quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Paulo e o helenismo

 

Marilena Chauí mostra que os padres da Igreja como Eusébio de Cesareia e judeus como Filo de Alexandria defendiam que a filosofia grega tinha como origem o pensamento do Oriente (egípcios, assírios, persas, caldeus, babilônios), procurando mostrar que o cristianismo e o judaísmo tinham as mesmas origens, no entanto segundo Marile Chauí embora haja provas desse vínculo “de fato os gregos imprimiram mudanças de qualidade tão profundas no que receberam do Oriente e das culturas precedentes, que atá pareceria terem criado sua própria cultura a partir de si mesmos”. Entre estas inovações a autora destaca que os gregos humanizaram os mitos destas culturas; transformaram uma boa parte desse conhecimento em racional e inventaram a política ao separar o poder político das outras formas tradicionais de autoridade como o chefe de família ou o mago.[1] Segundo Helmut Koester: “o cristianismo, que começou nos momentos iniciais do período imperail romano, entrou no mundo romano como uma religião helenística, especificamente como herdeira de uma religião judaica já helenizada”.[2] Esta influência do mundo greco romano está presente desde o início do cristianismo primitivo nas cartas de Paulo pois em sua época todos os judaísmos já estavam bastante helenizados de modo que não há como separar Paulo deste contexto. Wayne Meeks porém adverte que seria um erro enquadrar Paulo às correntes existentes de judaísmo rabínico[3]. Paulo citou diretamente trecho da comédia de Menandro ou Eurípedes como consta 1 Coríntios 15:33 (as pinturas encontradas nas paredes de algumas casas em èfeos mostram que essas comédias ainda eram bastante populares)[4] e o filósofo Epimenides e  o poeta Arato em Atos 17:28. Ronald Hock mostra que ainda que Paulo em 1 Coríntios 15:33 esteja citando um provérbio popular estes eram comumente usados pelos alunos quando aprendiam a ler o que pode revelar um traço da educação de Paulo. Ademais as dezenas citações da Septuaginta revelam que Paulo era uma pessoa com educação formal.[5] Ele da mesma forma citou Epimênides no livro de Tito 1:12 ainda que esta última não seja considerada uma carta de autoria de Paulo revela o hábito dos provérbios aprendidos na escola[6]. Segundo Paul Sampley: “não existe uma versão do evangelho sem suposições e convenções culturalmente situadas”.[7] Ao tratar do sofrimento humano Paulo aborda o tema usando ideias comuns da retórica grega em que invoca o sofrimento compartilhado dos amigos como presente nas obras de filósofos como Cícero, Diégenes Laércio, Plutarco entre outros.[8] Paulo usa frequentemnete um estilo estoico cínico da diatribe, uma homilia moral que faz uma afirmação moral direta para depois ilustrá-la com parábolas e narrativas. Este estilo polêmico escarnecia da linguagem técnica, usada por exemplo nos diálogos de Platão e utilizava como exemplos a língua vernácula e metáforas usadas por pessoas comuns, sem nenhum receio de ser rude.[9] Este recurso é sobretudo usado em suas cartas aos Coríntios e aos Romanos. [10] Há indícios no Novo Testamento de que Paulo foi julgado por suas habilidades retóricas como expõe em 2 Coríntios 10: 13.[11] Embora Paulo se mostre pouco à vontade com o uso consciente da arte retórica (1Cor 2: 1-5) são inúmeros os exemplos em que ele traça comparações para reforçar seu argumento, uma conhecida técnica de retórica dos gregos. Em Gálatas 4:25 diz que Agar / Monte Sinais está em paralelo (systoichei) com a Jerusalém de agora, usando um termo presente na retórica de Aristóteles. [12] Ademais esta influência greco romana é evidente pelo fato de que todo o Novo Testamento foi escrito em grego tendo em vista a evangelização dos gentios. Quando Paulo  após quase ter sido linchado  diante do templo é resgatado por um tribuno romano e perguntado se falava grego ele responde com um verso que ecoa o poeta Eurípedes: “Eu sou judeu de Tarso, da Cilícia, cidadão de uma cidade insigne” Atos 21:39. No texto pagão em um incidente semelhante numa briga diante do templo Clitofon declara: “Cavalheiros, que coisas sofri, eu, homem livre e de uma cidade insigne”.[13] Helmut Koester mostra como Paulo foi teve edução baseada na tradição da diatribe estoico cínica[14] e utilizou-se tanto da retórica apologética (forense) como a deliberativa ao escrever aos Gálatas em defesa de seu apostolado.[15] Lucas no livro de Atos dos Apóstolos 17:22 apresenta o discurso de Paulo junto ao Aerópago alinhado com a tradição da religião e da filosofias gregas. [16]

[1] CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, São Paulo: Ática, 2004, p. 34

[2] KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo testamento, V.I, São Paulo: Paulus, 2005, p. 44

[3] MEEKS, Wayne. Os primeiros cristãos urbanos, Rio de Janeiro: Paulus,2022, p. 81

[4] KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo testamento, V.I, São Paulo: Paulus, 2005, p. 134

[5] HOCK, Ronald. Paulo e a educação greco romana. In: SAMPLEY, Paul. Paulo no mundo greco romano, São Paulo: Paulus, 2008, p.185

[6] SAMPLEY, Paul. Paulo no mundo greco romano, São Paulo: Paulus, 2008, p.xv

[7] SAMPLEY, Paul. Paulo no mundo greco romano, São Paulo: Paulus, 2008, p.xviii

[8] FREDRICKSON, David. Paulo, as tribulações e o sofrimento. In: SAMPLEY, Paul. Paulo no mundo greco romano, São Paulo: Paulus, 2008, p. 154

[9] KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo testamento, V.I, São Paulo: Paulus, 2005, p. 159

[10] STAMBAUGH, John; BALCH, David. O Novo testamento em seu ambiente social,  São Paulo: Paulus, 2008, p. 132

[11] STAMBAUGH, John; BALCH, David. O Novo testamento em seu ambiente social,  São Paulo: Paulus, 2008, p. 112

[12] FORBES, Christopher. Paulo e a comparação retórica. SAMPLEY, Paul. Paulo no mundo greco romano, São Paulo: Paulus, 2008, p.143

[13] HOCK, Ronald. Paulo e a educação greco romana. In: SAMPLEY, Paul. Paulo no mundo greco romano, São Paulo: Paulus, 2008, p.196

[14] KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento, v.II, São Paulo: Paulus, 2005, p.114

[15] KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento, v.II, São Paulo: Paulus, 2005, p.78

[16] KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento, v.II, São Paulo: Paulus, 2005, p.344



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...