terça-feira, 23 de março de 2021

Medicina e superstição na Roma antiga

 

Escribônio Largo em sua Compositiones medicamentorum expõe 21 receitas médicas de origem popular ou mágica a grande maioria à base de plantas[1]. No século II o historiador Catão, contudo, expõe seu desprezo pela medicina como “inútil e perniciosa”.[2] Para Catão Roma era saudável sem doutores, mas não sem medicamentos – sine medicis sed non sine medicina[3]. Cesare Cantu destaca o ambiente de superstições em que vivia Roma. Catão discutia seriamente se um espirro voluntário devia tornar nulas as assembleias por ser interpretado como uma intervenção dos deuses.[4] Mary Beard relata que Vespasiano teria curado um cego no Egito ao cuspir em seus olhos e curado a mão atrofiada de um enfermo ao colocar a planta do pé em cima dela[5]. Galeno de Pérgamo no século II, médico particular do imperador Marco Aurelio, estabeleceu sua doutrina segundo o qual o homem é formado pela pneuma animal localizada no cérebro, pneuma vital localizada no coração e pneuma natural localizada no fígado. Uma experiência em um cabrito permitiu Galeno concluir que as artérias do organismo conduzem sangue e não ar. A experiência o fez concluir que o sangue circulava impulsionado por uma força atrativa originada na parede da artéria[6]. Em outra experiência com um animal vivo conclui que o rim é um órgão excretor de urina. Com o império romano os médicos passaram a constituir uma categoria profissional sujeita à regulação do Estado. Cícero se refere aos clínicos, oculistas e cirurgiões. Em Pompeia foi encontrada uma planta de uma casa de um médico com um ambulatório para tratamento dos doentes. Em Vindonissa foi encontrada a planta de um hospital militar[7]. Em Carnunto e em Novésio nas margens do Reno foram encontradas construções que podem ter sido hospitais do século I[8]. Na ilha Tiberina no Tibre foi construído em 291 a.c. um templo de Esculápio[9] que Suetônio se refere como refúgio de escravos doentes, que pode segundo Charles Singer ser considerado com um precursor de hospital público.[10] No século V Marcelo Empírico de Bordeus em um tratado sobre medicamentos inclui receitas muitas vezes baseadas em excrementos de animais.[11] Plínio registra conselhos cosméticos contra rugas que inclui o leite de jumenta aplicado nas bochechas sete vezes por dia. A mulher de Nero, Popeia Sabina, usava leite de jumenta no banho, motivo pelo qual sempre viajava com uma tropa de jumentas.[12]

[1] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.345

[2] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 34

[3] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.17

[4] CANTU, Cesare. História Universal, v. IV, São Paulo:Editora das Américas, 1958, p.458

[5] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 410

[6] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 47

[7] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 40

[8] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.154

[9] LIBERATI, Anna Mari. A Roma Antiga, Folio: Barcelona, 2005, p. 100, 107

[10] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.30

[11] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.346

[12] LIBERATI, Anna Mari. A Roma Antiga, Folio: Barcelona, 2005, p. 87



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