesare Cantu destaca o ambiente de superstições em que vivia Roma. Catão discutia seriamente se um espirro voluntário devia tornar nulas as assembleias por ser interpretado como uma intervenção dos deuses.[4] Mary Beard relata que Vespasiano teria curado um cego no Egito ao cuspir em seus olhos e curado a mão atrofiada de um enfermo ao colocar a planta do pé em cima dela[5]. Galeno de Pérgamo no século II, médico particular do imperador Marco Aurelio, estabeleceu sua doutrina segundo o qual o homem é formado pela pneuma animal localizada no cérebro, pneuma vital localizada no coração e pneuma natural localizada no fígado. Uma experiência em um cabrito permitiu Galeno concluir que as artérias do organismo conduzem sangue e não ar. A experiência o fez concluir que o sangue circulava impulsionado por uma força atrativa originada na parede da artéria[6]. Em outra experiência com um animal vivo conclui que o rim é um órgão excretor de urina. Com o império romano os médicos passaram a constituir uma categoria profissional sujeita à regulação do Estado. Cícero se refere aos clínicos, oculistas e cirurgiões. Em Pompeia foi encontrada uma planta de uma casa de um médico com um ambulatório para tratamento dos doentes. Em Vindonissa foi encontrada a planta de um hospital militar[7]. Em Carnunto e em Novésio nas margens do Reno foram encontradas construções que podem ter sido hospitais do século I[8]. Na ilha Tiberina no Tibre foi construído em 291 a.c. um templo de Esculápio[9] que Suetônio se refere como refúgio de escravos doentes, que pode segundo Charles Singer ser considerado com um precursor de hospital público.[10] No século V Marcelo Empírico de Bordeus em um tratado sobre medicamentos inclui receitas muitas vezes baseadas em excrementos de animais.[11] Plínio registra conselhos cosméticos contra rugas que inclui o leite de jumenta aplicado nas bochechas sete vezes por dia. A mulher de Nero, Popeia Sabina, usava leite de jumenta no banho, motivo pelo qual sempre viajava com uma tropa de jumentas.[12]

[1] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.345

[2] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 34

[3] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.17

[4] CANTU, Cesare. História Universal, v. IV, São Paulo:Editora das Américas, 1958, p.458

[5] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 410

[6] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 47

[7] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 40

[8] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.154

[9] LIBERATI, Anna Mari. A Roma Antiga, Folio: Barcelona, 2005, p. 100, 107

[10] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.30

[11] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.346

[12] LIBERATI, Anna Mari. A Roma Antiga, Folio: Barcelona, 2005, p. 87



segunda-feira, 22 de março de 2021

Os escravos de Cícero

 

O filósofo romano estoico Epicteto (50 d.c.-130d.c.) foi escravo em Èfeso onde nasceu e seu dono permitiu  que estudasse em Roma tornando-se discípulo Musônio Rufo (25 d.c.-95 d.c), que por sua vez era filho de um romano da ordem equestre. Eicteto permaneceu na cidade como liberto até 94 d.c quando um edito de Domiciano expulsou os filósofos da Itália.[1] Em suas cartas Cícero menciona vinte escravos entre os quais os que liam livros os documentos em voz alta para sua comodidade[2]. Um dos escravos de Cícero, Dionísio fugiu levando consigo preciosos livros. Tiro / Tirão era escravo e secretário particular de Cícero, uma função em que se exigia elevado nível cultural.[3] Cícero se refere a Tiro com consideração quando o mesmo adoecera: “O que te peço, meu caro Tirão, é que não hesites em fazer despesa alguma que seja útil para teu restabelecimento. Escrevi a Curio a fim de que te dê tudo que pedires. Prestaste-me inumeráveis serviços em casa, no fórum, em Roma, na província, nos meus negócios privados e público em meus estudos e em minha correspondência [...] Fica certo, meu caro Tirão, de que não existe ninguém que me estime e que não te estime também; de que teu restabelecimento é de grande interesse para mim e para ti, como também constitui preocupação para muitos outros”.[4] Crísipo era um escravo que acompanhava o filho de Cícero, o adolescente Marcus e que igualmente roubou livros de Cícero. Mary Beard sugere que é possível que tais relatos sejam uma fixação de Cícero por sua biblioteca e estima que em meados do século I a.c. cerca de vinte por cento da população na Itália era formada por escravos. [5]



