domingo, 25 de setembro de 2022

Origens dos primeiros brasileiros

 

Em Lagoa Santa foram encontrados esqueletos de entre cerca 8 a 10 mil anos enquanto que Luzia[1] foi encontrada em 1975 na gruta da Lapa Vermelha IV em Confins[2] que fazia parte de um grupo caçador coletor com datação de 12,7 a 16 mil anos, o achado humano mais antigo de todo continente americano[3]. Luzia foi encontrada por uma missão de arqueólogos franco brasileira coordenados por Annette Laming Emperaire. Walter Neves e Héctor Puciarelli nos anos 1980 perceberam que os traços de Luzia e de outros esqueletos encontrados nos arredores de Lagoa Santa lembram os negros africanos ou os aborígenes australianos, mas não os mongoloides asiáticos de onde se acredita tenha vindo a onda migratória que deu origem ao homem americano. Tampouco os índios modernos tem as feições de Luzia.[4] A explicação para os traços negros de Luiza pode estar na presença de grupos com características morfológicos dos primeiros africanos, entre o grupo dos primeiros colonizadores americanos. Segundo Walter Neves a explicação não estaria em qualquer migração transoceânica seja pelo Atlântico ou pelo Pacífico mas pelo estreito de Bhering possivelmente por duas levas distintas de humanos que deixaram a Ásia em direção à América no final do Pleitoceno, uma primeira com morfologia craniana paleoamericana e uma segunda com morfologia mongoloide.[5] Pesquisas posteriores mostraram que a presença do homem nas ilhas do Pacífico era muito recente e não poderia ter sido a origem dos povos americanos[6]. A elevação do nível dos mares que se intensificou entre 12 mil ac. E 9 mil a.c. provocou ume enorme grande transformação e explosão populacional. A conexão por terá entre Sibéria e Alasca permitiu a migração dos primeiros humanos para as Américas em algum momento antes de 22 mil a.c..[7] Um dos primeiros a sustentar a origem asiática dos povos americanos vindo através do estreito de Bhering, não muito antes do final do Pleitosceno, foi Alexander Humboldlt ainda no século XIX[8] A primeira leva teria caminhado pela costa do Pacífico, chegado ao Chile em 12.300 anos atrás conforme descoberta de 1997 de Tom Dillehay em Monte Verde no Chile[9], que sugere uma rota inicial pela costa do Pacífico, de modo que a penetração nos Estados Unidos e a cultura Clovis seriam posteriores derrubando a tese inicial do Clovis First [10], que aparecem amplamente nos registros arqueológicos da América do Norte a partir de 13 mil anos atrás. Em Monte Verde foram encontradas cabanas de madeira construídas com galhos e restos de fogueiras, bem como artefatos de ossos e pedras.[11] Entre 11,5 mil e 8,5 mil anos atrás teriam chegado ao nordeste e centro oeste do Brasil.

[1] FUNARI, Pedro; NOELLI, Francisco. Pré história do Brasil, São Paulo:Contexto, 2016, p. 34; CLARK, Grahame. A pré história, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p. 286

[2] PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros, Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 26

[3] HOLTEN, Birgitte; STERLL, Michael. P.W.Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa, Belo Horizonte:UFMG, 2011, p.29; HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 52

[4] LOPES, Reinaldo. 1499 o Brasil antes de Cabral,Rio de Janeiro:Harper Collins, 2017, p. 15, 39, 50

[5] FERRO, Carolina. Luzia: a ponta do iceberg. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.71, agosto 2011, p. 32; SP Pesquisa - A origem do Homem Americano - 1º bloco, 2015 https://www.youtube.com/watch?v=u-mbnL_6b5k

[6] PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros, Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 20

[7] BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo, São Paulo: Fundamento, 2008, p. 25

[8] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 36

[9] MILLER, Russel. A verdade por trás da história: as novas revelações que estão mudando nossa visão do passado. Rio de Janeiro:Reader’s Digest, 2006, p.29

[10] HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 56

[11] JAMES, Peter; THORPE, Nick. O livro de ouro dos mistérios da antiguidade, Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 324



D. Maria I, o pecado e a depressão

 

O reinado de Maria I, iniciado em 1777, foi por muitos considerado o período da "viradeira", ou seja, de um retrocesso face à política reformista ilustrada do governo de José I e seu célebre ministro, Sebastião Carvalho e Melo, que se tornou marquês de Pombal em 1769. Segundo Mary del Priore: “Embora tenha convivido com Pombal, Maria I não cresceu à luz de suas ideias. Ela não pertencia à pequena elite culta e preocupada em aniquilar definitivamente toda e qualquer estrutura mental receptiva aos sistemas mágicos dos quais fazia parte o demônio, o inferno, o pecado. O milagre era parte intrínseca de sua vida. As ações divinas ou demoníacas a guiavam. O grande livro do mundo continuava imerso em explicações binárias do tipo certo e errado, de Bem e do Mal. A luz da ciência ainda não entrara na sua intimidade ou na maneira de pensar. Para ela, a natureza obedecia a um sistema oculto e inacessível à razão humana, pelo menos, à dela. Entre crer e saber, ela optou: Cria”.[1] Mentalmente instável, desde 1792 foi obrigada a aceitar que o filho d. João VI tomasse conta dos assuntos de Estado.

