O Livro V das Ordenações Filipinas e o Regimento dos Degredados de 1582, prescreviam o degredo para o Brasil: “Mandamos, que qualquer pessoa, que furtar um marco de prata, ou outra coisa alheia, que valer tanto, como o dito marco, estimada em sua verdadeira valia, que a dita prata valer ao tempo do furto, morra por isso. E se for provado que alguma pessoa abriu alguma porta ou entrou em alguma casa que estava fechada seja pela porta, janela, telhado ou por qualquer outra maneira, e que furtou meio marco de prata, ou sua valia, ou daí para cima, morra por isso morte natural. E posto que não se lhe prove, que furtou coisa alguma da dita casa, queremos que somente pelo abrir da porta ou entrar na casa com ânimo de furtas, seja açoitado publicamente e degredado para sempre para o Brasil”.[1] Já em 1535 no Alvará de João III o Brasil é nominalmente citado como lugar de degredo para os condenados da ilha de São Tomé na África. Roberto Pompeu de Toledo mostra que entre os primeiros povoadores da vila de São Paulo não poucos eram criminosos como Frutuoso da Costa que em 1573 assumiu o posto de notário da Câmara, mas que posteriormente teve de responder a processo aberto pela própria Câmara por fraude.[2] Charles Boxer registra a dificuldade na arregimentação de voluntários na metrópole portuguesa para o serviço militar nas colônias, o que levava ao recrutamento compulsivo de mendigos e vagabundos. Quase todos os navios que partiam de Lisboa para a Índia, Africa ou Brasil nos séculos XVII e XVIII transportavam a sua cota de degredados.[3] Segundo Simei Torres[4]: “O Brasil foi local preferencial de degredo inquisitorial durante o século XVII, com maior concentração desta prática entre 1651 e 1700, quando 80% dos acusados nos autos-de-fé foram condenados ao exílio em território brasileiro [...] faltas hoje vistas como irrelevantes eram consideradas como crimes graves e punidos com açoite e degredo para o Brasil. Punia-se com a deportação tanto crimes imperdoáveis como os não infamantes ou simples ofensas cometidas por pessoas de boa reputação”. Segundo Oliveira Lima em "O movimento da independência" afirma: "A colonização brasileira levada a cabo por degredados é uma lenda já desfeita. Nem ser degredado equivalia então forçosamente a ser criminoso, no sentido das idéias modernas. Punia-se com a deportação delitos não infamantes e até simples ofensas cometidas por gente boa. Os dois maiores poetas portugueses, Camões e Bocage, sofreram a pena de degredo na India, como Ovídio sofreu a de banimento no Ponto Euxino". Tomé de Souza teria trazido seiscentos degredados em 1549 [5] Nas Cartas do Brasil, Nóbrega se queixa dos degredados enviados ao Brasil: “a esta terra não vieram até agora senão desterrados da mais vil e perversa gente do Reino “ . O capitão donatário Duarte Coelho, em 1546, escreve ao Rei para que não se mande mais degredados a Pernambuco “Certifico a Vossa Alteza e lh’o juro pela hora da morte, que nenhum fruto nem bem fazem na terra, mas muito mal. Creia V.A. que são piores cá na terra que peste; pelo eu peço a V.A. que pelo amor de Deus tal peçonha me cá não mande”.[6] Para Helio Vianna: “Dos primeiros povoadores do Brasil merecem especial atenção os degredados e os criminosos homiziados, quer pelo número, relativamente elevado, dos que aportaram à nova terra, nos dois primeiros séculos, quer pelas exageradas conclusões a que têm chegado, a respeito, alguns comentaristas desse aspecto do sistema colonial português”. Eric Wiliams em seu estudo da colonização dos Estados Unidos observa que crimes relativamente brandos como o furto de tecido na Inglaterra era punido com degredo: “é difícil resistir à conclusão de que havia alguma ligação entre a lei e a demanda de mão de obra nas fazendas, e o que admira é que tão pouca gente tenha ido para as colônias do ultramar”. O governo da Virgínia recebeu de bom grado os degredados pois era “uma maneira rápida de nos fornecer homens e nem sempre da pior espécie”. [7]
[1] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, São Paulo: Saraiva, 1993,
p.39
[2] TOLEDO, Roberto Pompeu
de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 133
[3] BOXER, Charles, O
império colonial português (1415-1825), Lisboa:Edições 70, 1969, p. 298
[4] TORRES, Simei. O
degredo como punição: a pena de degredo para o Brasil no Livro V das Ordenações
Filipinas, Aedos. V.9, n.20, 2017
https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/73080
[5] ABREU, Capistrano de.
Capítulos de História colonial, Rio de Janeiro: Briguet & cia, 1934, p.51;
GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre:
Sulina, 2014, p. 182
[6] COSTA, Thaís Tanure.
Nas terras remotas o diabo anda solto: degredo, inquisição e escravidão no
mundo Atlântico português (sec XVI a XVIII), Dissertação Mestrado, Belo
Horizonte:UFMG, 2018,
https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/30031/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Tha%C3%ADs%20Tanure_vercorrigformatada.pdf
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