segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Os livreiros e jornais no Brasil do final do século XIX

 

Na rua do Ouvidor encontravam-se diversas livrarias como as francesas Villeneuve no nº 65, Laemmert no nº 68 que editava o famoso Almanak Lambert e que foi por muito tempo a principal concorrente da livraria Garnier no nº 69, a Mongie no nº 91, a Cremière no nº 104, a Firmin  Didot no nº  118 que editou a Viagem Pitoresca de Debret em três volumes, e Francisco Alves. Em meados do século Joaquim Manuel de Macedo publica as suas Memórias  da Rua do Ouvidor de 1878 e descreve a livraria Mongie como “ponto de encontro de escritores e intelectuais que podiam contar com uma conversa animada, culta e interessante”.[1] Homens de negócios, políticos e burocratas se encontravam nas livrarias Laemmert ou Garnier na rua do Ouvidor que pelos fins do século XIX é uma “colmeia movimentada e rumorosa”[2] para trocar ideias: “O Ouvidor era, então, o local público para a expressão da fantasia de identificação da elite”.[3] Os alemães Eduardo e Henrique Laemmert fundaram sua casa editorial em 1838, enquanto Batista Luís Garnier, que os maledicentes chamavam de Bom Ladrão Garnier chegou ao Brasil em 1844.[4] Laurence Hallowell mostra que durante o segundo reinado por décadas a imprensa usufruiu de liberdade sem paralelo. De 1870 a 1872 surgiram no país mais de vinte jornais republicanos questionando a monarquia.[5] Hallewell mostra que após a República, o que se verifica é a restrição da liberdade de imprensa que coincide com o falecimento dos três maiores livreiros do país, Eduardo (1880), Henrique Laemmert (1884) e Luis Garnier (1893). Segundo  José Veríssimo de Matos: “Nos últimos vinte anos do império nenhuma imprensa seria mais livre no mundo. Com a República essa liberdade diminui sensivelmente , tornando-se vulgar, em todo o país, a destruição, o incêndio, o empastelamento de tipografias, os ataques pessoais, ferimentos, mortes ou tentativas  de morte de jornalistas”. Em 1890 o jornal A Tribuna foi depredado por militares por críticas ao novo governo. Angelo Agostini publica uma áspera nota na Revista Ilustrada: “Somos pela liberdade de opinião. O ataque à Tribuna causou-nos enojamento. Foi um ato de barbárie nada admirável na Cafrária. Jamais pensamos  que na capital federal houvesse um grupo de homens tão miseráveis, tão iníquos, ao ponto de desbaratarem um jornal, jamais nos passou pela ideia que este fato tão mesquinho, tão repugnante, tivesse lugar sob o regime de todas as liberdades concedidas pela lei”. [6] Segundo Hallowell, enquanto a velha aristocracia açucareira  do Nordeste encarava a cultura como uma marca de nobreza, os novos ricos fazendeiros de café republicanos consideravam a riqueza e não a educação o maior valor.[7] Na livraria Laemert era comum a visita de Rui Barbosa ao final das sessões no Senado.[8] Na livraria eram publicados as revistas “A vida moderna” de Arthur Azevedo e Luiz Murat. Não havia uma lei de direitos autorais eficaz até 1898 pois o artigo 261 do Código Criminal  do Império de 1830 permanecia letra morta nesse sentido. Ainda assim em 1880 Paulina Proença ganhou processo junto a Suprema Corte contra Antonio Mello por reimprimir o livro Guia médico cirúrgico de seu falecido marido com base em violação do artigo 179 parágrafo 22 da Constituição  Imperial. Os portugueses se queixavam de constantes violações impunes de seus direitos autorais por impressores brasileiros o que levou a reação como se observa na Revista Lisboense de 16 de dezembro de 1847, ainda que em Portugal a primeira lei de direito autoral date apenas de 1851. Segundo Hallowell: “foi precisamente a ausência de proteção de direitos autorais estrangeiros que salvou a nascente industrial editorial brasileira de ser destruída pelas importações de Portugal e das impressões em português feitas em Paris, com suas edições maiores e, portanto, direitos autorais à parte,  custos mais baixos, Se essa indústria tivesse sido tragada no nascedouro, é difícil ver como é que os autores brasileiros lograriam obter a publicação de suas obras!”.[9]

[1] HALLEWELL, Laurence. O livro do Brasil, São Paulo: Edusp, 1985, p.80, 128

[2] EDMUNDO, Luiz. O Rio do meu tempo, Rio de Janeiro:Conquista, 1957, v.IV, p. 741

[3] NEEDELL, Jeffrey. Belle Epoque Tropical:sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século, São Paulo:Cia das Letras, 1993, p.120, 193

[4] SODRÉ, Nelson Werneck, A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 237

[5] SODRÉ, Nelson Werneck, A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 244

[6] SODRÉ, Nelson Werneck, A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 290, 293

[7] HALLEWELL, Laurence. O livro do Brasil, São Paulo: Edusp, 1985, p.182

[8] GERSON, Brasil. História das ruas do Rio, Rio de Janeiro: Brasiliana, 1965, p. 73

[9] HALLEWELL, Laurence. O livro do Brasil, São Paulo: Edusp, 1985, p.171, 174



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...