[1] PRIORE, Mary del. D. Maria I: as perdas e glórias da rainha que enrou para a história como “a louca”, São Paulo: Benvirá, 2019, p.195




sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A oficina medieval

 

Na loja medieval: o artesão vendia sua própria produção[1] As lojas justapostas na mesma rua não mantinham concorrência entre si[2] Segundo Arlette Farge nos prédios de apartamentos parisienses, encravado em suas ruas estreitas, eram cheios de passagens  que ligavam a oficina ao pátio com partes internas ou balcões exteriores ao redor dos pátios, no entanto sugere que a concorrência não estava ausente: “a oficina , espaço tradicional de trabalho do artesão, seus empregados e aprendizes, é um local intermediário entre o exterior e o interior. Balcões e bancas estendem-se para a rua, abrem-se para fora. Clientes e artesãos podem conversar o dia inteiro. Longe de ficar trancados, os empregados logo se informam de tudo que acontece nas redondezas, o que facilita muitas formas de intercâmbio e de solidariedades. Ninguém pode ignorar as disputas entre patrões e empregados e ao primeiro olhar dos transeuntes distinguem as oficinas organizadas daquelas que não o são. Em um contexto de tal proximidade, a competição atinge o auge: o mestre não hesita em nadar seu aprendiz espionar pela janela os clientes de seu vizinho para melhor agarrá-los”.[3]

[1] http://cidade114.rssing.com/chan-25137763/all_p4.html

[2] FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 104

[3] FARGE, Arlette. Famílias, a honra e o sigilo. In: ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger. História da vida privada v. 3 Da Renascença ao século das Luzes, São Paulo: Cia das Letras,1991, p.587



sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A dama e o unicórnio

 

Em Paris o museu de Cluny mostra a tapeçaria La dame à la licorne, do século XV com uma cena representando uma bela mulher que recebe a visita de um unicórnio[1], símbolo da virgindade.[2] Na parte central da figura a dama é apresentada a um pote de joias. Por muito tempo se acreditou que a jovem retirada um colar do pote, mas na interpretação atual, ao contrário, ela retira a joias que vestia em seu pescoço para colocá-lo no pote. Não se trata, portanto, de uma escolha de joalheria, mas de uma renúncia à joalheria. A inscrição tecida no topo do pavilhão "Ao meu único desejo" vinculado a este gesto esclarece o sentido da cena, relacionado ao conceito de livre arbítrio - Liberum arbitrium que mostra a submissão dos sentidos.[3] Segundo a lenda medieval um unicórnio somente poderia ser capturado quando sua cabeça repousasse sobre o colo de uma virgem o que foi interpretado pela Igreja como uma outra imagem para Cristo.[4] Somente quando repousando sobre o corpo da virgem é possível extrair seu chifre. O ser macho fêmea combina aspectos femininos (corpo de virgem) e masculinos (chifre único) simbolizando dois sexos latentes no mesmo ser. A cena simboliza o Cristo tornando-se humano ao nascer do corpo de uma virgem.[5]



[1] GOFF, Jacques. A idade média explicada aos meus filhos, Rio de Janeiro:Agir, 2007, p. 97

[2] DELORT, Robert. Animais. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 78; GOFF, Jacques. Maravilhoso. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 133

[3] Musée de Cluny, Ministère de la Culture et de la Communication, Paris, 1979, p. 67

[4] In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 167

[5] READER’S, DIGEST Os últimos mistérios do mundo.Rio de Janeiro, 2003, p. 46



segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Os livreiros e jornais no Brasil do final do século XIX

 