[1] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 166

[2] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 323

[3] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.71

[4] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 204

[5] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 326



domingo, 21 de março de 2021

A Reforma de patentes de 1836 nos Estados Unidos

 

A Reforma de 1836 transformou o Escritório de Patentes dos Estados Unidos em uma repartição separada sob a direção do Departamento de Estado encerrando a concessão de patentes por registro, restabelecendo-se o sistema de exame que vigorara nos três primeiros anos da história do país.[1] Enquanto em 1836 havia um único examinador, este número aumentou para dois examinadores em 1837, chegando a 12 examinadores em 1861 e 1866 em 1870. Mario Biagioli observa que a reforma de 1836 proibiu os examinadores de ter qualquer envolvimento financeiro com as invenções que examinavam, o que segundo Mario Biagioli não reflete um receio infundado. Entre 1809 e 1811 o primeiro diretor do escritório de patentes William Thornton (na figura) intimou Robert Fulton, detentor de diversas patentes para barcos a vapor, de que suas patentes em exame seriam indeferidas caso o inventor não concordasse em entrar em sociedade com o próprio William Thornton para explorar tais invenções.[2] William Thornton foi superintendente de patentes entre 1802 e 1828 e junto com John Fitch[3], concorrente de Robert Fulton, desenvolveu várias invenções sobre barcos a vapor, o que revelava conflito de interesses[4]. No livro Short Account of the Origin of Steamboats de 1814 Thornton defendeu a prioridade de Joh Fitch sobre a invenção do barco a vapor.[5] No mesmo em dezembro 1814, Robert Fulton escreveu uma carta ao Secretário de Estado (e da Guerra) James Monroe se queixando do conflito de interesses do superintendente de patentes. O Secretário de Estado Monroe propôs um regulamento para impedir o Superintendente de ter interesse em patentes, a partir de fevereiro seguinte, de acordo com restrições semelhantes impostas a outros funcionários do governo. Thornton respondeu que defendia o que dizia ser direito que qualquer cidadão dos Estados Unidos. Ele ressaltou que recebia um salário de apenas $ 1.400 por ano e, portanto, precisava ter renda externa para viver, e de que não se aproveitara de qualquer informação privilegiada pois um pedido de patente, quando depositado no Escritório de Patentes, estava datado e protocolado. Se alguém tentasse aproveitar uma oportunidade para ler tal documento, isso ficaria claro imediatamente. O Superintendente não tinha autoridade para recusar uma patente, pois não havia exame de mérito e a patente somente poderia ser rejeitada por falta de cidadania, testemunhas insuficientes ou não pagamento de taxas, de modo que ele como superintendente não poderia afetar o direito de um requerente de obter sua própria patente. Robert Fulton veio a falecer em fevereiro de 1815. [6] Em outro conflito de interesses quando John Hall depositou uma patente para um novo tipo de rifle, Thornton reivindicou que ele teria inventadio o mesmo rifle anteriormente apresentando documento de anterioridade datado de 1776, recusando-se a emitir a patente salvo se o inventor concordasse em incluir o nome de Thosnton na patente. [7]




[1] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 48; VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.116

[2] BIAGIOLI, Mario. From ciphers to confidentiality: secrecy, openness and priority in science. The British Journal for the History of Science., Cambridge University Press, Vol. 45, No. 2, Special Issue: States of Secrecy (June 2012), p. 219 https://www.jstor.org/stable/23275476

[3] https://www.britannica.com/biography/William-Thornton

[4] https://www.uspto.gov/about-us/william-thornton

[5] COOPER, Carolyn. Social construction of invention through patent management: Thomas Blanchard Woodworking machinery, Technology & Culture, v.32, 1991, p.960-998

[6] DOBYNS, Kenneth. History of the United States Patent Office The Patent Office Pony, 1994 http://www.myoutbox.net/popch09.htm

[7] https://en.wikipedia.org/wiki/William_Thornton#Superintendent_of_the_Patent_Office



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...