Na rua do Ouvidor encontravam-se diversas livrarias como as francesas Villeneuve no nº 65, Laemmert no nº 68 que editava o famoso Almanak Lambert e que foi por muito tempo a principal concorrente da livraria Garnier no nº 69, a Mongie no nº 91, a Cremière no nº 104, a Firmin  Didot no nº  118 que editou a Viagem Pitoresca de Debret em três volumes, e Francisco Alves. Em meados do século Joaquim Manuel de Macedo publica as suas Memórias  da Rua do Ouvidor de 1878 e descreve a livraria Mongie como “ponto de encontro de escritores e intelectuais que podiam contar com uma conversa animada, culta e interessante”.[1] Homens de negócios, políticos e burocratas se encontravam nas livrarias Laemmert ou Garnier na rua do Ouvidor que pelos fins do século XIX é uma “colmeia movimentada e rumorosa”[2] para trocar ideias: “O Ouvidor era, então, o local público para a expressão da fantasia de identificação da elite”.[3] Os alemães Eduardo e Henrique Laemmert fundaram sua casa editorial em 1838, enquanto Batista Luís Garnier, que os maledicentes chamavam de Bom Ladrão Garnier chegou ao Brasil em 1844.[4] Laurence Hallowell mostra que durante o segundo reinado por décadas a imprensa usufruiu de liberdade sem paralelo. De 1870 a 1872 surgiram no país mais de vinte jornais republicanos questionando a monarquia.[5] Hallewell mostra que após a República, o que se verifica é a restrição da liberdade de imprensa que coincide com o falecimento dos três maiores livreiros do país, Eduardo (1880), Henrique Laemmert (1884) e Luis Garnier (1893). Segundo  José Veríssimo de Matos: “Nos últimos vinte anos do império nenhuma imprensa seria mais livre no mundo. Com a República essa liberdade diminui sensivelmente , tornando-se vulgar, em todo o país, a destruição, o incêndio, o empastelamento de tipografias, os ataques pessoais, ferimentos, mortes ou tentativas  de morte de jornalistas”. Em 1890 o jornal A Tribuna foi depredado por militares por críticas ao novo governo. Angelo Agostini publica uma áspera nota na Revista Ilustrada: “Somos pela liberdade de opinião. O ataque à Tribuna causou-nos enojamento. Foi um ato de barbárie nada admirável na Cafrária. Jamais pensamos  que na capital federal houvesse um grupo de homens tão miseráveis, tão iníquos, ao ponto de desbaratarem um jornal, jamais nos passou pela ideia que este fato tão mesquinho, tão repugnante, tivesse lugar sob o regime de todas as liberdades concedidas pela lei”. [6] Segundo Hallowell, enquanto a velha aristocracia açucareira  do Nordeste encarava a cultura como uma marca de nobreza, os novos ricos fazendeiros de café republicanos consideravam a riqueza e não a educação o maior valor.[7] Na livraria Laemert era comum a visita de Rui Barbosa ao final das sessões no Senado.[8] Na livraria eram publicados as revistas “A vida moderna” de Arthur Azevedo e Luiz Murat. Não havia uma lei de direitos autorais eficaz até 1898 pois o artigo 261 do Código Criminal  do Império de 1830 permanecia letra morta nesse sentido. Ainda assim em 1880 Paulina Proença ganhou processo junto a Suprema Corte contra Antonio Mello por reimprimir o livro Guia médico cirúrgico de seu falecido marido com base em violação do artigo 179 parágrafo 22 da Constituição  Imperial. Os portugueses se queixavam de constantes violações impunes de seus direitos autorais por impressores brasileiros o que levou a reação como se observa na Revista Lisboense de 16 de dezembro de 1847, ainda que em Portugal a primeira lei de direito autoral date apenas de 1851. Segundo Hallowell: “foi precisamente a ausência de proteção de direitos autorais estrangeiros que salvou a nascente industrial editorial brasileira de ser destruída pelas importações de Portugal e das impressões em português feitas em Paris, com suas edições maiores e, portanto, direitos autorais à parte,  custos mais baixos, Se essa indústria tivesse sido tragada no nascedouro, é difícil ver como é que os autores brasileiros lograriam obter a publicação de suas obras!”.[9]

[1] HALLEWELL, Laurence. O livro do Brasil, São Paulo: Edusp, 1985, p.80, 128

[2] EDMUNDO, Luiz. O Rio do meu tempo, Rio de Janeiro:Conquista, 1957, v.IV, p. 741

[3] NEEDELL, Jeffrey. Belle Epoque Tropical:sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século, São Paulo:Cia das Letras, 1993, p.120, 193

[4] SODRÉ, Nelson Werneck, A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 237

[5] SODRÉ, Nelson Werneck, A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 244

[6] SODRÉ, Nelson Werneck, A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 290, 293

[7] HALLEWELL, Laurence. O livro do Brasil, São Paulo: Edusp, 1985, p.182

[8] GERSON, Brasil. História das ruas do Rio, Rio de Janeiro: Brasiliana, 1965, p. 73

[9] HALLEWELL, Laurence. O livro do Brasil, São Paulo: Edusp, 1985, p.171, 174



Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...